Capítulo 23

EM MEADOS DE JUNHO, Katie estava saindo do Ivan’s após uma noite movimentada quando percebeu uma figura familiar perto da porta.
— Olá — disse Jo, acenando. Ela estava embaixo do poste onde
Katie havia prendido sua bicicleta.
— Oi! O que veio fazer aqui? — perguntou Katie, inclinando-se para abraçar a amiga. Ela nunca havia encontrado Jo na região central da cidade antes e vê-la longe de casa, por algum motivo, lhe pareceu um pouco estranho.
— Vim procurar por você. Você sumiu.
— Eu poderia dizer o mesmo a seu respeito.
— Eu estive perto o bastante para saber que você e Alex estão saindo juntos há algumas semanas — disse ela, piscando. — Mas, como amiga, nunca achei que seria correto me intrometer na sua vida. Imaginei que vocês dois precisariam de algum tempo a sós.
Katie sentiu seu rosto corar. 
— E como você sabia que eu estava aqui?
— Eu não sabia. Mas as luzes da sua casa estão apagadas e eu resolvi arriscar — disse Jo, dando de ombros. Ela apontou por cima dos ombros. — Você vai fazer alguma coisa agora? Gostaria de tomar alguma coisa antes de voltar para casa?
Quando percebeu a hesitação de Katie, ela prosseguiu. 
— Sei que está tarde. Só um drinque, eu prometo. Depois a deixarei dormir em paz.
— Um drinque, então — concordou Katie.
Alguns minutos depois, elas entraram em um pub, um dos lugares favoritos das pessoas que moravam em Southport. As paredes eram revestidas com madeira escura, marcada pelas décadas de uso, com um longo espelho atrás do balcão do bar. O lugar estava tranquilo naquela noite. Apenas algumas mesas estavam ocupadas e as duas mulheres se sentaram em uma mesa no fundo do salão. Como aparentemente não havia garçons, Katie pediu dois copos de vinho no balcão e os trouxe para a mesa.
— Obrigada — disse Jo, pegando o copo. — Da próxima vez, eu pago a conta — disse ela, recostando-se no assento. — Quer dizer que você e Alex estão juntos, então?
— Você realmente quer que eu fale sobre isso? — perguntou Katie.
— Bem, como minha vida amorosa está em farrapos, tenho que me contentar em perceber que você está feliz com a sua. Parece mesmo que as coisas estão indo bem para você. Ele esteve na sua casa... quantas vezes? Duas ou três vezes na semana passada? E a mesma quantidade de vezes na semana anterior?
“Na verdade, foram mais vezes”, pensou Katie. 
— Algo assim.
Jo segurou sua taça pela haste e a fez girar entre os dedos. 
— Entendo.
— Entende o quê?
— Se eu não a conhecesse, pensaria que seu relacionamento está ficando sério — disse ela, levantando uma sobrancelha.
— Nós ainda estamos nos conhecendo — arriscou Katie, sem saber onde Jo queria chegar com aquelas perguntas.
— É assim que todos os relacionamentos começam. Ele gosta de você, você gosta dele. E, a partir daí, as coisas evoluem naturalmente.
— Foi por isso que você veio me esperar na porta do trabalho? Para saber de todos os detalhes? — Katie tentou não parecer desesperada.
— Não todos os detalhes. Apenas os mais importantes.
Katie revirou os olhos. 
— Em vez disso, que tal falarmos sobre sua vida amorosa?
— Por quê? Você está querendo ficar deprimida?
— Quando foi a última vez que você saiu com alguém?
— Um encontro dos bons? Ou um encontro sem nada de mais?
— Um dos bons.
Jo hesitou. 
— Eu diria que faz pelo menos uns dois anos.
— E o que aconteceu?
Jo molhou a ponta do dedo no vinho e depois deslizou-a pela borda da taça, fazendo-a emitir um som suave. Finalmente, levantou os olhos. 
— É difícil encontrar um homem bom e gentil — disse ela, suspirando. — Nem todo mundo tem a sorte que você teve.
Katie não soube como responder àquela frase. Assim, ela simplesmente tocou a mão de Jo com a sua. 
— O que está acontecendo realmente? — perguntou ela, gentilmente. — Por que você quis vir até aqui para conversar comigo?
Jo olhou ao redor do bar, que estava praticamente vazio, como se estivesse tentando encontrar inspiração no ambiente ao redor. 
— Você já teve a sensação de se sentar e começar a imaginar qual o sentido que existe em tudo isso? Se a vida é sempre assim, ou se há algo maior lá fora? Ou se você estava destinado a ter algo melhor?
— Eu acho que todo mundo já teve essa sensação — respondeu Katie, com a curiosidade aumentando.
— Quando eu era criança, costumava fazer de conta que era uma princesa. Uma princesa boa, que sempre faz a coisa certa e que tem o poder de melhorar a vida das pessoas para que, no fim, elas vivam felizes para sempre.
Katie movimentou a cabeça levemente. Ela se lembrava de imaginar a mesma coisa quando era criança, mas ainda não sabia aonde Jo chegaria com aquela conversa. Assim, permaneceu em silêncio.
— Acho que é por isso que tenho meu emprego atual. Quando comecei queria apenas poder ajudar. Eu via as pessoas que estavam lutando contra a perda de alguém que amavam — um pai, um filho, um amigo — e meu coração transbordava com a compaixão. Tentei fazer tudo o que estava ao meu alcance para melhorar a situação daquelas pessoas. Mas, conforme o tempo passou, comecei a perceber que só conseguiria ajudar até um certo ponto. E também que, a partir desse ponto, as pessoas que estavam sofrendo precisariam querer dar um passo adiante. O primeiro passo, aquela fagulha motivadora, tem que vir de dentro delas. E, quando isso acontece, é como se uma porta para o inesperado se abrisse.
Katie respirou fundo, tentando entender o sentido das palavras de Jo. 
— Não estou entendendo o que você quer me dizer.
Jo girou o copo, estudando o pequeno redemoinho que se formara no vinho.
Pela primeira vez, ela assumiu um tom muito sério. 
— Estou falando sobre você e Alex.
Katie não conseguiu esconder sua surpresa. 
— Eu e Alex?
— Sim — disse ela, assentindo. — Ele lhe falou sobre a perda da esposa, não é? Sobre o quanto foi difícil para que ele e para as crianças superarem aquela perda?
Katie olhou fixamente para Jo, repentinamente se sentindo desconfortável. 
— Sim... — começou ela.
— Então tenha cuidado com eles. — disse Jo, com a voz séria. — Com todos eles. Cuidado para não magoá-los.
No silêncio desconfortável que seguiu aquelas palavras, Katie se lembrou da primeira conversa que as duas tiveram a respeito de Alex.
“Vocês dois já se encontraram alguma vez?”, ela se lembrava de ter perguntado a Jo.
“Sim, mas talvez não da maneira que você esteja imaginando”, respondeu ela. “E para que as coisas fiquem bem claras: aconteceu há um bom tempo e todos prosseguiram com suas vidas”.
Quando tiveram aquela conversa, ela presumiu que aquilo significava que ela e Alex haviam se envolvido no passado. Mas agora...
Ela estava chocada pela obviedade da conclusão. A psicóloga que Alex havia mencionado, a pessoa que ajudou as crianças e que o aconselhou depois da morte de Carly fora Jo. Katie endireitou-se em seu assento.
— Você trabalhou com Alex e as crianças, não foi? Depois que Carly morreu?
— Eu prefiro não falar sobre isso — respondeu Jo. Seu tom de voz era calmo e calculado. Exatamente como o de uma psicóloga. — O que eu posso lhe dizer é que... todos eles são muito importantes para mim. E, se você não estiver pensando seriamente em compartilhar seu futuro com eles, acho que seria melhor terminar com tudo agora. Antes que seja tarde demais.
Katie sentiu seu rosto empalidecer. Parecia inapropriado — talvez até mesmo presunçoso — que Jo tocasse naquele assunto. 
— Não acho que isso seja realmente um assunto que lhe diga respeito — disse ela, com a voz estrangulada.
Jo reconheceu que Katie tinha razão com um leve meneio de cabeça. 
— Você está certa. Isso não me diz respeito e eu estou passando de certos limites com essa conversa. Mas realmente acho que eles passaram por um período muito difícil e que sofreram demais. E a última coisa que eu quero para eles é que se apeguem a alguém que não tenha a intenção de continuar a morar em Southport. Talvez eu esteja me preocupando com a possibilidade de que o passado nem sempre seja o passado e que você possa decidir partir, independente- mente de quanta tristeza deixe para trás.
Katie estava sem palavras. Aquela conversa era totalmente inesperada, totalmente desconfortável. E as palavras de Jo haviam jogado suas emoções em um turbilhão.
Mesmo ao perceber o desconforto de Katie, Jo prosseguiu.
— O amor não significa nada se você não estiver disposta a assumir um compromisso e você não pode pensar apenas no que quer. Você tem que pensar também no que ele quer. Não apenas agora, mas também no futuro.
Ela continuou a olhar fixamente para Katie, à sua frente. 
— Você está preparada para ser uma esposa para Alex e uma mãe para os filhos dele? Porque é isso que Alex quer. Talvez não agora, mas ele irá querer isso no futuro. E se você não estiver disposta a se comprometer, se você pretende apenas brincar com os sentimentos dele e os das crianças, então você não é a pessoa que ele precisa ter ao seu lado.
Antes que Katie pudesse dizer qualquer coisa, Jo se levantou da mesa enquanto continuava a falar. 
— Pode ter sido errado da minha parte dizer tudo isso e talvez nós não possamos mais ser amigas. Mas não me sentiria bem comigo mesma se não dissesse tudo isso abertamente. Como disse desde o começo, ele é um bom homem. Um homem raro. Ele ama profundamente e nunca deixa de amar.
Ela deixou que Katie absorvesse aquelas palavras antes que sua expressão repentinamente se suavizasse.
— Acho que você é igual a ele. Mesmo assim, queria lembrá-la de que, se você se importa com ele, você tem que estar disposta a se comprometer. Independente do que possa acontecer no futuro. Independente de qualquer medo que você tenha.
Em seguida, ela se virou e saiu do bar, deixando Katie sentada à mesa, em um silêncio estupefato. Foi somente quando se levantou para sair que ela percebeu que Jo não havia tomado um único gole do seu vinho.

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