Capítulo 36

ALEX E KATIE CAMINHARAM de mãos dadas em direção ao Ivan’s, acompanhados pelas crianças. Haviam deixado suas bicicletas perto da porta dos fundos, onde Katie geralmente trancava a sua quando vinha trabalhar. Quando saíram, Alex comprou água para Josh e Kristen antes de tomarem o caminho de casa.
— Gostaram do dia, garotos? — perguntou Alex, agachando-se para destrancar as bicicletas.
— O dia foi ótimo, papai — respondeu Kristen, com o rosto vermelho pelo calor.
Josh esfregou a boca na manga da camiseta. 
— Podemos vir de novo amanhã?
— Talvez — disse Alex, tentando se esquivar da pergunta.
— Por favor, papai. Eu quero andar nos balanços de novo.
Quando todos os cadeados estavam abertos, Alex colocou as correntes por cima do ombro. 
— Vamos ver — disse ele.
O toldo que ficava atrás do restaurante ainda dava alguma sombra, mas também fazia bastante calor. Depois de perceber que o restaurante estava lotado, ao olhar pelas janelas, Katie sentiu-se feliz por ter tirado o dia de folga, mesmo que tivesse que trabalhar nos dois períodos no dia seguinte e na segunda-feira. Valia a pena. O dia foi bom e ela conseguiria relaxar e assistir a um filme com as crianças enquanto Alex estivesse fora, à noite. E, mais tarde, quando ele voltasse...
— O que foi? — perguntou Alex.
— Nada.
— Você estava me olhando como se fosse me devorar.
— Só estava com o pensamento longe por um segundo — disse ela, piscando o olho. — Acho que o calor está me fazendo mal.
— Ah, claro — disse ele, assentindo. — Como se eu não soubesse.
— Quero apenas lembrá-lo de que há ouvidos jovens prestando atenção em nós neste momento, então cuidado com o que vai dizer — disse ela, beijando-o antes de tocar seu peito afetuosamente.
Nenhum dos dois percebeu o homem com um boné de beisebol e óculos escuros que os observava ao lado da entrada do restaurante vizinho.
Kevin sentiu-se atordoado enquanto observava Erin e o homem de cabelos grisalhos se beijando, enquanto observava o jeito como ela flertava com ele. Viu o jeito como ela acariciava os cabelos do garoto que estava junto a eles. Observou que o homem grisalho apertou seu traseiro quando as crianças não estavam olhando. E Erin — sua esposa — estava adorando a situação. Deliciando-se. Estimulando aquilo. Traindo-o com sua nova família, como se Kevin e seu casamento nunca houvessem existido.
Eles montaram em suas bicicletas e começaram a pedalar, dando a volta no restaurante, afastando-se de Kevin. Erin pedalava ao lado do homem grisalho. Ela usava um short e sandálias, expondo suas pernas, mostrando sua sensualidade para outra pessoa.
Kevin os seguiu. Os cabelos dela eram loiros e longos, esvoaçantes... Mas, em seguida, ele piscou e eles estavam novamente curtos e castanhos. Fingindo que não era Erin, andando de bicicleta com sua nova família, beijando outro homem, sorrindo, sorrindo, sem qualquer preocupação. Aquilo não era real, disse a si mesmo. Não era nada além de um sonho. Um pesadelo. Do outro lado da rua, no ancoradouro, os barcos atracados balançavam sobre a água enquanto as bicicletas os deixavam para trás.
Deu a volta na esquina. Eles estavam pedalando e Kevin estava a pé, mas eles iam devagar para que a garotinha conseguisse acompanhá-los. Ele estava se aproximando e estava perto o bastante para ouvir o riso de Erin, numa demonstração de felicidade. Levou a mão à cintura e pegou sua Glock, mas em seguida colocou-a por dentro da camisa, pressionando-a contra a pele. Tirou o boné de beisebol e usou-o para esconder a arma das pessoas que passavam por ele.
Seus pensamentos ricocheteavam como bolas de sinuca em uma partida disputada em alta velocidade, batendo umas nas outras, de um lado para o outro, em todas as direções. Erin mentia, traía, tramava e fazia planos. Fugira e encontrara um amante. Falava e ria pelas suas costas. Sussurrava no ouvido do homem grisalho, dizendo palavras sujas, sentindo as mãos daquele homem em seus seios, respirando com dificuldade. Fingindo que não era casada, ignorando tudo o que ele tinha feito por ela, todos os sacrifícios, ter raspado sangue das solas dos sapatos, Coffey e Ramirez sempre fazendo fofoca a seu respeito, as moscas que zumbiam ao redor dos hambúrgueres, porque ela havia fugido e o obrigara a ir ao churrasco sozinho e não pudera dizer a Bill, o capitão, que ele não era apenas mais um dos rapazes como todos os outros.
E ali estava ela, pedalando tranquilamente, com os cabelos curtos e tingidos, linda como sempre, sem nem sequer pensar em seu marido. Sem nunca se importar com ele. Esquecendo-se dele e do casamento para que pudesse viver com o homem grisalho, acariciando seu peito e beijando-o com uma expressão sonhadora no rosto. Indo a parques de diversões, andando de bicicleta. Ela provavelmente cantarolava no chuveiro enquanto ele chorava e se lembrava do perfume que lhe havia comprado no Natal. Nada daquilo lhe importava, porque ela era egoísta e pensava que podia jogar seu casamento fora como se fosse uma embalagem de pizza vazia.
Inconscientemente, Kevin acelerou o passo. A multidão nas ruas fazia com que eles tivessem que pedalar mais devagar e ele sabia que podia simplesmente levantar sua arma e matá-la agora. Seu dedo foi até o gatilho e ele liberou a trava de segurança, porque a Bíblia dizia: Honrai o casamento acima de tudo, e não deixes que a cama seja maculada, mas percebeu que, se fizesse aquilo, teria que matar o homem grisalho também. Poderia matá-lo na frente de Erin. Tudo o que tinha que fazer era puxar o gatilho. Entretanto, atingir alvos móveis àquela distância era quase impossível com uma Glock, e havia pessoas por toda parte. Eles veriam a arma e gritariam. Seria quase impossível acertar o tiro. Tirou o dedo do gatilho.
— Pare de guiar sua bicicleta para cima de sua irmã! — disse o homem grisalho, à frente, sua voz quase perdida na distância. Mas suas palavras eram reais e Kevin imaginou as palavras sujas que ele dizia para Erin. Sentiu a raiva crescer dentro de si. E então, de repente, as crianças viraram em uma esquina e foram seguidas por Erin e pelo homem grisalho.
Kevin parou, respirando com dificuldade e sentindo-se doente. Enquanto ela fazia a curva para virar na esquina, ele a viu de perfil sob a forte luz do sol e pensou novamente como ela era linda. Erin sempre fazia com que ele se lembrasse de uma flor delicada, linda e bastante refinada. Ele se lembrou de que a salvara de ser estuprada por brutamontes depois que saíra do cassino e como ela costumava lhe dizer que se sentia segura quando estava ao seu lado. Nem mesmo aquilo havia sido o bastante para impedir que o abandonasse.
Gradualmente, começou a ouvir as vozes das pessoas que passavam por ele. Conversando sobre nada importante, sem se dirigir a qualquer lugar importante, mas aquilo o trouxe de volta à ação. Começou a correr, tentando alcançar a esquina onde eles viraram, cada passo fazia-o sentir que ia vomitar debaixo daquele sol inclemente. Sua palma estava suada, encharcada ao redor da arma. Chegou até a esquina e começou a procurá-los.
Não havia ninguém à vista. Entretanto, dois quarteirões à frente, havia barricadas que bloqueavam a rua para dar espaço ao parque de diversões. Eles deveriam ter virado na esquina logo antes dos obstáculos. Não havia outra alternativa. Pensou que teriam virado à direita, o único caminho para sair do centro da cidade.
Precisava fazer uma escolha. Persegui-los a pé e arriscar-se a ser notado, ou voltar correndo para o carro e tentar segui-los com o veículo. Tentou pensar como Erin e imaginou que voltariam para a casa onde o homem grisalho morava. A casa de Erin era pequena demais, quente demais para os quatro, e ela preferiria ir para uma casa bonita, cheia de móveis caros, porque acreditava que merecia uma vida como aquela.
Era hora de escolher. Segui-los a pé ou de carro. Ele se endireitou, piscando os olhos e tentando pensar, mas estava quente demais, tudo estava confuso demais, sua cabeça latejava e a única coisa em que ele conseguia pensar era em Erin dormindo com um homem grisalho. Aquela imagem fez com que ele sentisse seu estômago se revirar.
Ela provavelmente se vestia com peças de renda e dançava para ele, sussurrava palavras que o excitavam. Implorava-lhe para que a deixasse lhe dar prazer, para que, em troca, pudesse morar em sua casa cheia de coisas elegantes. Havia se tornado uma prostituta, vendendo sua alma em troca de uma vida de luxo. Vendendo-se a troco de pérolas e caviar. Provavelmente dormia em uma mansão agora, depois que o homem grisalho a levava para jantar em restaurantes refinados.
Sentiu-se enjoado ao imaginar tudo aquilo. Magoado e traído. A fúria ajudou a clarear seus pensamentos e ele percebeu que estava parado no mesmo lugar enquanto eles se afastavam cada vez mais. Seu carro estava a alguns quarteirões de distância, mas ele se virou e começou a correr. No parque de diversões, correu rapidamente por entre as pessoas, empurrando-as para que saíssem do seu caminho, ignorando seus gritos e protestos.
— Saiam da frente! Saiam da frente! — gritava Kevin e algumas pessoas se afastavam enquanto outras eram empurradas. Ele alcançou um lugar onde não havia tanta gente e teve que parar para vomitar ao lado de um hidrante. Dois adolescentes riram dele e Kevin sentiu vontade de atirar nos dois. Entretanto, depois de enxugar a boca, ele simplesmente puxou a arma e a apontou para os dois, que se calaram imediatamente.
Cambaleando para frente, sentiu como se uma estaca de metal estivesse lhe atravessando o cérebro. Estocada e dor, estocada e dor. Cada maldito passo que dava se traduzia em uma estocada e dor e Erin provavelmente estava dizendo ao homem grisalho sobre as coisas sensuais que os dois fariam na cama. Falando sobre Kevin ao homem grisalho e rindo, sussurrando, “Kevin nunca conseguiu me dar prazer do jeito que você dá”, mesmo que aquilo não fosse verdade.
Levou uma eternidade para chegar até o carro. Quando o alcançou, o sol fazia o veículo arder como se estivesse dentro de um forno. O calor o alcançou em jatos quentes e o volante estava quase fervendo ao toque. Maldito inferno. Erin decidiu morar no meio do inferno. Ele deu a partida no carro e abriu as janelas, dando meia-volta em direção ao parque de diversões e buzinou para afastar as pessoas que enchiam a rua.
De novo os desvios. Barricadas. Queria passar por cima deles, explodi-los em pedaços, mas mesmo neste lugar havia policiais e eles o prenderiam. Policiais estúpidos, gordos e preguiçosos. Policiais típicos de filmes de comédia. Idiotas. Nenhum deles era um bom in- vestigador, mas eles tinham armas e distintivos. Kevin entrou pelas ruas laterais, tentando alcançar a direção para onde Erin ia. Erin e seu amante. Os dois adúlteros, e a Bíblia dizia: Aquele que olhar uma mulher com desejo cometeu o adultério em seu coração.
Pessoas por toda parte. Atravessando a rua desordenadamente. Forçando-o a parar. Ele se inclinou por cima do volante, esforçando- se para enxergar pelo para-brisas, até que conseguiu avistá-los, finalmente. Quatro figuras minúsculas ao longe. Estavam logo atrás de outra barricada, indo em direção à estrada que levava à casa dela. Havia um policial na esquina, outro idiota, gordo e preguiçoso.
Ele acelerou e o carro avançou, apenas para ser parado quando um homem repentinamente apareceu na frente de seu carro, socando a tampa do capô. Um caipira com um cabelo no estilo mullet, caveiras na camiseta e tatuagens. Esposa gorda e filhos sujos. Fracassados, todos eles.
— Olhe por onde anda! — gritou o caipira.
Mentalmente, Kevin atirou em todos eles, bang-bang-bang- bang, mas forçou-se a não reagir. O policial na esquina o observava. Bang, pensou ele mais uma vez.
Fez uma curva, acelerando, e atravessou o bairro. Virou à esquerda e acelerou novamente. Mais uma curva à esquerda. Outra barricada à sua frente. Kevin deu meia-volta mais uma vez, tomou a direita e depois virou à esquerda no quarteirão seguinte.
Mais barricadas. Estava preso em um labirinto, como um rato de laboratório. A cidade conspirava contra ele enquanto Erin fugia. Engatou a marcha à ré e acelerou com força. Encontrou a rua onde já estivera e virou para depois correr até o próximo cruzamento. Tinha que estar perto agora. Virou à esquerda e viu uma fila de carros adiante, indo na direção que ele queria. Virou e entrou na via, forçando seu carro a passar entre duas caminhonetes.
Queria acelerar, mas não podia. Carros e caminhonetes cobriam a estrada à sua frente, alguns com adesivos da bandeira dos estados confederados nos para-choques e outros com suportes para armas de fogo no teto. Caipiras. As pessoas que estavam na rua faziam com que fosse impossível avançar com os carros, todas andando como se os carros não existissem. Elas andavam ao seu lado, movendo-se mais rápido do que ele podia. Pessoas gordas que ainda comiam. Provavelmente passaram o dia inteiro comendo e agora atrapalhavam o trânsito enquanto Erin se distanciava cada vez mais dele.
Seu carro andou mais alguns metros e parou. Inúmeras vezes. Kevin sentia vontade de gritar, mas havia gente por toda parte. Se ele não tomasse cuidado, alguém acabaria dizendo alguma coisa e o policial gordo e preguiçoso viria investigar. Ele se lembraria da placa do carro de Kevin, uma placa de outro estado, e provavelmente o prenderia imediatamente, simplesmente por ele não ser um dos moradores da cidade.
Avançando e parando, várias vezes, repetidamente. Seu progresso podia ser medido em centímetros, até que chegou à esquina. Pensou que aquele cruzamento iria aliviar o trânsito, mas não foi o que aconteceu. Adiante, Erin e o homem grisalho haviam desaparecido. Havia apenas uma longa fila de carros e caminhonetes à sua frente em uma estrada que não levava a lugar nenhum, mas, ao mesmo tempo, a todos os lugares. Tudo exatamente ao mesmo tempo.

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