Capítulo 20
NO FERIADO DO DIA DO SOLDADO, a
centenas de quilômetros ao norte, Kevin Tierney estava no quintal de uma casa
em Dorchester, vestindo bermudas e uma camisa em estilo havaiano que havia comprado quando ele e Erin foram visitar Oahu9 durante a lua de mel.
— Erin viajou para Manchester — disse ele.
Bill Robinson, seu capitão na divisão de investigação
da polícia, estava cuidando dos hambúrgueres que assavam na churrasqueira. — De
novo?
— Eu lhe disse que uma amiga dela está com câncer, não
se lembra? Ela acha que precisa estar lá para cuidar dessa amiga.
— Esse câncer é uma doença horrível — disse Bill. — E
como Erin está encarando a situação?
— Está tudo bem. Mas eu percebo que ela está cansada.
É difícil se acostumar com essa rotina de viagens.
— Eu imagino que seja
assim mesmo. Emily teve que fazer algo parecido quando sua irmã contraiu lúpus.
Passou dois meses em Burlington, no meio do inverno, enfurnada em um
apartamento pequeno. As duas ficaram loucas. No final, a irmã fez as malas de
Emily e as colocou em frente à porta do apartamento, dizendo que ficaria melhor
sozinha. Não que eu a culpe por isso, é claro.
Kevin tomou um gole de sua cerveja e, como era aquilo
que se esperava que ele fizesse, sorriu. Emily era a esposa de Bill e eles
eram casados há quase trinta anos. Bill gostava de dizer às pessoas que já
tivera o tempo mais feliz de sua vida. Todos os policiais e funcionários da
delegacia haviam ouvido aquela piada cerca de cinquenta vezes nos últimos oito
anos e a maior parte daquelas pessoas estava lá no momento. Bill oferecia um
churrasco todos os anos no Dia do Soldado, não apenas por considerar aquilo uma
obrigação, mas também porque seu irmão trabalhava em uma distribuidora de
cerveja e uma grande parte do estoque era consumida nestas ocasiões. Maridos,
esposas, namorados, namoradas e crianças estavam reunidos em grupos. Alguns na
cozinha, outros no terraço. Quatro investigadores estavam tentando acertar
ferraduras em um pino de metal fincado no chão e a areia estava voando ao redor
do alvo.
— Da próxima vez que ela voltar à cidade, por que não
a traz até aqui para jantar? Emily perguntou sobre ela. A menos, é claro, que
vocês queiram recuperar o tempo perdido — acrescentou Bill, piscando o olho.
Kevin começou a se perguntar se aquela oferta seria
genuína. Em dias como aquele, Bill gostava de fingir que ele era apenas um cara
comum, em vez do capitão. Mas ele era afiado como uma navalha. Inteligente.
Mais político do que policial.
— Vou conversar com ela a respeito.
— Quando ela viajou?
— Hoje pela manhã. Já deve ter chegado lá.
Bill pressionou um dos hambúrgueres com a espátula,
fazendo com que o suco da carne escorresse. “Ele não sabe nada sobre fazer
churrasco”, pensou Kevin. Sem o suco, o hambúrguer teria o mesmo sabor de uma
pedra — seco, insípido e duro. Impossível de comer.
— Eu estava pensando no caso de Ashley Henderson —
disse Bill, mudando de assunto. — Acho que finalmente conseguiremos uma
acusação formal. Você trabalhou bem.
— Já estava na hora. Achei que eles já estavam fartos
daquela situação há algum tempo — disse Kevin.
— Eu também. Mas não faço parte da promotoria — disse
Bill, pressionando outro hambúrguer, arruinando-o. — Também quero falar com
você a respeito de Terry.
Terry Canton fora o parceiro de Kevin durante os
últimos três anos, mas ele havia sofrido um ataque cardíaco em dezembro e estava afastado do trabalho desde então. Kevin vinha trabalhando sozinho
naquele período.
— O que aconteceu?
— Ele não vai voltar. Fiquei sabendo hoje pela manhã.
Os médicos que o tratam recomendaram que ele se aposentasse e ele decidiu
seguir o conselho. Decidiu que vinte anos já foram o bastante, e a pensão do
seguro social está esperando por ele.
— E o que isso significa para mim?
Bill deu de ombros.
—
Vamos lhe arranjar um novo parceiro, mas não podemos fazer isso imediatamente
já que a cidade está com as verbas congeladas. Talvez quando o novo orçamento
municipal for aprovado.
— “Talvez” ou “provavelmente”?
— Você vai ganhar um novo parceiro. Mas provavelmente
não antes de julho. Lamento por isso. Sei que isso significa que você vai ter
que trabalhar mais, mas não há nada que eu possa fazer. Vou tentar manter sua
carga de trabalho num nível suportável.
— Obrigado.
Um grupo de crianças corria pelo terraço, com seus
rostos sujos. Duas mulheres saíram da casa trazendo tigelas de salgadinhos,
provavelmente fofocando. Kevin detestava fofocas. Bill apontou com sua espátula
para uma mesa sobre o deck.
— Traga aquela bandeja, por favor. Acho que estes
já estão quase prontos.
Kevin pegou a bandeja. Era a mesma que havia sido
usada para trazer os hambúrgueres crus para a grelha e ele percebeu as manchas
de gordura e os pedaços de carne crua. Era nojento. Erin teria trazido uma bandeja
limpa, uma que não tivesse restos de carne crua ou gordura. Kevin colocou a
bandeja ao lado da grelha.
— Preciso de outra cerveja — disse Kevin, levantando
sua garrafa.
— Você vai querer uma também?
Bill balançou a cabeça negativamente e estragou mais
um hambúrguer.
— Ainda não acabei de tomar a minha. Mesmo assim, obrigado.
Kevin foi em direção à
casa, sentindo a gordura da bandeja em seus dedos. Entranhando-se neles.
— Ei — gritou Bill, por trás dele. Kevin se virou.
— A caixa térmica com as cervejas está do outro lado,
esqueceu?
— disse Bill, apontando para um dos cantos do deck.
— Eu sei. Mas quero lavar as mãos antes do jantar.
— Ande logo. Quando eu colocar a bandeja na mesa, vai
ser cada um por si.
Kevin parou antes de chegar à porta dos fundos para
limpar os pés no capacho. Na cozinha, deu a volta ao redor de um grupo de esposas que conversavam animadamente até chegar à pia. Ele lavou suas mãos duas
vezes, usando bastante sabão. Pela janela, viu quando Bill colocou a bandeja de
salsichas e hambúrgueres na mesa de piquenique, ao lado dos pães, condimentos e
tigelas de salgadinhos. Não demorou muito para que as moscas sentissem o
cheiro e se amontoassem por cima da bandeja, zumbindo sobre a comida e pousando nos hambúrgueres. As pessoas pareciam não se importar, pois formaram uma
fila ensandecida. Elas simplesmente espantavam as moscas e colocavam os
hambúrgueres em seus pratos, fingindo que as moscas não estavam se acumulando
ali. Hambúrgueres malfeitos e um enxame de moscas.
Ele e Erin fariam tudo de um jeito diferente. Ele não
pressionaria os hambúrgueres com a espátula e Erin teria deixado os condimentos, salgadinhos e picles na cozinha para que as pessoas pudessem se servir
ali, onde era limpo. Moscas eram animais asquerosos, os hambúrgueres estavam duros
como pedras e ele não iria comê-los. Pensar naquilo lhe dava náuseas.
Ele esperou até que a bandeja estivesse vazia para
voltar para a churrasqueira e foi até a mesa, fingindo estar decepcionado.
— Eu avisei que eles sumiriam bem rápido — disse Bill.
— Mas Emily deixou outra bandeja na geladeira, então não vai demorar muito para
a segunda rodada. Por que não me traz uma cerveja enquanto eu vou até lá
buscar os hambúrgueres?
— É claro — disse Kevin.
Quando o próximo lote de hambúrgueres estava pronto,
Kevin colocou comida em um prato e elogiou Bill, dizendo-lhe que pareciam
estar fantásticos. Havia um enxame de moscas à sua volta, os hambúrgueres
estavam novamente ressecados e, quando Bill se virou, Kevin jogou a comida na
lata de lixo que ficava ao lado da casa. Ele disse a Bill que os hambúrgueres
estavam deliciosos.
Ele ficou ali por mais algumas horas. Aproveitou para
conversar com Coffey e Ramirez. Eles eram investigadores como ele, exceto pelo
fato de que comiam os hambúrgueres sem se importar com as moscas que se
amontoavam. Kevin não queria ser o primeiro a ir embora, nem mesmo o segundo.
O capitão queria fingir que era um dos rapazes e ele não queria ofender seu
capitão. Ele não gostava de Coffey nem de Ramirez. Às vezes, quando Kevin
estava por perto, Coffey e Ramirez paravam de conversar. Kevin sabia que era o
assunto da conversa deles, que eles falavam a seu respeito às escondidas.
Fofoqueiros.
Mas Kevin era um bom investigador e sabia disso. Bill
também sabia, assim como Coffey e Ramirez. Ele trabalhava na divisão de homicídios e sabia como
conversar com testemunhas e suspeitos. Sa- bia o momento de fazer perguntas e o
momento de escutar; sabia quando as pessoas mentiam e ele colocava assassinos
atrás das grades simplesmente porque a Bíblia dizia: Não matarás. Kevin
acreditava em Deus e estava fazendo o trabalho do Senhor ao colocar os culpados
na cadeia.
Ao voltar para casa, Kevin caminhou pela sala de
estar. Ele resistiu ao desejo de chamar pelo nome de Erin. Se Erin estivesse
ali, ela já teria tirado o pó da mesa de centro, organizado as revistas na mesinha ao lado do sofá e tirado a garrafa vazia de vodca do sofá. Se Erin
estivesse ali, as cortinas estariam abertas, os pratos estariam lavados e
guardados e o jantar estaria esperando por ele na mesa. E ela teria sorrido
para ele e perguntado como fora seu dia. Depois eles fariam amor, porque ele a
amava e ela o amava também.
No andar de cima, em seu quarto, ele abriu a porta do
armário. Ainda conseguia sentir um resquício do perfume que ela usava, o mesmo
que ele havia dado de presente no Natal. Ele a vira levantar uma aba de papel
com uma amostra do perfume que viera em uma de suas revistas e viu quando ela
sorriu ao cheirar o perfume. Quando Erin foi para a cama, Kevin rasgou a página
da revista e guardou-a em sua carteira, para que soubesse exatamente qual perfume deveria comprar. Ele se lembrava da maneira carinhosa como ela tinha
aplicado um pouco atrás de cada orelha e nos pulsos quando ele a levara para
jantar na noite do réveillon e o quanto ela estava bonita com o vestido
de coquetel que usava. No restaurante, Kevin havia percebido que outros homens,
mesmo os que estavam acompanhados, haviam olhado para ela enquanto ele e Erin
andavam pelo salão até chegarem à sua mesa. Depois, voltaram para casa e
fizeram amor enquanto o ano-novo chegava.
O vestido ainda estava lá,
pendurado no mesmo lugar, trazendo de volta aquelas memórias. Há uma semana ele
havia tirado o vestido do cabide e chorado enquanto o segurava, sentado na
beirada da cama.
Do lado de fora da casa, o som constante dos grilos
não o acalmava. Embora o feriado fosse um dia em que ele poderia relaxar,
estava cansado. Não tinha vontade de ir ao churrasco, não queria responder às
perguntas sobre Erin, não queria ter mentido. Não porque as mentiras o
incomodassem, mas porque era difícil manter a ilusão de que Erin não o havia
abandonado. Ele havia inventado uma história e a repetia há meses: que Erin lhe
telefonava todas as noites; que ela havia voltado para casa por alguns dias,
mas que logo retornara a New Hampshire; que a amiga estava passando por uma
quimioterapia e precisava da ajuda dela. Ele sabia que não conseguiria manter
aquela história para sempre e que não tardaria para que a desculpa de ajudar
uma amiga começasse a ficar repetitiva e as pessoas começassem a se perguntar
por que nunca viam Erin na igreja, no supermercado ou mesmo no bairro em que
morava. Iriam perguntar também por quanto tempo mais ela iria ficar ao lado
da amiga. As pessoas começariam a falar às escondidas e a dizer coisas como:
“Erin deve ter abandonado Kevin”, ou “acho que o casamento deles não era tão
perfeito como parecia”. Pensar naquilo fez seu estômago se apertar,
lembrando-o que ele não havia comido.
Não havia muita coisa na geladeira. Erin sempre
deixava a geladeira estocada com peru, presunto, mostarda Dijon e pão de
centeio fresco, mas sua única escolha agora era requentar o filé à moda mongol
que comprara no restaurante chinês há alguns dias. Na prateleira inferior, viu
manchas de comida e sentiu vontade de chorar outra vez, porque aquilo fez com
que pensasse nos gritos de Erin e no barulho que a cabeça dela havia feito ao
bater na quina da mesa quando ele a empurrara
pela cozinha. Ele a havia estapeado e chutado porque encontrara manchas de
comida na geladeira e se perguntava agora por que uma coisa tão pequena como
aquela o deixara tão furioso.
Kevin foi para a cama e se deitou. Quando percebeu, já
era meia- noite e o bairro que via pela janela do quarto estava tranquilo. Do
outro lado da rua, viu uma luz acesa na casa dos Feldman. Ele não gostava dos
Feldman. Diferente dos outros vizinhos, Larry Feldman nunca lhe cumprimentava
se os dois estivessem em seus jardins. Se Gladys, a esposa dele, o visse na
rua, ela se virava e voltava a entrar na casa. Eles já tinham mais de 60 anos e
eram o tipo de pessoa que corria para fora para esbravejar com alguma criança
que pisasse em seu gramado para recuperar um frisbee que tivesse caído ali.
E, embora fossem judeus, eles decoravam sua casa com luzes de natal, e
colocavam o menorá na janela, durante o período de festas. As atitudes
deles o deixavam desconcertado e Kevin não os considerava bons vizinhos.
Kevin voltou para a cama, mas não conseguiu dormir.
Quando a manhã chegou, com a luz do sol entrando pela janela, sabia que nada
havia mudado na vida de ninguém. Apenas sua vida estava diferente. Seu irmão,
Michael, e sua esposa, Nadine, estariam preparando seus filhos para irem à escola,
antes de saírem para seus próprios empregos no Boston College. Seu pai e sua
mãe provavelmente estariam lendo a edição do Boston Globe enquanto
tomavam o café da manhã. Crimes haviam sido cometidos e as testemunhas estariam
na delegacia. Coffey e Ramirez estariam fazendo fofoca sobre ele.
Ele tomou um banho e, para o café da manhã, comeu uma
torrada acompanhada por um copo de vodca. Na delegacia, foi chamado para
investigar um assassinato. O corpo de uma mulher de 20 e poucos anos, provavelmente
uma prostituta, havia sido encontrado em uma lixeira. Ela havia sido esfaqueada
até morrer. Kevin passara a manhã conversando com pessoas que estavam por
perto, quando o corpo foi encontrado, enquanto as evidências eram coletadas.
Quando terminou as entrevistas, ele voltou à delegacia para elaborar seu
relatório conforme as informações ainda estavam claras em sua mente. Ele era um
bom investigador.
A delegacia estava bem movimentada, era o primeiro dia
da semana após um feriado prolongado. O mundo havia enlouquecido. Os
investigadores conversavam ao telefone, redigindo relatórios em suas mesas,
conversando com testemunhas e escutando as vítimas falando sobre sua condição.
Barulho. Atividade. Pessoas indo e vindo. Telefones tocando. Kevin foi até
sua escrivaninha, uma das quatro que ficavam no meio da sala. Pela porta
aberta, Bill acenou, mas não saiu do seu escritório. Ramirez e Coffey estavam
em suas mesas, sentados de frente para ele.
— Está tudo bem com você? — perguntou Coffey. Coffey
já passava dos 40 anos, estava com excesso de peso e era calvo. — Você está
com uma aparência horrível.
— Não dormi muito bem — disse Kevin.
— Eu também não durmo bem sem Janet. Quando Erin vai
voltar?
Kevin manteve sua expressão neutra.
— No próximo fim de semana. Tenho alguns dias de folga
para tirar e decidimos ir para Cape Cod. Faz alguns anos que não vamos para lá.
— É mesmo? Minha mãe mora
lá. E para que lugar de Cape Cod vocês irão?
— Provincetown.
— É onde ela mora. Vocês vão adorar o lugar. Sempre
vou para lá. E onde vocês vão ficar?
Kevin estranhou o fato de Coffey fazer tantas
perguntas.
— Não sei ainda — respondeu ele, finalmente. — Erin está cuidando
dos preparativos e das reservas.
Kevin foi até a cafeteira e se serviu de uma xícara,
embora não quisesse realmente beber café. Teria que descobrir o nome de um
hotel e de alguns restaurantes. Se Coffey perguntasse a respeito, ele saberia o
que dizer.
Seus dias seguiam a mesma rotina. Ele trabalhava,
conversava com as testemunhas e finalmente voltava para casa. Seu trabalho era
estressante e ele queria descansar depois do expediente, mas tudo estava
diferente em sua casa, e o trabalho continuava em sua rotina extenuante.
Certa vez, chegou até mesmo a acreditar que se acostumaria a ver vítimas de
assassinato, mas seus rostos lívidos e sem vida ficavam gravados em sua
memória. E, às vezes, as vítimas o visitavam durante o sono.
Kevin não gostava de voltar para casa. Quando
terminava o expediente, não havia mais uma bela esposa para recebê-lo na
porta. Erin havia saído de casa em janeiro. Agora, sua casa estava suja e desorganizada e ele tinha que lavar as próprias roupas. Entre outras coisas, não
sabia como usar a máquina de lavar e, na primeira vez que tentou fazê-lo,
colocou sabão em pó em excesso e as roupas ficaram manchadas e endurecidas. Não
havia mais jantares feitos em casa ou velas sobre a
mesa. Em vez disso, ele comprava comida em algum restaurante antes de voltar
para casa e comia no sofá. Às vezes, ligava a televisão. Erin gostava de
assistir ao HGTV, o canal especializado em programas com dicas para a casa e
jardim da TV a cabo. Assim, Kevin frequentemente assistia àquele canal, e
quando o fazia, o vazio que sentia dentro de si era quase insuportável.
Depois de voltar do trabalho, não se importava mais em
guardar sua arma no estojo que tinha no guarda-roupa. Dentro do estojo ele
tinha uma outra Glock para seu uso pessoal. Erin tinha medo de armas, mesmo
antes do dia em que ele lhe encostara a Glock na cabeça dela e ameaçara matá-la
se voltasse a fugir. Ela gritou e chorou enquanto ele jurou que mataria
qualquer homem com quem ela dormisse, qualquer homem com quem ela se
importasse. Havia sido muito estúpida ao fazer aquilo e Kevin ficou tão furioso
por ela ter fugido de casa que exigiu saber o nome do homem que a havia
ajudado, para que pudesse matá-lo. Mas Erin gritou, chorou e implorou por sua
vida, jurando que não havia nenhum homem envolvido. Kevin acreditou nela, pois
Erin era sua esposa. Eles fizeram seus votos diante de Deus e da família, e a
Bíblia diz: Não cometerás adultério. Mesmo naquela época, ele não havia
acreditado que Erin fora infiel. Nunca acreditou que outro homem estivesse
envolvido. Quando estavam casados, fazia questão de se certificar daquilo.
Ligava para casa algumas vezes durante o dia, sempre em horários diferentes e
nunca a deixava ir ao supermercado, ao salão de beleza ou à biblioteca
sozinha. Ela não tinha um carro, nem mesmo uma carteira de habilitação e Kevin
passava em frente à sua casa sempre que estivesse por perto, apenas para ter
certeza de que ela estava em casa. Erin não o havia abandonado porque queria
cometer adultério. Ela saiu de casa porque estava cansada de ser chutada,
socada e empurrada pela escada que levava ao porão. Kevin sabia que não
deveria ter feito aquelas coisas.
Sempre se sentira culpado por aquilo e sempre se desculpara. Mesmo assim, ela
não dera importância.
Não era motivo para Erin ter fugido de casa. Tudo
aquilo deixava seu coração em pedaços, porque ele a amava mais do que tudo no
mundo e sempre havia cuidado bem dela. Comprou-lhe uma casa, uma geladeira, uma
lava-louças, uma secadora de roupas e móveis novos. A casa costumava estar
sempre limpa, mas agora a pia estava cheia de pratos sujos e o cesto de roupas
estava transbordando.
Ele sabia que devia limpar a casa, mas não conseguia
reunir a energia necessária para fazer aquilo. Em vez disso, foi até a
cozinha e tirou uma garrafa de vodca do congelador. Ainda havia quatro garrafas; há uma semana, havia doze. Sabia que estava bebendo demais. Sabia que
deveria se alimentar melhor e parar de beber, mas tudo o que ele queria fazer
era abrir a garrafa, sentar-se no sofá e beber. Kevin gostava de vodca porque
ela não o deixava com mau hálito pela manhã e ninguém saberia que ele estava de
ressaca no dia seguinte.
Kevin encheu um copo de vodca, bebeu-o e depois se
serviu novamente antes de caminhar pela casa vazia. Seu coração doía porque
Erin não estava ali e, se de repente ela aparecesse na porta da casa, ele sabia
que iria pedir desculpas por ter batido nela. Eles resolveriam seus problemas
e depois fariam amor no quarto. Ele queria abraçá-la e sussurrar o quanto a
adorava, mas sabia que ela não ia voltar. Mesmo que a amasse tanto assim, às
vezes Erin o deixava muito irritado. Não era certo uma esposa simplesmente
abandonar a casa onde morava. Uma esposa não deixava seu casamento para trás.
Ele queria espancá-la, chutar, estapear e puxar-lhe os cabelos por fazer algo
tão cruel. Por ser tão egoísta. Queria mostrar a ela que era inútil tentar
fugir.
Ele bebeu o terceiro e o
quarto copos de vodca. A casa estava uma bagunça. Havia uma caixa de pizza
vazia no chão da sala e o batente da porta do banheiro estava rachado, com
farpas de madeira à mostra. A porta não fechava mais direito. Ele chutou a
porta depois que ela se trancou no banheiro, tentando fugir dele. Ele a
segurava pelos cabelos enquanto lhe socava na cozinha. Ela correu para o banheiro. Ele a perseguiu pela casa e meteu o pé na porta. Mas, agora, mal
conseguia se lembrar do motivo pelo qual eles tinham brigado.
Kevin
não conseguia se lembrar muito bem do que tinha acontecido naquela noite. Ele
não se lembrava de ter quebrado dois dedos da mão dela, embora fosse óbvio que
aquilo havia sido obra sua. Mas não a deixou ir para o hospital por uma semana
inteira, não até que os hematomas no rosto dela pudessem ser disfarçados pela
maquiagem. Erin passou a semana tendo que cozinhar e limpar a casa usando
apenas uma das mãos. Ele lhe trouxe flores, desculpou-se e prometeu a ela que
nada daquilo voltaria a acontecer. Quando a tala de gesso foi retirada, Kevin a
levou a Boston para jantar no restaurante Petroni’s. Custou caro e ele sorriu
para ela quando estavam sentados à mesa. Depois do jantar, eles foram ao
cinema e, no caminho para casa, pensou no quanto a amava e no quanto era feliz
por ter uma pessoa como Erin por sua esposa.
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