Capítulo 7

– Olá! Sou Larry, o seu garçom! – disse Larry, o garçom dos órfãos Baudelaire. Era um homem baixo-te, magrinho, metido numa ridícula roupa de palhaço com uma etiqueta que trazia o nome LARRY pregada no peito.  – Bem-vindos ao restaurante Palhaço Ansioso, onde todos se divertem, gostem ou não. Vejo que temos uma família inteira reunida para almoçar hoje, de modo que me permitam recomendar-lhes a Entrada Familiar Especial Super-divertida. É um monte de coisas fritas juntas e servidas com um molho.  
 – Que ideia maravilhosa! – disse o capitão Sham, sorrindo de uma forma que deixava à mostra todos os seus dentes amarelos.  – Uma Entrada Familiar Especial Superdivertida para uma família especial superdivertida: a minha.
 – Eu vou querer apenas água, obrigada – disse Violet.
 – O mesmo para mim – disse Klaus.  – E um copo com cubos de gelo para minha irmãzinha, por favor.
 – Eu aceito uma xícara de café com creme desnatado – disse o Sr. Poe.
 – Não, senhor, Sr. Poe – disse o capitão Sham.  – Vamos dividir uma bela garrafa de vinho tinto.
 – Não, obrigado, capitão Sham – disse o Sr. Poe.  – Não gosto de beber durante o expediente bancário.
 – Mas este é um almoço comemorativo! – exclamou o capitão Sham.  – Faríamos um brinde a meus três novos filhos. Não é todo dia que um homem se torna pai.  
 – Por favor, capitão – disse o Sr. Poe.  – É animador ver que o senhor está feliz porque vai cuidar dos Baudelaire, mas deve entender que as crianças ficaram sentidas com a morte de tia Josephine.
Há um lagarto chamado camaleão que, como vocês provavelmente sabem, muda de cor de um instante para outro a fim de se harmonizar com o ambiente e dele não se diferenciar. Além de ser escorregadio e ter um sangue-frio notável, o capitão Sham também podia se dizer camaleônico, por sua capacidade de se harmonizar com qualquer situação. Desde que o Sr. Poe e os Baudelaire entraram no Palhaço Ansioso, o capitão Sham não conseguira disfarçar a emoção de ter as crianças praticamente nas suas garras. Mas bastou o Sr. Poe mencionar que a ocasião era na verdade triste, para que imediatamente o capitão Sham começasse a falar com voz compungida. 
 – Também fiquei sentido – disse, enxugando uma lágrima debaixo da venda que tinha num dos olhos.  – Josephine era uma das minhas mais antigas e queridas amigas.
 – Mas você a conheceu ontem – disse Klaus,  – na mercearia.
 – É como se tivesse sido ontem – disse o capitão Sham,  – mas na verdade foi há muitos anos. Ela e eu nos conhecemos numa escola de culinária. Éramos colegas no Curso Avançado de Utilização do Forno.
 – Vocês não foram colegas no Curso Avançado de Utilização do Forno coisa nenhuma – disse Violet, enojada das mentiras do capitão Sham.  – Tia Josephine morria de medo de acender o forno. Ela jamais teria frequentado uma escola de culinária.
 – Logo nos tornamos amigos – disse o capitão Sham, continuando com a história como se ninguém o houvesse interrompido,  – e certa vez ela me disse: 'Se algum dia eu adotar órfãos e em seguida vier a ter uma morte prematura, prometa-me que cuidará deles por mim'. Disse-lhe que assim faria, mas, é claro, jamais imaginei que teria que cumprir minha promessa.
 – Que história triste – disse Larry, e todos se voltaram e viram que o seu garçom ainda estava ali, diante deles.  – Não percebi que era uma ocasião triste. Nesse caso, permitam-me recomendar-lhes os Cheesebúrgueres Chistosos. Os picles, a mostarda e o ketchup compõem um rosto sorridente no alto do sanduíche, que, com toda a certeza, há de arrancar um sorriso de vocês também. 
 – Parece uma ótima ideia – disse o capitão Sham.  – Traga Cheesebúrgueres Chistosos para todos, Larry.
 – É pra já! – prometeu o garçom, e finalmente se retirou.
 – Muito bem, muito bem – disse o Sr. Poe,  – mas uma vez terminados os cheesebúrgueres, capitão Sham, há alguns papéis importantes que o senhor deve assinar. Estão na minha maleta, e depois que almoçarmos cuidaremos disso.
 – E então as crianças serão minhas? – perguntou o capitão Sham.
 – Bem, ficarão sob sua guarda sim – disse o Sr. Poe.  – Está claro que a fortuna dos Baudelaire continuará sob minha supervisão até Violet atingir a maioridade.
 – Que fortuna? – perguntou o capitão Sham, franzindo a sobrancelha.  – Não sei de fortuna nenhuma.
 – Duna! – gritou Sunny, querendo dizer: ''Claro que sabe!'', ou algo do gênero.
 – Os pais dos Baudelaire – explicou o Sr. Poe,  – deixaram uma enorme fortuna, e os filhos a herdarão assim que Violet atingir a maioridade.  
 – Bem, não estou interessado em fortunas – disse o capitão Sham.  – Tenho meus barcos a vela. Não preciso mexer num centavo desse dinheiro.
 – Ainda bem – disse o Sr. Poe,  – pois não poderá mesmo mexer em nenhum centavo desse dinheiro.
 – Veremos – disse o capitão Sham.
 – Como? – perguntou o Sr. Poe.
 – Aqui estão os seus Cheesebúrgueres Chistosos! – anunciou Larry, como se estivesse entoando uma melodia, ao surgir diante da mesa com uma bandeja cheia de comida de aparência super gordurosa.  – Bom apetite!
Como a maioria dos restaurantes decorados com luzes de néon e balões, o Palhaço Ansioso servia uma comida muito ruim. Mas os três órfãos não tinham comido nada naquele dia, e não comiam nada quente fazia um bom tempo; assim, embora estivessem tristes e ansiosos, mostravam bastante apetite. Depois de poucos minutos sem conversa, o Sr. Poe começou a contar uma história muito chata sobre algo que acontecera no banco. O Sr. Poe estava tão entretido em falar, Klaus e Sunny tão preocupados em fingir que estavam interessados, e o capitão Sham tão absorvido em devorar sua refeição, que ninguém prestou atenção no que Violet estava aprontando.
Quando Violet vestira o casaco para sair e enfrentar o vento e o frio, sentira um volume no bolso. O volume era o saquinho de balas de hortelã-pimenta que o Sr. Poe havia dado aos Baudelaire no dia em que chegaram ao Lago Lacrimoso, e isso lhe inspirou uma idéia. Enquanto o Sr. Poe continuava com sua lengalenga, ela, cuidadosamente e bem devagarinho, puxou do bolso do casaco o saquinho de balas de hortelã-pimenta e o abriu. Para seu desânimo, as balas eram do tipo que vêm embrulhadas, cada uma, num pedaço de celofane. Com as mãos debaixo da mesa, desembrulhou três balas com o máximo cuidado para evitar fazer aquele barulho que tanto incomoda nas salas de cinema. Tendo, afinal, as três balas de hortelã-pimenta desembrulhadas sobre o guardanapo no seu colo, sem chamar atenção pôs uma no colo de Klaus e outra no de Sunny. Quando seus irmãos mais novos sentiram que alguma coisa pousara no colo deles e olharam para baixo e viram as balas de hortelã-pimenta, a primeira coisa que lhes veio à cabeça foi que a mais velha dos órfãos Baudelaire tinha ficado maluca. Mas, passado um momento, entenderam.
Se alguém é alérgico a alguma coisa, o melhor que tem a fazer é jamais colocar essa coisa na boca, especialmente se se tratar de gatos. Mas Violet, Klaus e Sunny sabiam que estavam numa emergência. Precisavam ganhar tempo antes de mais nada para descobrir qual era o plano do capitão Sham, e, em seguida, para impedir que o plano se realizasse; ora, ainda que provocar reações alérgicas seja uma forma bastante drástica de ganhar tempo, foi a única coisa que eles conseguiram imaginar. Assim, aproveitando um momento em que nenhum dos adultos à mesa estava olhando, as três crianças puseram as balas de hortelã-pimenta na boca e ficaram aguardando.
As alergias dos Baudelaire são famosas por agir rapidamente, de modo que os órfãos não precisaram aguardar muito. Em alguns minutos, Violet começou a ficar coberta de placas vermelhas, Klaus começou a ficar com a língua inchada, e Sunny, que evidentemente jamais comera balas de hortelã-pimenta, começou a ficar coberta de placas vermelhas e com a língua inchada.
O Sr. Poe terminou de contar sua história e então percebeu o estado em que se achavam os órfãos. 
 – Mas, crianças – disse,  – vocês estão com uma aparência horrível! Violet, você está com placas vermelhas na pele. Klaus, sua língua está pendurada na boca. Sunny, com você estão acontecendo as duas coisas!
 – Deve ser alergia a alguma substância que tem na comida – disse Violet.
 – Minha nossa! – disse o Sr. Poe, constatando que uma das irritações no braço de Violet estava do tamanho de um ovo cozido.
 – Respirem fundo – disse o capitão Sham, mal se dando o trabalho de erguer os olhos do seu cheesebúrguer.
 – Estou passando mal – disse Violet, e Sunny começou a choramingar.  – Acho que devíamos ir para casa deitar, Sr. Poe. 
 – É só vocês se recostarem na cadeira – disse o capitão Sham bruscamente.  – Não há razão para irmos embora no meio do almoço.
 – Mas, capitão Sham – disse o Sr. Poe,  – as crianças estão bem doentes. Violet tem razão. Vamos, eu pago a conta e nós levamos as crianças para casa.
 – Nada disso – disse Violet prontamente.  – Nós pegamos um táxi. Vocês ficam aqui e acertam todos os detalhes.
O capitão Sham lançou um olhar penetrante para Violet. 
 – Nem em sonhos eu deixaria que vocês fossem sozinhos – disse com voz sombria.
 – Bem, a papelada que precisamos examinar é considerável – disse o Sr. Poe. Olhou para o seu prato, e os Baudelaire viram que ele não estava muito entusiasmado para deixar o restaurante e ir cuidar de crianças doentes.  – Não os deixaríamos sozinhos por muito tempo.
 – Nossas alergias são de um tipo moderado – disse Violet, sem faltar à verdade e coçando uma de suas placas. Levantou-se e conduziu os irmãos de língua inchada até a porta do restaurante.  – Nós só vamos deitar por uma hora ou duas enquanto vocês dois almoçam sossegados. Depois de assinar todos os papéis, capitão Sham, você vai nos buscar.
O único olho visível do capitão Sham brilhou com uma intensidade que Violet jamais tinha visto. 
 – Farei isso – respondeu.  – Vou apanhá-los já, já.
 – Adeus, crianças – disse o Sr. Poe.  – Espero que melhorem logo. Sabe, capitão Sham, há uma pessoa no meu banco que sofre de alergias terríveis. Lembro-me de uma vez...
 – Já vão embora? – , perguntou Larry às três crianças, ao vê-las abotoar seus casacos. Do lado de fora, o vento soprava ainda mais forte, e começara a chuviscar, já que o Furacão Hermano estava cada vez mais próximo do Lago Lacrimoso. Apesar disso, as três crianças só pensavam em sair do Palhaço Ansioso, e não propriamente por causa de sua decoração de mau gosto, seus balões, suas luzes de néon e seus garçons chatos. Os Baudelaire sabiam que tinham inventado um pouco de tempo a favor deles, e não podiam desperdiçar nem mais um segundo. 

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