Capítulo 10
— ... e um dos itens do
catálogo está listado como 'c.S.C.', que é o segredo que os Quagmire tentaram
nos contar logo antes de ser seqüestrados — concluiu Klaus.
— Isto é terrível — disse
Esmé, e tomou um gole do refrigerante de salsa que insistira em servir para si
mesma antes que os órfãos Baudelaire pudessem contar tudo o que tinham
descoberto. Ela então insistira em acomodar-se no sofá mais in da sua sala de
estar favorita e em fazer com que as três crianças se sentassem em três cadeiras
arrumadas em semicírculo em volta dela, antes de deixá-las relatar a história
da verdadeira identidade de Gunther, da passagem secreta por trás das portas
deslizantes do elevador, da trama para levar os Quagmire clandestinamente para
fora da cidade, e do surpreendente aparecimento daquelas três iniciais
misteriosas como descrição do Lote 50. Os três irmãos ficaram contentes por a
sua tutora não ter feito pouco das suas descobertas, ou discutido com eles a
respeito de Gunther, ou dos Quagmire, ou qualquer outracoisa, mas que, em vez
disso, tivesse escutado cada detalhe calma e silenciosamente. De fato, Esmé
ficou tão silenciosa e calma que chegou a ser desconcertante, uma palavra que
aqui significa — um aviso ao qual as
crianças Baudelaire não prestaram atenção a tempo.
— Esta é a coisa menos
acachapante que já ouvi — disse Esmé, tomando mais um gole da sua bebida. — Vejamos se entendi tudo o que vocês
disseram. Gunther é, de fato, o conde Olaf disfarçado.
— Sim — disse Violet. — As botas dele estão cobrindo a sua tatuagem,
e o monóculo faz com que ele contraia o rosto para esconder a sobrancelha
única. —
— E ele escondeu os
Quagmire em uma jaula no fundo do poço do meu elevador —disse Esmé, pondo o seu
copo em cima de uma mesa próxima.
— Sim — disse Klaus. — Não existe elevador atrás daquelas portas.
De algum modo, Gunther o removeu, para poder usar o poço como uma passagem
secreta.
— E agora ele tirou os
Quagmire da jaula — continuou Esmé, — e vai levá-los clandestinamente para fora
da cidade, escondendo-os dentro do Lote 50 do Leilão In.
— Caxret — disse Sunny, o
que queria dizer ‘’Você sacou, Esmé’’.
— Esta é certamente uma
trama complicada — disse Esmé. — Estou
surpresa por criancinhas como vocês terem sido capazes de descobrir isto, mas
estou contente por
terem descoberto. — Ela fez uma pequena pausa
para remover um grão de pó de uma das suas unhas. — E agora só resta uma coisa a fazer. Temos de
ir diretamente ao Vebien Hall, e depressa, para pôr um paradeiro a este plano terrível.
Vamos mandar prender Gunther e libertar os Quagmire. É melhor irmos embora,
neste minuto.
Esmé pôs-se em pé e acenou para as crianças com um leve sorriso.
As crianças a seguiram para fora da sala de estar, trocando olhares intrigados.
Sua tutora estava certa, é claro, ao dizer que tinham de ir ao Vebien Hall e
expor Gunther e sua traição, mas não podiam deixar de se perguntar por que a
sexta consultora financeira mais importante da cidade estava tão calma ao dizer
isso. As crianças estavam tão ansiosas por causa dos Quagmire que se sentiam
como se fossem pular para fora da própria pele, mas Esmé as levou para fora da
cobertura como se estivessem indo à mercearia comprar farinha de trigo, em vez
de correr a um leilão para deter um crime horrível. Quando ela fechou a porta
do apartamento e se voltou sorrindo de novo para as crianças, os três irmãos
não puderam ver nem sinal de ansiedade em seu rosto, e isto era desconcertante.
— Klaus e eu vamos nos
revezar para carregá-la, Sunny — disse Violet, erguendo a irmã. — Assim a descida pelas escadas ficará mais
fácil para você.
— Ora, não teremos de
descer todas essas escadas a pé — disse Esmé.
— É verdade — disse Klaus. — Escorregar pelo corrimão será muito mais
rápido. — Esmé passou um braço em volta
das crianças e começou a levá-las para longe da porta da frente. Era bom
receber um gesto de afeição da sua tutora, mas o braço dela os envolvia tão
apertado que mal podiam se mexer, o que também era desconcertante.
— Também não teremos de
escorregar pelo corrimão — disse ela.
— Então como vamos descer
da cobertura? — perguntou Violet. Esmé esticou o outro braço e usou uma das
suas unhas compridas para apertar o botão de Subir ao lado das portas
deslizantes. Esta foi a coisa mais desconcertante de todas, mas àquela altura,
lamento dizer, era tarde demais. — Tomaremos
o elevador — disse ela quando as portas se abriram deslizando, e então, com um
último sorriso, ela fez um movimento para a frente com o braço e empurrou os
órfãos Baudelaire para dentro da escuridão do poço do elevador.
Às vezes as palavras não são o bastante. Existem algumas
circunstâncias tão completamente deploráveis que não consigo descrevê-las em
sentenças ou parágrafos, nem mesmo em toda uma série de livros, e o terror e
desgosto que os órfãos Baudelaire sentiram depois que Esmé os empurrou para
dentro do poço do elevador é uma daquelas circunstâncias que podem ser
representadas unicamente com duas páginas de negridão total. Não tenho palavras
para o profundo horror que as crianças sentiram quando despencaram nas trevas.
Não posso pensar em nenhuma frase que transmita como elas gritaram alto, ou
como era frio o ar que zunia em volta delas enquanto caíam. E não existe
parágrafo que eu seja capaz de datilografar que possa fazer vocês imaginarem
como os Baudelaire ficaram apavorados enquanto mergulhavam para uma morte
certa.
Mas posso contar a vocês que elas não morreram. Nem um só cabelo
de suas cabeças tinha sido tocado quando as crianças finalmente pararam de cair
na escuridão. Elas sobreviveram à queda do alto do poço pela simples razão de
que não chegaram ao fundo. Alguma coisa interrompeu sua queda, uma frase que aqui
significa que o mergulho dos Baudelaire parou a meio caminho entre as portas
deslizantes do elevador e a jaula de metal onde os Quagmire tinham estado
trancados. Alguma coisa interrompeu sua queda sem sequer machucá-los e, embora
de início parecesse um milagre, quando as crianças entenderam que estava vivas
e não estavam mais caindo, estenderam as mãos e logo perceberam que aquela
coisa parecia uma rede. Enquanto os Baudelaire estavam lendo o catálogo do
Leilão In, e contando a Esmé o que tinham descoberto, alguém estendera uma rede
de cordas atravessando a passagem inteira, e tinha sido essa rede que impedira
as crianças de mergulhar para a morte certa. Muito, muito acima dos órfãos
estava a cobertura dos Squalor, e muito, muito abaixo deles estava a jaula no
compartimento minúsculo e imundo com o corredor que levava para fora dele. Os
órfãos Baudelaire tinham caído numa armadilha.
Mas é muito melhor cair numa armadilha do que morrer, e as três
crianças se abraçaram aliviadas porque alguma coisa interrompera a sua queda.
— Spenset — disse Sunny em
uma voz rouca de tanto gritar.
— Sim, Sunny — disse Violet, abraçando-a apertado. — Estamos vivos. — Sua voz soava como se ela
estivesse falando tanto consigo mesma como com a irmã.
— Estamos vivos — disse
Klaus, abraçando as duas. — Estamos
vivos e estamos bem.
— Eu não diria que vocês
estão bem — a voz de Esmé chegou a eles, vinda do alto da passagem. A voz dela
reverberou pelas paredes da passagem, mas mesmo assim as crianças puderam ouvir
cada palavra cruel. — Vocês estão vivos,
mas decididamente não estão bem. Assim que terminar o leilão e os Quagmire estiverem
a caminho para fora da cidade, Gunther virá pegá-los, e posso garantir que
vocês três nunca mais estarão bem. Que dia maravilhoso e lucrativo! Meu antigo
professor de arte dramática finalmente porá as mãos, não em uma, mas em duas
enormes fortunas!
— Seu antigo professor de
arte dramática? — perguntou Violet, horrorizada. — Você quer dizer que sabia qual era a
verdadeira identidade de Gunther o tempo todo?
— É claro que sabia — disse
Esmé. — Eu só tinha de enganar vocês,
crianças, e o meu marido debilóide para pensarem que ele era realmente um
leiloeiro. Por sorte sou uma atriz fabulosa, portanto foi fácil enganar vocês.
— Então você esteve
trabalhando junto com aquele terrível vilão? — gritou Klaus para ela lá de
baixo. — Como pôde fazer isso conosco?
— Ele não é um terrível
vilão — disse Esmé. — Ele é um gênio! Eu
dei instruções ao porteiro para não deixar vocês saírem da cobertura até que
Gunther viesse buscá-los, mas Gunther me convenceu de que jogar vocês para
baixo seria uma ideia melhor, e ele tinha razão! Agora não há como vocês irem
ao leilão para estragar nossos planos!
— Zisalem! — gritou Sunny.
— Minha irmã está certa! —
gritou Violet. — Você é a nossa tutora!
Devia estar cuidando da nossa segurança, e não nos atirando em poços de
elevador e roubando a nossa fortuna!
— Mas eu quero roubar de
vocês — disse Esmé. — Quero roubar de
vocês do mesmo modo como Beatrice roubou de mim.
— Do que você está falando?
— perguntou Klaus. — Você já é
incrivelmente rica. Por que quer mais dinheiro ainda?
— Porque isto é in, é claro
— disse Esmé. — Muito bem, bai-bai pra
vocês, crianças.Bai-bai é o jeito in de dizer adeus a três fedelhos órfãos que
a pessoa nunca mais vai ver de novo.
— Por quê? — gritou Violet.
— Por que você está nos tratando de um
jeito tão horrível?
A resposta de Esmé a essa pergunta foi a mais cruel de todas e,
como uma queda por um poço de elevador, não havia palavras para essa resposta.
Ela simplesmente riu, um cacarejo alto e grosseiro que reverberou pelas paredes
da passagem e depois sumiu no silêncio quando a tutora deles foi embora. Os
órfãos Baudelaire se entreolharam — ou tentaram se entreolhar na escuridão — e tremeram
de repugnância e medo, sacudindo a rede que os capturara e salvara ao mesmo
tempo.
— Dieli? — disse Sunny
muito infeliz, e seus irmãos entenderam que ela queria dizer ‘’O que vamos
fazer?’’
— Não sei — disse Klaus, — mas
temos de fazer alguma coisa. —
— E temos de fazer depressa
— acrescentou Violet, — mas esta é uma situação muito difícil. Não adianta
tentar subir ou descer — as paredes parecem ser lisas demais.
— E não adianta tentar
fazer um grande barulho para atrair a atenção de alguém — disse Klaus. — Mesmo que alguém ouça, vai pensar que é só
alguém gritando em um dos apartamentos.
Violet fechou os olhos, pensativa, embora estivesse tão escuro que
na verdade não fazia diferença se os olhos estavam abertos ou fechados.
— Klaus, talvez a ocasião
esteja madura para as suas habilidades de pesquisador — disse ela depois de um
momento. — Você pode pensar em algum
momento na história em que as pessoas escaparam de uma armadilha como esta?
— Acho que não — respondeu
Klaus tristemente. — No mito de
Hércules, ele cai numa armadilha entre dois monstros chamados Scy lla e Chary
bdes, do mesmo modo como caímos em uma armadilha entre as portas deslizantes e
o chão. Mas ele escapou da armadilha transformando-os em redemoinhos.
— Glaucus — disse Sunny, o
que queria dizer algo como ‘’Mas nós não podemos fazer isto’’.
— Eu sei — disse Klaus,
soturno. — Às vezes os mitos são
divertidos, mas nunca ajudam muito. Talvez a ocasião esteja madura para uma das
invenções de Violet.
— Mas eu não tenho nenhum
material para trabalhar — disse Violet, estendendo a mão para apalpar as bordas
da rede. — Não posso usar esta rede para
uma invenção porque, se eu começar a rasgá-la, nós vamos cair. A rede parece
estar presa por pequenas cavilhas de metal cravadas nas paredes, mas também não
posso arrancá-las e usá-las.
— Gizan? — perguntou Sunny.
— Sim — respondeu Violet, —
cavilhas. Apalpe bem aqui, Sunny. Gunther provavelmente subiu em uma escada
comprida para cravar estas cavilhas nas paredes da passagem, e então amarrou a
rede entre as cavilhas. Acho que as paredes do poço do elevador são suficientemente
moles para permitir que sejam fincados objetos pequenos e pontudos.
— Tholc? — perguntou Sunny,
o que queria dizer ‘’Que nem dentes?’’ e imediatamente seus irmãos perceberam o
que ela estava pensando.
— Não, Sunny — disse Violet. — Você não pode escalar o poço do elevador
usando os seus dentes. É perigoso demais.
— Ioigt — observou Sunny, o
que queria dizer algo como ‘’Mas se eu cair, vou simplesmente cair na rede de
novo’’.
— Mas e se você ficar
encalhada no meio do caminho? — perguntou Klaus. — Ou se perder um dente?
— Vasta — disse Sunny, o
que queria dizer ‘’Vou ter de arriscar. E a nossa única esperança’’, e os
irmãos concordaram relutantemente. Eles não gostaram da ideia de ver a
irmãzinha bebê escalando o poço até as portas deslizantes do elevador ersatz
usando apenas os dentes, mas não conseguiam pensar em nenhum outro jeito de
escapar a tempo de frustrar o plano de Gunther. A ocasião não estava madura
para as habilidades de inventora de Violet, nem para os conhecimentos que Klaus
adquirira com suas leituras, mas a ocasião estava madura para os dentes afiados
de Sunny, e a mais jovem dos Baudelaire inclinou a cabeça para trás e depois
jogou-a para a frente, cravando um dos dentes na parede com um som áspero que
faria um dentista chorar durante horas. Mas os Baudelaire não eram dentistas, e
as três crianças escutaram atentamente para ouvir se os dentes de Sunny tinham
ficado tão firmemente cravados quanto as cavilhas da rede. Para sua satisfação,
não ouviram nada — nenhum som de coisas raspando, ou escorregando, ou rachando,
ou qualquer coisa que indicasse que os dentes de Sunny não estavam segurando.
Sunny até sacudiu um pouquinho a cabeça para verificar se com isso o seu dente
não se soltaria com facilidade da parede, mas ele continuou sendo um firme
apoio dental. Sunny jogou a cabeça de leve e fincou um outro dente,
ligeiramente acima do primeiro. O segundo dente ficou firmemente cravado, então
Sunny soltou cautelosamente o primeiro dente e o inseriu de novo na parede, ligeiramente
acima do segundo dente.
Cravando os dentes a espaços ligeiramente separados, Sunny
conseguira subir alguns centímetros pela parede e, quando ela fincou o primeiro
dente acima do segundo outra vez, seu pequeno corpo já não tocava mais a rede.
— Boa sorte, Sunny — disse Violet.
— Estamos torcendo por
você, Sunny — disse Klaus.
Sunny não respondeu, mas seus irmãos não ficaram assustados pois
imaginaram que devia mesmo ser difícil dizer muita coisa quando se está com a
boca cheia de parede. Assim, Violet e Klaus simplesmente ficaram sentados na
rede e continuaram a gritar palavras de encorajamento para a irmãzinha. Se
Sunny fosse capaz de escalar e falar ao mesmo tempo, poderia ter dito ‘’Soried’’
o que significava algo como ‘’Até aqui, tudo bem’’, ou coisa do gênero, ou
então ‘’Iaff’’ que queria dizer ‘’Acho que cheguei à metade do caminho’’, mas
os dois Baudelaire mais velhos não ouviram nada a não ser o som dos dentes se
enfiando e se soltando na escuridão, até que Sunny gritou triunfante a palavra ‘’Topo!’’.
— Oh, Sunny! — exclamou
Klaus. — Você conseguiu!
— Bravo! — gritou Violet. — Agora, vá buscar a nossa corda improvisada
embaixo da cama, e subiremos para junto de você.
— Ganba — Sunny gritou de
volta, e engatinhou para fora. Os dois irmãos mais velhos ficaram sentados
aguardando na escuridão por algum tempo, maravilhados com as habilidades da
irmã.
— Eu não poderia ter
escalado até lá em cima por esta passagem — disse Violet, — nem quando eu tinha
a idade de Sunny.
— Nem eu — disse Klaus, — apesar
de nós dois termos dentes de um tamanho razoável.
— Não é só o tamanho dos
dentes — disse Violet, — é o tamanho da coragem, e o tamanho da preocupação
dela com os irmãos.
— E o tamanho da encrenca
em que estamos metidos — acrescentou Klaus, — e o tamanho da traição da nossa
tutora. Eu nem posso acreditar que Esmé estava tramando junto com Gunther o
tempo todo. Ela é tão ersatz quanto o elevador dela.
— Esmé é uma atriz muito
boa — disse Violet só para consolar, — mesmo sendo uma pessoa horrorosa. Ela
nos enganou completamente, nos fazendo pensar que Gunther a enganara
completamente. Mas do que estava ela falando quando disse...?
— Tada! — gritou Sunny lá
das portas deslizantes.
— Ela está com a corda —
disse Violet, alvoroçada. — Amarre na
maçaneta da porta, Sunny, usando a língua-do-diabo.
— Não — disse Klaus, — eu
tenho uma ideia melhor.
— Uma idéia melhor do que
usar a corda para sair daqui? — perguntou Violet.
— Eu quero usar a corda
para sair daqui — disse Klaus, — mas acho que não devemos subir por ela. Se
subirmos, simplesmente estaremos de volta à cobertura.
— Mas da cobertura — disse
Violet, — poderemos ir ao Veblen Hall. Poderemos até escorregar pelo corrimão
para ganhar tempo.
— Mas no fim do corrimão —
disse Klaus, — está o saguão do prédio, e no saguão está um porteiro com
instruções estritas de não nos deixar sair.
— Eu não tinha pensado nele
— disse Violet. — Ele sempre segue as
instruções.
— É por isso que temos de
sair da Avenida Sombria 667 por outro caminho — disse Klaus.
— Ditemu — gritou Sunny, o
que queria dizer alguma coisa como ‘’Que outro caminho existe?’’.
— Para baixo — disse Klaus.
— O compartimento minúsculo no fundo do
poço do elevador tem um corredor que leva para fora dele, está lembrada? Fica
logo ao lado da jaula.
— É verdade — disse Violet.
— Deve ter sido assim que Gunther
arrebatou os Quagmire antes que pudéssemos salvá-los. Mas quem sabe aonde ele
conduz?
— Bem, se Gunther levou os
Quagmire por aquele corredor — disse Klaus, — então ele deve conduzir a algum
lugar por perto do Veblen Hall. E é precisamente para lá que queremos ir.
— Você tem razão — disse
Violet. — Sunny, esqueça o que eu disse
sobre amarrar a corda na maçaneta. De qualquer jeito, alguém poderia ver e
perceber que escapamos. Só traga a corda para cá. Você acha que consegue ir
mordendo parede abaixo até aqui?
— Jerônimo! — gritou Sunny,
o que queria dizer qualquer coisa como ‘’Não preciso ir mordendo parede abaixo’’
e a mais jovem dos Baudelaire estava certa. Ela inspirou fundo e se jogou na
passagem escura, com o rolo de corda ersatz caindo atrás dela. Desta vez, o
mergulho não precisa ser representado por páginas de escuridão, pois o terror
da longa e tenebrosa queda foi aliviado — a expressão‘’foi aliviado’’ significando
aqui ‘’não estava especialmente presente na cabeça de Sunny’’ — porque a mais
jovem dos Baudelaire sabia que uma rede, e seus irmãos, estariam esperando por
ela no fundo. Sunny caiu na rede com um ruído surdo e, com um ruído um pouco
mais leve, o rolo de corda caiu ao lado dela.
Depois de se certificar de que a irmã não se machucara na queda,
Violet começou a amarrar uma ponta da corda em uma das cavilhas que seguravam a
rede no lugar.
— Vou me certificar de que
esta ponta da corda está firme — disse Violet. — Sunny, se os seus dentes não estiverem muito
doloridos por causa da escalada, use-os para cortar um buraco na rede, para que
possamos passar por ele.
— O que eu posso fazer? — perguntou
Klaus.
— Você pode rezar para isto
dar certo — disse Violet, mas as irmãs Baudelaire foram tão rápidas em suas
tarefas que não sobrou tempo nem para a mais breve das cerimônias religiosas.
Em questão de momentos, Violet já tinha prendido a corda na cavilha com alguns
nós complicados e poderosos, e Sunny já tinha cortado um buraco tamanho criança
no meio da rede. Violet deixou cair a corda pelo buraco e as três crianças
ficaram atentas até ouvir o plim! familiar da corda ersatz batendo na jaula de metal.
Os órfãos Baudelaire hesitaram por um momento junto ao buraco na rede, olhando
para as trevas lá embaixo.
— Não acredito que vamos
descer por essa passagem de novo — disse Violet.
— Sei o que você quer dizer
— disse Klaus. — Se naquele dia, na praia,
alguém tivesse me perguntado se eu já tinha pensado alguma vez que estaríamos
subindo e descendo por um poço de elevador vazio numa tentativa de resgatar um
par de trigêmeos, eu teria dito nunca, nem em um milhão de anos. E agora
estamos fazendo isso pela quinta vez em vinte e quatro horas. O que aconteceu
conosco? O que nos trouxe a este lugar horrível para onde olhamos agora?
— Desventura — disse Violet
mansamente.
— Um terrível incêndio —
disse Klaus.
— Olaf — disse Sunny
decidida, e começou a engatinhar pela corda abaixo. Klaus seguiu a irmã através
do buraco na rede e Violet seguiu Klaus, e os três Baudelaire fizeram a longa
jornada pela metade de baixo da passagem até chegar ao compartimento minúsculo
e imundo, à jaula vazia e ao corredor que, esperavam eles, os levaria ao Leilão
In. Sunny apertou os olhos, focalizando a corda acima dela, para ter certeza de
que os irmãos tinham chegado ao fundo em segurança. Klaus apertou os olhos,
focalizando o corredor, a fim de ver qual era o seu comprimento, e se havia
alguém ou alguma coisa à espreita lá dentro. E Violet apertou os olhos,
focalizando o canto onde estavam os soldadores que as crianças tinham jogado lá
quando a ocasião não estava madura para usá-los.
— Devíamos levar aquilo
conosco — disse ela.
— Mas por quê? — perguntou
Klaus. — Com certeza já esfriaram há
muito tempo.
— Esfriaram mesmo — disse
Violet pegando um deles. — E as pontas
ficaram todas dobradas quando foram jogados no canto. Mas ainda poderão ser
úteis para alguma coisa. Não sabemos o que vamos encontrar naquele corredor, e
não quero que sejamos pegos despreparados. Aqui, Klaus. Aqui está o seu, e aqui
está o de Sunny. — Os Baudelaire mais
jovens pegaram os atiçadores de fogo tortos e frios, e então todas as três
crianças, mantendo-se bem juntas umas das outras, deram os primeiros passos
pelo corredor. Lamento dizer que a mais velha dos Baudelaire estava
absolutamente certa. As três crianças não podiam se permitir avançar totalmente
despreparadas, não com a vantagem injusta que os espreitava ao fim da
caminhada. Enquanto davam um passo cauteloso após outro, os órfãos Baudelaire
precisavam estar com as mãos firmes segurando alguma coisa que os protegesse o
melhor possível contra o elemento surpresa que os aguardava quando o corredor
escuro chegasse ao fim.
Comentários
Postar um comentário
Nada de spoilers! :)