Capítulo 28
— EI, KEVIN — disse Bill, acenando
para ele. — Pode vir até meu escritório por um momento?
Kevin havia quase chegado à sua escrivaninha e Coffey
e Ramirez o seguiam com os olhos. Seu novo parceiro, Todd, já estava em sua
própria mesa e lhe deu um sorriso fraco, mas a expressão desapareceu antes
que ele virasse o rosto repentinamente.
Sua cabeça latejava. Não queria conversar com Bill
logo pela manhã, mas não estava preocupado. Tinha talento para lidar com
testemunhas e vítimas, sabia quando os criminosos estavam mentindo, efetuava
várias prisões e os culpados eram condenados.
Bill fez um gesto para que ele se sentasse. Embora
Kevin não quisesse se sentar, se acomodou na cadeira e começou a se perguntar
silenciosamente por que Bill havia lhe pedido isso, afinal, sempre ficava em pé
quando conversava com o capitão. A dor em sua têmpora ardia, como se alguém
tivesse lhe enfiado um lápis na cabeça e, por um momento, Bill apenas olhou fixamente
para ele. Até que finalmente se levantou, fechou a porta do escritório e
sentou-se na beirada da escrivaninha.
— Como estão as coisas,
Kevin?
— Está tudo bem — respondeu ele. Queria fechar os
olhos para aliviar a dor, mas percebeu que Bill o estudava. — O que houve?
Bill cruzou os braços.
— Chamei você aqui para lhe
informar que recebemos uma queixa a seu respeito.
— Que tipo de queixa?
— O assunto é sério, Kevin. A Corregedoria está
envolvida e, a partir de agora, você está suspenso de suas funções. Vai ser
investigado.
As palavras pareceram se misturar. Nada daquilo fazia
sentido. Pelo menos, não a princípio. Entretanto, conforme se concentrava,
percebeu a expressão de Bill e desejou não ter acordado com aquela dor de
cabeça. Desejou também não precisar tomar tanta vodca.
— Do que você está falando?
Bill pegou alguns papéis de sua mesa.
— O assassinato
de Gates. O garoto que foi alvejado por uma bala que atravessou o teto de seu
apartamento, lembra-se? No começo do mês?
— Eu me lembro. O rosto dele estava coberto de molho
de pizza.
— Como é?
Kevin piscou.
— O garoto. Nós o encontramos assim. Foi
horrível. Todd ficou bem abalado.
Bill franziu as sobrancelhas.
— Uma ambulância foi
chamada.
Kevin inspirou, depois exalou. Concentrando-se.
— Foi para a mãe do garoto
— disse Kevin. — Ela estava alterada, obviamente, e quis pegar o grego que
havia disparado a bala. Eles se atracaram e ela rolou pela escada abaixo. Nós
chamamos a ambulância imediatamente. Até onde eu sei, ela foi levada para o hospital.
Bill continuou a olhar fixamente para ele antes de
finalmente colocar os papéis sobre a mesa. — Você conversou com ela antes disso
tudo, não foi?
— Eu tentei... Mas ela estava bastante histérica.
Tentei acalmá-la, mas ela enlouqueceu. O que há mais para dizer? Está tudo no
meu relatório.
Bill pegou os papéis em sua mesa novamente. — Eu vi o
que você escreveu. Mas a mulher alega que você disse para ela empurrar o perpetrador para que ele caísse pelas escadas.
— O quê?
Bill leu as páginas que tinha nas mãos.
— Ela alega
que você estava falando sobre Deus e disse a ela, entre aspas: “O homem era
um pecador e merecia ser punido, porque a Bíblia diz: Não matarás”.
Consta no depoimento que você também lhe disse que o cara iria ficar em
liberdade vigiada, mesmo que tivesse matado seu filho. Assim, ela deveria fazer
justiça com as próprias mãos. Porque os mal- feitores merecem ser punidos. Você
se lembra de dizer isso?
Kevin sentiu o sangue lhe subir ao rosto.
— Isso é
ridículo. Você sabe que ela está mentindo, não é?
Ele esperava que Bill concordasse imediatamente com
ele, que dissesse que sabia que a Corregedoria iria inocentá-lo. Mas Bill não o
fez. Em vez disso, seu chefe simplesmente se inclinou para a frente.
— O que foi que você disse
a ela exatamente? Palavra por palavra.
— Eu não disse nada a ela. Eu perguntei à
mulher o que havia acontecido, subi as escadas e prendi o vizinho depois que
ele admitiu haver feito o disparo. Eu o algemei e comecei a conduzi-lo pelas
escadas. Quando dei por mim, ela já estava pulando sobre ele.
Bill estava em silêncio, seu olhar firme em Kevin. —
Você nunca falou a ela sobre pecados?
— Não.
— Você nunca chegou a dizer estas palavras: A
vingança é minha, e eu irei retaliar, disse o Senhor.
— Não.
— Nada disso lhe parece familiar?
Kevin sentiu a fúria crescer dentro de si, mas
forçou-se a se controlar. — Nada. São mentiras. Você sabe como essas pessoas
são. Ela provavelmente quer processar a cidade para receber uma indenização
enorme.
Os músculos da mandíbula de Bill estavam tensionados e
demorou um bom tempo até que ele falasse.
— Você bebeu antes de conversar com a mulher?
— Não sei de onde ela tirou essa ideia. Não. Eu não
faço isso. Eu não faria isso. Você sabe que estou limpo. Sou um bom
investigador
— disse Kevin, levantando as mãos, quase cego pela dor
latejante em sua cabeça. — Vamos lá, Bill. Nós trabalhamos juntos há anos.
— É por isso que estou
conversando com você, em vez de simplesmente demiti-lo. Nos últimos meses,
Kevin, você não tem sido você mesmo. E eu tenho ouvido os rumores.
— Que rumores?
— De que você chega ao trabalho bêbado.
— Não é verdade.
— Quer dizer, então, que se eu fizer você passar pelo
bafômetro o resultado será negativo, certo?
Kevin podia sentir seu coração martelando dentro do
peito. Ele sabia mentir e era bom nisso, mas tinha que manter a voz firme.
— Olhe, ontem à noite, fiquei acordado até tarde com
um amigo e nós estávamos bebendo. Pode ser que ainda haja alguns traços de álcool na minha corrente sanguínea, mas não estou bêbado. E não bebi antes de vir
para o trabalho esta manhã. Nem no dia em que o garoto foi morto. Ou em
qualquer outro dia.
Bill olhava fixamente para ele.
— Diga-me o que está
havendo com Erin.
— Eu já lhe disse. Ela está ajudando uma amiga em
Manchester. Nós viajamos para Cape Cod há algumas semanas.
— Você disse a Coffey que esteve em um restaurante em
Provincetown com Erin, mas o lugar fechou há seis meses. Também não houve
qualquer registro em seu nome no hotel que você mencionou. E ninguém vê ou
recebe notícias de Erin há meses.
Kevin sentiu o sangue lhe
subir à cabeça e aquilo só piorou o latejar que ele sentia.
— Você me
investigou?
— Faz algum tempo que você está bebendo durante o
horário de serviço e você vem mentindo para mim há algum tempo.
— Eu não...
— Pare de mentir para mim! — gritou o capitão,
repentinamente.
— Consigo sentir o cheiro do seu hálito daqui de onde
estou!
Os olhos dele estavam faiscando de raiva. — E, a
partir deste momento, você está suspenso de suas funções. É melhor você ligar
para o seu representante no sindicato antes de conversar com a Corregedoria.
Deixe sua arma e o distintivo na minha mesa e vá para casa.
— Por quanto tempo? — Kevin conseguiu perguntar.
— No momento, a suspensão é o menor dos seus
problemas.
— Para sua informação, eu não disse nada para aquela
mulher.
— Eles o ouviram! — gritou Bill. — Seu parceiro, o
paramédico, os investigadores que vistoriaram a cena do crime, o namorado dela.
Bill
parou de falar, tentando se acalmar.
— Todos ouviram o que você disse — disse
ele, de maneira definitiva. Repentinamente, Kevin sentiu como se tivesse
perdido o controle de tudo. E ele sabia que Erin era culpada por tudo aquilo.
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