Capítulo 38 - Thibault, Beth e Clayton
Thibault finalmente conseguiu chegar à entrada do
canil com suas botas encharcadas e pesadas. Zeus ficou ao seu lado o tempo
todo. Só diminuindo o ritmo quando a água atingiu a altura dos joelhos. Mais
para frente viu o carro, o caminhão e o SUV. Ao se aproximar, percebeu as luzes
no alto e soube que Clayton estava na casa.
Apesar da exaustão, correu para frente, pisando duro a
lama. Zeus ao seu lado como um golfinho saltando pelas ondas. Quanto mais
Thibault corria, mais distante parecia estar, mas finalmente passou pelo
escritório do canil e foi em direção à casa. Foi aí que notou a presença de
Nana na varanda, apontando uma lanterna para a mata.
Mesmo de longe, dava para notar que ela estava em
pânico.
— Nana — chamou, mas a tempestade impedia que o som da
sua voz chegasse até ela. Um pouco de pois, ela deve ter ouvido, pois virou em
sua direção, apontando a lanterna para ele.
— Thibault?
Thibault esforçou-se para dar os últimos passos. A
chuva o chicoteava de todos os lados, e a luz fraca dificultava a visão.
Diminuiu o ritmo, tentando recuperar o fôlego.
— O que aconteceu? — gritou.
— Ben desapareceu.
— Como assim, desapareceu? O que houve?
— Não sei! Clayton estava aqui, e Beth veio procurar
por Ben... e então os dois saíram correndo para o riacho. Ouvi alguma coisa
sobre a casa da árvore.
Um segundo depois, Thibault estava se embrenhando na mata,
com Zeus ao seu lado.
A chuva e o vento balançavam os galhos de ambos os
lados, cortando seus rostos e mãos. O caminho estava bloqueado por dúzias de
troncos caídos, forçando Beth e Keith a se
enfiar no meio dos arbustos e das vinhas para poder passar por eles. Beth
tropeçou e caiu duas vezes, atrás dela ouviu o mesmo acon-tecer com Keith. A
lama estava grossa e viscosa; na metade do caminho, Beth perdeu um par de
sapatos, mas não parou.
A casa da árvore. A ponte. Só adrenalina e medo a
impediam de vomitar. Em sua mente, via seu filho na ponte na mesma hora em que
ela desabava.
Nas sombras tropeçou novamente em um galho de árvore
que estava meio podre e sentiu uma dor extrema no pé. Levantou-se o mais rápido
possível, tentando ignorar a dor, mas, assim que colocou o pé no chão, caiu
novamente. Nesse momento, Keith já estava ao lado dela, levantou-a sem dizer
nada. Segurando-a pela cintura, foi arrastando-a para frente.
Os dois sabiam que Ben estava em perigo.
Clayton esforçou-se para não entrar em pânico. Ficava
repetindo a si mesmo que Ben era inteligente, que perceberia o perigo, que não
brincaria com a sorte. Ben era a criança mais valente de todas. Pela primeira e
única vez na sua vida, sentia-se agradecido por isso.
Mesmo lutando contra os arbustos, Beth mancando ao seu
lado, Clayton não poderia ignorar o que via. Muito além da margem, quase aos
pés deles, viu o riacho, correndo mais largo e mais rapidamente do que jamais
tinha visto.
Thibault tinha corrido muito, abrindo caminho no meio
da lama e da água, forçando-se a não diminuir o ritmo, mas sentia que, a cada
passo que dava, ficava mais difícil manter o ritmo frenético. Galhos e vinhas
batiam em seu rosto e em seus braços, causando cortes que nem sentia enquanto
corria.
Tirou a capa de chuva e depois a camisa para continuar
correndo.
Dizia a si mesmo que estava perto, que não faltava
muito.
E nas profundezas de sua mente, ouvia a voz de Victor
ecoando: "Ainda tem mais".
Beth sentia os ossos de seus pés batendo uns nos
outros a cada passo, enviando ondas de fogo a toda parte inferior de seu corpo,
mas recusava-se a gritar ou chorar.
Ao chegarem perto da casa da árvore, o riacho estava
ainda mais largo, com a correnteza formando redemoinhos. A água salobra formava
pequenas ondas ao redor dos galhos caídos pela margem, que a água ia
escondendo. A água turbulenta arrastava
uma quantidade suficiente de entulho capaz de deixar qualquer pessoa
inconsciente.
A chuva era torrencial. A poucos metros de distância o
vento tinha derrubado outro galho. A lama parecia sugar a energia dos dois. Mas
sabia que tinha chegado ao carvalho: no meio do temporal, conseguiu ver a ponta
da corda, como um mastro de um navio finalmente avistado em um porto coberto
pela névoa. Seus olhos foram da escada à corda da ponte e à plataforma
central... A correnteza passava por cima dela, e o entulho se acumulava. Seu
olhar foi da corda da ponte para a plataforma da casa da árvore, percebendo o
estranho ângulo de oscilação da ponte. Não estava há mais do que 30 centímetros
da água porque a plataforma havia sido separada do antigo apoio estrutural da
casa da árvore, claramente prestes a desabar.
Como se estivesse em um pesadelo, subitamente viu Ben
no meio do riacho, agarrado à corda da ponte debaixo da plataforma da casa da
árvore. Só então se permitiu gritar.
Clayton sentiu o medo percorrer suas veias assim que
viu Ben agarrado à corda da ponte. Sua mente raciocinava freneticamente.
Era muito longe para nadar até o outro lado, e não
havia tempo para isso.
— Fique aí! — gritou para Beth ao correr para a escada
da árvore. Subiu e correu pela ponte, desesperado para chegar até Ben. Estava
vendo a plataforma da casa afundar. Ia desabar assim que a força da correnteza
a atingisse.
No terceiro passo, a tábua podre quebrou, e Clayton
caiu pela plataforma central, quebrando as costelas em queda livre em direção à
água. Fez tudo o que pôde para se agarrar à corda, ao atingir as águas turbulentas.
Esforçou-se para segurar com força quando mergulhou, sentindo sua roupa puxá-lo
para baixo. A corda esticou, e ele percebeu que estava sendo puxado pela
corrente. Segurou firme, tentando manter a cabeça fora da água, batendo as
pernas desesperadamente.
Veio à superfície ofegante: suas costelas quebradas
explodindo de dor, deixando tudo obscuro por um momento. Em pânico, segurou a
corda com a outra mão, lutando contra a correnteza.
Enquanto se segurava, ignorando a dor, galhos caíam
sobre seu corpo antes de seguirem, rodopiando violentamente. A correnteza batia
com força em seu rosto, impedindo a visão, tornando difícil pensar em qualquer
outra coisa que não fosse sua sobrevivência. Na sua luta, não percebeu que os
pilares que sustentavam a plataforma central
sobre o peso do seu corpo começaram a se inclinar com a força da correnteza.
Beth tentava andar, mesmo mancando. Deu três passos e
caiu de novo. Colocou as mãos na boca e gritou.
— Use a corda para se mover, Ben! Fique longe da
plataforma! Você consegue!
Não tinha certeza se ele conseguia ouvi-la, mas, um
pouco depois, ele começou a se distanciar da plataforma, em direção à forte
correnteza no centro do riacho. Em direção ao pai dele...
Keith estava se debatendo, mal estava se aguentando...
Tudo parecia acelerar e diminuir o ritmo na mesmo hora
em que percebeu uma súbita movimentação ao longe, um pouco acima da correnteza.
Do canto do olho, viu Logan, tirando suas botas e suas roupas.
Pouco depois, mergulhou na correnteza, seguido por Zeus.
Clayton sabia que não ia aguentar muito tempo. A dor
em suas costelas era insuportável, e a correnteza continuava a abatê-lo. Só
conseguia respirações curtas e lutava contra a morte iminente.
A correnteza implacável arrastava Thibault dois metros
a cada metro que ele conseguia nadar. Sabia que poderia voltar para trás por
terra, assim que conseguisse chegar à margem oposta, mas não tinha muito tempo.
Focando sua atenção em Ben, nadou com toda sua força.
Um grande galho caiu em cima dele, fazendo-o afundar
por um momento. Quando voltou à superfície novamente, ainda desorientado, viu
Zeus atrás dele, nadando com vigor. Se recompôs e voltou a nadar esforçando-se
desesperadamente. Em pânico, viu que não havia atingido nem o centro do riacho.
Beth viu Ben mover-se pela corda e arrastou-se para
ficar mais próxima da margem.
— Vamos! Você consegue! Aguente firme, querido! —
soluçava.
Enquanto tentava nadar, Thibault bateu na plataforma
central da ponte. Rolou na água, girou descontroladamente; e, pouco depois,
bateu em Clayton. Em pânico, Clayton segurou em seu braço com a mão livre e
afundou Thibault, que girou e tentou segurar na corda, conseguindo pegá-la
quando Clayton a soltou. Clayton agarrou-se
a Thibault, subindo nele em um esforço frenético para conseguir respirar.
Thibault lutou debaixo da água, segurando a corda com
uma mão, mas sem conseguir se libertar de Clayton. Sentiu que os pulmões iam
explodir ao mesmo tempo em que o pânico começava a dominá-lo.
Nesse exato momento, os pilares balançaram novamente,
o peso dos corpos de Clayton e Thibault era demais para agüentarem e, com um
som de algo que está se rasgando, a plataforma cedeu completamente.
Beth observou Keith e Logan lutarem um pouco antes de
os restos da corda que se prendiam à plataforma central terem se soltado. Do
outro lado, a casa da árvore mergulhou no riacho, causando uma enorme erupção
de água e levando Ben corrente abaixo. Horrorizada, viu que ele continuava
preso à corda que se prendia à plataforma central, que agora rodopiava no meio
da correnteza.
Zeus estava perto de Keith e Logan quando a plataforma
central caiu subitamente, como uma concha empurrada pelas ondas. Zeus
desapareceu de vista.
Tudo estava acontecendo tão rapidamente; não conseguia
mais ver Logan nem Keith, e só depois de procurar freneticamente pela água é
que viu a cabeça de Ben, a um milímetro dos entulhos.
Ouviu os gritos agudos de Ben, e viu o esforço que
estava fazendo para manter a cabeça fora d'água. Levantou-se novamente e
mancou, imune à dor, tentando desesperadamente não perder seu filho de vista.
E então, como em um sonho que se torna realidade, viu
uma cabeça escura, reluzente, movendo-se diretamente para seu filho.
Zeus.
Ouviu Ben chamar o cachorro e de súbito sentiu seu
coração aliviar-se.
Mancou e caiu, levantou e caiu novamente. Finalmente,
decidiu rastejar para tentar ver o que estava acontecendo. Usou os galhos para
se arrastar para frente. Zeus e Ben iam diminuindo conforme iam sendo levados
pela correnteza, mas Zeus estava cada vez mais próximo.
Subitamente, os dois emergiram e Zeus virou-se para a
margem do riacho. Ben atrás dele, agarrado à cauda.
— Bata as pernas, querido! Força! — gritou.
Mancou, pulou e
arrastou-se para tentar acompanhar a correnteza, mas não obteve sucesso. Ben e
Zeus distanciavam-se cada vez mais. Endireitou o corpo para tentar
acompanhá-los com os olhos; haviam alcançado o centro do riacho... não, haviam
passado o centro.
Continuou indo, lutando com toda força que lhe restava
para mantê-los em seu campo de visão, tentando aproximar-se, o instinto
vencendo-a. Em vez da dor no pé, sentia o coração bater mais forte a cada passo
dado.
Só faltava um terço para chegar à margem do riacho...
a correnteza estava mais fraca... só um quarto...
Ela continuava indo, agarrando-se em galhos e
empurrando-se para frente. Estavam perdidos no meio da folhagem, foram alguns
minutos de agonia até avistá-los novamente.
Quase lá... permitindo que o alívio tomasse seu
lugar... só mais um pouquinho... Por favor, Deus... só mais um pouquinho...
E lá estavam eles. Ben colocou primeiro o pé e depois
soltou Zeus. Depois, Zeus foi um pouco mais adiante e pisou a margem também.
Beth foi na direção deles ao vê-los saírem da água, ainda assustados.
Zeus estava exausto e desabou assim que atingiu terra
firme. Ben fez o mesmo logo em seguida. Quando Beth conseguiu encontrá-los,
Zeus já estava de pé, suas pernas tremendo de cansaço, encharcado e tossindo.
Beth foi ao chão ao lado de seu filho e colocou-o sentado
quando começou a tossir como Zeus.
— Está tudo bem?
— Estou bem — voltou a tossir e tirou a água do rosto.
— Estava com medo, mas lembrei-me da fotografia no bolso. Thibault disse que
ela ia me manter a salvo. Onde está papai? E Thibault?
Depois
de suas perguntas, os dois começaram a chorar.
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