Capítulo 6
Muito embora ‘’pular para conclusões precipitadas’’ seja uma
expressão e não uma atividade física, trata-se de algo tão perigoso quanto
pular de um penhasco, pular na frente de um trem em movimento e pular de
alegria. Se você pula de um penhasco, tem fortes probabilidades de vivenciar
uma aterrissagem dolorosa a não ser que haja algo abaixo de você para amortecer
a queda, como uma massa de água ou uma imensa pilha de lenços de papel. Se você
pula na frente de um trem em movimento, tem fortes probabilidades de vivenciar
uma viagem dolorosa a não ser que esteja usando algum tipo de roupa à prova de
trens. E se você pula de alegria, tem fortes probabilidades de vivenciar um
galo doloroso na cabeça a não ser que se certifique antes de estar em um lugar
com pé-direito muito alto, coisa que as pessoas muito alegres raramente fazem.
É claro que a solução para qualquer coisa que envolva pular é certificar-se de
estar pulando para um lugar seguro, ou então não pular de todo.
Mas é difícil não pular de todo quando você está pulando para
conclusões precipitadas, e é impossível se certificar de estar pulando para um
lugar seguro, pois, quando está ‘’pulando para conclusões precipitadas’’ você
simplesmente está acreditando que alguma coisa é verdade mesmo que de fato não
saiba se é verdadeiramente verdade.
Quando os órfãos Baudelaire ouviram das três mulheres do Conselho
dos Anciãos de C.S.C. que o conde Olaf tinha sido capturado, eles ficaram tão
alvoroçados que imediatamente pularam para a conclusão precipitada de que era
verdade.
— É verdade — disse uma das
Anciãs, o que não ajudou em nada. — Chegou
um homem à cidade esta manhã, com uma sobrancelha única e a tatuagem de um olho
no tornozelo.
— Só pode ser o conde Olaf —
disse Violet pulando para conclusões precipitadas.
— Claro que é — disse a
segunda mulher do Conselho. — Ele
combinava com a descrição que o Sr. Poe nos forneceu, portanto o prendemos
imediatamente.
— Então é verdade — disse
Klaus juntando-se à irmã no pulo. — Vocês
realmente capturaram o conde Olaf.
— Claro que é verdade —
disse impaciente a terceira mulher. — Nós
até contatamos O Pundonor Diário, e eles vão publicar uma matéria sobre isso.
Logo o mundo inteiro vai saber que o conde Olaf foi finalmente capturado.
— Viva! — gritou Sunny, a
última Baudelaire a pular para conclusões precipitadas.
— O Conselho dos Anciãos
convocou uma reunião especial — disse a mulher que parecia ser a mais anciã das
Anciãs. Seu chapéu de corvo bamboleava de excitação quando ela falava. — Todos os cidadãos devem comparecer
imediatamente à Prefeitura, para discutir o que deverá ser feito com ele.
Afinal, a Regra nº 19833 reza claramente que nenhum vilão será permitido dentro
dos limites da cidade. A punição usual por quebrar a regra é ser queimado na
fogueira.
— Queimado na fogueira? —
disse Violet.
— É claro — disse uma
Anciã. — Sempre que capturamos alguém
que quebra regras, amarramos em uma estaca de madeira e acendemos uma fogueira
aos seus pés. Foi por isso que adverti vocês sobre o número de nozes no meu
sundae com cobertura de chocolate. Seria uma pena ter de queimar vocês na
fogueira.
— Quer dizer que o castigo
é o mesmo, não importa que regra você quebrou? — perguntou Klaus.
— É claro — respondeu outra
Anciã. — A Regra nº 2 reza claramente
que qualquer pessoa que quebre uma regra deve ser queimada na fogueira. Se nós
não queimarmos na fogueira uma pessoa que quebra regras, estaríamos quebrando
regras nós mesmos, e alguém teria de nos queimar na fogueira. Entenderam?
— Mais ou menos — disse
Violet, embora na verdade não tivesse entendido nada. Nenhum dos Baudelaire
entendeu. Embora desprezassem o conde Olaf, as crianças não gostaram da idéia
de queimá-lo na fogueira. Queimar um vilão na fogueira mais parecia algo que um
vilão faria, e não algo que fosse feito por cultores de corvídeos.
— Mas o conde Olaf não é só
um violador de regras — disse Klaus escolhendo as palavras com muito cuidado. — Ele cometeu toda sorte de crimes horríveis.
Parece que seria melhor entregá-lo às autoridades, em vez de queimá-lo na
fogueira.
— Bem, eis aí algo sobre o
que poderemos falar na reunião — disse uma das mulheres do Conselho, — e é
melhor nos apressarmos, senão chegaremos atrasados. Hector, desça dessa escada.
Hector não respondeu, mas desceu da escada e afastou-se do
Chafariz Corvídeo, seguindo as três mulheres do Conselho dos Anciãos, de olhos
grudados no chão o tempo todo. Os Baudelaire seguiram Hector, com frio na
barriga enquanto caminhavam através da cidade alta para a cidade baixa, onde os
corvos estavam empoleirados como na véspera, quando as crianças chegaram em
C.S.C. O frio na barriga era de alívio e excitação, pois acreditavam que o
conde Olaf tinha sido capturado, mas também de nervosismo e medo, porque
detestavam a idéia de que ele poderia ser queimado na fogueira. O castigo para
quem quebrasse as regras de C.S.C. lembrava aos Baudelaire a morte de seus
pais, e não lhes agradava a idéia de alguém ser incendiado, não importa o quão
vil fosse a pessoa. Era desagradável sentir alívio, excitação, nervosismo e
medo, tudo ao mesmo tempo, e quando eles chegaram à Prefeitura, as barrigas dos
órfãos Baudelaire estavam tão alvoroçadas quanto os corvos, que crocitavam e se
mexiam irrequietos, a perder de vista.
Quando o estômago de uma pessoa fica assim tão agitado, é bom
fazer uma pequena pausa para se deitar e talvez bebericar alguma coisa
efervescente, mas não havia tempo para essas coisas. As três mulheres do
Conselho seguiram na frente mostrando o caminho para um grande salão da
Prefeitura, decorado com retratos de corvos. O salão estava um pandemônio,
expressão que aqui significa ‘’cheio de Anciãos e cidadãos em pé discutindo por
todos os lados’’. Os Baudelaire perscrutaram o salão procurando algum sinal de
Olaf, mas não era possível ver ninguém por cima das cabeças de corvo
balouçantes.
— Temos de começar a
reunião! — gritou alguém do Conselho. — Anciãos,
aos seus lugares no banco. Cidadãos, aos seus lugares nas cadeiras de dobrar. —
Os cidadãos pararam imediatamente de
falar e se apressaram para os seus lugares, talvez com medo de ser queimados na
fogueira se não se sentassem suficientemente depressa. Violet e Klaus
sentaram-se ao lado de Hector, que ainda estava olhando para o chão em
silêncio, e ergueram Sunny para que ela pudesse ver.
— Hector, ponha a oficial
Luciana e o conde Olaf na plataforma para discussão — ordenou um Ancião
enquanto os últimos cidadãos se acomodavam.
— Não é preciso — bradou
uma voz arrogante vinda do fundo do salão, e as crianças se voltaram para ver a
oficial Luciana, com um grande sorriso vermelho debaixo do visor do capacete. — Posso ir à plataforma sozinha. Afinal, sou a
chefe de polícia.
— Isto lá é verdade — disse
um outro Ancião, e várias outras pessoas no banco balançaram os seus chapéus de
corvo concordando enquanto Luciana caminhava sem pressa até a plataforma, cada
uma de suas botas pretas produzindo um forte ruído surdo ao bater no chão
lustroso.
— Tenho o orgulho de dizer —
disse a oficial Luciana cheia de orgulho, — que já efetuei a primeira prisão da
minha carreira como chefe de polícia. Não é mesmo estupendo?
— Ouçam, ouçam! — gritaram
diversos cidadãos.
— E agora — continuou
Luciana, — vamos conhecer o homem que todos vocês estão doidinhos para queimar
na fogueira — o conde Olaf!
Com um gesto imponente, a oficial Luciana desceu da plataforma,
andou até o fundo do salão batendo as botas pretas no chão lustroso com um
ruído surdo, e arrancou de uma cadeira de dobrar um homem que parecia
apavorado. Ele estava usando um terno amarrotado com um grande rasgão no ombro
e um par de reluzentes abotoaduras de prata. Não estava usando sapatos nem
meias, e quando a oficial Luciana o trouxe marchando para a plataforma, as
crianças puderam ver que ele tinha um olho tatuado no tornozelo esquerdo,
exatamente como o conde Olaf. E quando ele virou a cabeça e correu os olhos
pelo salão, as crianças puderam ver que tinha uma única sobrancelha em vez de
duas, exatamente como o conde Olaf. Mas as crianças também puderam ver que ele
não era o conde Olaf. Não era alto como o conde Olaf, e não era tão magro, e
não havia sujeira embaixo das suas unhas, e nem um detestável e ganancioso
olhar nos seus olhos. Mas acima de tudo os Baudelaire puderam ver que ele não
era o conde Olaf, do mesmo modo como você seria capaz de dizer que um estranho
não é o seu tio, mesmo que ele esteja usando o mesmo casaco de bolinhas e a
peruca encaracolada que o seu tio sempre usou. Os três irmãos se entreolharam,
depois olharam para o homem que estava sendo arrastado para a plataforma, e se
deram conta, com um sentimento de humilhação, de que tinham pulado para
conclusões precipitadas quanto à captura de Olaf.
— Senhoras e senhores —
disse a oficial Luciana, — e órfãos, entrego-lhes o conde Olaf!
— Mas eu não sou o conde
Olaf! — gritou o homem. — Meu nome é
Jacques, e...
— Silêncio! — comandou um
dos membros do Conselho dos Anciãos que tinha a aparência mais perversa. — A Regra nº 920 reza claramente que ninguém
pode falar enquanto está na plataforma.
— Vamos queimá-lo na
fogueira! — gritou uma voz, e as crianças se voltaram para ver o Sr. Lesko em
pé, apontando para o homem trêmulo na plataforma. — Há muito tempo que não queimamos ninguém na
fogueira!
Diversos membros do Conselho menearam as cabeças.
— Bem observado — disse um deles.
— Ele é Olaf, sem dúvida —
bradou a Sra. Morrow do outro lado do salão. — Ele tem uma sobrancelha só em vez de duas, e
tem um olho tatuado no tornozelo.
— Mas muita gente tem uma
sobrancelha só — gritou Jacques, — e esta tatuagem faz parte do meu trabalho.
— E o seu trabalho é de
vilão! — bradou triunfante o sr. Lesko. — A Regra nº 19 833 reza claramente que nenhum
vilão será permitido dentro dos limites da cidade, portanto vamos queimar você
na fogueira!
— Ouçam, ouçam! — gritaram
várias vozes, concordando.
— Eu não sou vilão! — disse
Jacques, frenético. — Trabalho para os
voluntários...
— Já basta! — disse um dos
Anciãos mais jovens. — Olaf, você já foi
advertido quanto à Regra nº 920. Você não pode falar enquanto está na plataforma.
Algum outro cidadão deseja falar antes de fixarmos a data em que Olaf será
queimado na fogueira?
Violet levantou-se, o que não é uma coisa fácil de fazer quando a
sua cabeça ainda está girando, as suas pernas ainda estão bambeando e o seu
corpo ainda está zunindo de perplexidade.
— Eu quero falar — disse
ela. — A cidade de C.S.C. é minha
tutora, portanto eu sou uma cidadã.
Klaus, que estava segurando Sunny nos braços, levantou-se e tomou
lugar ao lado da irmã.
— Este homem — ele disse
apontando para Jacques, — não é o conde Olaf. A oficial Luciana cometeu um erro
ao prendê-lo, e nós não queremos tornar as coisas ainda piores queimando um
homem inocente na fogueira.
Jacques deu um sorriso de gratidão para as crianças, mas a oficial
Luciana voltou-se e foi batendo as botas pretas até onde estavam os Baudelaire.
As crianças não podiam ver seus olhos, pois o visor do capacete ainda estava
abaixado, mas os lábios vermelhos e brilhantes se torceram em um sorriso tenso.
— São vocês que estão
tornando as coisas piores — disse ela, e depois voltou-se para o Conselho dos
Anciãos.
— Obviamente, o choque de
ver o conde Olaf deixou estas crianças confusas — disse ela.
— É claro que deixou! —
concordou um Ancião. — Falando na
qualidade de membro da cidade que serve como sua tutora legal, digo que estas
crianças claramente precisam ser postas na cama. Agora, há algum adulto que
queira falar?
Os Baudelaire olharam para Hector, na esperança de que ele vencesse
o seu nervosismo e se levantasse para falar. Certamente ele não acreditava que
os três irmãos estavam confusos a ponto de não saber quem era o conde Olaf. Mas
Hector não se portou à altura da situação, uma expressão que aqui significa ‘’continuou
sentado em sua cadeira de dobrar com os olhos fixos no chão’’ e depois de um
instante o Conselho dos Anciãos deu o assunto por encerrado.
— Neste ato, dou o assunto
por encerrado — disse um Ancião. — Hector,
por favor, leve os Baudelaire para casa.
— Sim! — bradou alguém da
família Verhoogen. — Ponham os órfãos na
cama e queimem Olaf na fogueira!
— Ouçam, ouçam! — gritaram
várias vozes.
Um dos Anciãos do Conselho sacudiu a cabeça.
— E muito tarde para
queimar alguém na fogueira hoje — disse ele, e um murmúrio de desapontamento
correu pelos cidadãos. — Vamos queimar o
conde Olaf na fogueira logo depois do café-da-manhã — continuou ele. — Todos os moradores da cidade alta deverão
trazer tochas acesas, e todos os moradores da cidade baixa deverão trazer lenha
para acender o fogo e algum tipo de lanche saudável. Vejo vocês amanhã.
— E nesse meio-tempo —
anunciou a oficial Luciana, — vou mantê-lo na cadeia central, do outro lado do
Chafariz Corvídeo.
— Mas eu sou inocente! —
gritou o homem na plataforma. — Por
favor, me escutem, eu imploro! Não sou o conde Olaf! Meu nome é Jacques! — Ele
voltou-se para os três irmãos, que puderam notar que estava com lágrimas nos
olhos. — Oh, Baudelaires — disse ele, — estou tão aliviado em ver vocês vivos.
Os seus pais...
— Você já falou que chegue —
disse a oficial Luciana, tampando a boca de Jacques com a mão enluvada de
branco.
— Pipit! — gritou Sunny, o
que queria dizer ‘’Espere!’’, mas a oficial Luciana não ouviu, ou não deu
importância, e rapidamente arrastou Jacques porta afora antes que ele pudesse
dizer outra palavra. Os cidadãos se levantaram de suas cadeiras de dobrar para vê-lo
sair, e então começaram a falar entre eles enquanto o Conselho dos Anciãos deixava
o banco. Os Baudelaire viram o Sr. Lesko compartilhar uma piada com a família Verhoogen,
como se a noite inteira tivesse sido uma animada festa e não uma reunião em que
um inocente tinha sido condenado à morte. — Pipit! — gritou Sunny novamente, mas ninguém
deu ouvidos. Com os olhos ainda fixos no chão, Hector pegou Violet e Klaus pela
mão e os levou para fora da Prefeitura. O factótum não disse uma palavra, e nem
os Baudelaire. Seus estômagos estavam agitados demais e seus corações estavam
pesados demais até para abrir a boca. Quando saíram da reunião do Conselho sem
mais nenhum vislumbre de Jacques e da oficial Luciana, eles sentiram uma dor
ainda pior do que aquela de pular para conclusões precipitadas. As crianças se
sentiram com se tivessem pulado de um penhasco, ou pulado na frente de um trem
em movimento. Ao sair da Prefeitura para o ar tranquilo e silencioso da noite,
os órfãos Baudelaire se sentiram como se nunca mais fossem pular de alegria.
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