Capítulo 5
A MANHÃ DE SÁBADO chegou trazendo céu azul,
mas logo as nuvens começaram a se formar. Cinzentas e pesadas, elas se formavam
e se agrupavam ao mesmo tempo que o vento soprava cada vez mais forte. A
temperatura começou a cair e, quando Katie saiu de casa, ela teve que vestir
uma blusa de moletom. A loja ficava a cerca de três quilômetros de sua casa, um
percurso de aproximadamente meia hora de caminhada vigorosa, e ela sabia que
teria que se apressar se não quisesse que a chuva a apanhasse.
Katie chegou à estrada principal assim que ouviu o
ribombar dos trovões. Ela acelerou o passo, sentindo o ar ficar mais denso à
sua volta. Um caminhão passou correndo no asfalto, deixando uma nuvem de poeira
atrás de si, e Katie foi até o canteiro central que dividia as duas pistas. O
ar cheirava ao sal que vinha do oceano. Acima dela, um gavião de cauda vermelha
flutuava intermitente nas correntes de ar ascendentes, testando a força do
vento.
O ritmo constante dos seus passos distraiu sua mente,
e ela se viu refletindo sobre a conversa com Jo. Não as histórias que ela havia
contado, mas algumas das coisas que Jo havia dito a respeito de Alex.
Acabou por decidir que Jo
não sabia do que estava falando. Enquanto Katie estava simplesmente tentando
conversar, Jo havia distorcido suas palavras e transformado-as em algo que
não era realmente verdadeiro. Alex certamente parecia ser uma boa pessoa e,
como Jo disse, Kristen era muito doce e meiga, mas ela não estava interessada
nele. Ela mal o conhecia. Desde que Josh havia caído no rio, eles mal
haviam trocado algumas palavras, e a última coisa que ela queria era entrar em
um relacionamento, qualquer que fosse.
Assim, por que ela tinha a sensação de que Jo estava
tentando fazer com que eles ficassem juntos?
Ela não sabia ao certo, mas, para ser honesta, aquilo
não lhe importava. Estava feliz pelo fato de que Jo viria até sua casa
naquela noite. Duas amigas, compartilhando uma garrafa de vinho... não era algo
tão especial assim, ela sabia. Outras pessoas, outras mulheres, faziam aquele
tipo de coisa o tempo todo. Katie franziu a testa. Tudo bem, talvez não o tempo
todo, mas a maioria delas provavelmente sabia que podia fazer aquilo se
quisessem, e ela supunha que aquela era diferença entre ela própria e as outras
pessoas. Quanto tempo fazia desde que havia feito algo que parecesse normal?
Desde sua infância, admitiu Katie para si mesma. Desde
aqueles dias em que ela colocara moedas sobre os trilhos. Mas ela não havia
contado toda a verdade a Jo. Não dissera a ela que ia até o lugar onde o trem
passava para fugir do som das discussões de seus pais, das vozes arrastadas que
se insultavam mutuamente. Não contou a Jo que havia sido pega no fogo cruzado
mais de uma vez e que, quando tinha 12 anos, fora atingida por um enfeite de
vidro que seu pai lançara contra sua mãe. O objeto lhe causou um corte na
cabeça que sangrou por várias horas, mas nem a mãe nem o pai demonstraram
qualquer interesse em levá-la para o hospital. Não disse a Jo que seu
pai era cruel quando
estava bêbado, ou que ele nunca convidara qualquer pessoa, nem mesmo Emily,
para visitar sua casa. Ou que não conseguiu ir para a faculdade porque seus
pais achavam que era um desperdício de tempo e dinheiro. Ou que eles a
expulsaram de casa no dia em que ela terminou o ensino médio.
Ela pensou que talvez pudesse contar aquilo a Jo. Ou
talvez não contasse. Não era tão importante. E daí que ela não tivera a melhor
das infâncias? Sim, seus pais eram alcoólatras e frequentemente estavam
desempregados, mas, ignorando o incidente com o enfeite de vidro, eles nunca
chegaram a machucá-la. Não, ela nunca ganhou um carro ou teve festas de
aniversário, mas nunca foi para a cama sem jantar. E, quando o outono chegava,
independente da situação financeira da família, ela sempre ganhava roupas
novas para ir à escola. Talvez seu pai não fosse o melhor homem do mundo, mas
ele não vinha até seu quarto na calada da noite para fazer coisas horríveis
com ela — coisas que ela sabia que haviam acontecido com algumas amigas. Aos
18 anos, ela não se considerava uma pessoa traumatizada. Talvez um pouco
decepcionada por não ter cursado uma faculdade e nervosa por ter que encontrar
seu caminho sozinha no mundo, mas não traumatizada além de qualquer possibilidade
de recuperação. E ela havia conseguido. As coisas não foram tão ruins em
Atlantic City. Ela conheceu alguns bons rapazes e ainda se lembrava de mais de
uma noite que passara rindo e conversando com os amigos do trabalho até o dia
amanhecer.
Não, insistiu ela consigo mesma. Sua infância não
havia definido sua vida, nem tinha algo a ver com a razão pela qual ela se
mudara para Southport e, embora Jo fosse a coisa mais próxima de uma amiga que
ela tinha na cidade, essa amiga não sabia absolutamente nada sobre sua vida.
Ninguém sabia.
***
— OI, SENHORITA KATIE —
disse Kristen, ainda sentada em sua mesinha de desenho.
Não havia nenhuma boneca aquele dia. Em vez disso, ela
estava curvada sobre um livro de colorir, com bastões de giz de cera nas mãos,
trabalhando em uma imagem de unicórnios sob um arco-íris.
— Oi, Kristen. Como você está?
— Estou bem.
Kristen tirou os olhos do livro de colorir e olhou
para Katie.
— Por que você sempre vem a pé para cá?
— Por que você sempre vem a pé para cá?
Katie analisou a pergunta por um momento e depois deu
a volta no balcão, agachando-se para ficar da mesma altura que Kristen.
— Porque não tenho um carro.
— Porque não tenho um carro.
— Por que não?
“Porque não tenho habilitação”, pensou Katie. “E mesmo
que eu tivesse, não tenho dinheiro para comprar ou manter um carro”.
— Bem, vou lhe dizer o que farei. Vou pensar em comprar um, certo?
— Bem, vou lhe dizer o que farei. Vou pensar em comprar um, certo?
— Certo — disse ela. E estendeu o livro de colorir
para Katie. — Você gostou do meu desenho?
— Está bonito. Você está fazendo um ótimo trabalho.
— Obrigada. Vou lhe dar esta folha quando eu terminar.
— Não precisa fazer isso.
— Eu sei — disse ela, com
uma autoconfiança encantadora. — Mas eu quero que você fique com ela. Você pode
colocá-la na porta da sua geladeira.
Katie sorriu e se levantou.
— Era exatamente nisso que eu estava pensando.
— Era exatamente nisso que eu estava pensando.
— Precisa de ajuda com as compras?
— Acho que consigo cuidar disso sozinha hoje. Assim
você pode terminar de colorir.
— Tudo bem — concordou Kristen.
Ao pegar uma cesta de compras, Katie viu que Alex se
aproximava. Ele acenou para ela e, embora não fizesse sentido, ela teve a
sensação de que aquela era a primeira vez que realmente prestava atenção nele.
Embora seu cabelo fosse grisalho, havia apenas algumas poucas linhas de
expressão ao redor dos olhos dele que, de algum modo, realçavam a aura de vitalidade
que ele tinha ao seu redor. Os ombros dele eram mais largos do que a cintura, e
ela teve a impressão de que Alex era um homem que não exagerava na comida nem
na bebida.
— Oi, Katie. Como está?
— Estou bem. E você?
— Tudo tranquilo — disse ele, abrindo um sorriso. — É
ótimo ver você. Eu queria lhe mostrar uma coisa.
Alex apontou para o monitor e ela viu que Josh estava
sentado no ancoradouro atrás da loja, segurando sua vara de pescar.
— Você deixou que ele
voltasse a pescar? — perguntou ela.
— Percebeu o colete que ele está usando?
Ela se aproximou do monitor, apertando os olhos. — Um
colete salva-vidas?
— Eu demorei um pouco para achar um que não fosse
desajeitado ou quente demais para ele, mas esse é perfeito. E, para falar a verdade,
eu não tive escolha. Você não faz ideia do quanto ele estava triste sem poder
pescar. Nem tenho como enumerar quantas vezes ele me implorou para que eu o
deixasse voltar para a doca. Não conseguia mais suportar aquilo, então pensei
que esta seria uma boa solução.
— Ele não se importa em usar o colete?
— Uma das novas regras da casa. Ou usa o colete ou
fica sem pescar. Mas eu não acho que ele se importe.
— E ele chega a pescar alguma coisa?
— Não tanto quanto gostaria, mas, às vezes, ele pega
alguns peixes, sim.
— E vocês os comem?
— Às vezes. Mas Josh geralmente os joga de volta na
água. Ele não se importa de pescar o mesmo peixe várias vezes.
— Fico feliz por você ter encontrado uma solução.
— Um pai mais previdente teria pensado nisso antes que
um acidente acontecesse.
Pela primeira vez, ela
olhou para ele.
— Tenho a impressão de que você é um ótimo pai.
— Tenho a impressão de que você é um ótimo pai.
Seus olhos se encontraram e ambos se observaram por um
momento, antes que ela se forçasse a desviar o rosto. Alex, sentindo o desconforto
dela, começou a mexer nas coisas que estavam atrás do balcão.
— Tenho uma coisa para você — disse ele, tirando uma
sacola de trás da caixa registradora e colocando-a sobre o balcão. — Há uma
pequena fazenda que me fornece alguns produtos e eles têm uma estufa.
Conseguem cultivar algumas coisas em épocas que outras empresas não conseguem.
Ontem eles trouxeram alguns legumes frescos. Tomates, pepinos e alguns tipos
diferentes de abobrinhas. Talvez você queira experimentá-los. Minha esposa
jurava que eram os melhores que ela já havia comido.
— Sua esposa?
Ele balançou a cabeça. — Ah, me desculpe. Ainda faço
isso às vezes. Estava me referindo à minha esposa, já falecida. Ela morreu há
alguns anos.
— Eu lamento — murmurou ela, enquanto sua mente repassava
a conversa que teve com Jo.
Qual é a história dele? Seria melhor que você perguntasse a ele. Aquela
fora a resposta de Jo.
Era óbvio que Jo sabia que a esposa dele havia
morrido, mas não dissera nada a respeito. Estranho.
Alex não percebeu que ela
estava pensando na conversa que tivera no dia anterior.
— Obrigado — disse ele,
com a voz um pouco estrangulada. — Ela era uma ótima pessoa. Tenho certeza de
que você teria gostado dela — completou Alex. Uma expressão saudosa lhe
cruzou o rosto.
— De qualquer forma, ela sempre elogiou aquele lugar.
Eles trabalham com alimentos orgânicos e a família ainda colhe os legumes
manualmente. Em geral, os produtos deles desaparecem logo depois que chegam,
mas eu separei alguns para você, se quiser experimentá- los — comentou ele,
sorrindo. — Além disso, você é vegetariana, não é? Os vegetarianos adoram estes
legumes. Eu garanto.
Katie olhou para ele, apertando os olhos. — Por que
você acha que eu sou vegetariana?
— Não é?
— Não.
— Acho que me enganei, então — disse ele, colocando as
mãos nos bolsos.
— Tudo bem. Já me acusaram de fazer coisas piores.
— Duvido muito.
“Não
duvide”, pensou ela.
— Bem, acho que vou levar os legumes. Obrigada.
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