Capítulo 7
Quando você conhece alguém há muito tempo, acostuma-se com as suas
idiossincrasias, que é uma palavra sofisticada para os seus hábitos peculiares.
Por exemplo, Sunny Baudelaire conhecia a sua irmã Violet há um bocado de tempo,
e estava acostumada com a idiossincrasia dela de prender os cabelos com uma fita
para não cair nos olhos sempre que estivesse inventando alguma coisa. Violet conhecia
Sunny exatamente pelo mesmo período de tempo, e estava acostumada com a
idiossincrasia dela de dizer ‘’Freijip?’’ quando queria fazer a pergunta ‘’Como
você pode pensar em elevadores em um momento como este?’’. E ambas as jovens
Baudelaire conheciam muito bem o seu irmão Klaus, e estavam acostumadas com a
idiossincrasia dele de não prestar a mínima atenção às coisas que o cercavam
quando estava pensando muito intensamente em alguma coisa, como estava muito
claramente fazendo enquanto a tarde se esvaía.
Como o porteiro continuava a insistir que os órfãos Baudelaire não
podiam voltar à cobertura, as três crianças sentaram-se no primeiro degrau da
longa escadaria da Avenida Sombria 667, comeram a comida que tinham trazido e
descansaram as pernas fatigadas, que não sentiam tão doloridas desde que Olaf,
em um disfarce anterior, as forçara a correr centenas e centenas de voltas como
parte do seu plano para roubar a fortuna delas. Uma coisa boa para fazer
enquanto se está sentado comendo ou descansando é ter uma conversa, e Violet e
Sunny estavam ambas ansiosas por conversar sobre o mistério do aparecimento e desaparecimento
de Gunther, e o que poderiam ser capazes de fazer a respeito, mas Klaus mal
participou da discussão. Era só quando suas duas irmãs lhe faziam uma pergunta
direta, tal como ‘’Mas onde diacho Gunther poderia estar?’’ ou ‘’O que você
acha que Gunther está planejando?’’ ou ‘’Topoing?’’ que Klaus murmurava alguma
resposta, e Violet e Sunny logo deduziram que Klaus devia estar pensando muito,
muito intensamente em alguma coisa, portanto o deixaram com a sua
idiossincrasia e ficaram conversando discretamente uma com a outra até o
porteiro introduzir Jerome e Esmé no saguão.
— Olá, Jerome — disse
Violet. — Olá, Esmé.
— Tretchev! — gritou Sunny,
o que queria dizer ‘’Bem-vindos ao lar!’’.
Klaus murmurou alguma coisa.
— Que surpresa agradável
ver vocês todos aqui embaixo! — disse Jerome. — Vai ser mais fácil subir todas aquelas
escadas tendo três pessoas encantadoras como vocês por companhia.
— E vocês poderão carregar
os caixotes de refrigerante de salsa que estão empilhados lá fora — disse Esmé.
— Assim não terei de me preocupar com a possibilidade
de quebrar uma das minhas unhas.
— Nós ficaríamos felizes em
carregar grandes caixotes por toda essa escadaria acima — mentiu Violet— mas o
porteiro disse que não podemos voltar para a cobertura.
— Não podem? — Jerome franziu
a testa. — O que você quer dizer?
— A senhora me deu
instruções específicas para não deixar as crianças voltarem, Sra. Squalor —
disse o porteiro. — Pelo menos até
Gunther sair do edifício. E ele ainda não saiu.
— Não diga absurdos — disse
Esmé. — Ele saiu da cobertura na noite
passada. Que espécie de porteiro e você?
— Na verdade, eu sou um
ator — disse o porteiro— mas ainda assim fui capaz de seguir as suas
instruções.
Esmé lançou ao porteiro um olhar severo que provavelmente usava
quando estava dando consultoria financeira às pessoas.
— As suas instruções
mudaram — disse ela.
— As suas novas instruções
são para deixar eu e os meus órfãos irmos diretamente para o meu apartamento de
setenta e um dormitórios. Sacou, cara?
— Saquei — disse o porteiro,
humilde.
— Bom — disse Esmé, e então
voltou-se para as crianças. — Depressa,
crianças — disse ela. — Violet e
como-é-que-chama podem levar um caixote de refrigerante cada um, e Jerome
levará o resto. Acho que o bebê não vai ser de muita utilidade, mas isto era de
esperar. Vamos andando.
Os Baudelaire foram andando, e em poucos momentos as três crianças
e os dois adultos estavam fazendo a dura escalada da escadaria de sessenta e
seis andares.
Os jovens tinham esperanças de que Esmé afinal ajudasse a carregar
os pesados caixotes de refrigerante, mas a sexta consultora financeira mais
importante da cidade estava muito mais interessada em contar a todos sobre o
seu encontro com o rei do Arizona do que em bajular órfãos.
— Ele me contou toda uma longa
lista de coisas novas que são in — informou Esmé. — Para começar, pomelos. Também tigelas para
cereais em azul-vivo. Quadros de avisos com fotografias de doninhas afixadas, e
muitas outras coisas que vou listar para vocês agora mesmo.
Durante todo o percurso até a cobertura, Esmé listou os novos
itens in que aprendera com Sua Alteza do Arizona, e as duas irmãs Baudelaire
escutaram com muita atenção o tempo todo. Não é que elas escutaram com muita
atenção o discurso assaz maçante de Esmé, é claro, mas escutaram com muita
atenção a cada curva da escada, conferindo de novo o que já tinham bisbilhotado
antes para ouvir se Gunther estava realmente atrás de uma das portas dos apartamentos.
Nem Violet nem Sunny ouviram nada de suspeito, e elas teriam perguntado a
Klaus, falando baixinho para que os Squalor não ouvissem, se ele tinha ouvido
algum tipo de ruído de Gunther, mas perceberam pela sua idiossincrasia que ele
ainda estava pensando muito intensamente sobre alguma coisa e não estava
ouvindo os ruídos nos outros apartamentos mais do que estava ouvindo a lista de
pneus de automóvel, competições de esqui, filmes com cachoeiras e o resto das
coisas in que Esmé estava desfiando.
— Ah, e papel de parede
carmesim! — disse Esmé quando os Baudelaire e os Squalor estavam acabando de
comer um jantar regado a refrigerante de salsa, que tinha um gosto ainda mais
detestável do que o nome sugeria. — E
portaretratos triangulares, e caprichosos suportes de copos, e latas de lixo
com letras do alfabeto aplicadas em toda a volta, e...
— Desculpe — disse Klaus, e
suas irmãs, surpresas, se sobressaltaram um pouco. Era a primeira vez que Klaus
falava sem ser em um murmúrio desde quando eles estavam lá embaixo no saguão. — Não quero interromper, mas é que minhas irmãs
e eu estamos muito cansados. Será que podemos ir para a cama?
— É claro — disse Jerome. — Vocês precisam descansar bastante para o
leilão de amanhã. Vou levá-los ao Veblen Hall às dez e meia em ponto, então...
— Não, você não vai — disse
Esmé. — Clipes de papel amarelos estão
in, Jerome, portanto, assim que o sol despontar, você vai ter de ir ao Bairro
das Papelarias e comprar um pouco. Eu levarei as crianças.
— Bem, não quero discutir —
disse Jerome, encolhendo os ombros e dando um sorrisinho para as crianças. — Esmé, você não quer pôr as crianças na cama?
— Nada disso — respondeu
Esmé, franzindo as sobrancelhas ao tomar um gole do seu refrigerante de salsa. — Ajeitar cobertores em volta de três crianças
se contorcendo me parece ser muito mais aborrecimento do que vale a pena. Vejo vocês
amanhã, crianças.
— Espero que sim — disse
Violet, e bocejou. Ela sabia que Klaus estava pedindo licença para levantar da
mesa a fim de poder contar a ela e a Sunny o que estivera pensando, mas depois
de ficar acordada a noite anterior vasculhando a cobertura inteira e descendo
todas aquelas escadas na ponta dos pés, a mais velha dos Baudelaire estava
realmente muito cansada. — Boa noite,
Esmé. Boa noite, Jerome.
— Boa noite, crianças —
disse Jerome. — E por favor, se vocês
acordarem no meio da noite para fazer um lanche, tentem não deixar a comida
cair no chão. Parece haver um bocado de migalhas espalhadas pela cobertura
ultimamente. — Os Baudelaire se entreolharam e sorriram com o segredo
compartilhado. — Nos desculpem por isso
— disse Violet. — Amanhã passaremos o
aspirador, se vocês quiserem.
— Aspiradores! — disse
Esmé. — Eu sabia que ele tinha me
contado mais alguma coisa que está in. Ah, e bolas de algodão, e qualquer coisa
com pedacinhos de chocolate, e...
Os Baudelaire não queriam ficar por perto para ouvir mais nada da
lista de Esmé, então levaram os seus pratos para a cozinha mais próxima e
desceram o corredor decorado com galhadas de animais diversos, atravessaram uma
sala de visitas, passaram por cinco banheiros, entraram à esquerda em outra
cozinha e, por fim, chegaram ao quarto de Violet.
— Muito bem, Klaus — disse
Violet ao irmão quando as três crianças encontraram um canto confortável para
conversar. — Sei que você esteve
pensando muito intensamente sobre alguma coisa, porque estava se comportando de
acordo com aquele seu hábito singular de não prestar a mínima atenção no que
está à sua volta.
— Hábitos singulares como
este são chamados de idiossincrasias — disse Klaus.
— Stiblo! — exclamou Sunny,
o que queria dizer ‘’Podemos melhorar o nosso vocabulário depois. Conte-nos o
que tem em mente!’’.
— Desculpe, Sunny — disse Klaus. — É só que eu acho que descobri onde Gunther está
escondido, mas ainda não tenho certeza. Primeiro, Violet, preciso perguntar uma
coisa. O que você sabe sobre elevadores?
— Elevadores? — disse
Violet. — Um bocado, para dizer a
verdade. Meu amigo Bem uma vez me deu de aniversário alguns projetos de
elevadores, e eu os estudei muito atentamente. Eles foram destruídos no incêndio,
é claro, mas eu me lembro de que um elevador é essencialmente uma plataforma,
rodeada por um invólucro, que se movimenta ao longo de um eixo vertical por
meio de uma correia sem fim e uma série de cabos. E controlado por um painel
com botões que governam um sistema de freio eletromagnético de modo a que a
seqüência de transporte possa ser interrompida em qualquer ponto de acesso que
o passageiro deseje. Em outras palavras, é uma caixa que se movimenta para cima
ou para baixo, dependendo de aonde você quer ir. Mas e daí?
— Freijip? — perguntou Sunny,
o que, como vocês sabem, era o seu modo idiossincrático de dizer ‘’Como você
pode pensar em elevadores em um momento como este?’’.
— Bem, foi o porteiro que
me fez ficar pensando em elevadores — disse Klaus. — Lembram-se quando ele
disse que às vezes a solução está bem debaixo do seu nariz? Bem, ele estava
grudando aquela estrela-do-mar de madeira nas portas do elevador no momento em
que disse aquilo.
— Eu também notei — disse
Violet. — Era meio feiosa.
— Era mesmo feiosa —
concordou Klaus. — Mas não era isso que
eu queria dizer. Eu comecei a pensar nas portas do elevador. Do lado de fora da
porta desta cobertura há dois pares de portas de elevador. Mas em todos os
outros andares há apenas um par.
— É verdade — disse Violet—
e isso também é estranho, agora que pensei nisso. E significa que um dos
elevadores só pode parar no último andar.
— Ieliverc! — disse Sunny,
o que queria dizer ‘’Aquele segundo elevador é quase completamente inútil!’’.
— Eu não acho que seja
inútil — disse Klaus— porque não acho que o elevador esteja realmente ali.
— Não está realmente ali? —
perguntou Violet. — Mas então só sobra
um poço de elevador vazio!
— Midiou? — perguntou Sunny.
— Um poço de elevador é o
caminho que um elevador usa para se movimentar para cima e para baixo —
explicou Violet à irmã. — É assim como
um corredor, só que vai para cima e para baixo em vez de ir de um lado para o
outro.
— É um corredor — disse
Klaus — pode levar a um esconderijo.
— Aha! — exclamou Sunny.
— Aha está certo —
concordou Klaus. — Pense só, se ele usou
um poço de elevador vazio em vez das escadas, ninguém jamais saberia onde ele
estava. Não acho que o elevador tenha sido desligado porque está out. Acho que
é lá que Gunther está escondido.
— Mas por que está
escondido? O que está tramando? — perguntou Violet.
— Esta é a parte que ainda
não sabemos — admitiu Klaus— mas aposto que as respostas podem ser encontradas
atrás daquelas portas deslizantes. Vamos dar uma olhada no que está atrás do
segundo par de portas de elevador. Se enxergarmos os cabos e as coisas que você
estava descrevendo, saberemos que é um elevador de verdade. Mas se não
enxergarmos...
— Então saberemos que
estamos na pista certa — concluiu Violet por ele. — Vamos lá, neste minuto.
— Se formos neste minuto —
disse Klaus— teremos de fazer isto muito discretamente. Os Squalor não vão
deixar que três crianças fiquem bisbilhotando num poço de elevador.
— Vale o risco, se isto nos
ajudar a desvendar o plano de Gunther — disse Violet.
Lamento dizer que aquilo acabou não valendo o risco nem um pouco,
mas é claro que os Baudelaire não tinham como saber, então eles simplesmente assentiram
com as cabeças e se dirigiram na ponta dos pés para a saída da cobertura,
espiando para dentro de cada quarto e sala antes de atravessar, para ver se os
Squalor estavam por ali. Mas aparentemente Jerome e Esmé estavam passando a
noite em algum quarto em outra parte do apartamento, pois os Baudelaire não
viram nem sinal deles — a expressão ‘’nem sinal’’ aqui significa ‘’nem um vislumbre da sexta consultora
financeira mais importante da cidade, ou de seu marido’’ — a caminho da porta
da frente. Eles esperavam que a porta não rangesse ao ser aberta, mas aparentemente
as dobradiças silenciosas estavam in, pois os Baudelaire não fizerem nenhum
ruído quando saíram do apartamento e foram na ponta dos pés até os dois pares
de portas deslizantes de elevador.
— Como vamos saber qual
elevador é qual? — cochichou Violet. — Os
pares de portas parecem exatamente iguais.
— Eu não tinha pensado
nisso — respondeu Klaus. — Se uma delas
é realmente uma passagem secreta, deve haver algum jeito de perceber.
Sunny puxou as pernas das calças dos irmãos, o que era um bom jeito
de atrair a atenção deles sem fazer nenhum barulho, e quando Violet e Klaus
olharam para baixo para ver o que a irmã queria, ela respondeu de um modo
igualmente silencioso. Sem falar, estendeu um dos seus dedinhos e apontou para
os botões que estavam junto a cada con-junto de portas deslizantes. Junto a um
dos pares de portas havia um único botão, com uma seta gravada que apontava
para baixo.
Mas junto ao segundo par de portas, havia dois botões: um com uma
seta Descer e um com uma seta Subir. As três crianças olharam para os botões e
refletiram.
— Para que você precisa de
um botão Subir — cochichou Violet— se já está no último andar? — e, sem esperar
resposta à sua pergunta, ela estendeu o braço e apertou o botão. Com um som
abafado, as portas deslizantes se abriram. As crianças se inclinaram
cautelosamente para dentro do vão e ficaram sem fôlego com o que viram.
— Lacri — disse Sunny, o
que queria dizer algo como ‘’Não há cabos’’, ou coisa do gênero.
— Não só não há cabos —
disse Violet— como não há correia sem fim, painel de botões ou sistema de freio
eletromagnético. Não vejo nem mesmo uma plataforma rodeada por um invólucro.
— Eu sabia — disse Klaus
contendo a excitação. — Eu sabia que o
elevador era ersatz!
‘’Ersatz’’ é uma palavra
que descreve uma situação em que uma coisa está fingindo que é outra, do mesmo
modo como a passagem secreta para a qual os Baudelaire estavam olhando fingia
ser um elevador, mas a palavra poderia bem ter significado — o lugar mais aterrorizante que os Baudelaire
já tinham visto . Em pé no vão da porta e olhando para dentro do poço de
elevador, era como se as crianças estivessem à beira de um enorme penhasco,
olhando para as profundezas vertiginosas lá embaixo. Mas o que tornava essas
profundezas aterrorizantes, além de vertiginosas, era o fato de que eram tão,
tão escuras. O poço parecia mais um abismo que uma passagem, levando
diretamente a um negrume como os jovens jamais tinham visto. Era mais escuro do
que qualquer noite jamais fora, nem mesmo aquelas noites em que não havia lua.
Era mais escuro que a Avenida Sombria no dia em que chegaram. Era mais escuro
que uma pantera negra como azeviche, coberta de piche, comendo alcaçuz preto no
ponto mais profundo da parte mais funda do Mar Negro. Os órfãos Baudelaire nunca
nem sonharam que alguma coisa pudesse ser tão escura, nem mesmo em seus
pesadelos mais assustadores; e ali em pé, na beirada daquele abismo de inimaginável
negror, tinham a impressão de que o poço de elevador iria simplesmente
engoli-los, e eles nunca mais voltariam a ver um lampejo que fosse de luz.
— Temos de ir lá embaixo —
disse Violet, mal acreditando nas palavras que pronunciava.
— Não estou muito certo de
que vou ter coragem de ir lá embaixo — disse Klaus. — Olhe só como está escuro.
É aterrorizante.
— Prollit — disse Sunny, o
que queria dizer ‘’Mas não tão aterrorizante quanto o que Gunther vai fazer
conosco se não descobrirmos qual é o seu plano!’’.
— Por que simplesmente não
contamos aos Squalor sobre isto? — perguntou Klaus.
— Aí eles poderão descer
pela passagem secreta. —
— Não temos tempo para
discutir com os Squalor — disse Violet. — Cada minuto que perdemos é um minuto a mais
que os Quagmire estão passando nas garras de Gunther.
— Mas como vamos descer? —
perguntou Klaus. — Não estou vendo
nenhuma escada de marinheiro, nenhuma escada em caracol. Não estou vendo
absolutamente nada.
— Vamos ter de descer por
uma corda — disse Violet. — Mas onde
encontrar uma corda a esta hora da noite? A maioria das lojas de ferragens fecha
às seis. —
— Os Squalor devem ter
alguma corda em algum lugar na cobertura deles — disse Klaus. — Vamos nos separar e procurar. Nos
encontraremos aqui de novo em quinze minutos.
Violet e Sunny concordaram. Os Baudelaire se afastaram
cautelosamente do poço de elevador e voltaram na ponta dos pés para a cobertura
dos Squalor. Sentiram-se como larápios quando se separaram e começaram a
vasculhar o apartamento, muito embora tenham existido na história dos ladrões
apenas cinco larápios que se especializaram em cordas. Todos os cinco foram
pegos e mandados para a prisão, e é por isso que as pessoas raramente trancam
as suas cordas para maior segurança; mas para sua frustração, os Baudelaire descobriram
que os seus tutores não mantinham suas cordas trancadas pela simples razão de
que não possuíam corda nenhuma.
— Não consegui encontrar
corda nenhuma — admitiu Violet quando reuniu-se aos irmãos. — Mas achei estas extensões elétricas, que
podem dar certo.
— Eu tirei estes puxadores
de cortina de algumas janelas — disse Klaus. São meio parecidos com cordas,
então achei que poderiam ser úteis.
— Armani — ofereceu Sunny,
apresentando uma braçada de gravatas de Jerome.
— Bem, temos algumas cordas
ersatz — disse Violet— para descer pelo poço de elevador ersatz. Vamos
amarrá-las todas umas nas outras com a língua-do-diabo
— Língua-do-diabo? —
perguntou Klaus.
— É um nó — explicou
Violet. — Foi inventado por mulheres
piratas finlandesas, no século XV. Eu usei para fazer o meu arpéu, quando Olaf
prendeu Sunny naquela gaiola, pendurada na janela da torre, e vai funcionar
aqui também. Precisamos fazer uma corda o mais comprida possível — até onde
sabemos, a passagem vai direto até o andar mais baixo do edifício.
— Parece que vai direto até
o centro da terra — disse Klaus. — Nós
passamos tanto tempo tentando escapar do conde Olaf. Nem posso acreditar que
agora estamos tentando encontrá-lo.
— Nem eu — concordou
Violet. — Se não fosse pelos Quagmire,
eu não desceria até lá de jeito nenhum.
— Bangemp — Sunny lembrou
aos irmãos. Queria dizer alguma coisa na linha de
— Se não fosse pelos
Quagmire, estaríamos nas garras dele há muito tempo — e os dois Baudelaire mais
velhos concordaram com a cabeça. Violet mostrou aos irmãos como fazer a
língua-do-diabo e as três crianças amarraram às pressas as extensões elétricas
aos puxadores de cortina, e os puxadores de cortina às gravatas, e a última
gravata à coisa mais firme e resistente que puderam encontrar, que era a
maçaneta da porta da cobertura dos Squalor. Violet conferiu o trabalho dos
irmãos e finalmente deu um puxão na corda inteira, dando-se por satisfeita.
— Acho que isto vai nos
agüentar — disse ela. — Só espero que
seja comprida o bastante.
— Por que não deixamos a
corda cair pelo poço — disse Klaus— e ouvimos o som que faz, para ver se chega
até o fundo? Então saberemos com certeza.
— Boa idéia — retrucou
Violet, e foi até a beirada da passagem. Ela atirou para baixo a última
extensão elétrica e as crianças ficaram olhando enquanto ela desaparecia na
escuridão, arrastando consigo o restante da corda dos Baudelaire.
As voltas do rolo de extensões, puxadores e gravatas se
desenrolaram rapidamente, como uma longa serpente acordando e deslizando para
dentro do poço. Ela deslizou, e deslizou, e deslizou, e as crianças se
inclinaram para a frente o máximo que ousaram e escutaram o mais atentamente
que puderam.
Finalmente, ouviram um leve, leve plim!, como se a extensão
elétrica tivesse atingido um pedaço de metal, e os três órfãos se entreolharam.
Só de pensar em descer toda aquela distância no escuro, por uma corda ersatz
que eles mesmos tinham confeccionado, dava vontade de dar meia-volta, sair
correndo direto para a cama e puxar as cobertas por cima da cabeça. Os irmãos,
em pé à beira daquele lugar escuro e aterrador, se perguntavam se realmente
teriam coragem de começar a descida. A corda dos Baudelaire chegara ao fundo.
Mas chegariam também as crianças Baudelaire?
— Estão prontos? —
perguntou Klaus, por fim.
— Não — respondeu Sunny.
— Nem eu — disse Violet— mas
se esperarmos até estar prontos, vamos esperar pelo resto das nossas vidas.
Vamos.
Violet deu um último puxão na corda e, cautelosamente, muito
cautelosamente, começou a descer pela passagem. Klaus e Sunny a viram
desaparecer na escuridão, como se alguma criatura enorme e faminta a tivesse
engolido.
— Venham — ouviram-na
sussurrar do meio das trevas. — Está
tudo bem.
Klaus cuspiu nas mãos e Sunny cuspiu nas dela, e os dois
Baudelaire mais jovens seguiram a irmã para dentro da escuridão total do poço
de elevador, só para descobrir que Violet não tinha contado a verdade. Não
estava tudo bem. Não estava nem meio tudo bem. Não estava nem um vinte e sete
avôs tudo bem. A descida pela passagem sombria dava a sensação de estar caindo
em um buraco profundo no fundo de um fosso profundo no fundo de um porão
enterrado muito fundo debaixo da terra, e era a situação menos tudo bem que os
Baudelaire já tinham encontrado. As mãos agarrando a corda eram a única coisa
que podiam ver, pois mesmo depois que os olhos se acostumaram com o escuro,
eles tinham medo de olhar para qualquer outro lugar, especialmente para baixo.
O distante plim! na extremidade da corda era o único som que ouviam, pois os
Baudelaire estavam assustados demais para falar. E a única coisa que sentiam
era o mais puro terror, tão profundo e escuro quanto a passagem em si, um
terror tão profundo que eu tenho dormido com quatro luzes noturnas acesas desde
que visitei a Avenida Sombria 667 e vi aquele abismo profundo por onde os Baudelaire
desceram. Mas também vi, durante a minha visita, o que os Baudelaire viram
quando chegaram ao fundo, depois de uma descida de mais de três horas
aterrorizantes. Àquela altura, seus olhos já tinham se acostumado com a
escuridão, e eles puderam ver no que a ponta da corda estava batendo para fazer
aquele leve som de plim. A extremidade da extensão elétrica mais distante
estava realmente batendo contra um pedaço de metal — um cadeado de metal. O
cadeado estava preso em volta de uma porta de metal e a porta de metal estava
presa a uma série de barras de metal que formavam uma ferrugenta jaula de
metal. No momento em que a minha pesquisa me levou a essa passagem a jaula
estava vazia, e já estava vazia há muito, muito tempo. Mas ela não estava vazia
quando os Baudelaire a encontraram. Quando eles chegaram ao fundo daquele
profundo e aterrorizante lugar, os órfãos Baudelaire olharam para dentro da
jaula e viram as figuras agachadas, encolhidas e trêmulas, de Duncan e Isadora
Quagmire.
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