Capítulo 6 - Thibault

Voltando do salão de bilhar, Thibault lembrou-se da sua segunda ida ao Iraque. Foi em Fallujah, na primavera de 2004.0 Primeiro Batalhão do Quinto Regimento, junto com outras unidades, foi enviado para pacificar a violência crescente que se seguiu à queda de Bagdá, um ano antes. Os civis sabiam o que esperar e começaram a fugir da cidade, bloqueando as estradas. Talvez um terço da cidade foi evacuado dentro de um dia. Auxílio aéreo foi enviado, e depois os fuzileiros. Avançavam quarteirão por quarteirão, casa por casa, cômodo por cômodo, em um dos combates mais intensos desde o ao da invasão. Em três dias foi possível controlar um quarto da cidade, mas o grande número de baixas civis levou a um cessar-fogo. Foi decidido abandonar a operação e a maioria das forças bateu em retirada, incluindo a companhia de Thibault.
Mas nem toda a companhia se retirou.
No segundo dia da operação, na parte industrial da cidade, Thibault e seu pelotão receberam ordens para investigar um prédio em que supostamente havia um depósito de armas. Não sabiam dizer, porém, exatamente qual o prédio; era qualquer uma das 12 estruturas dilapidadas, geminadas, perto de um posto de gasolina, que formavam um semicírculo. Thibault e seu pelotão foram em direção a esses prédios, procurando manter-se bem longe do posto de gasolina. Metade foi pela direita e a outra metade foi pela esquerda. Em um minuto, tudo estava calmo e, em seguida, o tumulto começou. De repente, o posto de gasolina explodiu. As chamas subiam em direção ao céu; a explosão, de estourar os tímpanos, levou metade dos homens ao chão. Thibault sentiu-se tonto; sua visão periférica escureceu e todo o resto estava obscuro. Subitamente, uma chuva de fogo jorrava das janelas, dos telhados e das carcaças dos carros abandonados nas ruas.
Thibault viu-se no chão ao lado de Victor. Mais dois homens do pelotão, Matt e Kevin — cujos apelidos eram Mad Dog e K-Man —, respectivamente estavam com eles e foi aí que o treinamento falou mais alto, assim como o espírito de irmandade. Apesar de ataque, apesar do medo, apesar da morte iminente, Victor levantou sua arma e ficou de joelhos, apontando para o inimigo. Atirou uma vez, duas vezes, movimentos calmos e concentrados, impassível. Mad Dog pegou sua arma e imitou a atitude do companheiro. Foram levantando um a um, um a um formaram equipe de atiradores. Atirar. Proteger-se. Prosseguir. Só que não dava para prosseguir. Um fuzileiro caiu em seguida outro. Depois, o terceiro e o quarto.
Na hora em que os reforços chegaram, já era tarde. Mad Dog tinha sido atingido na artéria femoral; apesar de terem feito um torniquete, a hemorragia o levou à morte em minutos. Kevin levou um tiro na cabeça e morreu na hora. Outros dez ficaram feridos. Só alguns escaparam ilesos, dentre eles, Thibault e Victor.
No salão de bilhar, um dos jovens com quem havia falado o fez lembrar de Mad Dog. Poderiam ter sido irmãos, mesma altura, mesmo peso, mesmo jeito de falar e, por um instante, Thibault pensou se não seriam mesmo irmãos, mas disse a si mesmo que isso não seria possível.
Sabia que seu plano era arriscado. Em cidades pequenas, os estranhos são sempre suspeitos, e, no fim da noite, viu o cara magrelo, de pele ruim, telefonan-do perto dos banheiros, olhando para ele nervosamente enquanto falava ao telefone. Antes de telefonar também estava nervoso, e Thibault concluiu que ele foi telefonar para a mulher da fotografia, ou era alguém próximo a ela. Sua suspeita se confirmou quando Thibault saiu. Como era previsto, o homem o seguiu até a porta para ver que caminho ia fazer, por isso Thibault foi na direção totalmente oposta, depois voltou.
Quando chegou a um salão de bilhar de quinta categoria, passou pelo bar e foi direto para as mesas de sinuca. Não levou muito tempo para identificar homens da faixa etária de seu interesse; a maioria parecia ser solteira. Pediu para jogar também e ouviu um resmungo como resposta. Mostrou-se simpático, pagou umas rodadas de cervejas e perdeu algumas partidas para que os demais começassem a aceitá-lo.
De forma casual, começou a perguntar sobre a vida social da cidade. Perdia algumas tacadas e os cumprimentava por seus acertos.
Começaram a fazer perguntas sobre ele. De onde era? O que estava fazendo ali? Rodeou e hesitou, murmurando algo sobre uma garota, e mudou de assunto. Deixou a curiosidade de todos satisfeita. Pagou mais uma rodada de cerveja e eles começaram a perguntar novamente, então, relutante, contou sua história: disse que havia ido à feira com uma amiga há anos e havia conhecido uma garota. Eles se deram bem. Ficou falando sobre como ela era maravilhosa e que havia dito para procurá-la se algum dia aparecesse por lá novamente. E era isso que queria fazer, mas o problema é que não conseguia se lembrar do nome dela
— Não se lembra do nome dela?
— Não. Nunca fui bom em guardar nomes.
Levei uma tacada de beisebol na cabeça quando era criança e não tenho memória boa — disse, encolhendo os ombros, sabendo que iam rir dele, e riram.
— Mas tenho uma fotografia — disse, como se só tivesse pensado nisso naquele momento.
— Está com você?
— Acho que sim.
Revirou os bolsos e pegou a fotografia. Os homens reuniram-se ao seu redor. Um pouco depois, um dele balançou a cabeça negativamente.
— Deu azar. Ela não está disponível.
— É casada?
— Não, mas garanto que não sai com ninguém. O ex dela não deixa, e, pode acreditar em mim, você não ia querer se meter com ele.
Thibault engoliu em seco.
— Quem é ela?
— Beth Green. É professora na escola de Hampton e mora com a avó no Canil Sunshine.
Beth Green. Ou, mais precisamente, Elizabeth Green, Thibault pensou.
"E".
Foi quando conversavam que percebeu que um dos caras a quem havia mostrado a fotografia tinha saído de fininho.
— Então, acho que não tive sorte — disse, guardando a fotografia.
Ficou mais meia hora para apagar qualquer suspeita. Conversou sobre assuntos gerais. Percebeu que o estranho de pele ruim tinha telefonado, mas também notou decepção em sua expressão. Como uma criança que é castigada por ser dedo-duro. Bem feito. Mesmo assim, Thibault ficou com a sensação de que ainda se encontrariam. Pagou mais cervejas, perdeu mais algumas rodadas, olhando para a porta de vez em quando para ver se ninguém entrava. Ninguém entrou. Sendo assim, ergueu os Tacos e disse que o dinheiro havia acabado. Hora de ir embora. A noite custou um pouco mais de 100 dólares. Asseguraram-lhe que seria bem-vindo a qualquer hora.
Ele mal os ouviu. Tudo o que conseguia pensar é que agora tinha um nome para dar àquele rosto, e o próximo passo seria encontrá-la.

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