Capítulo 6
ENQUANTO KATIE FAZIA COMPRAS, Alex
tentava se ocupar, observando-a com o canto do olho. Ele organizou os objetos
que estavam sobre o balcão, deu uma olhada no monitor para ver como Josh
estava, examinou o desenho de Kristen e voltou a organizar as coisas que
estavam sobre o balcão, tentando fazer parecer que estava ocupado.
Ela havia mudado nas últimas semanas, com um leve
bronzeado típico do início do verão, e sua pele tinha um brilho rejuvenescido.
Também parecia menos insegura quando estava perto dele, e o que aconteceu hoje
foi um dos melhores exemplos. Não, aquela conversa cintilante não havia
despertado qualquer chama entre os dois, mas era um começo, não era?
Mas o começo do quê?
Desde o início, Alex sentira que Katie tinha
problemas, e sua resposta instintiva fora querer ajudar. E, é claro, ela era
bonita, apesar do corte de cabelo que não combinava com seu rosto e das roupas
que não valorizavam seu corpo. Mas fora a maneira como ela confortou Kristen no dia
em que Josh caiu na água que tocou verdadeiramente seu coração. E mais do que
isso, a reação de Kristen às atitudes de Katie. Ela buscou a proteção de Katie
como uma criança busca o colo da mãe.
Aquilo fez com que sentisse um nó na garganta,
lembrando-o de que ele sentia falta de ter uma esposa com a mesma intensidade
que seus filhos sentiam falta de ter uma mãe. Alex sabia que eles estavam
sofrendo, e ele tentava compensar da melhor maneira que podia. Mesmo assim, só
percebeu que a tristeza era apenas uma parte daquilo que eles sentiam quando
viu Katie e Kristen juntas. A solidão dos seus filhos era um reflexo da sua.
Ele ficou preocupado por não ter percebido aquilo antes.
Katie ainda representava um certo mistério para ele.
Havia um elemento que faltava, algo que vinha lhe incomodando. Ele a observava,
perguntando-se quem ela realmente era e o que a trouxera até Southport.
Ela estava em frente a um dos refrigeradores, algo que
nunca havia feito antes, estudando os produtos que estavam atrás da porta de
vidro. Katie tinha uma expressão séria no rosto, como se estivesse debatendo o
que comprar. Alex percebeu que os dedos da mão direita dela estavam se
movimentando ao redor do anular da mão esquerda, dedilhando um anel que não
estava ali. O gesto lhe trouxe algo familiar e que havia sido esquecido há
bastante tempo.
Era um hábito, um tique que ele percebeu durante os
anos em que passou trabalhando no DIC e que às vezes observava em mulheres
cujos rostos estavam desfigurados ou tinham hematomas aparentes. Elas
costumavam se sentar de frente para ele, compulsivamente tocando sua aliança
de casamento, como se fosse algemas que as prendiam aos maridos.
Geralmente, elas negavam que os maridos as haviam agredido e, nas raras
ocasiões em que admitiam a verdade, insistiam também que não fora culpa deles.
Diziam que haviam provocado a raiva dos maridos. Diziam que haviam queimado o
jantar, que não haviam lavado as roupas ou que eles haviam bebido. E sempre,
sempre, as mesmas mulheres juravam que era a primeira vez que aquilo lhes
acontecia e que não queriam prestar queixa porque a carreira dos maridos seria
arruinada. Todos sabiam que o exército agia com rigor contra maridos
agressivos.
As coisas eram diferentes com algumas delas, pelo
menos no começo. Algumas insistiam em prestar queixa. Ele começava a montar seu
relatório e as ouvia questionarem por que a burocracia e a papelada eram mais
importantes do que prender um homem que batia em sua esposa. Ou mais importante
do que fazer cumprir a lei. Ele redigia o relatório assim mesmo e lia para elas
suas próprias palavras antes de pedir que assinassem o documento. Às vezes,
era naquele momento que elas perdiam a coragem e ele notava a mulher
aterrorizada que estava por baixo da superfície enraivecida. Muitas acabavam
não assinando o relatório, e mesmo aquelas que o faziam mudavam de opinião
rapidamente quando seus maridos eram intimados para serem questionados. Aqueles
casos seguiam adiante, independente do que a esposa dissesse. E depois,
quando elas não compareciam para testemunhar, poucas punições eram
efetivamente cumpridas. Alex acabou compreendendo que apenas aquelas que insistiam em manter as queixas em caráter oficial conseguiam realmente se
livrar dos abusos, porque a vida que elas levavam era como uma prisão, mesmo
que a maioria daquelas mulheres não admitisse.
Ainda assim, havia outra maneira de escapar do horror
das suas vidas, embora, durante toda a sua carreira, Alex só conhecesse um
único caso de uma mulher que chegasse a fazer aquilo. Ele havia entrevistado a mulher uma
vez e ela executou a mesma rotina da maioria das outras, negando as agressões e
culpando a si mesma pelo que acontecera. Entretanto, cerca de dois meses
depois, ele soube que ela havia fugido. Não havia voltado para sua família nem
ido para a casa de algum amigo, mas se escondera em alguma outra parte do
mundo, um lugar onde nem mesmo seu marido conseguiria encontrá-la. O marido, perdido
em meio à fúria que o tinha dominado depois da fuga da esposa, havia
explodido após uma noite de bebedeira e agredira um dos guardas da base onde
servia, deixando-o coberto de sangue. Ele foi enviado a Leavenworth, e Alex se
lembrava de ter sorrido com satisfação quando ouviu o desfecho do caso. E,
quando se lembrou da esposa daquele homem, ele sorriu novamente, pensando:
“Bem feito”.
Agora, ao observar Katie dedilhando uma aliança que
não estava mais em seu dedo, ele sentiu que seus antigos instintos de investigação voltavam a funcionar. Houve um marido, pensou ele; o marido dela era o
elemento que faltava. Talvez ela ainda fosse casada, ou talvez não fosse. Mesmo
assim, Alex tinha um pressentimento inegável de que Katie ainda sentia medo
dele.
***
O CÉU EXPLODIU ENQUANTO ela
estava pegando um pacote de biscoitos. Relâmpagos cortaram o céu e alguns
segundos depois um trovão ressoou pelos ares, antes de finalmente se reduzir a
um ruído baixo e constante. Josh veio correndo para dentro da loja antes que a
chuva começasse a cair, trazendo sua caixa de iscas e anzóis e a varinha de
pesca. Seu rosto estava vermelho e ele estava arfando como um corredor que
havia atravessado a linha de chegada.
— Oi, papai.
Alex olhou para Josh. —
Conseguiu pescar alguma coisa?
— Só aquele bagre. O mesmo que eu sempre pesco.
— Vá descansar. Daqui a pouco iremos almoçar.
Josh voltou para o depósito e Alex o ouviu subindo os
degraus para a casa.
Do lado de fora, a chuva começou a cair com força e as
rajadas de vento faziam a água bater contra as janelas. Os galhos das árvores
se dobravam por causa do vento, curvando-se a uma força superior. O céu escuro
reluzia com os relâmpagos e um trovão rugiu no ar, forte o bastante para fazer
as janelas tremerem. Do outro lado da loja, Alex viu Katie gemer, com o rosto
contorcido em uma expressão de surpresa e terror. Ele imaginou se era daquele
jeito que seu marido a via antigamente.
A porta da loja se abriu e um homem entrou correndo,
respingando água nas tábuas do piso. Ele agitou as mangas para se livrar da
umidade e cumprimentou Alex antes de ir em direção à área da chapa e da
churrasqueira.
Katie se virou para a prateleira que tinha os
biscoitos. Alex não tinha uma variedade muito grande em estoque, apenas os
pacotes tradicionais de Ritz e Saltines, os únicos que os clientes compravam
regularmente. Ela pegou um pacote de Ritz.
Depois de pegar os produtos que geralmente costumava
comprar, os levou à caixa registradora. Quando Alex terminou de calcular o
valor das compras e de colocá-las nas sacolas plásticas, apontou para a sacola
que havia colocado no balcão quando Katie havia chegado.
— Não esqueça seus legumes.
Ela olhou para o total na
caixa registradora. — Tem certeza que está me cobrando o preço certo?
— É claro que tenho.
— O total não é maior do que o que costumo pagar pelas
minhas compras.
— Dei um desconto de cortesia, pela apresentação do
produto.
Ela fez uma expressão séria, sem saber se acreditava
no que ele dizia, até finalmente colocar a mão dentro da sacola. Ela pegou um
tomate e o trouxe até o nariz.
— O cheiro é ótimo.
— Eu comi alguns desses ontem à noite. São ótimos com
uma pitada de sal e os pepinos não precisam de nenhum condimento.
Ela concordou com a cabeça, mas seu olhar estava fixo
na porta. O vento estava jogando a água da chuva contra ela em rajadas furiosas. A porta se abriu com um rangido e a água lutava para entrar na loja. O
mundo além do vidro não passava de um borrão.
As pessoas estavam relaxando ao redor da churrasqueira.
Alex podia ouvi-las resmungando consigo mesmas, falando algo sobre esperar a
tempestade passar.
Katie tomou fôlego e pegou suas sacolas.
— Senhorita Katie! — gritou Kristen, quase como se
estivesse em pânico. Ela se levantou, agitando a folha de papel que havia
colorido, já destacada do livro. — Você quase esqueceu seu desenho.
Katie estendeu a mão para
pegar o desenho, abrindo um sorriso enquanto estudava a imagem. Alex sentiu-se
como — pelo menos por um instante — se todo o resto do mundo não tivesse mais
qualquer importância.
— Está lindo. Mal posso esperar para colocá-lo na
porta da minha geladeira.
— Vou colorir outro para você levar, da próxima vez
que vier aqui.
— Eu adoraria — disse Katie.
Kristen sorriu antes de voltar a se sentar em sua
mesa. Katie enrolou o desenho, certificando-se de que não o amassaria, e o
colocou cuidadosamente na sacola de compras. Raios e trovões voltaram a rugir,
quase simultaneamente desta vez. A chuva martelava o chão e o estacionamento
parecia um mar de poças. O céu estava mais escuro do que o céu da madrugada.
— Você sabe o quanto essa tempestade vai durar? —
perguntou ela.
— Ouvi no noticiário que ela iria durar o dia todo —
respondeu Alex.
Ela voltou a olhar pelo vidro da porta. Enquanto
decidia o que fazer, dedilhou novamente o anel que não estava mais em seu dedo.
Em meio ao silêncio, Kristen puxou a camisa de seu pai.
— Você podia levar a senhorita Kristen para casa —
disse ela. — Ela não tem carro e está chovendo muito.
Alex olhou para Katie, sabendo
que ela ouvira o que Kristen havia dito.
— Quer uma carona até sua casa?
Katie balançou a cabeça.
— Não precisa se incomodar,
está tudo bem.
— Mas e o seu desenho? Ele vai ficar todo molhado —
disse Kristen.
Quando Katie não respondeu ao argumento da menina,
Alex saiu de trás da caixa registradora.
— Vamos lá — disse ele, fazendo um
movimento com a cabeça em direção à porta. — Não há motivos para ficar
encharcada. Meu carro está nos fundos.
— Não quero incomodar...
— Não é incômodo algum — disse Alex, apalpando o bolso
para apanhar as chaves do carro antes de pegar as sacolas de compras de Katie.
— Deixe que eu as levo — disse ele, levantando-as. —
Kristen, meu bem, pode subir e dizer a Josh que estarei de volta em dez
minutos?
— Claro, papai.
— Roger? Dê uma olhada nas crianças e na loja por um
momento, por favor.
— Sem problemas — disse ele, com um aceno. Alex
apontou para os fundos da loja. — Vamos?
***
ELES SAÍRAM EM DISPARADA em
direção ao jipe, empunhando guarda-chuvas que se curvavam com a força da
ventania e do aguaceiro que teimava em cair. Os relâmpagos continuavam a riscar
o céu, iluminando as nuvens. Quando se acomodaram nos assentos, Katie passou a
mão no vidro para desembaçá-lo.
— Não achei que o tempo fosse ficar desse jeito quando
saí de casa.
— Ninguém imagina, até que a tempestade começa. Muitas
vezes falam que “o céu vai cair” na previsão do tempo, mas quando uma chuva
realmente forte cai, as pessoas estão desprevenidas. Se não for tão ruim quanto
a televisão previu, nós reclamamos. Se for pior do que esperávamos, nós
reclamamos. Se for tão ruim quanto esperávamos, aproveitamos para reclamar,
também, porque as previsões geralmente são erradas e não havia como saber que
elas estariam certas desta vez. É apenas mais uma razão para que as pessoas
reclamem.
— Como aquelas pessoas na área da churrasqueira?
Ele assentiu, abrindo um sorriso.
— Mas elas são boas
pessoas. Em sua maioria, são trabalhadoras, honestas e gentis. Qualquer um dos
que estavam ali poderia cuidar da loja para mim se eu pedisse a eles e tenho
certeza de que não faltaria nem um centavo no fechamento do caixa. É assim que
as coisas são nessa cidade. No fundo, as pessoas sabem que, em uma cidade
pequena como esta, todos precisamos uns dos outros. É ótimo saber disso. E
olhe que eu demorei um pouco para me acostumar com a ideia.
— Você não é daqui?
— Não. Minha esposa era. Eu nasci em Spokane. Quando
me mudei para cá, me lembro de pensar que nunca conseguiria morar em um lugar como este.
Afinal, é uma cidade pequena no sul dos Estados Unidos, um lugar que não se
importa com o que o resto do mundo pensa. Demora um pouco para se acostumar.
Mesmo assim, depois de um tempo, você começa a sentir um certo carinho pelo
lugar. Esta cidade me ajuda a manter minha atenção naquilo que é importante.
Katie perguntou com uma voz suave:
— E o que é
importante?
Ele deu de ombros.
— Depende de cada um, não é mesmo?
Mas, neste momento da minha vida, o que importa são meus filhos. Esta cidade é
o lar deles, e depois do que eles passaram, eles precisam de estabilidade.
Kristen precisa de um lugar para colorir seus desenhos e vestir suas bonecas.
Josh precisa de um lugar para pescar, e os dois precisam saber que estou por
perto sempre que for necessário. Esta cidade e a loja tornam tudo isso
possível. E, neste momento, é exatamente o que eu quero. É o que eu preciso.
Ele ficou em silêncio, sentindo-se culpado por ter
falado tanto.
— Ah, deixe-me perguntar... Para onde exatamente devo ir?
— Continue indo reto e entre em uma estrada de
cascalhos. Fica logo depois da curva.
— A estrada de cascalhos que ladeia a fazenda?
Katie
fez que sim com a cabeça.
— Essa mesma.
— Nem sabia que aquela estrada levava a algum lugar —
disse ele, franzindo a testa. — É uma boa caminhada. Imagino que sejam quase
três quilômetros.
— Não é tão ruim assim — retrucou ela.
— Talvez, quando o tempo
está bom. Mas em um dia como hoje, você teria que voltar para casa nadando. Não
há a menor condição de caminhar nesta chuva. E o desenho de Kristen ficaria
arruinado.
Ele notou um rápido sorriso quando mencionou o nome de
Kristen, mas Katie não disse nada.
— Alguém comentou que você trabalha no Ivan’s — disse
Alex. Katie assentiu. — Sim, desde março.
— E o que está achando?
— Não é ruim. É apenas um emprego, mas o dono do
restaurante me trata bem.
— Ivan?
— Você o conhece?
— Todos conhecem Ivan. Você sabia que todos os anos,
quando chega o outono, ele se veste como um general do exército confederado
para celebrar a famosa Batalha de Southport? Quando o general Sherman queimou
a cidade? É ótimo ver a encenação dele... Exceto pelo fato de que nunca houve
uma Batalha de Southport durante a Guerra Civil. Southport nem tinha esse nome
naquela época, o lugar era chamado de Smithville. E Sherman nunca esteve a
menos de 150 quilômetros daqui.
— É mesmo? — perguntou Katie.
— Não me entenda mal. Eu gosto do Ivan, ele é uma
ótima pessoa, além de o restaurante ser um dos lugares mais tradicionais da
cidade. Kristen e Josh adoram os bolinhos de chuva com canela que eles servem e Ivan sempre
nos recebe muito bem quando vamos lá. Mas já me apanhei imaginando qual é a
motivação dele. Sua família veio da Rússia, na década de 1950. Ele foi a
primeira pessoa da família que nasceu em solo americano. Provavelmente nenhum
dos parentes dele chegou a ouvir falar da Guerra Civil. Mas Ivan vai passar,
como sempre faz, um final de semana inteiro apontando sua espada e gritando
ordens para os soldados, bem no meio da rua, em frente ao tribunal.
— Por que nunca ouvi falar nisso?
— Porque não é algo sobre o qual as pessoas da cidade
gostam de falar. É meio... excêntrico, sabe? Até mesmo as pessoas daqui,
aquelas que realmente gostam dele, tentam ignorá-lo. Eles verão que Ivan está
brandindo sua espada no meio da cidade e vão dar meia- volta, dizendo coisas
como “Você percebeu como os crisântemos ao lado do tribunal estão bonitos?”.
Pela primeira vez desde que entrou no carro, Katie
sorriu. — Não sei se acredito em você.
— Não tem problema. Se você estiver por aqui em
outubro, vai ver com seus próprios olhos. Mas eu insisto, não me entenda mal.
Ele é um bom homem e o restaurante é ótimo. Depois de passarmos o dia na praia,
nós quase sempre vamos até lá para comer alguma coisa. Da próxima vez que
estivermos lá, vamos perguntar por você.
Ela hesitou.
— Tudo bem.
— Ela gosta de você — disse Alex. — Kristen.
— Eu também gosto dela. Ela é muito alegre e tem uma
personalidade linda.
— Vou dizer isso a ela.
Obrigado.
— Quantos anos ela tem?
— Cinco. Quando o outono chegar e ela começar a ir
para a escola, eu não sei o que vou fazer. A loja vai ficar muito silenciosa.
— Você vai sentir falta dela — observou Katie.
Alex assentiu.
— Vou sim, e muito. Eu sei que ela vai gostar
de ir à escola, mas gosto de tê-la por perto.
Enquanto ele falava, a chuva continuava a castigar as
janelas do carro. O céu se iluminava em meio aos relâmpagos e clarões, como se
estivesse iluminado por várias lâmpadas estroboscópicas, acompanhado por um
ribombar constante.
Katie olhou pela janela do lado do passageiro, perdida
em seus pensamentos. Ele esperou, sabendo que, de algum modo, ela quebraria o
silêncio.
— Por quanto tempo você foi casado? — perguntou ela,
finalmente.
— Cinco anos. E namoramos um ano antes disso. Eu a
conheci quando estava na base de Fort Briggs.
— Você serviu no exército?
— Sim, durante 10 anos. Foi uma boa experiência e não
me arrependo de ter servido. Ao mesmo tempo em que não me arrependo de ter me
desligado das forças armadas.
Katie apontou para a beira
da estrada.
— A entrada para minha rua fica logo adiante — disse ela.
Alex entrou na ruela e diminuiu a velocidade. O leito
de cascalhos da rua ficou encharcado durante a tempestade e a água respingava
até a altura do para-brisa. Enquanto ele se concentrava em guiar o carro em
meio às imensas poças que haviam se formado, Alex percebeu, repentinamente,
que aquela era a primeira vez que ele estava sozinho em um carro com uma mulher
ao seu lado desde que sua esposa havia morrido.
— Em qual delas você mora? — perguntou ele, apertando
os olhos para enxergar o contorno das duas cabanas.
— A da direita — disse ela.
Ele estacionou o mais próximo da entrada da casa que
conseguiu.
— Vou levar suas compras até a porta.
— Você não precisa fazer isso.
— Ah, você não sabe como meus pais me criaram — disse
ele, saindo do carro antes que ela pudesse reclamar. Alex pegou as sacolas e
correu para a varanda. Quando ele as deixou no chão e começou a agitar os
braços para se secar, Katie estava correndo em sua direção, segurando com
firmeza o guarda-chuva que ele havia lhe emprestado.
— Obrigada — disse ela em voz alta, tentando suplantar
o barulho da tempestade.
Quando ela lhe devolveu o guarda-chuva, ele balançou a
cabeça negativamente.
— Fique com ele por algum tempo. Ou para sempre. Não tem importância. Você
caminha bastante, então vai precisar dele.
— Eu posso pagar por ele... — começou ela.
— Não se preocupe.
— Mas é um produto da loja.
— Como eu disse, não se preocupe com isso. Mas, se
você não acha correto, traga o dinheiro da próxima vez que for à loja.
— Alex, eu estou falando sério e...
Ele não a deixou terminar de falar.
— Você é uma boa
cliente e eu gosto de ajudar meus clientes.
Ela demorou um momento para responder.
— Obrigada —
disse ela finalmente. Seus olhos, que agora haviam assumido um tom
verde-escuro, estavam fixos nos dele. — E obrigada por me trazer até em casa
também.
Ele abriu um sorriso.
— Sempre que precisar.
***
O QUE FAZER COM AS CRIANÇAS. Aquela
era a pergunta recorrente e impossível de responder, que ele precisava
enfrentar a cada fim de semana; como de costume, não tinha a menor ideia do que
fazer com os filhos naquele fim de semana.
Com a tempestade caindo furiosamente, sem qualquer
sinal de que fosse perder a força, qualquer atividade ao ar livre estava fora
de questão. Ele poderia levá-los ao cinema, mas não havia nenhum filme em
cartaz que pudesse interessar a ambos. Alex poderia simplesmente deixá-los se
divertirem sozinhos por algum tempo. Sabia que muitos pais faziam aquilo. No
entanto, seus filhos ainda eram pequenos, jovens demais para serem deixados
totalmente sozinhos. Além disso, eles já ficavam sozinhos por um bom tempo,
improvisando maneiras de se entreter, porque Alex precisava passar várias
horas por dias cuidando da loja. Ele ponderava as opções que tinha enquanto
fazia sanduíches de queijo quente, mas logo percebeu que sua mente insistia em
pensar em Katie. Embora ela estivesse obviamente se esforçando para passar
despercebida, ele sabia que aquilo era algo quase impossível em uma cidade como
Southport. Ela era bonita demais para se misturar com as pessoas dali, e quando
as pessoas percebessem que ela não tinha carro e que sempre ia a pé para
qualquer lugar que precisasse, seria inevitável que começassem a falar sobre
isso. E perguntas sobre seu passado não tardariam a surgir.
Ele não queria que isso acontecesse. Não por razões
egoístas, mas porque ela tinha o direito de levar a vida do jeito que quisesse,
especialmente por ter sido esse o motivo que a trouxera a Southport. Uma vida
normal, de prazeres simples. O tipo de vida que a maior parte das pessoas nem
percebia que existia: poder ir a qualquer lugar que ela quisesse, a qualquer
hora e morar em uma casa onde ela se sentisse segura. Mas ela também
precisava de um meio de transporte.
— Ei, crianças — disse ele, colocando os sanduíches em
dois pratos. — Tive uma ideia. Vamos fazer algo para a senhorita Katie.
— Vamos! — concordou Kristen.
Josh,
sempre tranquilo, concordou com um movimento de cabeça.
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