Epílogo

Dois meses depois

Beth olhou pelo espelho retrovisor e sorriu ao ver Zeus em pé na caçamba do caminhão, com o nariz ao vento. Ben estava sentado ao lado dela, mais magro, depois do estirão de crescimento recente, mas ainda sem altura suficiente para apoiar o braço confortavelmente na janela.
Era o primeiro dia quente depois daquele tempo horroroso. O Natal estava se aproximando, faltavam menos de duas semanas. O calor e as tempestades de outubro já eram uma lembrança distante. As enchentes tinham chegado ao noticiário nacional. O centro de Hampton ficou alagado, assim como muitas outras regiões; no total, seis pessoas morreram.
Apesar do pesadelo que haviam vivido, Beth percebia que sentia uma espécie de paz pela primeira vez em sua memória recente. Desde o funeral, havia pensado muito sobre os extraordinários acontecimentos que conduziram àquele dia fatídico. Sabia que muitas pessoas da cidade tinham dúvidas sobre as escolhas que fizera. De vez em quando, ouvia uns sussurros, mas ignorava a maioria deles. Se Logan havia ensinado algo a ela era que só poderia contar com a fé em si mesma e em seus instintos.
Felizmente, Nana estava cada vez melhor. Nos dias que se seguiram ao acidente, como ela preferia chamar, Beth, e principalmente Ben, haviam se apoiado em sua sabedoria e seu apoio incondicional. Continuava cantando regularmente no coral, conseguia tempo para cuidar dos cães e já usava as duas mãos. De vez em quando, ainda mancava quando estava cansada. Na realidade, houve um período em que as duas andavam exatamente da mesma forma. Beth havia tirado o gesso há dois dias; tinha quebrado quatro ossos do pé e ficou de gesso por cinco semanas, com Nana zombando dela, dizendo que havia outra inválida na família.
Ben havia mudado muito; estava preocupada com algumas mudanças e orgulhosa de outras. Sobreviver àquele pesadelo havia dado a ele uma autoconfiança excessiva e levava isso consigo para a escola. Ou, pelo menos, gostava de pensar que sim. Às vezes, ficava pensando se não era por causa da fotografia que levava no bolso. A plastifícação já estava se abrindo, mas ele não se separava dela. Com o tempo, supôs, ia deixar para lá, mas vai saber? Era o legado de Logan para Ben, portanto significava muito para ele.
A perda havia sido dura para Ben, é claro. Apesar de raramente tocar no assunto, Beth sabia que ele se sentia culpado. E continuava tendo pesadelos de vez em quando, algumas vezes chamando por Keith e outras por Logan. Quando Beth o sacudia para que acordasse, o sonho era sempre o mesmo. Estava quase se afogando no rio, e Zeus vinha em sua direção. Só que no sonho ele não conseguia se agarrar à cauda do cachorro, por mais que tentasse. Aproximava-se e não conseguia, repetidas vezes, até que descobria que o cachorro não tinha cauda, e via a si mesmo — como se de um outro lugar — afundando lentamente na água.
Chegando ao cemitério, Beth estacionou o carro no lugar de sempre. Tinha dois vasos de flores. Primeiro, como sempre fazia quando ia lá, foi até a sepultura de Drake e ficou um pouco ali, lembrando-se dele, depois tirou algumas ervas daninhas ao redor do túmulo e colocou as flores.
Depois foi à outra sepultura. Tinha trazido um vaso maior para essa. Era aniversário dele e queria que ele tivesse certeza de que fora lembrado.
Zeus andava para lá e para cá, cheirando e explorando tudo, como sempre. Ben vinha atrás, como fazia desde a chegada de Zeus. Ben sempre gostou de Zeus, mas, depois que ele salvou sua vida no rio, parecia impossível conseguir separá-los. Zeus parecia saber o que havia feito, ou pelo menos era isso que Ben dizia; por isso, na cabeça do cachorro, eram inseparáveis. À noite, Zeus dormia no corredor, na porta do quarto de Ben. Sempre que ia ao banheiro no meio da noite, Beth via Zeus perto da cama, dando uma olhada no seu fiel companheiro que dormia.
A perda foi complicada e tanto ela quanto Ben lutaram com a repercussão causada. Sentia, às vezes, que suas lembranças eram conflitantes, pois, apesar do heroísmo que marcou sua morte, suas reminiscências nunca foram positivas. Mas, com tudo dito e feito, Keith Clayton seria lembrado por sua gratidão inequívoca. Jamais esqueceria da forma como ele a havia carregado depois da queda naquele dia. Ou de que, no fim, havia morrido, tentando salvar o filho dos dois.
Esse gesto tinha de valer alguma coisa. Valia muito, apesar de suas outras falhas, era assim que ela havia escolhido lembrar-se dele para sempre. Tinha esperanças de que, para o bem do filho, ele também viesse a se lembrar do pai dessa forma, sem sentimentos de culpa e sabendo que Keith o amava, mesmo não tendo dito isso a ele em vida.
Quanto a ela, Logan estaria a sua espera quando voltasse para casa. Havia se oferecido para vir ao cemitério, mas ela sabia que ele não queria vir. Era fim de semana e ele preferia passar a manhã andando sozinho pela propriedade, consertando coisas e construindo a nova casa da árvore de Ben no quintal. Mais tarde, haviam planejado montar a árvore de natal. Ela estava se acostumando aos seus ritmos e humores, reconhecendo os sinais silenciosos que indicavam sua personalidade. Bons e maus, virtudes e defeitos; ele era dela para sempre. Ao estacionar, viu Logan descer a escada e acenou. Ela também era dele para sempre, imperfeita como era. É pegar ou largar, pensou. Ela era o que era. Logan aproximou-se dela e sorriu. Como se estivesse lendo sua mente, abriu os braços.

Comentários

  1. Quando começa ficar bom, o livro acabaaaa!!!! E que susto, pensei que Logan tambem tinha morrido.

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