Capítulo 21

ALEX FICOU COM KATIE até depois da meia-noite, escutando-a enquanto ela contava a história de sua vida. Quando ela estava cansada demais para continuar a falar, ele colocou seus braços ao redor dela e se despediu com um beijo de boa-noite. No caminho de volta para casa, ele pensou consigo mesmo que nunca havia conhecido ninguém que fosse tão corajosa, tão forte e tão engenhosa.
Os dois passaram uma boa parte das duas semanas seguintes juntos tanto tempo quanto podiam. Considerando as horas de trabalho de Alex na loja e os turnos de Katie no Ivan’s, aquilo se resumia a algumas poucas horas por dia, mas ele ansiava pelas visitas que fazia à casa dela com uma expectativa que não sentia há anos. Às vezes, Kristen e Josh o acompanhavam até a casa de Katie. Outras vezes, Joyce o arrastava pela porta da loja afora com uma piscadela, pedindo-lhe que se divertisse antes que Alex se pusesse a caminho.
Katie raramente ia à casa de Alex e, quando o fazia, era apenas para visitas curtas. Em sua mente, ele queria acreditar que aquilo acontecia por causa das crianças, ou porque ela não queria apressar as coisas. Entretanto, uma parte dele percebeu que aquilo acontecia por causa de Carly. Embora ele soubesse que amava Katie — e a cada dia que passava estava mais seguro sobre aquilo — não tinha certeza de que realmente estivesse preparado. Katie parecia entender sua re- lutância e parecia não se importar. Até mesmo porque era mais con- fortável para os dois ficarem a sós na casa dela.
Mesmo assim, eles ainda não haviam feito amor. Embora ele sempre se apanhasse imaginando o quanto aquilo seria maravilhoso, especialmente nos momentos que antecediam o sono, ele sabia que Katie não estava preparada para isso. Os dois pareciam perceber que aquilo significaria uma mudança no relacionamento, um tipo de esperança perene. Por enquanto, era o bastante poder beijá-la, poder sentir os braços dela ao seu redor. Ele adorava o aroma do xampu de jasmim nos cabelos dela e o jeito que suas mãos se encaixavam perfeitamente; a maneira pela qual cada toque era carregado de uma expectativa deliciosa, como se um estivesse se guardando para o outro. Alex não havia dormido com ninguém desde que sua esposa morrera. Mesmo assim, se sentia como se, de algum modo, estivesse esperando por Katie durante todo esse tempo, mesmo sem saber.
Ele sentia prazer em mostrar as redondezas a ela. Eles caminhavam pela orla da praia, em frente às casas históricas, examinando a arquitetura. Durante um fim de semana, ele a levou para o Orton Plantation Gardens, onde andaram em meio a milhares de roseiras em flor. Depois, foram almoçar em um pequeno bistrô com vista para o mar em Caswell Beach, onde ficaram de mãos dadas sobre a mesa, como dois adolescentes.
Desde a noite em que jantaram na casa de Katie pela primeira vez, ela não havia mais falado sobre seu passado e Alex também não tocara no assunto. Ele sabia que ela ainda estava se esforçando para assimilar tudo aquilo em sua mente: o quanto ela já lhe contara e o quanto ainda havia por contar; saber se podia confiar nele ou não; não conhecer a real importância sobre ela ainda ser casada; e, acima de tudo, o que aconteceria se Kevin a descobrisse aqui. Quando Alex percebia que ela estava triste por pensar naquelas questões, ele a lembrava, gentilmente, de que, independentemente do que aconte- cesse, seu segredo estaria seguro com ele. Nunca contaria nada a ninguém.
Observando-a, Alex às vezes se sentia tomado por uma raiva quase incontrolável em relação a Kevin Tierney. Aqueles instintos masculinos de agredir e torturar uma mulher eram tão estranhos para ele quanto a capacidade de respirar debaixo d’água ou voar. Mais do que qualquer coisa, ele queria vingança. Queria justiça. Queria que Kevin passasse pela mesma angústia e pelo mesmo terror que tinha provocado em Katie, as infindáveis sessões de castigos físicos cruéis. Durante o tempo que passou no exército, ele havia matado um homem, um soldado que tomara uma dose excessiva de metanfetaminas e que estava com uma arma nas mãos, ameaçando um refém. O homem era perigoso e estava fora de controle. Quando a oportunidade surgiu, Alex puxou o gatilho sem hesitar. A morte dera um significado novo ao seu trabalho, e, em seu coração, ele entendera que havia momentos em que a violência era necessária para salvar vidas. Se Kevin algum dia aparecesse, Alex sabia que protegeria Katie a qualquer custo. No exército, ele percebera que havia pessoas que traziam o bem para o mundo e pessoas que viviam para destruí-lo. Em sua mente, a decisão de proteger uma mulher inocente como Katie de um psicopata como Kevin era tão clara como a diferença entre o preto e o branco — uma escolha simples.
Na maioria dos dias, o espectro da vida anterior de Katie não vinha assombrá-la e eles passavam os dias juntos, em uma intimidade descontraída e que crescia cada vez mais. Katie tinha um talento natural para lidar com crianças — fosse ajudando Kristen a alimentar os patos de uma lagoa próxima ou brincando de pega-pega com Josh, ela sempre parecia conseguir se entrosar com eles sem qualquer es- forço, agindo de acordo com cada situação: brincando, confortando, fazendo barulho ou em silêncio. Agindo daquele jeito, se parecia muito com Carly e Alex imaginava que, de algum modo, Katie era o tipo de mulher que Carly mencionara certa vez.
Nas últimas semanas de vida de Carly, Alex se manteve em vigília ao lado da cama onde ela estava. Embora ela passasse a maior parte do tempo dormindo, ele tinha medo de perder os momentos em que ela estava consciente, mesmo que fossem apenas curtos espaços de tempo. Naquela época, o lado esquerdo do corpo de Carly estava quase totalmente paralisado, e ela tinha dificuldades para falar. Mas, certa vez, durante um breve período de lucidez logo antes do amanhecer, ela estendeu sua mão para tocá-lo.
— Quero que você faça uma coisa por mim — disse com um certo esforço, umedecendo seus lábios ressecados com a língua. Sua voz estava rouca pela falta de uso.
— Tudo o que você quiser.
— Eu quero... que você seja feliz.
Naquele momento, ele viu o fantasma do seu antigo sorriso. O sorriso confiante e cheio de vida que o havia cativado quando con- versaram pela primeira vez.
— Eu sou feliz.
Ela balançou a cabeça levemente. 
— Estou falando sobre o futuro — disse Carly. Seus olhos brilhavam com a intensidade de carvões em brasa em meio ao rosto marcado pela luta contra a doença. — Nós dois sabemos do que estou falando.
— Não estou entendendo.
Ela ignorou aquela resposta. 
— Me casar com você... estar com você e ter filhos com você... foram as melhores coisas que eu já fiz. Você é o melhor homem que eu já conheci.
Ele sentiu sua garganta apertar. — Também me sinto assim em relação a você.
— Eu sei — respondeu ela. — E é por isso que é tão difícil para mim. Porque sei que falhei com você.
— Você não falhou — disse ele, interrompendo-a.
Carly tinha uma expressão triste no rosto. — Eu amo você, Alex, e amo nossos filhos — disse ela, sussurrando. — E eu ficaria muito triste se você nunca mais conseguisse ser feliz novamente.
— Carly, eu...
— Quero que você conheça outra mulher — disse ela, esforçando-se para tomar fôlego. Seu peito arfava com o esforço. — Quero que ela seja inteligente e gentil... E quero que você se apaixone por ela, porque você não merece passar o resto de sua vida sozinho.
Alex não conseguiu falar e mal conseguia enxergá-la em meio às lágrimas.
— As crianças vão precisar de uma mãe.
Aos ouvidos dele, parecia que Carly estava implorando. — Alguém que ame nossos filhos tanto quanto eu os amo, alguém que pense neles como se fossem seus.
— Por que você está falando essas coisas?
— Porque tenho que acreditar que é possível — disse ela, seus dedos magros agarrando-se ao braço de Alex com uma intensidade que beirava o desespero. — É a única coisa que me resta.
Agora, ao ver Katie correndo atrás de Josh e Kristen no gramado à margem da lagoa, ele sentia uma pontada que era ao mesmo tempo agradável e amarga, pensando que o último desejo de Carly poderia finalmente ser realizado.

***

KATIE GOSTAVA DEMAIS de Alex. Mais do que poderia ser seguro. Ela sabia que estava trilhando um caminho perigoso. Contar a ele sobre seu passado pareceu-lhe a coisa certa a fazer e abrir seus segredos para ele, de alguma forma, a libertara daquele fardo esmagador. Mas, na manhã seguinte àquele primeiro jantar, ficou paralisada pela ansiedade em relação ao que tinha feito. Alex havia sido um investigador, afinal de contas; aquilo provavelmente significava que ele poderia dar um ou dois telefonemas, independente do que lhe dissesse. Ele conversaria com alguém, e essa pessoa conversaria com outra, até que, após algum tempo, Kevin ficaria sabendo de tudo. Ela não lhe dissera que Kevin tinha uma capacidade quase sobrenatural de ligar informações aparentemente desconexas; ela não havia mencionado que, quando um suspeito se tornava um fugitivo, Kevin quase sempre sabia onde encontrá-lo. O simples fato de pensar no que havia feito lhe embrulhava o estômago.
Entretanto, gradualmente, durante as duas semanas seguintes, ela sentiu seus medos desaparecerem. Em vez de fazer mais perguntas quando estavam sozinhos, Alex agia como se as revelações de Katie não estivessem diretamente ligadas às suas vidas em Southport. Os dias se passavam com uma espontaneidade tranquila, sem o incômodo causado pelas sombras de sua vida anterior. Katie não conseguia evitar aquele sentimento — ela confiava em Alex. Quando eles se beijavam, o que acontecia com uma frequência surpreendente, havia momentos em que ela sentia seus joelhos tremerem, e estava ficando cada vez mais difícil impedir o desejo de segurar na mão dele e arrastá-lo para o quarto.
No sábado, duas semanas depois do primeiro beijo, eles estavam na varanda da casa dela. Alex estava com os braços ao redor do corpo de Katie e seus lábios pressionados contra os dela. As crianças estavam participando de uma festa ao redor da piscina da casa de um dos colegas de classe de Josh. Mais tarde, Alex e Katie levariam os dois para um passeio e um churrasco na praia, mas, durante as próximas horas, eles estariam a sós.
Quando finalmente conseguiram se afastar, Katie suspirou. 
— Você realmente precisa parar de fazer isso.
— Parar de fazer o quê?
— Você sabe exatamente o que está fazendo.
— Não consigo evitar.
“Sei como é essa a sensação”, pensou Katie. 
— Você sabe do que eu gosto em você?
— Do meu corpo?
— Sim. Gosto disso também — disse ela, rindo. — Mas há outra coisa. Você faz com que eu me sinta especial.
— Você é especial — disse ele.
— Estou falando sério — disse ela. — Mas isso me faz pensar por que você nunca encontrou outra pessoa depois que sua esposa faleceu.
— Eu não estava à procura. Mas, mesmo que houvesse outra pessoa, eu a teria dispensado para poder ficar com você.
— Isso é muito indelicado — disse ela, espetando-lhe as costelas com o dedo.
— Mas é verdade. Acredite ou não eu sou seletivo.
— Sim, eu imagino. Você só sai com mulheres que tenham traumas emocionais.
— Você não é do tipo traumatizada. Você é uma mulher corajosa. É uma sobrevivente. É algo bem sensual.
— Acho que você está tentando me elogiar, esperando que eu rasgue suas roupas aqui mesmo.
— Está funcionando?
— Está chegando perto — admitiu ela, e o som do riso de Alex a lembrou novamente do quanto ele a amava.
— Estou feliz por você ter vindo morar em Southport.
— Ah, sim...
Por um instante, ela pareceu desaparecer dentro de si mesma.
— O que foi? — perguntou Alex, estudando-lhe o rosto, repentinamente em estado de alerta.
Ela balançou a cabeça. 
— Foi por pouco... — suspirou Katie, colocando os braços ao redor do corpo ao se lembrar da ocasião. — Eu quase não consegui chegar até aqui.

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