Capítulo 16
O CÉU DO INÍCIO DA NOITE era
um prisma de cores enquanto Katie conduzia Alex pela modesta sala de estar em
direção à cozinha.
— Não sei o que você acha, mas eu gostaria muito de
abrir o vinho agora — disse ela.
— É uma boa ideia. Eu não sabia o que você iria
preparar, então trouxe uma garrafa de sauvignon blanc e também um zinfandel4.
Você tem preferência por algum deles?
— Vou deixar que você escolha — disse ela.
Na cozinha, ela se apoiou contra o balcão, deixando
uma perna por cima da outra, enquanto Alex preparava o saca-rolhas para abrir a
garrafa. Pela primeira vez, ele parecia estar mais nervoso do que ela. Com uma
série de movimentos rápidos, ele abriu a garrafa de sauvignon blanc. Katie
colocou as taças no balcão ao lado dele, percebendo o quão próximos eles
estavam.
— Eu devia ter dito isso assim que cheguei aqui. Você
está linda.
— Obrigada — respondeu ela.
Ele serviu um pouco do
vinho, colocou a garrafa sobre o balcão e entregou o copo a Katie. Quando ela o
pegou, Alex sentiu o cheiro do creme para o corpo com aroma de coco que ela
havia usado.
— Acho que você vai gostar do vinho. Pelo menos, é o
que eu espero.
— Tenho certeza de que vou adorar — disse ela,
levantando o copo. — Vamos brindar — propôs Katie, tocando a taça de Alex com a
sua.
Ela tomou um gole, sentindo-se extraordinariamente
feliz com tudo: com sua própria aparência, o sabor do vinho, o aroma suave do
molho de framboesas que ainda perfumava o ar, a maneira como Alex olhava para
ela, esforçando-se para não parecer indiscreto.
— Gostaria de se sentar na varanda? — sugeriu ela.
Ele assentiu. Ao saírem pela porta, cada um se sentou
em uma das cadeiras de balanço. No ar que esfriava lentamente, os grilos
começaram a cantar, dando as boas-vindas para a noite que chegava.
Katie saboreou o vinho, apreciando o toque frutado que
a bebida deixava em sua língua. — E como estão Kristen e Josh?
— Eles estão bem. Eu os levei para assistir a um filme.
— Mas o dia estava tão bonito hoje, perfeito para
alguma atividade ao ar livre.
— Eu sei. Mas com o feriado do Dia do Soldado5 na
segunda- feira, acho que ainda poderemos fazer alguma coisa ao ar livre nos
próximos dias.
— A loja vai abrir no Dia
do Soldado?
— Claro que sim. É um dos dias mais movimentados do
ano, pois todo mundo pretende passar o feriado na praia. Provavelmente vou
trabalhar até a 1 hora da tarde.
— É uma pena. Mas também vou ter que trabalhar no
feriado.
— Talvez eu e as crianças possamos aparecer no
restaurante para te incomodar.
— Vocês não me incomodaram nem um pouco quando
estiveram lá — disse Katie, olhando para Alex por cima de sua taça de vinho. —
Bem, as crianças não me incomodaram, na verdade. Mas eu me lembro de você ter
reclamado da qualidade do serviço.
— Gente velha só sabe reclamar mesmo — retrucou ele.
Ela riu antes de se balançar em sua cadeira.
— Quando
não estou trabalhando, gosto de me sentar aqui e ler. O lugar é muito
tranquilo, sabia? Às vezes parece que sou a única pessoa num raio de alguns
quilômetros.
— Mas você é a única pessoa por aqui. Você vive
praticamente no meio do mato — ironizou Alex.
Katie lhe deu um tapa amistoso no ombro.
— Veja lá
como fala. Gosto bastante da minha casinha.
— E tem razão. Ela está melhor do que imaginei que
estaria. É bem aconchegante.
— Ainda não está como eu
quero, mas estou chegando lá. É um trabalho em progresso. E o melhor de tudo é
que ela é minha e ninguém irá tirá-la de mim.
Foi a vez de Alex olhar para ela. Katie estava com o
olhar perdido, olhando para além da via de cascalhos, em direção ao campo gramado que havia adiante.
— Está tudo bem? — perguntou ele.
Ela levou algum tempo para responder.
— Estava apenas
pensando que estou muito feliz por você estar aqui. Você nem me conhece...
— Acho que a conheço bem o bastante.
Katie não disse nada. Alex observou-a quando ela
baixou os olhos.
— Você acha que me conhece — disse ela, num sussurro.
— Mas, na verdade, não conhece.
Alex sentiu que Katie estava com medo de dizer mais.
Em meio ao silêncio, ele ouviu as tábuas do piso da varanda rangendo enquanto
ele se movimentava para frente e para trás na cadeira de balanço.
— Que tal se eu lhe disser o que acho que sei a seu respeito
e você me diz se estou certo ou errado? Podemos fazer assim?
Ela acenou positivamente com a cabeça, apertando os
lábios. Quando Alex prosseguiu, sua voz era suave.
— Eu acho que você é
inteligente e charmosa, e que você é uma pessoa de bom coração. Eu sei que,
quando quer, você sabe se preparar para ficar ainda mais linda do que
qualquer pessoa que eu já tenha conhecido. Você é independente, tem um bom
senso de humor e demonstra uma paciência incrível para lidar com crianças. Você
tem razão quando diz que não conheço detalhes específicos sobre seu passado,
mas não imagino que eles sejam importantes, a menos que você queira me contar a
respeito deles. Todo mundo tem um passado, mas ele se limita a ser apenas o
passado. Você pode aprender com ele, mas não pode mudá-lo. A pessoa que eu
conheço é aquela que eu quero conhecer ainda melhor.
Enquanto ele falava, Katie abriu um sorriso frágil.
—
Você fala como se tudo fosse muito simples.
— Pode ser tão simples quanto você quiser que seja.
Ela girou a taça entre os dedos, segurando-a pela
haste, enquanto considerava aquelas palavras.
— E se o passado não for
realmente passado? E se ainda estiver acontecendo?
Alex continuou a encará-la.
— Você tem medo de que ele
a encontre.
Katie titubeou.
— O que você disse?
— Você ouviu o que eu disse — continuou Alex. Ele
manteve a voz firme e tranquila, em um tom quase conversacional, algo que havia
aprendido enquanto trabalhava no DIC. — Eu imagino que você já foi casada. E
que talvez seu ex-marido esteja tentando descobrir onde você está.
Katie se sentiu paralisar
e seus olhos se arregalaram. Repentinamente, sentiu dificuldade para respirar
e se levantou da cadeira em um salto, derramando o que restava do seu vinho.
Ela recuou um passo, afastando-se dele, olhando-o fixamente e sentindo seu
rosto empalidecer.
— Como você sabe tudo isso sobre mim? Quem lhe contou?
— perguntou ela, com a mente trabalhando em alta velocidade, tentando
descobrir o que havia acontecido. Alex não poderia saber de tudo aquilo. Não era
possível. Ela não havia contado a ninguém.
Com exceção de Jo.
Perceber aquilo foi o bastante para lhe tirar o fôlego
e ela olhou para a casa que ficava ao lado da sua. Sua vizinha havia lhe traído
a confiança, pensou ela. Sua amiga havia lhe traído.
Tão rapidamente quanto os pensamentos que corriam pela
mente de Katie, a mente de Alex também estava trabalhando freneticamente. Ele
percebeu o medo na expressão dela, mas ele já havia visto aquilo antes.
Inúmeras vezes. E ele sabia que era hora de parar com os jogos e as
dissimulações se quisessem que a situação deles avançasse.
— Ninguém me contou nada — garantiu Alex. — Mas sua
reação mostra que estou certo. De qualquer forma, isso não tem importância.
Não conheço essa pessoa, Katie. Se você quiser me contar sobre seu passado,
estou disposto a escutá-la e ajudar de qualquer maneira que esteja ao meu
alcance, mas não vou lhe perguntar nada a respeito. E, se você não quiser me
contar, também não há problema algum. Como lhe disse, não conheço essa pessoa.
Você deve ter bons motivos para querer guardar segredo, o que significa que eu
também não vou contar nada a ninguém. Não importa o que aconteça entre nós. Se você quiser
inventar um novo passado para você, vá em frente. Darei meu respaldo total e
confirmarei cada palavra que você disser. Pode confiar em mim.
Katie olhou para Alex enquanto ele falava, sentindo-se
confusa, amedrontada e enraivecida, mas ouvindo atentamente cada palavra.
— Mas... como?
— Aprendi a perceber coisas que outras pessoas deixam
passar. Houve uma época na minha vida em que isso era tudo que eu fazia. E você
não é a primeira mulher nessa situação que conheci.
Katie continuou olhando para ele, ainda imersa em
pensamentos.
— Quando você estava no exército — concluiu ela.
Ele assentiu, sem desviar o olhar. Finalmente, ele se
levantou da cadeira e deu um passo cauteloso em direção a ela.
— Posso lhe
servir mais um copo de vinho?
Ainda envolvida em um turbilhão de emoções, ela não
conseguiu responder, mas quando Alex estendeu a mão para pegar seu copo, deixou
que ele o tomasse. A porta da varanda se abriu com um rangido e se fechou por
trás dele, deixando-a sozinha.
Katie andou até o parapeito, lutando contra o caos que
dominava seus pensamentos. Ela resistiu ao instinto de fazer as malas, pegar a
lata de café cheia de dinheiro e sair da cidade assim que pudesse.
Mas o que faria? Se Alex conseguira descobrir a
verdade simplesmente observando, então seria possível que outra pessoa
conseguisse fazer o mesmo. E, por uma obra qualquer do destino, talvez essa
outra pessoa não fosse gentil como Alex.
Por trás dela, Katie ouviu
a porta se abrir de novo. Alex saiu para a varanda e foi até o parapeito,
colocando a taça em sua frente.
— Já terminou de pensar?
— No quê?
— Se você vai fugir para algum lugar desconhecido
assim que puder?
Katie se virou para ele, com uma expressão chocada no
rosto.
Alex levantou as mãos, mostrando-lhe as palmas. — No
que mais você estaria pensando? Mas, apenas para que você saiba, estou curioso
apenas porque estou começando a sentir fome. Seria horrível se você saísse
correndo antes do nosso jantar.
Ela demorou alguns segundos para perceber que ele
estava brincando. Embora não acreditasse que fosse possível, considerando os
últimos minutos de sua conversa com Alex, Katie percebeu que estava sorrindo
aliviada.
— Ainda vamos jantar, não se preocupe — disse ela.
— E amanhã?
Em vez de responder, ela pegou a taça de vinho. —
Quero que você me conte como descobriu isso.
— Não foi apenas uma coisa — disse Alex, mencionando
em seguida algumas das coisas que havia percebido no decorrer dos dias.
— A maioria das pessoas não conseguiria juntar as
peças.
Katie olhava para o fundo do seu copo. — Mas você
conseguiu.
— Não tive como evitar. É
automático para mim.
Ela pensou naquela resposta. — Isso significa que você
já sabia disso há algum tempo. Ou que, pelo menos, desconfiava.
— Sim — admitiu ele.
— E foi por isso que você nunca perguntou sobre meu
passado.
— Isso mesmo — completou ele.
— E mesmo assim você queria sair comigo.
A expressão no rosto de Alex era séria. — Eu quero
sair com você desde o dia em que a vi pela primeira vez. Simplesmente tive que
esperar até que você estivesse pronta.
Com os últimos raios do sol desaparecendo no horizonte
e o crepúsculo se aproximando, o céu azul e sem nuvens ganhava tons de um
violeta pálido. Eles estavam em frente ao parapeito da varanda e Alex observou
a brisa gentil que vinha do sul agitar alguns fios do cabelo de Katie. A pele
dela ganhou tons de dourado e laranja, como um pêssego; ele viu o levantar e o
abaixar suave do seu peito enquanto ela respirava. O olhar dela estava perdido
na distância, sua expressão ilegível; Alex sentiu sua garganta se apertar ao
imaginar no que ela estaria pensando.
— Você não respondeu à minha pergunta — disse ele,
finalmente quebrando o silêncio.
Ela permaneceu quieta por alguns momentos, antes de
deixar um sorriso tímido se formar em seu rosto.
— Acho que vou continuar
em Southport por mais algum tempo, se é isso que você quer saber — respondeu
ela.
Alex inspirou o perfume que emanava dela.
— Você sabe
que pode confiar em mim.
Katie se inclinou e apoiou a cabeça no peito de Alex,
sentindo a força daquele homem enquanto ele colocava seu braço ao redor do
corpo dela.
— Acho que não tenho escolha, não é?
***
ELES VOLTARAM PARA A COZINHA alguns
minutos depois. Katie deixou sua taça de vinho sobre o balcão e se ocupou com os
afazeres do jantar, colocando os aperitivos e os pimentões recheados no forno.
Ainda se recuperando do choque que sentira quando Alex revelou detalhes tão
exatos sobre seu passado, ela ficou feliz por ter algo com que se ocupar. Era
difícil aceitar que ele ainda quisesse desfrutar de sua companhia naquela
noite. E, mais importante, que ela quisesse passar a noite com ele. No fundo do
seu coração, não tinha certeza de que merecia ser feliz e também não acreditava
que fosse digna de ter alguém que parecia tão... normal.
Aquele era o segredo sujo associado ao seu passado.
Não o fato de ter sofrido com a violência — de alguma forma, ela achava que
merecia o que lhe acontecera, simplesmente por ter deixado que tudo aquilo
acontecesse. Mesmo agora, ela ainda se envergonhava. Havia momentos em que se
sentia incrivelmente feia, como se as cicatrizes do passado ficassem visíveis
para todos.
Mas, nesse momento e nesse lugar, seu passado
importava menos do que antigamente, porque, de algum modo, Katie suspeitava
que Alex entendia a vergonha que ela sentia. E aceitava aquele sentimento
também.
Ela tirou da geladeira a
calda de framboesas que havia feito durante a tarde e começou a despejá-la
com uma colher em uma pequena frigideira que já estava quente no fogão. Não
demorou muito e, depois de deixá-la de lado, tirou os pedaços de queijo brie
enrolados com bacon do forno, cobriu-os com a calda e trouxe-os para
a mesa. Lembrando-se do vinho que ainda estava sobre o bal- cão, ela pegou a
garrafa e veio se sentar à mesa com Alex.
— Isso é só para começar. Os pimentões ainda vão
demorar um pouco.
Ele se inclinou em direção à bandeja.
— O cheiro é
maravilhoso.
Alex se serviu de um dos pedaços de queijo e o levou à
boca.
— Que delícia — disse ele.
— É bom, não é? — disse Katie, sorrindo.
— Maravilhoso. Onde você aprendeu a cozinhar assim?
— Eu tinha um amigo que era cozinheiro. Ele me disse
que esse aperitivo consegue encantar qualquer pessoa.
Alex cortou outro pedaço com seu garfo.
— Fico feliz
por você ter decidido ficar em Southport. Acho que consigo me imaginar comendo
este queijo com calda de framboesas regularmente, mesmo que tenha que trocar as
mercadorias da minha loja por um prato como este.
— A receita não é complicada.
— Você nunca me viu cozinhar. Sou muito bom para fazer
pratos que as crianças gostam, mas, se for necessário preparar algo mais
elaborado, simplesmente não consigo.
Alex pegou seu copo de
vinho e tomou mais um gole. — Acho que o queijo vai combinar mais com o vinho
tinto. Você se importa se eu abrir a outra garrafa?
— De modo algum.
Ele se levantou e foi até o balcão da cozinha. Alex
abriu o zinfandel enquanto Katie foi até o armário e tirou mais duas
taças. Alex encheu as duas e entregou uma delas a Katie. Os dois estavam
perto o bastante para que seus corpos quase se tocassem, e Alex teve que lut-
ar contra o desejo de puxá-la para si e abraçá-la. Em vez disso, ele limpou a
garganta.
— Eu queria lhe dizer uma coisa, mas não quero que
você me entenda mal.
Ela hesitou.
— Por que é que tenho a impressão de que
não vou gostar do que você vai dizer?
— Eu só queria lhe dizer o quanto estava ansioso para
que esta noite chegasse. Sabe, passei a semana inteira pensando nisso.
— Por que você achou que eu entenderia mal?
— Não sei. Talvez por você ser mulher? Porque isso faz
com que eu pareça estar desesperado, e porque nenhuma mulher gosta de homens
desesperados?
Pela primeira vez naquela noite, ela riu de forma
tranquila, sem nervosismo.
— Eu não acho que você seja um desesperado. Tenho a
impressão de que, às vezes, você fica sobrecarregado por conta das crianças e
da loja. Mas você não é do tipo que fica me ligando todos os dias.
— Eu só não faço isso
porque você não tem telefone. Mas, mesmo assim, eu queria que você soubesse que
tudo isso significa muito para mim. Não tenho muita experiência com esse tipo
de coisa.
— Jantares?
— Não. Encontros românticos. Já faz um bom tempo.
“Bem-vindo ao clube”, pensou ela consigo mesma. Mas
aquilo fez com que ela se sentisse bem, de qualquer maneira.
— Vamos comer
— disse ela, convidando-o a voltar à mesa. — É melhor
comê-los enquanto ainda estão quentes.
Quando o aperitivo estava terminado, Katie se levantou
da mesa e foi até o forno, dando uma rápida olhada nos pimentões antes de lavar
a frigideira que havia usado antes. Ela juntou os ingredientes para o molho do
prato principal e começou a prepará-lo, enquanto salteava os camarões em outra
panela. Quando os camarões ficaram prontos, o molho também já estava
finalizado. Katie colocou um pimentão em cada prato e acrescentou os
camarões. Depois de deixar a cozinha à meia-luz, ela acendeu a vela que havia
deixado no centro da mesa. O aroma de manteiga e alho e a luz que tremeluzia
contra a parede fizeram com que a cozinha parecesse quase nova e com que o ar
se enchesse de expectativas.
Alex e Katie jantaram e conversaram. Do lado de fora
da casa, as estrelas saíam de seus esconderijos. Alex elogiou a refeição mais
de uma vez, dizendo que nunca havia provado nada melhor. Conforme a vela queimava
e a garrafa de vinho se esvaziava, Katie revelou alguns fragmentos e detalhes
de seu passado, como a vida que teve em Altoona enquanto crescia. Embora não
tivesse revelado todos os detalhes sobre seus pais a Jo, ela contou tudo a
Alex, sem quaisquer reservas: as constantes mudanças, o alcoolismo de seus
pais e o fato de que teve que sobreviver
sozinha desde os 18 anos. Alex ficou em silêncio durante todo o relato,
escutando sem julgá-la. Mesmo assim, ela não tinha certeza sobre o que ele
achava de seu passado. Quando ela finalmente parou de falar, começou a imaginar
se não teria dito coisas demais sobre si mesma. Mas foi nesse momento que ele
colocou sua mão sobre a dela. Embora não conseguisse olhar nos olhos de Alex,
os dois se deram as mãos sobre a mesa. Nenhum dos dois se sentia disposto a
quebrar a magia daquele toque, como se fossem as duas únicas pessoas que
restavam no mundo.
— Acho que é melhor eu começar a limpar a cozinha —
disse Katie, após algum tempo, finalmente quebrando o encanto. Ela se afastou
da mesa. Alex ouviu os pés da cadeira de Katie se arrastando no chão e percebeu
que aquele momento havia chegado ao fim. Tudo o que ele queria era poder
senti-lo novamente.
— Eu quero que você saiba que esta noite foi
maravilhosa para mim — começou ele.
— Alex... eu...
Ele balançou a cabeça.
— Você não precisa dizer nada
que...
Katie não o deixou concluir a frase.
— Mas eu quero
dizer algo, está bem?
Ela estava ao lado da mesa, com os olhos brilhando por
conta de uma emoção desconhecida.
— Eu também tive uma noite maravilhosa. E
sei para onde isso vai nos levar e não quero que você fique magoado — disse
ela, exalando o ar e se preparando para as palavras que teria que dizer a
seguir. — Não posso fazer promessas. Não posso lhe dizer onde estarei amanhã,
ou mesmo daqui a um ano. Quando fugi pela primeira vez, pensei que conseguiria
deixar tudo para trás e começar minha vida do
zero, entende? Eu viveria minha vida e simplesmente fingiria que nada havia me
acontecido. Mas como posso fazer isso? Você acha que me conhece, mas não tenho
certeza nem mesmo se eu me conheço. E por mais que você saiba algumas coisas
sobre mim, há muitas outras que você não sabe.
Alex sentiu algo desmoronar dentro de si.
— Quer dizer
que você não quer mais me ver?
— Não — disse ela, balançando a cabeça com firmeza. —
Estou dizendo tudo isso porque eu quero vê-lo outras vezes, sim. E isso me
assusta, porque, no fundo do meu coração, sei que você merece alguém melhor.
Você merece alguém em quem possa confiar. Alguém com quem seus filhos possam
contar. Como eu disse, há certas coisas sobre mim que você não sabe.
— Essas coisas não me interessam — insistiu Alex.
— Como você pode dizer uma coisa dessas?
No silêncio que se seguiu àquela pergunta, Alex ouviu
o ruído baixo do motor da geladeira. Pela janela, a lua havia aparecido no céu
e agora iluminava o alto das copas das árvores.
— Porque eu conheço a mim mesmo — disse ele,
finalmente percebendo que estava apaixonado por ela. Amava a Katie que
conhecia e também amava a Katie que ele não tivera a oportunidade de conhecer. Ele levantou da cadeira e se aproximou dela.
— Alex... isso não pode...
— Katie — sussurrou ele e, por um momento, nenhum dos
dois se moveu. Alex finalmente pousou sua mão no quadril de Katie e a trouxe
para perto de si. Katie soltou o ar, como se estivesse se
livrando de um fardo que
trazia há muito tempo sobre os ombros. E, quando ela conseguiu olhar nos olhos
dele, foi como se repentinamente se tornasse fácil para Katie imaginar que
seus medos fossem insignificantes. Que Alex a amaria independentemente do que
ela dissesse. Que ele era o tipo de homem que já a amava e que a amaria para
sempre.
E foi naquele momento que ela percebeu que também o
amava.
Assim, Katie se permitiu tocá-lo e apoiar seu rosto no
peito dele. Ela sentiu os dois corpos se tocarem e sentiu quando Alex acariciou
seu cabelo com uma das mãos. O toque era suave e gentil, diferente de tudo o
que ela havia sentido anteriormente, e ela observou, encantada, enquanto ele
fechava os olhos. Alex inclinou a cabeça e seus rostos se aproximaram.
Quando seus lábios finalmente se encontraram, ela sentiu
o gosto do vinho na língua dele. Katie se entregou a Alex, permitindo que ele
beijasse sua face e seu pescoço, arqueando as costas para trás e deliciando-se
com a sensação. Ela sentia a umidade dos lábios dele conforme eles lhe tocavam
a pele, e colocou os braços ao redor do pescoço dele.
“Essa era a verdadeira sensação de amar alguém”,
pensou ela, e de ter esse mesmo amor retribuído. Katie começou a sentir as
lágrimas se formando em seus olhos. Ela piscou, tentando não derramá- las,
mas era impossível fazer aquilo. Katie o amava e o queria. Mais do que isso,
queria que Alex amasse a verdadeira Katie, com todos os seus defeitos e
segredos. Ela queria que ele soubesse toda a verdade.
Eles se beijaram por muito tempo na cozinha,
envolvidos em abraços apertados. As mãos de Alex deslizavam pelas costas e os
cabelos de Katie. Ela se arrepiou ao sentir a barba por fazer no rosto de Alex. Quando ele deslizou
seus dedos pela pele do braço de Katie, ela sentiu uma torrente de calor
líquido queimar seu corpo por dentro.
— Eu quero muito estar com você, mas não posso —
sussurrou ela, finalmente, esperando que aquilo não o enervasse.
— Está tudo bem — sussurrou ele. — Eu duvido que esta
noite possa ficar mais maravilhosa do que foi até aqui.
— Mas você está decepcionado.
Alex afastou uma mecha do cabelo que caía sobre o
rosto de Katie.
— Não acho que seja possível você me causar qualquer tipo de
decepção.
Ela engoliu em seco, tentando afastar seus temores.
— Tem algo que você precisa saber sobre mim — sussurrou
ela.
— Seja lá o que for, tenho certeza de que posso
entender. Ela voltou a se apoiar nele.
— Não posso passar a noite com você. É o mesmo motivo
pelo qual nunca poderemos nos casar — disse ela, em voz baixa. — Já sou casada.
— Eu sei — sussurrou ele.
— E você não se importa?
— Não é uma situação perfeita. Mas confie em mim,
também não sou uma pessoa perfeita. Assim, talvez seja melhor deixarmos as
coisas acontecerem, um dia após o outro. E quando você estiver pronta, quando realmente
se sentir à vontade, estarei esperando.
Alex tocou o rosto de
Katie com um dedo. — Eu amo você, Katie. Talvez você não esteja preparada para
dizer essas palavras agora. Talvez nunca esteja. Mas isso não muda o que sinto
por você.
— Alex...
— Você não precisa dizer nada, Katie.
— Posso explicar? — perguntou ela, finalmente se
afastando. Ele não fez questão de esconder sua curiosidade.
—
Eu quero lhe contar algo. Quero lhe contar minha história.
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