Capítulo 34

A CAROLINA DO NORTE era um lugar feio. Uma faixa de asfalto ensanduichada entre extensões monótonas de pinheiros e cadeias de colinas. Ao longo da rodovia havia aglomerações de trailers e outros lares móveis, pequenas propriedades agrícolas e celeiros apodrecidos cobertos de trepadeiras. Kevin saiu de uma rodovia interestadual e entrou em outra, dirigindo rumo a Wilmington, e bebeu mais um pouco de vodca para espantar o tédio.
Enquanto cruzava a paisagem que permanecia igual, pensava em Erin. Pensou no que faria quando a encontrasse. Esperava que estivesse em casa quando chegasse, mas, mesmo que estivesse trabalhando, seria apenas uma questão de tempo até que ela voltasse para casa.
A rodovia passava ao largo de cidades sem qualquer atrativo e nomes pouco memoráveis. Às 10 horas da manhã havia chegado a Wilmington. Atravessou a cidade e entrou em uma estrada vicinal estreita. Continuou dirigindo para o sul, com o sol batendo forte na janela do motorista. Colocou a arma em seu colo e depois deixou-a novamente sobre o assento do passageiro e continuou dirigindo.
Finalmente, chegou à cidade onde ela estava morando. Southport.

***

KEVIN DIRIGIU LENTAMENTE pela cidade, desviando de sua rota, por causa de um parque de diversões itinerante, ocasionalmente consultando a rota que tinha imprimido em seu computador antes de sair de casa. Tirou uma camisa de dentro da bolsa de viagem e colocou-a sobre a pistola para escondê-la.
Southport era uma cidade pequena, com casas limpas e bem cuidadas. Algumas tinham uma arquitetura típica do sul dos Estados Unidos, com varandas amplas, várias trepadeiras com magnólias e bandeiras americanas tremulando em mastros. Outras faziam com que ele se lembrasse das casas da região da Nova Inglaterra. Havia mansões em frente ao mar. O sol refletia-se na água, visível por entre as casas, e o dia estava quente feito o inferno. Quase como uma sauna.
Alguns minutos depois, encontrou a ruela de cascalhos onde ela morava. À esquerda, mais adiante, havia uma loja de conveniência e ele estacionou ali para abastecer o carro e comprar uma lata de Red Bull. Ficou na fila atrás de um homem que estava comprando carvão e fluido de isqueiro. Entregou o dinheiro à velha senhora que se encontrava atrás da caixa registradora. Ela sorriu e o agradeceu por vir, comentando, de uma maneira bisbilhoteira, comum entre velhas senhoras, que nunca o havia visto por ali antes. Kevin disse a ela que viera à cidade para ir ao parque de diversões.
Ao voltar para a estrada, sua pulsação acelerou ao se dar conta de que seu destino não estava longe agora. Contornou uma curva e diminuiu a velocidade do carro. Ao longe, uma ruela de cascalhos entrou em seu campo visual. As folhas que tinha imprimido lhe diziam que deveria virar para entrar naquela rua, mas ele passou reto. Se Erin estivesse em casa, reconheceria seu carro imediatamente e Kevin não queria que aquilo acontecesse. Não até que tivesse tudo pronto.
Deu meia-volta com o carro, procurando algum lugar discreto onde pudesse estacionar. Foi difícil encontrar. Talvez no estacionamento da loja de conveniência, mas alguém poderia perceber se ele estacionasse ali. Voltou a passar pela loja, examinando a área. As árvores que ladeavam a estrada poderiam lhe dar cobertura, ou talvez não. Não queria se arriscar a levantar as suspeitas de alguém que estivesse passando pela estrada e percebesse um carro abandonado junto às árvores.
A cafeína fazia com que suas mãos tremessem e ele mudou para a vodca para acalmar seus nervos. Por Deus, era impossível encontrar um lugar onde pudesse esconder o carro. Que diabo de lugar era esse? Deu meia-volta novamente, irritando-se. Não deveria ser tão difícil. Devia ter alugado um carro. Entretanto, não havia feito aquilo e agora não conseguia encontrar uma maneira de se aproximar o bastante da casa de Erin sem que ela o percebesse.
A loja era sua única opção e ele voltou ao estacionamento, parando ao lado da casa. Ficava a quase um quilômetro e meio de distância da casa de Erin, mas Kevin não sabia mais o que fazer. Passou alguns minutos revirando a ideia na cabeça antes de desligar o motor. Quando abriu a porta, o calor o cercou. Esvaziou a bolsa de viagem, jogando as roupas no banco de trás, e colocou a sua pistola, as cordas, as algemas e a fita silver-tape, além de mais uma garrafa de vodca. Jogando a bolsa sobre o ombro, deu uma olhada em volta.
Ninguém o observava. Imaginou que poderia deixar seu carro ali por uma hora ou duas antes que alguém desconfiasse.
Kevin se afastou do estacionamento e caminhava pelo acostamento da estrada quando sentiu a dor lhe atacar a cabeça. O calor estava insuportável. Como se fosse uma coisa viva. Caminhou pela estrada, olhando fixamente para os motoristas que passavam por ele. Não viu Erin nem qualquer outra mulher que tivesse cabelo castanho.
Chegou até a rua de cascalhos e entrou por ela. A via, empoeirada e cheia de buracos, parecia não levar a lugar nenhum, até que ele finalmente viu duas cabanas pequenas depois de andar mais de meio quilômetro. Sentiu seu coração acelerar. Erin vivia em uma delas. Kevin foi para um dos lados da estrada, andando junto às árvores, tentando se esconder. Esperava que houvesse alguma sombra, mas o sol estava alto e o calor o castigava. Sua camisa estava ensopada, o suor lhe escorria pelo rosto, deixando seus cabelos num estado lastimável. Sua cabeça latejava e ele parou para beber, tomando a vodca diretamente na garrafa.
Observando-as a distância, nenhuma das casas parecia estar ocupada. Diabos, nenhuma delas parecia sequer habitável. Não eram nada parecidas com a casa que tinham em Dorchester, com suas venezianas, mísulas decorativas e a porta de entrada vermelha. Na cabana mais próxima, a tinta estava descascando e os cantos das tábuas estavam apodrecendo. Continuando em frente, ele observou as janelas, buscando por sinais de movimento. Não notou nada.
Ele não sabia em qual das cabanas ela vivia. Parou para estudá- las mais de perto. As duas eram horríveis, mas uma delas parecia praticamente abandonada. Foi em direção à que estava em melhores condições, tentando se esquivar da janela.
Demorou trinta minutos para chegar até lá, vindo pelo trajeto que começara na loja de conveniência. Quando surpreendesse Erin, ele sabia que ela tentaria escapar. Talvez tentasse até mesmo lutar. Ele a amarraria e cobriria sua boca com silver-tape e depois iria buscar o carro. Quando voltasse com ele, a colocaria no porta-malas até que estivessem bem longe dessa cidade. Chegou à lateral da casa e se encostou contra a parede. Aguçou os ouvidos, tentando ouvir algum som, portas se abrindo, água correndo ou talheres batendo contra os pratos, mas não ouviu nada.
Sua cabeça ainda doía e ele sentia sede. O calor ainda o castigava e sua camisa estava encharcada. Ele estava respirando rápido demais, mas estava muito perto de Erin agora. Pensou novamente em como ela o abandonara e como não se importara quando ele chorou. Ela ria pelas suas costas. Ela e o homem com quem estava, quem quer que fosse ele. Havia um homem, Kevin sabia. Ela não conseguiria fazer tudo aquilo sozinha.
Ele espiou por trás da casa, mas não viu nada. Aproximou-se lentamente, observando. À sua frente havia uma pequena janela. Decidiu arriscar e olhou para dentro da casa. As luzes estavam apagadas e seu interior estava limpo e organizado, com um pano de prato pendurado sobre a pia da cozinha. Aproximou-se silenciosamente da porta e girou a maçaneta. Estava destrancada.
Prendendo a respiração, ele abriu a porta e entrou na casa, novamente parando para tentar ouvir algum ruído, mas não havia nada. Atravessou a cozinha e foi até a sala. Depois, até o quarto e o banheiro. Disse um palavrão, ao perceber que ela não estava em casa.
Presumindo que estivesse na casa certa, é claro. No quarto, ele viu uma cômoda e abriu a gaveta de cima. Encontrando uma pilha de calcinhas, ele as remexeu, esfregou-as entre o indicador e o polegar, mas fazia tanto tempo que Erin havia desaparecido que ele não conseguia se lembrar se eram as mesmas que ela tinha quando ainda estava com ele. Não reconheceu as outras roupas, mas eram do tamanho que ela usava.
Reconheceu o xampu e o condicionador e também a marca da pasta de dentes. Na cozinha, revirou as gavetas, abrindo uma por uma até encontrar uma conta de eletricidade. Estava endereçada à Katie Feldman e ele se apoiou contra o armário da cozinha, olhando fixamente para o nome, com uma sensação de completude dentro de si.
O único problema era que Erin não estava ali e ele não sabia quando ela retornaria. Sabia que não poderia deixar seu carro na loja para sempre, mas, ao mesmo tempo, sentia-se exausto. Queria dormir, precisava dormir. Havia dirigido durante a noite inteira e sua cabeça estava latejando. Instintivamente, foi até o quarto dela. Ela havia arrumado a cama e, quando puxou as cobertas, sentiu o cheiro de Erin nos lençóis. Arrastou-se sobre a cama, respirando fundo, inspirando o aroma dela. Sentiu as lágrimas encherem seus olhos ao perceber quantas saudades sentia dela, o quanto a amava e que eles poderiam ter sido felizes se ela não fosse tão egoísta.
Não conseguia permanecer acordado e disse a si mesmo que dormiria apenas por alguns minutos. Não por muito tempo. Apenas o suficiente para que, quando ela voltasse, naquela noite, sua mente estivesse alerta e ele não cometesse erros. Ele e Erin poderiam voltar a ser marido e mulher.

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