Capítulo 3
O CABELO DELE havia ficado grisalho
poucos anos depois do seu vigésimo aniversário, o que provocou alguns
comentários e piadinhas de seus amigos. Além disso, a mudança não foi gradual,
com alguns fios aqui e ali adquirindo tons prateados. Em vez disso, em janeiro
ele tinha a cabeça coberta por cabelos negros, e, em janeiro do ano seguinte,
apenas uns poucos fios negros ainda resistiam. Seus dois irmãos mais velhos não
tiveram o mesmo destino, embora ambos houvessem ganhado alguns fios brancos nas
costeletas nos últimos anos. Nem sua mãe nem seu pai foram capazes de explicar
aquilo; até onde eles sabiam, Alex Wheatley era uma anomalia para os dois lados da família.
Estranhamente, aquilo não o incomodava nem um pouco. No
exército, ele chegou a suspeitar de que os fios grisalhos o haviam ajudado na
carreira. Ele trabalhava na Divisão de Investigação Crim- inal, ou DIC, que
tinha bases na Alemanha e na Geórgia e passara dez anos investigando crimes
militares, desde soldados que simplesmente desapareciam dos quartéis até
casos de invasão de domicílios, maus-tratos domésticos, estupros e até mesmo
assassinatos. Ele fora promovido várias vezes,
até se aposentar, aos 32 anos, com uma patente de major.
Depois de completar seus afazeres e concluir sua
carreira no exército, ele se mudou para Southport, a cidade natal de sua
esposa. Eles eram recém-casados e o primeiro filho estava a caminho. Embora
sua primeira ideia fosse a de procurar um emprego na polícia ou em alguma outra
organização que promovesse o cumprimento das leis, seu sogro havia feito uma
oferta para que ele comprasse o negócio da família.
Era uma loja construída em estilo antigo que vendia
artigos rurais, frutas, verduras, geleias e outras conservas. O imóvel havia
sido feito com tábuas brancas, com venezianas azuis e alguns bancos do lado de
fora; era o tipo de estabelecimento que já tivera seus dias de glória há vários
anos, mas que, praticamente, não existia mais. Os quartos para a família
ficavam no segundo andar. Uma imensa árvore de magnólias trazia sombra para um
dos lados da casa, e um carvalho ficava logo em frente. Apenas metade do
estacionamento era feita de asfalto, enquanto a outra metade era coberta por
cascalhos — e, mesmo assim, o lugar quase nunca ficava vazio. Seu sogro havia
inaugurado a loja antes que Carly nascesse, quando não havia muita coisa além
de fazendas e pastos ao seu redor. Mesmo assim, o homem se orgulhava de
entender as pessoas e queria manter em estoque qualquer coisa de que eles
precisassem — o que resultava em um lugar que chegava a ficar desorganizado com
o excesso de produtos. Alex tinha a mesma opinião e mantinha a loja quase do
mesmo jeito. Cinco ou seis corredores ofereciam frutas, verduras e produtos de
higiene pessoal; refrigeradores ao fundo da loja transbordavam com todo o
tipo de bebida, desde refrigerantes e água até cerveja e vinho, e, assim como
em qualquer outra loja de conveniência, tinha várias prateleiras de
salgadinhos, doces e muitos tipos de
alimentos industrializados
que as pessoas compram quando estão perto da caixa registradora. Mas era ali
que as similaridades terminavam. Também havia inúmeros tipos de equipamentos
para pesca nas prateleiras, iscas vivas e um outro balcão com uma churrasqueira
e uma chapa quente operados por Roger Thompson, que já havia trabalhado em Wall
Street e que se mudara para Southport em busca de uma vida mais tranquila. Ao
lado da churrasqueira, onde se podia comprar hambúrgueres, sanduíches,
cachorros- quentes e outras delícias, havia algumas mesas e outros lugares para
sentar. Havia também DVDs para alugar, vários tipos de munição, capas
impermeáveis e guarda-chuvas, além de uma pequena seleção de best-sellers e
clássicos da literatura. Além disso, a loja vendia velas automotivas, correias
para motor e latas de gasolina, e Alex fazia cópias de chaves com uma máquina
nos fundos. Ele tinha três bombas de gasolina para os carros e outra no
ancoradouro, caso algum barco precisasse encher o tanque — o único lugar onde
era possível fazer aquilo fora da marina. Vários potes de picles, sacos de
amendoim cozido e cestas de legumes frescos cobriam o balcão.
Surpreendentemente, não era difícil controlar o
estoque da loja. Algumas mercadorias saíam regularmente, outras não. Como seu
sogro, Alex notava aquilo de que as pessoas precisavam assim que elas entravam
em sua loja. Ele sempre percebia e se lembrava de coisas que outras pessoas não
conseguiam, uma característica que o havia auxiliado imensamente nos anos em
que tinha trabalhado para o DIC. Hoje em dia, ele passava um bom tempo
examinando ou testando as mercadorias do seu estoque, tentando acompanhar as
mudanças de preferências dos seus clientes.
Alex nunca imaginou que um dia faria algo assim, mas a
decisão que tomara não lhe desagradava. Pelo menos ele podia ficar de olho nas
crianças. Josh estava na escola, mas Kristen só começaria suas
aulas quando o outono
chegasse. E, assim, ela passava os dias com ele na loja. Ele montou uma pequena
área para brincadeiras atrás da caixa registradora, em que sua filha,
inteligente e comunicativa, parecia estar mais feliz. Embora tivesse apenas 5
anos, ela sabia como usar a caixa e calcular o troco, subindo em um banquinho
para alcançar os botões. Alex sempre se entretinha com as expressões no rosto
dos estranhos quando ela começava a calcular o valor das mercadorias para
eles.
Mesmo assim, não era uma infância ideal para a menina,
ainda que ela não tivesse condições de perceber. Sendo honesto consigo mesmo,
Alex tinha que admitir que cuidar das crianças e da loja demandava toda a
energia que ele tinha. Às vezes, sentia que mal conseguia dar conta de tudo —
fazer o lanche de Josh e deixá-lo na escola, preencher os formulários de
pedidos para os fornecedores, reunir-se com os representantes de vendas e
atender aos clientes, tudo enquanto se ocupava em manter Kristen entretida. E
aquilo era apenas o começo. Ele se esforçava bastante para fazer coisas de que
seus filhos gostavam, como andar de bicicleta, soltar pipas e pescar com Josh,
mas Kristen gostava mesmo era de brincar com bonecas, desenhar e fazer
artesanato. E nem mesmo quando ele finalmente conseguia colocar as crianças na
cama era possível relaxar, porque sempre havia algo mais a fazer. A verdade era
que Alex nem sabia mais o significado da palavra “relaxar”.
Depois que as crianças estavam na cama, ele passava o
resto de suas noites sozinho. Embora parecesse conhecer quase todas as pessoas na cidade, ele não tinha realmente muitos amigos. Os casais que ele e Carly
às vezes visitavam para jantar ou quando eram convidados para churrascos
haviam se afastado de maneira lenta e inexorável. Uma parte era por sua culpa
— trabalhar na loja e criar seus filhos ocupava a maior parte do seu tempo —,
mas, às vezes, ele tinha
a sensação de que sua
presença deixava os outros casais desconfortáveis, como se os lembrasse de
que a vida era imprevisível e assustadora e que as coisas precisam de um
único instante para dar errado.
Era uma vida cansativa e, às vezes, isolada, mas ele
mantinha o foco em Josh e Kristen. Embora com menos frequência do que antigamente, ambos continuavam tendo pesadelos depois que Carly se fora. Quando
eles acordavam no meio da noite, chorando de maneira inconsolável, ele os
segurava nos braços e sussurrava em seus ouvidos que tudo ficaria bem. Até que
os pequenos conseguiam finalmente adormecer. No começo, todos haviam passado
por uma psicóloga. As crianças faziam desenhos e falavam sobre o que sentiam.
Não pareceu ajudar tanto quanto ele esperava. Os pesadelos continuaram por
quase um ano. De vez em quando, ao pintar figuras com Kristen ou ao pescar com
Josh, seus filhos ficavam quietos e ele sabia que eles sentiam saudades da mãe.
Kristen chegava a mencionar isso numa voz parecida com a de um bebê, trêmula e
incerta, enquanto as lágrimas lhe escorriam pelo rosto. Quando isso acontecia,
Alex tinha certeza de que conseguia ouvir seu coração se estilhaçar, porque ele
sabia que não havia nada que pudesse fazer ou dizer para melhorar as coisas. A psicóloga
havia lhe garantido que as crianças eram fortes e que, desde que soubessem que
eram amadas, os pesadelos iriam se tornar cada vez menos frequentes. O tempo
provou que a psicóloga tinha razão, mas agora Alex tinha que enfrentar um outro
tipo de perda — algo que feria seu coração da mesma maneira. Ele sabia que as
crianças estavam melhorando porque as lembranças que tinham da mãe estavam
lentamente desaparecendo. Eles eram muito novos quando a perderam — tinham 4 e
3 anos, respectivamente — e significava que, algum dia, sua mãe se tornaria
mais um conceito do que uma pessoa para eles. Era inevitável, claro, mas não
parecia certo para Alex o fato de que nunca se lembrariam do riso de Carly, ou
do
carinho com o qual ela os
segurava nos braços quando eram bebês, ou que nunca soubessem o quanto ela os
amara.
Ele nunca foi muito adepto da fotografia. Era sempre
Carly que pegava a câmera, e, consequentemente, havia dúzias de fotografias com
Alex e as crianças. Apenas algumas incluíam Carly. Embora ele fizesse questão
de folhear o álbum com Josh e Kristen enquanto falava da mãe deles, Alex
começava a suspeitar de que as histórias estavam se tornando exatamente isso:
histórias. As emoções que acompanhavam aquelas imagens eram como castelos de
areia em meio à maré, lentamente se dissolvendo na água do mar. A mesma coisa
estava acontecendo com o retrato de Carly que estava pendurado em seu quarto.
Em seu primeiro aniversário de casamento, ele contratou um profissional para
fotografá-la, apesar dos protestos. Ele ficou feliz por ter feito aquilo. Na
foto, ela parecia linda e independente, a mulher forte que havia conquistado
seu coração. À noite, depois que seus filhos estavam na cama, ele
ocasionalmente passava longos momentos olhando para a imagem de sua esposa,
com suas emoções em um turbilhão. Mas Josh e Kristen mal percebiam que aquele
retrato existia.
Ele pensava nela com frequência e sentia saudade do
companheirismo que tinham entre si e da amizade que havia sido o alicerce
sobre o qual o casamento fora construído. E quando se atrevia a ser honesto
consigo mesmo, ele sabia que queria ter aquilo tudo novamente. Alex se sentia
muito sozinho, embora se incomodasse em ter que admitir aquilo. Durante vários
meses depois de tê-la perdido, simplesmente não conseguia imaginar que viesse a
se relacionar com outra pessoa, nem mesmo via a possibilidade de voltar a amar
alguém. Mesmo depois de um ano, aquele era o tipo de pensamento que ele se
forçava a afastar da mente. A dor ainda era muito recente, e as lembranças dos
dias vividos com Carly eram fortes demais.
Passados alguns meses,
levou as crianças ao aquário municipal e, quando estavam em frente ao tanque
com os tubarões, ele começou a conversar com uma mulher jovem e atraente que
estava ao seu lado. Como ele, a mulher também havia trazido seus filhos e, como
ele, também não usava aliança no dedo. Os filhos dela tinham a mesma idade de
Josh e Kristen, e, enquanto os quatro pequenos estavam distraídos apontando
para os peixes, ela riu de alguma coisa que ele disse, o que fez Alex sentir
uma fagulha de atração — algo que o fez lembrar daquilo que um dia sentiu.
Depois de algum tempo, a conversa chegou ao fim e os dois se afastaram em
direções opostas. Mesmo assim, quando estavam saindo do aquário, ele a viu mais
uma vez. Ela acenou para ele e, durante um instante, ele considerou correr até
ela para pedir o número do seu telefone. Mas não chegou a fazer isso e, um
momento depois, ela entrou no carro e saiu do estacionamento. Alex nunca mais
voltou a vê-la.
Naquela noite ele esperou que uma onda de remorso e
arrependimento viesse tomar conta dos seus pensamentos, mas, estranhamente,
isso não aconteceu. E o que fez no aquário também não lhe pareceu errado. Em
vez disso, pareceu-lhe algo... normal. Uma coisa que não era excitante, ou
alarmante, mas normal e, de algum modo, ele percebeu que estava começando a
superar o que havia acontecido. É claro, aquilo não significava que ele estava
pronto para mergulhar de cabeça na vida de solteiro. Se acontecesse, tudo bem.
E se não acontecesse? Ele imaginava que só pensaria em atravessar aquela ponte
quando chegasse até ela. Estava disposto a esperar até encontrar a pessoa
certa, alguém que não somente trouxesse a alegria de volta à sua vida, mas que
amasse seus filhos tanto quanto ele os amava. Entretanto, ele sabia que, nesta
cidade, as chances de encontrar uma pessoa assim eram ínfimas. Southport era
pequena demais. Quase todas as pessoas que ele conhecia estavam casadas,
aposentadas ou frequentando alguma das escolas locais. Não havia muitas mulheres solteiras na
cidade, especialmente mulheres que aceitassem os filhos que ele já tinha. E,
com certeza, esse era o detalhe que dificultava tudo. Ele poderia se sentir
sozinho, poderia estar carente e querendo companhia, mas não estava disposto
a sacrificar o bem-estar de seus filhos para conseguir isso. Eles já haviam
passado por muitas dificuldades e sempre seriam a prioridade na vida de Alex.
Mesmo assim... havia uma possibilidade, ele imaginava.
Outra mulher despertava seu interesse, embora ele não soubesse quase nada a seu
respeito, exceto que era solteira. Ela vinha à sua loja uma ou duas vezes por
semana, desde o começo de março. Na primeira vez que a viu, ela estava muito
magra e pálida, quase raquítica e digna de pena. Normalmente, ele não olharia
duas vezes para ela. As pessoas que passavam pela cidade frequentemente iam à
loja para comprar refrigerantes, gasolina ou salgadinhos; ele raramente voltava
a ver aquelas pessoas. Mas aquela mulher não queria nada disso. Em vez disso,
ela mantinha a cabeça baixa enquanto andava pelos corredores de verduras e
legumes, como se tentasse passar despercebida, como um fantasma em forma
humana. Infelizmente, para ela, aquilo não funcionava. Ela era atraente demais
para não ser notada. Ainda não devia ter feito 30 anos, ele imaginou, e seu
cabelo castanho tinha um corte irregular na altura dos ombros. Ela não usava
maquiagem, tinha as maçãs do rosto proeminentes e seus olhos grandes e
arredondados lhe davam uma aparência elegante, embora um pouco frágil.
Quando ela veio até a caixa registradora, ele percebeu
que, de perto, ela era ainda mais bonita do que ele havia notado enquanto
andava entre os corredores. Tinha olhos de um castanho-esverdeado salpicado com
tons dourados, e seu sorriso breve e distraído desapareceu tão rapidamente
quanto surgiu. Sobre o balcão, ela não
colocou nada além do
estritamente necessário: café, arroz, aveia em flocos, macarrão, pasta de
amendoim e alguns artigos de higiene pessoal. Ele pressentiu que, se iniciasse
uma conversa, iria deixá-la desconfortável, e preferiu somar o preço dos
produtos em silêncio. Enquanto se ocupava com os preços, ele ouviu-a falar pela
primeira vez.
— Você tem feijões? Que não sejam daqueles enlatados?
— Lamento. Não costumo ter esse tipo em estoque —
respondeu
Enquanto guardava as compras dela em uma sacola,
percebeu que ela olhava pela janela, distraidamente, mordendo seu lábio inferior. Por algum motivo, teve a estranha impressão de que ela estava a ponto
de chorar.
Ele limpou a garganta. — Se é algo que você vai
precisar regularmente, eu posso falar com meus fornecedores e trazer alguns
pacotes aqui para a loja. Preciso apenas saber de que tipo você gosta.
— Não quero incomodar — disse ela.
Quando ela respondeu, sua voz não era mais alta do que
um murmúrio.
Ela pagou a conta com notas de baixo valor e, depois
de pegar a sacola plástica, saiu da loja. Para sua surpresa, ela continuou andando depois de sair do estacionamento, e foi naquele momento que ele percebeu
que ela não havia chegado ali de carro. Aquilo só fez aumentar sua curiosidade.
Na semana seguinte havia feijões na loja. Alex havia
encomendado três tipos: feijão carioca, feijão-cavalo e favas, embora
apenas um pacote de cada.
Quando ela voltou, ele fez questão de mencionar que os feijões estavam na
prateleira inferior no canto, ao lado do arroz. Trazendo os três pacotes até a
caixa registradora, ela perguntou se ele teria uma cebola. Alex apontou para um
pequeno saco de cebolas que estava em uma cesta ao lado da porta, mas ela
balançou a cabeça.
— Só preciso de uma — murmurou ela, quase como se
pedisse desculpas, com um sorriso hesitante. Suas mãos tremiam enquanto ela
contava as notas e, novamente, foi embora a pé.
Desde então, sempre havia feijões em estoque, sempre
havia a possibilidade de comprar uma cebola que não estivesse dentro de um
pacote com outras e, nas semanas que se seguiram àquelas duas primeiras
visitas, ela acabou se tornando uma cliente regular. Embora ainda não falasse
muito, ela parecia menos frágil e menos nervosa conforme o tempo passava. As
olheiras dela estavam gradualmente desaparecendo e ela chegara a ganhar um
pouco de cor durante os meses recentes, em que houve vários dias de tempo bom.
Até um pouco de peso ganhara — não muito, mas o bastante para suavizar suas
feições delicadas. Sua voz também estava mais forte e, embora esse fato não
demonstrasse qualquer sinal de que estivesse interessada nele, aquela garota
já conseguia olhá-lo nos olhos por mais alguns momentos antes de finalmente
virar o rosto. Eles não haviam avançado muito além de frases como “Encontrou
tudo o que estava procurando?” e “Sim, obrigada”, mas, em vez de fugir da loja
como um cervo perseguido por caçadores, ela às vezes circulava mais tempo por
entre os corredores e havia até mesmo começado a conversar com Kristen quando
as duas estavam sozinhas. Foi a primeira vez que ele a viu baixar a guarda. Sua
atitude tranquila e expressão aberta demonstravam que ela tinha afeto por
crianças, o que o fez pensar que ele vira a mulher que outrora ela fora e que
poderia voltar a ser, dependendo das
circunstâncias. Da mesma forma, Kristen parecia ter visto algo diferente
naquela mulher. Depois que ela saiu, sua filha disse que havia feito uma nova
amiga e que ela se chamava senhorita Katie.
Mesmo assim, isso não significava que ela se sentia
confortável na presença de Alex. Na semana passada, depois de ter conversado
despreocupadamente com Kristen, ele a vira lendo as contracapas dos livros em
estoque na loja. Ela não comprou nenhum e, quando lhe perguntou casualmente se
estava procurando por algum autor em particular, Alex notou um lampejo do velho
nervosismo. Percebeu que não devia ter mencionado que a observara.
— Deixe para lá — disse ele, acrescentando
rapidamente: — Não é importante.
Quando ela saiu pela porta, entretanto, parou por um
momento, com a sacola de compras junto ao corpo. Virou-se levemente na direção
dele e murmurou:
— Eu gosto de Dickens.
Ao dizer aquilo, ela abriu a porta e se foi,
caminhando pela rua.
Ele vinha pensando nela cada vez mais frequentemente
desde então, mas eram pensamentos vagos, cercados por mistério e tingidos
pelo desejo de conhecê-la melhor. Não que ele soubesse como fazer aquilo. Além
do ano em que cortejou Carly, ele nunca fora muito bom no jogo do romance.
Durante a faculdade, entre o tempo que dedicava à prática da natação e as
aulas, tinha poucas oportunidades para sair com garotas. Enquanto esteve no
exército, ele se dedicou totalmente à sua carreira, trabalhando bastante e
sendo transferido de uma base para outra com cada promoção que recebia. Embora
tivesse saído com algumas mulheres, em sua maioria eram romances efêmeros, que
começavam e terminavam no quarto. Às vezes, fazendo um retrospecto de
sua vida, ele mal reconhecia o homem que costumava ser — e ele sabia que Carly
fora a responsável por aquelas mudanças. Sim, às vezes era difícil
reconhecer-se, e, sim, ele se sentia sozinho. Alex sentia saudades de sua
esposa e, embora nunca tivesse contado a ninguém, ainda havia momentos em que
podia jurar que sentia a presença dela por perto, cuidando dele e fazendo de
tudo para que ele ficasse bem.
***
DEVIDO AO TEMPO EXCELENTE QUE FAZIA, a
loja estava mais movimentada do que o habitual naquele domingo. Quando Alex
destrancou a porta, às 7 da manhã, já havia três barcos amarrados no ancoradouro esperando para que a bomba de gasolina fosse ligada. Como já era típico,
enquanto pagavam pela gasolina, os donos dos barcos aproveitavam para comprar
petiscos, bebidas e sacos de gelo para levar nos barcos. Roger — que estava
trabalhando na churrasqueira, como sempre — não teve um minuto de folga desde
que colocou seu avental, e as mesas estavam cheias de gente comendo salsichas
empanadas, cheesebúrgueres e pedindo alguma dica sobre o mercado de ações.
Geralmente, Alex ficava no comando da caixa
registradora até o meio-dia, quando passaria as rédeas a Joyce. Assim como
Roger, Joyce era uma funcionária que facilitava muito o trabalho de cuidar da
loja. Joyce, que havia trabalhado no tribunal até o dia de sua aposentadoria,
veio “de presente” com a loja, por assim dizer. O sogro de Alex a contratara
havia dez anos e agora, mesmo contando 70 anos de idade, ela não dava qualquer sinal de que quisesse
levar uma vida mais tranquila. Seu marido morrera alguns anos antes, seus
filhos haviam se mudado para outras cidades e ela tratava os clientes como se
fossem sua verdadeira família. Joyce era tão característica da loja como os
produtos nas prateleiras.
Além disso, ela entendia
que Alex precisava passar o tempo com seus filhos, longe da loja, e não se
incomodava de ter que trabalhar aos domingos. Assim que chegava, ia direto para
trás do balcão onde estava a caixa registradora e dizia a Alex que ele podia ir
para casa, parecia ser realmente a chefe do lugar em vez de uma das funcionárias. Joyce também era a babá, a única pessoa em quem ele confiava para ficar com
as crianças se ele tivesse que sair da cidade. Aquilo não era comum — acontecera
apenas duas vezes nos últimos dois ou três anos, quando ele se encontrara com
um velho amigo dos tempos do exército em Raleigh — mas Alex reconhecia que
Joyce fora uma das melhores coisas que já acontecera em sua vida. Quando ele
precisava dela, Joyce sempre estava pronta para ajudar.
Enquanto esperava pela chegada de Joyce, Alex andou
pela loja, verificando as prateleiras. O sistema informatizado era ótimo para
gerenciar o inventário, mas ele sabia que fileiras de números nem sempre
contavam toda a história. Às vezes, achava que tinha uma noção melhor do que
precisava ser reposto se realmente olhasse as prateleiras para verificar o que
havia sido vendido no dia anterior. O sucesso de uma loja exigia que as
mercadorias fossem repostas o mais rapidamente possível, e aquilo significava
que, vez por outra, tinha que oferecer produtos que nenhuma outra loja
oferecia. Ele tinha compotas e geleias caseiras, temperos em pó feitos com base
em “receitas secretas” e que davam mais sabor às carnes e aos cortes de porco e
uma boa variedade de frutas e vegetais enlatados produzidos nas redondezas.
Até mesmo pessoas que faziam compras regularmente em supermercados como o
Food Lion ou o Piggly Wiggly vinham frequentemente dar uma olhada na loja de
Alex para com- prar os produtos especiais que ele fazia questão de manter em
estoque.
Ainda mais importante do
que o volume de vendas de um produto, ele gostava de saber sobre quando certos
produtos eram vendidos, algo que não aparecia necessariamente nas suas
planilhas. Alex havia percebido, por exemplo, que o pão para cachorro-quente
vendia muito bem aos fins de semana, mas raramente saía das prateleiras
durante a semana; com pães tradicionais, era o oposto. Percebendo isso,
aproveitou para manter mais unidades de cada um deles em estoque quando a
demanda aumentava, e as vendas cresceram. Não era muito, mas o dinheiro extra
o ajudava a manter sua pequena loja lucrando enquanto as grandes cadeias de
lojas e super-mercados tiravam a maioria das pequenas empresas locais do
mercado.
Enquanto examinava as prateleiras, ele começou a
imaginar o que iria fazer com as crianças naquela tarde, e decidiu levá-las
para um passeio de bicicleta. Carly sempre gostou de colocar as crianças em um
carrinho de bebê especialmente feito para ser conectado à sua bicicleta e de
pedalar em direção à cidade. Mas um passeio daqueles não era o bastante para
ocupar a tarde toda. Talvez eles pudessem ir de bicicleta até o parque...
talvez fosse algo que eles quisessem fazer. Com uma rápida olhada em direção à
porta da frente para ter certeza de que ninguém estava prestes a entrar na
loja, ele correu até o cômodo que servia como depósito na parte de trás da
loja e colocou a cabeça para fora de uma janela. Josh estava pescando no ancoradouro, a coisa que ele mais gostava de fazer na vida. Alex não gostava de
deixá-lo sozinho ali fora — ele não tinha dúvidas de que algumas pessoas o
considerariam um péssimo pai por permitir que aquilo acontecesse —, mas Josh
sempre ficava no campo de visão das câmeras de segurança e Alex podia vê-lo no
monitor que ficava ao lado da caixa registradora. Era uma das regras da família
e Josh sempre a respeitara. Kristen, como de costume, estava sentada em sua
mesinha atrás do balcão da registradora. Ela havia separado as
roupinhas da boneca em
diferentes pilhas e parecia alegre em trocar as roupas da boneca de um modelo
para o outro. A cada vez que finalizava, ela olhava para Alex com uma
expressão alegre e inocente, e perguntava ao papai se ele achava que a boneca
continuava bonita. Como se fosse possível para Alex dizer que não achava.
Menininhas. Elas conseguiam amaciar os corações mais
embrutecidos.
Alex estava organizando alguns dos frascos de
condimentos quando ouviu soar a campainha que tocava quando um cliente abria a
porta da loja. Levantando a cabeça por cima da gôndola, ele viu Katie entrar na
loja.
— Oi, senhorita Katie — disse Kristen, aparecendo por
trás da caixa registradora. — Você gosta das roupas que eu coloquei na minha
boneca?
Do lugar onde estava, ele mal conseguia ver a cabeça
de Kristen por cima do balcão, mas ela trazia nas mãos... Vanessa? Rebeca? Qualquer que fosse o nome da boneca de cabelos castanhos. E a segurava para o
alto para que Katie pudesse vê-la.
— Ela está linda, Kristen — respondeu Katie. — Esse
vestido é novo?
— Não, eu o ganhei faz algum tempo. Mas ela não o usou
nos últimos dias.
— Qual é o nome dela?
— Vanessa — disse ela.
“Vanessa”, pensou Alex.
Quando ele elogiasse Vanessa mais tarde, pareceria um pai bem mais atencioso.
— Foi você que deu esse nome a ela?
— Não, ela já veio com esse nome. Pode me ajudar a
calçar as botas nela? Eu não consigo puxá-las até os joelhos.
Alex observava quando Kristen entregou a boneca para
Katie e quando a cliente começou a calçar a boneca com as botas de plástico
flexível. Por experiência própria, Alex sabia que era mais difícil do que
parecia. Uma garotinha não teria condições de puxar as botas para que se
encaixassem. Ele teve dificuldades para fazer aquilo, mas, de algum modo, Katie
fez com que tudo parecesse bem fácil. Ela devolveu a boneca e perguntou: — O
que acha?
— Está linda. Você acha que seria bom colocar um casaco
nela?
— Não está tão frio lá fora.
— Eu sei, mas Vanessa é meio friorenta às vezes. Eu
acho que ela vai precisar de um.
A cabeça de Kristen sumiu por trás do balcão e logo
voltou a aparecer. — Qual ficaria melhor nela? Um azul ou um roxo?
Katie colocou um dedo na boca, analisando os casacos
com uma expressão séria. — Acho que o roxo vai ficar mais bonito.
Kristen assentiu. — É o que eu estava pensando também.
Obrigada.
Katie sorriu antes de desviar o olhar, e Alex
concentrou sua atenção nas mercadorias antes que ela percebesse que ele a
observava. Com o canto dos
olhos, ele viu Katie pegar uma pequena cesta de compras antes de ir para um
outro corredor.
Alex voltou para o balcão da caixa registradora.
Quando ela o viu, ele acenou amigavelmente. — Bom dia.
— Oi — ela tentou colocar uma mecha de cabelo por trás
da orelha, mas era curta demais para ficar no lugar. — Só preciso pegar algumas
coisas.
— Me avise se não conseguir encontrar algo de que
precisa. Às vezes os produtos são remanejados.
Ela fez que sim com a cabeça antes de continuar a
andar pelo corredor. Quando Alex assumiu seu posto atrás da caixa registradora,
ele deu uma rápida olhada na tela do monitor. Josh estava pescando no mesmo
lugar enquanto um barco se aproximava lentamente do ancoradouro.
— O que você acha, papai? — perguntou Kristen enquanto
puxava a barra das calças dele com uma mão e segurava a boneca com a outra.
— Oh, ela está linda — disse Alex, agachando-se ao
lado dela. — E
gostei bastante do casaco também. Vanessa é meio
friorenta, não é?
— É, sim. Mas ela me disse que quer brincar no
balanço, então provavelmente vai ter que se trocar.
— É uma ótima ideia. Talvez possamos ir ao parque
depois do almoço. Se você quiser brincar no balanço também — propôs Alex.
— Não quero brincar no balanço. É a Vanessa que quer.
E é só no faz de conta, papai.
— Ah, tudo bem — disse
ele, levantando-se. “Lá se vai o passeio no parque”, pensou ele.
Perdida em seu próprio mundo, Kristen começou a despir
a boneca novamente. Alex deu uma olhada no monitor para ver onde Josh estava,
bem no momento em que um adolescente entrou na loja, trajando apenas uma
bermuda. Ele lhe entregou um maço de notas.
— Para a bomba de gasolina no ancoradouro — disse ele,
antes de correr para fora. Alex registrou a compra da gasolina e acionou a
bomba enquanto Katie vinha até a caixa registradora. Quando ela olhou por
cima do balcão para ver onde Kristen estava, Alex percebeu a mudança da cor dos
olhos dela.
— Encontrou tudo o que precisava?
— Sim, obrigada.
Ele começou a guardar as compras que ela fez em uma
sacola plástica. — Meu livro favorito de Dickens é Grandes esperanças —
disse ele, tentando parecer amistoso enquanto colocava os produtos na sacola. —
Qual é o seu?
Em vez de responder imediatamente, ela pareceu se
assustar por ele ter lembrado que ela havia dito que gostava de Dickens.
— Um conto de duas cidades — respondeu ela, com
a voz suave.
— Gostei desse também. Mas é uma história triste.
— Sim. É por isso que eu gosto dela.
Como ele sabia que ela
voltaria para casa a pé, ele colocou mais uma sacola ao redor da primeira.
— Eu imagino que, como você já conhece a minha filha,
é hora de eu me apresentar. Meu nome é Alex. Alex Wheatley.
— O nome dela é senhorita Katie — disse Kristen por
trás dele. — Mas eu já lhe falei isso, não lembra?
Alex olhou para Kristen por cima do seu ombro. Quando
se voltou para Katie, ela estava sorrindo enquanto lhe entregava o dinheiro.
— Apenas Katie — disse ela.
— Prazer em conhecê-la, Katie.
Ele tocou nas teclas e a gaveta da registradora se
abriu com o som de uma sineta. — Imagino que você more aqui perto.
Ela nunca conseguiu responder. Em vez disso, quando
Alex olhou para cima, percebeu que os olhos dela haviam se arregalado pelo
medo. Virando-se para trás, ele percebeu o que ela havia visto no monitor que
estava atrás dele: Josh havia caído na água, ainda vestindo suas roupas, e se
debatia, agitando os braços em pânico. Alex sentiu sua garganta se fechando
repentinamente e começou a se mover por instinto. Ele saiu correndo de trás do
balcão, passando em disparada pela loja e pelo depósito. Ao abrir a porta,
esbaforido, esbarrou em um caixote de toalhas de papel, derrubando-o no chão,
mas não diminuiu o passo.
Alex abriu a porta dos fundos com toda a força,
sentindo a adrenalina lhe correr pelo corpo enquanto saltava por sobre alguns
arbustos, encurtando o caminho até o ancoradouro. Chegou sobre a estrutura de madeira
correndo a toda velocidade. Quando tomou impulso e saltou, Alex conseguiu ver
Josh na água, agitando os braços.
Com o coração batendo forte contra as costelas, Alex
voou pelo ar e atingiu a água bem perto de onde Josh estava. A profundidade não
era grande — menos de dois metros, ele imaginava — e, ao sentir os pés
encostarem no fundo lamacento, afundou até os tornozelos. Ele lutou para voltar
à superfície e sentiu a pressão nos seus braços quando os estendeu para pegar
Josh.
— Pronto, peguei você! — gritou ele. — Peguei você!
Mas Josh estava se debatendo e tossindo, sem conseguir
recobrar o fôlego. Alex teve que se esforçar para contê-lo enquanto o trazia de
volta para a parte mais rasa da água. Depois, com um esforço imenso, levou Josh
para a margem coberta pela grama, com as alternativas lhe correndo pela
mente: massagem cardíaca, respiração boca a boca, ou tentar forçar Josh a
expelir a água que havia engolido. Alex tentou fazer com que o filho deitasse
de costas, mas o menino resistia. Ele se debatia e tossia, e embora ambos ainda
estivessem dominados pelo pânico, aquela reação significava que Josh ficaria
bem.
Alex não sabia quanto tempo levara — talvez apenas
alguns segundos, mas parecia ter demorado bem mais —, até que Josh finalmente, ao tossir, cuspisse um jato d’água e pela primeira vez conseguiu
recobrar o fôlego. Ele respirou fundo e voltou a tossir; inalou mais uma vez e
tossiu novamente, embora, desta vez parecesse mais como se ele estivesse
limpando a garganta. Ele puxou o ar mais algumas vezes, ainda afetado pelo pânico,
e foi somente então que o garoto pareceu perceber o que havia acontecido.
Ele se aproximou de seu
pai e Alex o abraçou com força. Josh começou a chorar, com os ombros tremendo.
Alex sentiu seu estômago embrulhar ao pensar no que poderia ter acontecido. E
se ele não tivesse percebido que Katie estava olhando para o monitor? E se mais
um minuto tivesse se passado? As respostas para aquelas perguntas faziam com
que ele tremesse tanto quanto Josh.
Depois de alguns minutos, o choro de Josh começou a
diminuir e ele disse suas primeiras palavras desde que Alex o tirou da água.
— Me desculpe, papai — disse ele, entre soluços.
— Me desculpe também — sussurrou Alex. Ele continuou
abraçando seu filho, temendo que, se ele o soltasse, de algum modo o tempo
começasse a retroceder e que, se aquilo acontecesse de novo, o resultado
pudesse ser diferente.
Quando finalmente conseguiu afrouxar os braços ao
redor de Josh, Alex viu que havia um grupo de pessoas olhando para eles atrás
da loja. Roger estava lá, assim como os clientes que estavam comendo perto da
churrasqueira. Outros dois clientes esticavam os pescoços, provavelmente
recém-chegados. E, é claro, Kristen estava lá também. Ele repentinamente voltou
a se sentir um pai terrível, porque ele viu que sua garotinha estava chorando,
com medo, e precisando dele, mesmo que estivesse aninhada nos braços de
Katie.
***
ALEX SÓ CONSEGUIU ENTENDER o
que havia acontecido depois que ele e Josh se trocaram e vestiram roupas secas.
Roger havia preparado hambúrgueres e batatas fritas para as crianças e todos
estavam sentados em uma mesa na área ao redor da churrasqueira, embora nenhum
deles estivesse com o menor apetite.
— A linha do meu anzol se
enroscou no barco quando ele estava saindo do ancoradouro e eu não queria
perder minha varinha de pesca. Eu achei que a linha fosse arrebentar, mas ela
me puxou para o rio e eu engoli muita água. Não consegui respirar e parecia que
tinha alguma coisa me puxando para baixo — disse Josh, hesitando por um
momento. — Acho que deixei a vara cair no rio.
Kristen estava sentada ao lado dele, com os olhos
ainda vermelhos e inchados. Ela havia pedido que Katie ficasse um pouco com
ela, e Katie continuava ao seu lado, ainda segurando sua mão.
— Está tudo bem. Eu vou até lá daqui a pouco e, se não
conseguir encontrá-la, pegamos outra para você. Mas se isso acontecer de novo,
deixe a vara ir embora, certo?
Josh respirou fundo e assentiu. — Me desculpe.
— Foi um acidente — disse Alex, para tranquilizá-lo.
— Mas você não vai mais me deixar pescar.
“E me arriscar novamente a perdê-lo?”, pensou Alex.
“De jeito nenhum”. Em vez disso, ele preferiu dizer: — Vamos conversar sobre
isso mais tarde.
— E se eu prometer que vou soltar a vara da próxima
vez?
— Como eu disse, vamos conversar sobre isso mais
tarde. Agora, por que não come alguma coisa?
— Não estou com fome.
— Eu sei. Mas estamos na hora do almoço e você precisa
comer.
Josh pegou uma das batatas
fritas e mordeu um pequeno pedaço, mastigando-a mecanicamente. Kristen fez o mesmo.
Na mesa, ela quase sempre imitava os movimentos de Josh. Aquilo era o bastante
para irritar Josh, mas ele não parecia ter qualquer energia sobrando para
protestar.
Alex se virou para Katie. Ele engoliu em seco,
sentindo-se repentinamente nervoso. — Posso conversar com você por um minuto?
Ela se levantou da mesa e ele a levou para longe das
crianças. Quando estavam longe o bastante para que os meninos não pudessem
ouvi-lo, ele limpou a garganta.
— Quero agradecê-la pelo que fez.
— Eu não fiz nada — protestou ela.
— Fez, sim. Se você não estivesse olhando para o
monitor, eu nunca iria saber o que estava acontecendo. Talvez eu não o tivesse
alcançado a tempo — disse Alex. Ele parou por um momento. — E obrigado por
cuidar de Kristen. Ela é a coisa mais doce e carinhosa no mundo, mas é bastante
sensível. Fico feliz por você não ter deixado que ela ficasse sozinha. Mesmo
quando tivemos que subir e trocar de roupa.
— Eu fiz o que qualquer pessoa faria — insistiu Katie.
No silêncio que se seguiu, ela repentinamente percebeu o quanto estava próxima
de Alex e deu um pequeno passo para trás. — Olhe, acho que é hora de eu ir.
— Espere — disse Alex. Ele foi até os refrigeradores
no fundo da loja. — Você gosta de vinho?
Ela balançou a cabeça. — Às vezes, mas...
Antes que ela pudesse
concluir a frase, ele se virou e abriu a porta, retirando uma garrafa de
chardonnay.
— Por favor, eu gostaria que você aceitasse. Este é um
ótimo vinho. Eu sei que você não imaginaria encontrar uma boa garrafa de vinho
aqui, mas, quando estava no exército, eu fiz um amigo que me ensinou a
apreciar. Apesar de ser amador, o considero um espcialista, e é ele quem
escolhe os vinhos que eu vendo. Tenho certeza de que você vai gostar.
— Você não precisa fazer isso.
— É o mínimo que eu posso fazer — disse ele, abrindo
um sorriso.
— É uma forma de dizer obrigado.
Pela primeira vez desde que se conheceram, ela olhou
nos olhos dele e não desviou o olhar.
— Tudo bem — disse ela, finalmente.
Depois de pegar suas compras, ela saiu da loja. Alex
voltou para a mesa. Depois de um pouco mais de persuasão, Josh e Kristen
terminaram de almoçar, enquanto Alex foi até o ancoradouro para buscar a vara
de pescar. Quando ele voltou, Joyce já estava amarrando seu avental e Alex pôde
levar as crianças para um passeio de bicicleta. Depois, todos entraram no carro
e foram para Wilmington, onde viram um filme e comeram pizza, as atividades
antigas e infalíveis quando é necessário passar o tempo com crianças. O Sol já
havia se posto e eles estavam cansados quando voltaram para casa. Assim, depois de um banho e de vestirem seus pijamas, Alex se deitou entre os dois na
cama durante uma hora, lendo-lhes histórias, até finalmente apagar as luzes.
Na sala de estar, ele ligou a televisão e correu pelos
canais por algum tempo, mas não estava muito disposto a assistir o que quer
que fosse. Em vez disso,
voltou a pensar em Josh. Embora soubesse que seu filho estava em segurança no
quarto, ele sentiu um arrepio, o mesmo medo que sentira antes. A mesma sensação
de haver fracassado. Ele estava fazendo o melhor que podia e ninguém era
capaz de amar seus filhos mais do que ele. Mesmo assim, não conseguia evitar
sentir que, de algum modo, aquilo não era o bastante.
Mais tarde, um bom tempo depois que Josh e Kristen
estavam dormindo, Alex foi até a cozinha e pegou uma cerveja na geladeira. Ele
a bebeu lentamente no sofá. As lembranças do dia estavam vivas na sua mente,
mas, desta vez, ele pensava em sua filha e na maneira como ela se agarrava a
Katie, seu pequeno rosto enterrado no pescoço dela.
A
última vez que ele vira aquilo fora quando Carly ainda estava viva.
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