Capítulo 11

DEPOIS DE SAÍREM DA ÁGUA, Kristen declarou que estava sentindo frio e Alex a levou ao banheiro para vestir roupas secas. Katie ficou com Josh sobre a canga, admirando o brilho do sol nas ondas enquanto ele fazia pequenas pilhas de areia.
— Ei, quer me ajudar a soltar pipa? — perguntou Josh, repentinamente.
— Acho que eu não saberia fazer isso. Nunca soltei pipa antes.
— É fácil — insistiu ele, procurando entre a pilha de brinquedos que Alex havia trazido, até que retirou uma pequena pipa de lá. — Posso lhe mostrar. Vamos.
Josh saiu correndo em direção à praia e Katie correu alguns passos antes de voltar a caminhar, a passos ligeiros. Quando chegou até onde Josh estava, ele já tinha começado a desenrolar o carretel de linha e deu a pipa para que ela a segurasse.
— Segure ela bem alto, em cima da cabeça.
Ela fez como ele lhe instruiu, à medida que Josh começava a se afastar lentamente, desenrolando a linha com bastante desenvoltura.
— Está pronta? — gritou ele, quando finalmente parou de se afastar. — Quando eu sair correndo e gritar, você solta a pipa!
— Estou pronta! — gritou ela em resposta.
Josh começou a correr e, quando Katie sentiu a linha tensionar, o ouviu gritar e largou a pipa imediatamente. Ela não sabia se a brisa estava forte o suficiente, mas a pipa disparou em direção ao céu em questão de segundos. Josh parou de correr e se virou. Enquanto ela caminhava em sua direção, ele deixou a linha correr ainda mais.
Chegando até onde o garoto estava, ela protegeu seus olhos do sol enquanto observava a pipa subir cada vez mais. Em preto e amarelo, o distintivo do Batman era visível, mesmo àquela distância.
— Eu sei soltar pipa muito bem — disse ele, olhando para o céu.
— Por que você nunca soltou uma?
— Não sei. Mas não era uma coisa que eu fazia quando era criança.
— Você devia experimentar. É divertido.
Josh continuou a olhar para cima, seu rosto demonstrando toda a sua concentração. Pela primeira vez, Katie percebeu o quanto Josh e Kristen eram parecidos.
— Você gosta de ir à escola? Você está no jardim de infância, não é?
— Ah, a escola é legal. Gosto mais da hora do recreio. Meus amigos e eu apostamos corrida e fazemos outras coisas.
“É claro”, pensou ela. Desde que eles chegaram à praia ele não parou de se mexer nem por um minuto. 
— E você gosta da sua professora?
— Ela é muito legal e se parece com meu pai. Ela não grita com os alunos.
— Seu pai não grita?
— Não — disse ele, cheio de convicção.
— E o que ele faz quando fica bravo?
— Meu pai não fica bravo.
Katie estudou Josh, perguntando-se se ele estava sendo sincero, antes de perceber que o garoto era incapaz de mentir.
— Você tem muitos amigos? — perguntou ele.
— Não muitos, por quê?
— Meu pai diz que você é amiga dele. Foi por isso que ele a trouxe à praia.
— Quando ele lhe disse isso?
— Quando estávamos no meio das ondas.
— E o que mais ele disse?
— Ele perguntou se nós não havíamos ficado incomodados por você ter vindo.
— E vocês ficaram?
— Claro que não — disse ele, dando de ombros. — Todo mundo precisa de amigos, e a praia é um lugar muito divertido.
Não havia como contestar aquilo. — Você está certo — disse ela.
— Minha mãe costumava vir aqui conosco, sabe?
— É mesmo?
— Sim, mas ela morreu.
— Eu sei. E lamento muito por isso. Deve ser muito difícil. Imagino que você sinta muita saudade dela.
Ele assentiu. Por um instante, Josh pareceu ao mesmo tempo mais velho e mais novo do que realmente era. — Meu pai fica triste às vezes. Ele acha que eu não percebo, mas dá para perceber.
— Acho que eu também ficaria triste — disse Katie.
Josh ficou em silêncio enquanto pensava na resposta dela. — Obrigado por me ajudar com a pipa — disse ele.

***

— PARECE QUE VOCÊS dois estão se divertindo bastante — observou Alex.
Depois que Kristen trocou de roupa, Alex a ajudou a colocar a pipa no ar e foi até onde Katie estava sentada, na areia compactada perto da borda da água. Katie podia sentir seu cabelo se movendo lentamente com a brisa.
— Ele é um doce. E mais comunicativo do que eu achava que seria.
Enquanto Alex observava os filhos empinando suas pipas, Katie teve a sensação de que os olhos dele não perdiam nenhum detalhe.
— Então é isso que você faz nos fins de semana, depois de sair da loja. Você sai para se divertir com seus filhos.
— Sempre. Eu acho isso muito importante.
— Mesmo que seus pais não tenham a mesma opinião?
Ele hesitou. — Essa seria uma resposta fácil, não é? Admitir que me senti prejudicado e jurei a mim mesmo que seria diferente? Parece uma boa ideia, mas não sei se as coisas funcionam exata- mente assim. A verdade é que passo meu tempo com eles porque gosto de fazer isso. Eu gosto deles. E gosto de observá-los enquanto crescem, e quero ser parte desse processo.
Conforme Alex respondia, Katie percebeu que estava rememorando sua própria infância, tentando imaginar se sua mãe ou seu pai teriam os mesmos sentimentos de Alex, sem conseguir.
— Por que você entrou para o exército logo depois de se formar?
— Naquela época, achava que era a coisa certa a fazer. Eu queria um desafio novo, queria experimentar algo diferente e o alistamento era uma boa desculpa para que eu saísse de Washington. Com exceção de uma meia dúzia de competições de natação, nunca saí realmente do estado onde nasci.
— Você chegou a...?
Quando ela deixou a frase no ar, ele terminou a sentença para ela. 
— Combater? Não, eu não era esse tipo de soldado. Eu me formei em direito criminal na faculdade e fui designado para o DIC.
— O que é isso?
Quando Alex explicou o significado da sigla, ela se virou em direção a ele. 
— É como a polícia?
Ele assentiu. 
— Eu era um investigador — disse ele.
Katie não disse nada. Em vez disso, ela virou o rosto abruptamente, e sua expressão foi se fechando como um portão de aço.
— Eu disse alguma coisa errada? — perguntou ele.
Ela balançou a cabeça sem responder. Alex olhou fixamente para ela, imaginando o que poderia estar errado. Suas suspeitas a respeito do passado dela apareceram quase imediatamente.
— O que está havendo, Katie?
— Nada — insistiu ela. No entanto, assim que aquelas palavras surgiram, Alex soube que ela não estava dizendo a verdade. Em outro lugar e em outro tempo, ele provavelmente teria aproveitado para fazer mais perguntas. Mas, em vez disso, deixou o assunto morrer ali.
— Não precisamos falar sobre isso — disse ele, com um tom tranquilo. — E, além disso, não tenho mais nada a ver com o exército e com o DIC. Acredite em mim quando digo que me sinto muito mais feliz cuidando de uma loja de conveniência.
Ela fez que sim com a cabeça, mas Alex sentiu vestígios de ansiedade nela. Sabia que Katie precisava de espaço, mesmo que não tivesse certeza do motivo. Ele apontou por cima do ombro com seu polegar. — Olhe, preciso colocar mais carvão na churrasqueira. Se as crianças não ganharem suas guloseimas, vou passar o mês inteiro ouvindo reclamações. Não demoro.
— Claro — disse ela, fingindo estar despreocupada. Quando ele se afastou, Katie respirou aliviada, sentindo que havia conseguido escapar. “Ele trabalhava como investigador policial”, pensou ela consigo mesma, enquanto tentava dizer a si mesma que aquilo não importava. Mesmo assim, demorou quase um minuto inteiro tentando controlar sua respiração até que voltasse a se sentir no controle da situação novamente. Kristen e Josh estavam nos mesmos lugares, embora Kristen tivesse se abaixado para examinar outra concha, ignorando sua pipa, que voava para longe.
Ela ouviu Alex se aproximando.
— Eu disse que não demoraria. Depois das guloseimas de sobremesa, estava pensando em juntar as coisas e ir para casa. Gostaria de ficar até o pôr do sol, mas Josh tem que ir para a escola cedo amanhã.
— A qualquer hora que você queira ir embora para mim está bem
— disse ela, cruzando os braços.
Percebendo os ombros rígidos e a tensão na voz de Katie, Alex franziu as sobrancelhas. 
— Não sei o que foi que eu disse que lhe incomodou tanto, mas peço desculpas — disse ele, após alguns momentos. 
— Apenas saiba que estou aqui se você quiser conversar a respeito.
Ela assentiu sem responder e, embora Alex estivesse esperando que ela dissesse algo, nada sobreveio.
— É assim que as coisas vão ser entre nós? — perguntou ele.
— O que você quer dizer?
— Parece que, de repente, estou pisando em ovos enquanto conversamos, mas não sei realmente o motivo.
— Eu contaria a você, mas não posso — disse Katie. Ela falava num tom tão baixo que era quase encoberto pelo som das ondas.
— Pode pelo menos me informar o que foi que eu disse? Ou o que foi que eu fiz?
Ela se virou em direção a ele. 
— Você não disse nem fez nada de errado. Mas, neste momento, não posso dizer nada além disso, está bem?
Ele a observou demoradamente. 
— Tudo bem, então. Desde que você ainda esteja se divertindo.
Ela precisou se esforçar um pouco, mas finalmente conseguiu abrir um sorriso. 
— Este foi o melhor dia que já tive em muito, muito tempo. Na verdade, o melhor fim de semana.
— Você ainda está brava por causa da bicicleta, não é? — disse ele, apertando os olhos e fingindo estar desconfiado. Apesar da tensão que sentia, Katie riu.
— É claro que estou. Vou levar um bom tempo para me recuperar daquilo — disse ela, fingindo estar magoada.
Olhando em direção ao horizonte, ela pareceu estar aliviada.
— Posso lhe perguntar uma coisa? — disse Katie, mais uma vez assumindo uma postura séria. — Você não precisa responder, se não quiser.
— Pode perguntar o que quiser — disse ele.
— O que aconteceu com sua esposa? Você disse que ela teve uma convulsão, mas não me disse o que a deixou doente.
Ele suspirou, como se soubesse o tempo todo que ela faria aquela pergunta. Ainda assim, ele teve que se empedernir para responder. Ele começou a falar lentamente.
— Ela teve um tumor no cérebro. Ou, para ser mais exato, teve três tipos diferentes de tumores no cérebro. Eu não sabia na época, mas os médicos dizem que não é tão incomum de acontecer. Havia um que estava crescendo lentamente, que é o tipo de tumor que todos conhecem; era do tamanho de um ovo e os cirurgiões conseguiram removê-lo quase completamente. Mas os outros não eram tão simples. Eram tumores que crescem e se espalham como se fossem patas de aranha e não havia como extirpá-los sem remover parte do cérebro dela. Eles eram agressivos também. Os médicos fizeram o melhor que podiam, mas quando saíram da sala de cirurgia dizendo que o procedimento havia sido realizado de acordo com o que era possível, eu soube exatamente o que eles queriam dizer.
— Eu não consigo imaginar como seria ouvir esse tipo de notícia
— disse Katie, olhando para a areia.
— Eu admito que foi difícil conseguir acreditar naquilo. Foi muito... inesperado. Afinal, na semana anterior, nós éramos uma família normal e, na seguinte, ela estava morrendo e não havia nada que eu pudesse fazer para impedir que isso acontecesse.
A alguns metros, Kristen e Josh ainda estavam ocupados com suas pipas, mas Katie sabia que Alex mal podia vê-los.
— Depois da cirurgia, ela levou algumas semanas para voltar a caminhar e agir normalmente, e eu queria acreditar que tudo estava bem. Entretanto, semana após semana, comecei a perceber as mudanças, por menores que fossem. O lado esquerdo do corpo dela começou a enfraquecer e ela estava dormindo por períodos cada vez mais longos. Foi difícil, mas a pior parte para mim foi perceber que ela começou a se afastar das crianças. Como se não quisesse que eles se lembrassem dela nos dias em que estava doente; ela queria que eles se lembrassem dela do jeito que costumava ser e agir.
Alex parou e tomou fôlego, finalmente balançando a cabeça. — Desculpe. Eu não devia ter lhe contado isso. Ela era uma ótima mãe. Afinal, veja como os meninos são ótimos filhos.
— Acho que o pai delas tem algo a ver com isso também.
— Eu me esforço. Mas, em boa parte do tempo, me sinto como se não soubesse direito o que estou fazendo. É como se eu estivesse fingindo, ou fazendo tudo sem qualquer critério.
— Acho que todos os pais se sentem assim.
Alex se virou para encará-la. 
— Os seus também se sentiam?
Ela hesitou. 
— Acho que meus pais fizeram o melhor que podiam — respondeu Katie. Não era realmente um elogio, mas era a verdade.
— Você ainda tem contato com eles?
— Eles morreram em um acidente de carro quando eu tinha dezenove anos.
Ele olhou para ela com atenção. 
— Eu lamento por isso.
— Foi difícil — disse Katie.
— Você tem irmãos ou irmãs?
— Não — disse ela, virando-se para a água do mar. — Sou sozinha.

***

ALGUNS MINUTOS DEPOIS, Alex ajudou as crianças a recolherem as pipas e voltaram para a área de piquenique. As brasas ainda não estavam no ponto e Alex aproveitou o tempo para esfregar a areia das pranchas e bater as toalhas antes de pegar o que precisava para assar as guloseimas e os doces na churrasqueira.
Kristen e Josh guardaram a maior parte das suas coisas e Katie colocou o restante da comida de volta na caixa térmica enquanto Alex começou a levar as coisas de volta para o jipe. Quando terminou, havia restado apenas uma toalha e quatro cadeiras. As crianças as haviam colocado em um círculo conforme Alex distribuía espetos longos e o saco de marshmallows. Em meio à animação que sentia, Josh rasgou o plástico, despejando uma pequena pilha sobre a toalha que estava na areia.
Seguindo o exemplo das crianças, Katie enfiou três marshmallows em seu espeto e, junto com Alex, Josh e Kristen, ficou em pé ao lado da churrasqueira, girando o espeto entre os dedos à medida que a camada exterior dos doces se derretia e mudava de cor para um marrom caramelado. Katie deixou os seus perto demais das brasas e dois de seus marshmallows pegaram fogo, os quais Alex imediatamente soprou até se apagarem.
Quando os marshmallows estavam prontos, Alex ajudou seus filhos a terminar a preparação do doce: calda de chocolate por cima do biscoito doce, seguido pelos marshmallows e coberto por outro biscoito. Era uma sobremesa doce e pegajosa, e era a melhor coisa que Katie já havia comido em toda a sua vida.
Sentada entre as crianças, ela percebeu que Alex estava se esforçando para não deixar que seus biscoitos se esfarelassem, e acabou por se lambuzar inteiro. Quando usou seus dedos para limpar a boca, só piorou a situação. As crianças acharam aquilo hilário e Katie não conseguiu evitar uma risadinha também. Ao mesmo tempo, ela sentiu uma onda inesperada e repentina de esperança. Apesar da tragédia que eles haviam atravessado, aquela família parecia ser feliz. Era isso que uma família que se ama fazia quando estavam juntos. Para eles, não era nada além de um dia comum no final de semana, mas, para Katie, havia algo parecido com uma revelação: perceber que, após tantos anos, momentos felizes como aqueles podiam existir. E que talvez, algum dia, ela teria a possibilidade de viver dias parecidos como aqueles no futuro.

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