Capítulo 3
— Aquilo não foi
maravilhoso? — disse Hector, quando os corvos pararam de circular e começaram a
voar para longe, como uma enorme nuvem negra por cima dos edifícios,
afastando-se dos órfãos Baudelaire. — Aquilo
não foi maravilhoso? Aquilo não foi absolutamente superlativo? Aliás, isto quer
dizer a mesma coisa que ‘‘maravilhoso’‘.
— Com certeza foi — Klaus
concordou, sem acrescentar que já conhecia a palavra ‘’superlativo’’ desde que tinha onze anos.
— Eu vejo isso praticamente
todas as manhãs — disse Hector, — e sempre me impressiona. E também sempre me
deixa com fome. O que vamos comer esta noite? Que tal enchiladas de galinha? É
um prato mexicano que consiste em tortilhas de milho enroladas em um recheio de
galinha e cobertas de queijo derretido e um molho especial que aprendi a fazer
com a minha professora do segundo grau. Que tal?
— Parece delicioso — disse
Violet.
— Que bom — disse Hector. — Eu desprezo pessoas cheias de nove-horas com
comida. Bem, é uma boa caminhada até a minha casa, portanto vamos conversar enquanto
andamos. Me dêem as suas malas, vou carregá-las e vocês dois podem carregar a
sua irmã. Sei que vocês tiveram de caminhar desde a parada do ônibus e ela já
fez exercício mais que suficiente para um bebê.
Hector agarrou a bagagem dos Baudelaire e seguiu na frente pela
rua, que agora estava vazia a não ser por algumas penas de corvo esparsas. Bem
acima das suas cabeças, os corvos estavam fazendo uma curva fechada para a
esquerda, e Hector ergueu a mala de Klaus para apontá-los.
— Não sei se vocês estão
familiarizados com a expressão ‘‘em vôo de corvo’‘ — disse Hector, — mas
significa que é o caminho mais curto para chegar lá. Usualmente não tem nada a
ver com corvos de verdade, mas neste caso tem tudo a ver. Estamos a cerca de um
quilômetro e meio de distância da minha casa em vôo de corvo — de fato, do modo
como voam todos aqueles corvos. À noite, eles se empoleiram na Árvore do Nunca
Mais, que fica no meu quintal. Mas, para nós, leva mais tempo para chegar lá,
pois temos de atravessar C.S.C. a pé em vez de voar pelo ar.
— Hector — disse Violet
timidamente, — nós estávamos nos perguntando o que
exatamente quer dizer C.S.C.
— Ah, sim — disse Klaus. — Por favor, conte-nos.
— É claro que vou contar a
vocês — disse Hector, — mas não sei por que ficar tão alvoroçados com isso. É
apenas mais um contra-senso do Conselho dos Anciãos.
Os Baudelaire se entreolharam, hesitantes.
— O que quer dizer? —
perguntou Klaus.
— Bem, cerca de trezentos
anos atrás — disse Hector, — um grupo de exploradores descobriu o bando de
corvos que acabamos de ver. Os exploradores ficaram impressionados com os
padrões migratórios deles — vocês sabem, de manhã eles sempre voam para a
cidade alta, à tarde voam para a cidade baixa, e para a Arvore do Nunca Mais ao
anoitecer. Não muito tempo depois, surgiu uma cidade e eles a chamaram de
C.S.C.
— Mas o que quer dizer
C.S.C.? — perguntou Violet.
— Cultores Solidários de
Corvídeos — disse Hector. — ‘‘Cultores’‘
é uma palavra que se aplica às pessoas que cultuam ou estudam alguma coisa, e ‘‘corvídeos’‘...
— ... quer dizer ‘‘corvos’‘
— completou Klaus. — É este o segredo de
C. S. C? Cultores Solidários de Corvídeos?
— O que você quer dizer com
segredo? — perguntou Hector. — Não é um
segredo. Todo mundo sabe o que querem dizer essas letras.
Os Baudelaire suspiraram de confusão e desânimo, o que não é uma combinação
agradável.
— O que o meu irmão quer
dizer — explicou Violet, — é que escolhemos C.S.C. para ser nossa nova tutora
porque um terrível segredo nos foi contado — um segredo com as iniciais C.S.C.
— Quem contou esse segredo
para vocês? — perguntou Hector.
— Uns amigos nossos, muito
queridos — respondeu Violet. — Duncan e
Isadora Quagmire. Eles descobriram alguma coisa sobre o conde Olaf, mas antes
que pudessem nos contar mais alguma...
— Espere um minuto — disse
Hector. — Quem é conde Olaf? A Sra.
Morrow estava falando sobre um conde Omar. Esse Olaf é irmão dele?
— Não — disse Klaus,
estremecendo só de pensar que Olaf podia ter um irmão. — Receio que muitos dos
fatos publicados n’‘O Pundonor Diário estejam errados.
— Bem, por que não
esclarecemos esses fatos? — disse Hector dobrando uma esquina. — Que tal vocês me contarem exatamente o que
aconteceu?
— É uma história meio longa
— disse Violet.
— Bem — disse Hector com um
sorrisinho, — temos uma caminhada meio longa pela frente. Por que vocês não
começam do começo?
Os Baudelaire ergueram os olhos para Hector, suspiraram e
começaram do começo, que parecia estar tão distante que eles ficaram surpresos
por conseguir se lembrar tão claramente. Violet contou a Hector sobre o dia
fatídico na praia quando ela e seus irmãos ficaram sabendo pelo Sr. Poe que
seus pais tinham morrido no incêndio que destruíra seu lar, e Klaus contou a
Hector sobre os dias que passaram sob a tutela do conde Olaf. Sunny — com
alguma ajuda de Klaus e Violet, que foram traduzindo para ela — contou sobre o
pobre tio Monty e sobre as coisas terríveis que aconteceram com a tia Josephine.
Violet contou a Hector sobre o trabalho na Serraria Alto-Astral, Klaus contou-lhe
sobre a Escola Preparatória Prufrock e Sunny relatou a horrível época em que moraram
com Jerome e Esmé Squalor na Avenida Sombria 667. Violet contou a Hector tudo
sobre os diversos disfarces do conde Olaf e sobre cada um dos seus nefandos parceiros,
incluindo o homem de mão de gancho, as duas mulheres de cara empoada, o homem
careca de nariz comprido e o que não parecia nem homem nem mulher, de quem os
Baudelaire tinham se lembrado ao ver Hector tão calado. Klaus contou a Hector
tudo sobre os trigêmeos Quagmire, e sobre a misteriosa passagem subterrânea que
os levara de volta à sua antiga casa, e sobre a sombra de infortúnio que
parecia pairar sobre eles praticamente em todos os momentos desde aquele dia na
praia. E enquanto os Baudelaire contavam a Hector a sua longa história, eles
começaram a se sentir como se o factótum estivesse carregando mais do que as
suas malas. Eles se sentiram como se ele estivesse carregando cada palavra que
diziam, como se cada desventura fosse um fardo que Hector estava ajudando a
suportar. A história das vidas deles era tão desditosa que não posso dizer que
eles se sentiram felizes quando acabaram de contá-la, mas quando Sunny concluiu
toda a longa narrativa, os Baudelaire se sentiram como se estivessem suportando
muito menos.
— Quiun — concluiu Sunny, o
que foi rapidamente traduzido por Violet como ‘’E foi por isso que escolhemos
esta cidade, na esperança de descobrir o segredo de C.S.C., salvar os trigêmeos
Quagmire e derrotar o conde Olaf de uma vez por todas’’.
Hector suspirou.
— Vocês certamente passaram
por uma provação — disse ele, usando uma palavra que aqui significa ‘’um montão
de problemas, a maior parte dos quais por culpa do conde Olaf’’. Ele parou por
um instante e olhou para cada um dos Baudelaire.
— Vocês foram muito
valentes, todos os três, e vou fazer o melhor que puder para assegurar que
tenham um lar apropriado comigo. Mas devo dizer que acho que vocês chegaram a
um beco sem saída.
— O que quer dizer? —
perguntou Klaus.
— Bem, detesto ter de
acrescentar más notícias à terrível história que vocês acabam de me contar —
disse Hector, — mas acho que as iniciais a que se referiram os Quagmire e as iniciais
desta cidade são mera coincidência. Como eu disse, esta cidade se chama C.S.C.
há bem mais de trezentos anos. Quase nada mudou desde então. Os corvos sempre
se empoleiraram nos mesmos lugares. As reuniões do Conselho dos Anciãos sempre
foram à mesma hora todos os dias. Meu pai foi o factótum antes de mim, e o pai
dele foi o factótum antes dele, e assim por diante, e coisa e tal. As únicas
coisas novas nesta cidade são vocês três, crianças, e o Chafariz Corvídeo na
cidade baixa, que vamos limpar amanhã. Não vejo como esta cidade poderia ter
algo a ver com o segredo que os Quagmire descobriram.
As crianças Baudelaire se entreolharam em grande frustração.
— Pojic? — perguntou Sunny,
exasperada. Ela queria dizer alguma coisa na linha de ‘’Quer dizer que viemos
para cá por nada?’’, mas Violet traduziu um pouco diferente.
— O que a minha irmã quer
dizer — disse Violet, — é que é muito frustrante descobrir que estamos no lugar
errado.
— Estamos preocupados com
os nossos amigos — acrescentou Klaus, — e não queremos desistir de
encontrá-los.
— Desistir? — disse Hector.
— Quem falou em desistir? Só porque o
nome desta cidade não ajuda muito, isto não quer dizer que vocês estejam no
lugar errado. Obviamente nós temos uma porção de tarefas domésticas a fazer,
mas nas horas vagas podemos tentar descobrir o paradeiro de Duncan e Isadora.
Sou um factótum, não um detetive, mas tentarei ajudá-los o melhor possível.
Contudo, teremos de ser muito cautelosos. O Conselho dos Anciãos tem tantas
regras que mal se pode fazer alguma coisa sem quebrar uma delas.
— Por que o Conselho tem
tantas regras? — perguntou Violet.
— Por que qualquer um tem
uma porção de regras? — disse Hector com um encolher de ombros. — Para poder ficar mandando nas pessoas, eu acho.
Graças a todas as regras de C.S.C., o Conselho dos Anciãos pode dizer às
pessoas o que vestir, como falar, o que comer e até o que construir. A Regra nº
67, por exemplo, reza claramente que nenhum cidadão está autorizado a construir
ou utilizar qualquer tipo de dispositivo mecânico.
— Isso significa que eu não
posso construir nem usar nenhum dispositivo mecânico? — Violet perguntou a
Hector. — Eu e meus irmãos somos
cidadãos de C.S.C., agora que a cidade é a nossa tutora?
— Receio que sim — disse
Hector. — Vocês têm de seguir a Regra nº
67, junto com todas as outras regras.
— Mas Violet é uma
inventora! — exclamou Klaus. — Os
dispositivos mecânicos são muito importantes para ela!
— É mesmo? — disse Hector,
e sorriu. — Então você pode ser de
grande ajuda para mim, Violet. — Ele
parou de andar e olhou em volta, como se a rua estivesse cheia de espiões e não
completamente vazia. — Você é capaz de
guardar um segredo? — perguntou ele.
— Sim — respondeu Violet.
Hector olhou em volta mais uma vez, depois inclinou-se para a
frente e começou a falar em voz muito baixa.
— Quando o Conselho dos
Anciãos inventou a Regra nº 67 — ele disse, — eles me ordenaram que removesse
tudo o que fosse material de invenção da cidade.
— E o que você disse? —
perguntou Klaus.
— Eu não disse nada —
admitiu Hector, dobrando mais uma esquina na frente das crianças. — O Conselho me deixa desassossegado demais
para falar, vocês sabem disso. Mas vou contar o que eu fiz. Peguei todos os
materiais e escondi no meu celeiro, que venho usando como uma espécie de ateliê
de invenções.
— Eu sempre quis ter um
ateliê de invenções — disse Violet. Mesmo sem perceber, ela já estava enfiando
a mão no bolso e procurando uma fita para amarrar o cabelo para que não caísse
nos olhos, como se já estivesse inventando alguma coisa e não só falando sobre
isso. — O que você já inventou até
agora, Hector?
— Ah, só algumas coisinhas —
disse Hector, — mas tenho um projeto enorme que já está quase ficando pronto.
Estive construindo uma casa móvel auto-sustentável a ar quente.
— Nibdes? — disse Sunny.
Ela queria dizer algo como — Pode
explicar um pouquinho melhor? — mas Hector não precisava de encorajamento para
continuar falando sobre a sua invenção.
— Não sei se vocês já
subiram em um balão de ar quente — disse ele, — mas é muito estimulante. Você
fica em pé dentro de uma grande cesta, com o balão enorme acima da sua cabeça,
e fica olhando para baixo e vendo todos os campos debaixo de você, estendidos
como um cobertor. É simplesmente superlativo. Bem, a minha invenção nada mais é
senão um balão de ar quente — só que muito maior. Em vez de uma grande cesta, há
doze cestas, todas amarradas umas nas outras debaixo de uma porção de balões de
ar quente. Cada cesta funciona como uma sala diferente, portanto é como ter
toda uma casa voadora. É completamente auto-sustentável — depois que você sobe
dentro dela, nunca mais precisa descer de novo. Na verdade, se o meu novo motor
funcionar direito, será impossível descer. O motor deverá durar muito mais de
cem anos, e há uma enorme cesta de armazenagem que estou enchendo de comida,
bebidas, roupas e livros. Quando estiver tudo pronto, serei capaz de voar para
longe de C.S.C. e do Conselho dos Anciãos, e de tudo o mais que me deixa desassossegado,
e viver flutuando no ar para sempre!
— Parece mesmo uma invenção
maravilhosa — disse Violet. — Mas, pelo
amor de Deus, diga-me como foi que você conseguiu fazer um motor que também
seja auto-sustentável?
— Isso está me causando um certo
problema — admitiu Hector, — mas quem sabe, se vocês três derem uma olhada,
possamos dar um jeito no motor juntos.
— Estou certo de que Violet
pode ajudar — disse Klaus, — mas eu não sou lá essas coisas como inventor.
Estou mais interessado em leitura. C.S.C. tem uma boa biblioteca?
— Infelizmente não — disse
Hector. A Regra nº 108 reza claramente que a biblioteca de C.S.C. não pode
conter nenhum livro que descumpra qualquer uma das outras regras. Por exemplo,
se alguém em um livro usa um dispositivo mecânico, esse livro não é permitido
na biblioteca.
— Mas existem tantas regras
— disse Klaus. — Que tipo de livro
poderia possivelmente ser permitido?
— Não muitos — disse Hector,
— e quase todos são chatos. Há um que se chama O menorzinho dos elfos, que é
provavelmente o livro mais maçante que já foi escrito. É sobre esse homenzinho
irritante que tem toda sorte de aventuras enfadonhas.
— É uma pena — disse Klaus,
desanimado. — Eu tinha esperanças de
poder fazer uma pequena pesquisa sobre C.S.C. — quero dizer o segredo, não a
cidade — nas minhas horas de folga.
Novamente Hector parou de andar e correu os olhos mais uma vez
pelas ruas desertas.
— Vocês são capazes de
guardar mais um segredo? — perguntou ele, e os Baudelaire assentiram. — O Conselho dos Anciãos me mandou queimar
todos os livros que violavam a Regra nº 108 — disse ele em voz baixa, — mas em
vez disso eu os trouxe para o meu celeiro. Tenho uma espécie de biblioteca
secreta lá, além do ateliê secreto de invenções.
— Uau! — disse Klaus. — Já vi bibliotecas públicas, bibliotecas
particulares, bibliotecas jurídicas, bibliotecas de répteis e bibliotecas
gramaticais, mas nunca uma biblioteca secreta. Que emocionante!
— É um pouco emocionante —
concordou Hector, — mas também me deixa muito desassossegado. O Conselho dos
Anciãos fica muito, muito zangado quando as pessoas quebram as regras. Detesto
pensar no que eles fariam comigo se descobrissem que eu estava usando
dispositivos mecânicos e lendo livros interessantes em segredo.
— Azator! — disse Sunny, o
que queria dizer ‘’Não se preocupe, o seu segredo estará seguro conosco!’’.
Hector olhou para ela com um ar intrigado.
— Não sei o que quer dizer ‘‘azator’‘,
Sunny — disse ele, — mas posso imaginar que significa ‘‘Não se esqueça de mim!’‘.
Violet usará o ateliê, e Klaus usará a biblioteca, mas o que podemos fazer por
você? Qual é a coisa que você mais gosta de fazer?
— Morder! — respondeu Sunny
imediatamente, mas Hector franziu a testa e deu mais uma olhada em volta.
— Não fale tão alto, Sunny!
— sussurrou ele. — A Regra nº 4561 reza
claramente que não é permitido aos cidadãos usar a boca para fins
recreacionais. Se o Conselho dos Anciãos souber que você gosta de morder coisas
para a sua própria diversão, não quero nem imaginar o que eles podem fazer.
Tenho certeza de que poderemos encontrar algumas coisas para você morder, mas
terá de fazer isso em segredo. Bem, aqui estamos.
Hector dobrou uma última esquina à frente dos Baudelaire, e as
crianças tiveram o primeiro vislumbre do lugar onde iam morar. A rua pela qual
vinham andando simplesmente terminava ao virar a esquina, levando-os a um lugar
tão amplo e plano quanto os campos que tinham atravessado naquela tarde, com
apenas três formas se destacando no horizonte achatado. A primeira era uma casa
grande, de aparência robusta, com telhado pontudo e uma varanda na frente,
grande o bastante para conter uma mesa de piquenique e quatro cadeiras de
madeira. A segunda era um enorme celeiro, bem ao lado da casa, que escondia o
ateliê e a biblioteca de que Hector estivera falando. Mas foi a terceira forma
que atraiu os olhares dos Baudelaire.
A terceira forma no horizonte era a Árvore do Nunca Mais; mas
dizer que aquilo era uma árvore era o mesmo que dizer que o Oceano Pacífico era
uma massa de água, ou que o conde Olaf era uma pessoa rabugenta, ou que a
história acontecida com Beatrice e eu foi só um pouquinho triste. A Árvore do
Nunca Mais era gargantuesca, uma palavra que aqui significa ‘’atingira uma
corpulência de volume botânico desmesurado’’ expressão que aqui significa ‘’era
a maior árvore que os Baudelaire já tinham visto’’. Seu tronco era tão grosso
que os Baudelaire poderiam ter ficado atrás dele, junto com um elefante, três
cavalos e uma cantora de ópera, sem que pudessem ser vistos do outro lado. Seus
galhos se espalhavam em todas as direções, como um leque mais alto do que a
casa e mais largo do que o celeiro, e a árvore se tornava ainda mais alta e
mais larga com o que estava em cima dela. Todos os corvos de C.S.C., até o
último, estavam empoleirados em seus galhos, somando uma espessa camada de
formas negras crocitantes à imensa silhueta da árvore. Como os corvos tinham
ido até a casa de Hector em vôo de corvo e não andando, os pássaros tinham
chegado muito antes dos Baudelaire, e o ar estava tomado pelos sons abafados e
farfalhantes dos pássaros se acomodando para passar a noite. Alguns deles já
tinham caído no sono, e quando as crianças se aproximaram mais da sua nova casa
puderam ouvir um ou outro ronco de corvo.
— O que vocês acham? —
perguntou Hector.
— É maravilhoso — disse
Violet.
— É superlativo — disse
Klaus.
— Ogufol! — disse Sunny, o
que queria dizer ‘’Que montão de corvos!’’.
— Os ruídos que os corvos fazem
podem parecer estranhos no começo — disse Hector, subindo os degraus da casa na
frente das crianças, — mas vocês se acostumarão com eles em breve. Eu sempre
deixo as janelas abertas quando vou para a cama. Os sons dos corvos me lembram
o oceano, e eu acho muito repousante ouvi-los enquanto estou pegando no sono. E
por falar em cama, tenho certeza de que vocês estão muito cansados. Preparei
três quartos no andar de cima, mas se não gostarem poderão escolher outros. Há
espaço à vontade na casa. Há espaço até para os Quagmire morarem aqui, quando
os encontrarmos. Tenho a impressão de que vocês cinco ficarão felizes morando
juntos, mesmo tendo de fazer as tarefas domésticas de uma cidade inteira.
— Parece uma delícia —
disse Violet sorrindo para Hector. As três crianças ficaram felizes só de
pensar nos dois trigêmeos sãos e salvos, em vez de estarem nas garras do conde
Olaf. — Duncan é um jornalista, e talvez
ele possa publicar um jornal — assim C.S.C. não terá de ler todos os erros d’‘O
Pundonor Diário.
— E Isadora é uma poeta —
disse Klaus. — Ela poderia escrever um
livro de poesia para a biblioteca — desde que não escrevesse poesias sobre
assuntos que fossem vetados pelas regras.
Hector começou a abrir a porta da casa, mas então parou e lançou
um olhar esquisito aos Baudelaire.
— Poeta? — perguntou ele. — Que tipo de poesia ela escreve?
— Dísticos — respondeu
Violet.
Hector lançou um olhar ainda mais esquisito às crianças. Ele pôs
as malas dos Baudelaire no chão e enfiou a mão no bolso do macacão.
— Dísticos? — perguntou
ele.
— Sim — disse Klaus. — Ela gosta de escrever poemas rimados de dois
versos.
Hector lançou aos jovens um olhar que foi o mais esquisito que
eles já tinham visto, e tirou a mão do bolso para mostrar-lhes uma tirinha de
papel toda enroladinha em um minúsculo cilindro.
— Como este aqui? —
perguntou ele, e desenrolou o papel. Os órfãos Baudelaire tiveram de apertar os
olhos para ler à pálida luz do pôr-do-sol, e depois de ler uma vez tiveram de
ler outra vez, para ter certeza de que a luz não estava lhes pregando peças e
de que o que tinham lido estava realmente escrito naquela tirinha de papel, em uma
caligrafia trêmula porém familiar:
Cá, por safiras, cativos estamos.
Hora após
hora, em terror aguardamos.
Comentários
Postar um comentário
Nada de spoilers! :)