Capítulo 8

ALEX ESTAVA VARRENDO O CHÃO perto dos refrigeradores quando Katie entrou na loja. Ele imaginava que ela viria até ali para conversar com ele logo cedo. Depois de apoiar o cabo da vassoura contra o vidro, ele colocou a camisa para dentro das calças e passou a mão pelo cabelo. Kristen passou a manhã inteira esperando pela chegada de Katie e já havia se levantado de sua mesa antes que a porta se fechasse.
— Oi, senhorita Katie — disse Kristen. — Você viu a bicicleta?
— Eu vi sim, obrigada. É por causa dela que estou aqui.
— Nós passamos um bom tempo trabalhando nela.
— Foi um ótimo trabalho. Seu pai está por aqui?
— Sim, está logo ali — disse Kristen, apontando. — Ele já está vindo.
Alex manteve os olhos em Katie quando ela se virou.
— Oi, Katie — disse ele.
Quando se aproximou, ela cruzou os braços. 
— Podemos conversar lá fora por um minuto?
Ele ouviu a frieza na voz dela e sabia que ela estava se esforçando muito para não demonstrar sua raiva na frente de Kristen.
— É claro — disse ele, abrindo a porta. Ele a seguiu até o lado de fora e percebeu que estava admirando a silhueta do seu corpo, enquanto Katie andava até o lugar onde havia encostado a bicicleta.
Parando ao lado da bicicleta, ela se virou para encará-lo. Na cesta da frente estava o guarda-chuva que ela havia tomado emprestado no dia anterior. Ela tamborilou os dedos no selim, com uma expressão séria no rosto. 
— Posso perguntar o que significa isso?
— Você gostou dela?
— Por que você comprou uma bicicleta para mim?
— Eu não a comprei para você — disse ele.
Ela piscou os olhos, com uma expressão confusa. 
— Mas seu bilhete...
Ele deu de ombros. 
— Ela esteve no depósito durante os últimos dois anos, apenas acumulando poeira. Acredite em mim. A última coisa que eu faria seria comprar uma bicicleta para você.
Os olhos dela passaram a demonstrar sua indignação. — Não é disso que estou falando! Você vive me dando coisas e isso tem que parar. Eu não quero nada de você. Não preciso de um guarda-chuva, nem de legumes, nem de vinho. E não preciso de uma bicicleta.
— Então dê a bicicleta para alguém — disse ele, dando de ombros novamente. — Porque eu também não a quero.
Ela ficou em silêncio e Alex observou quando a confusão cedeu lugar à frustração e, finalmente, à futilidade. No fim, ela balançou a cabeça e se virou para ir embora. Antes que ela pudesse dar um passo, ele limpou a garganta. — Antes de ir embora, você poderia fazer a gentileza de ouvir o que tenho a dizer?
Katie virou o pescoço e olhou para Alex por cima do ombro. 
— Não me importa.
— Talvez você não se importe, mas é importante para mim.
Ela manteve os olhos fixos nos dele, vacilando, até ceder. Quando ela suspirou, ele apontou para um banco de madeira em frente à loja. Alex havia colocado o banco ali em tom de brincadeira, enfiado entre a máquina de fazer gelo e alguns botijões de gás, sabendo que ninguém gostaria de sentar ali. Quem iria querer sentar de frente para o estacionamento e a estrada que passava logo adiante? Mesmo assim, para sua surpresa, várias pessoas se sentavam naquele banco, quase todos os dias. A única razão pela qual o banco estava vazio agora era o fato de ainda estar muito cedo.
Katie hesitou um pouco antes de se sentar e Alex entrelaçou os dedos sobre o colo.
— Não estava mentindo sobre o fato de que a bicicleta estava juntando poeira nos últimos dois anos. Ela pertencia à minha esposa — disse Alex. — Ela adorava essa bicicleta e costumava usá-la o tempo todo. Certa vez, chegou até mesmo a ir de Southport a Wilmington, mas, é claro, quando chegou lá, já estava exausta e eu tive que ir buscá-la de carro. E não havia ninguém para cuidar da loja. Literalmente tive que fechar as portas por duas horas.
Ele fez uma pausa para tomar fôlego. 
— Aquela foi a última vez que ela pedalou. Naquela noite ela teve a primeira convulsão e eu tive que correr para levá-la ao hospital. Depois disso, ela ficou cada vez pior e nunca mais subiu na bicicleta. Deixei a bicicleta na garagem, mas toda vez que a vejo, não consigo evitar de pensar naquela noite horrível — disse ele, alisando as dobras da camisa. — Eu sei que já devia ter me livrado dela, mas não queria dá-la a alguém que iria usá- la apenas uma ou duas vezes e que depois a deixaria jogada em algum canto. Queria que ela ficasse com alguém que gostasse dela tanto quanto minha esposa gostava. Alguém que realmente a usasse. É isso que minha esposa iria querer que eu fizesse. Se você a tivesse conhecido, você entenderia. Você estaria me fazendo um enorme favor.
Quando Katie falou, sua voz estava embargada. 
— Não posso ficar com a bicicleta de sua esposa.
— Quer dizer que ainda pretende devolvê-la?
Quando ela fez que sim com a cabeça, ele se inclinou para frente e apoiou os cotovelos sobre os joelhos. 
— Você e eu somos muito mais parecidos do que você imagina. Se eu estivesse na sua situação, faria exatamente a mesma coisa. Você não quer sentir que deve algo a alguém. Você quer provar que pode cuidar de si mesma sem depender de mais ninguém, não é?
Ela abriu a boca para responder, mas não disse nada. Em meio ao silêncio, ele continuou.
— Eu era exatamente assim quando minha esposa morreu. E fui assim durante muito tempo. As pessoas vinham até a loja e muitas delas me diziam que eu poderia lhes telefonar se precisasse de alguma coisa. A maioria delas sabia que não tenho família por perto e todas elas tinham ótimas intenções, mas nunca telefonei para ninguém. Simplesmente porque aquilo não tinha nada a ver com minha maneira de viver. Mesmo se quisesse alguma coisa, não saberia como pedir. E mesmo assim, na maior parte do tempo, nem sabia exatamente o que eu queria. Tudo que sabia era que eu havia chegado ao fim da minha corda e, para continuar com essa metáfora, por muito tempo eu mal conseguia me segurar nela. Veja minha situação. De uma vez só, eu tive que cuidar de duas crianças pequenas e também da loja. Meus filhos eram bem mais novos e precisavam de mais atenção naquela época do que precisam agora. Até que um dia, Joyce apareceu — concluiu ele, olhando para Katie. — Você já a conheceu? Uma senhora idosa que trabalha algumas tardes por semana, incluindo aos domingos, e que conversa com todo mundo? Josh e Kristen a adoram.
— Acho que não.
— Não tem importância. Mesmo assim, ela apareceu uma tarde, por volta das 5 horas, e me disse que cuidaria das crianças, enquanto eu iria para a praia passar uma semana. Ela já havia encontrado um lugar para eu me hospedar e disse que não aceitaria um “não” como resposta porque, em sua opinião, eu estava inevitavelmente fadado a ter um colapso nervoso.
Ele colocou os dedos no local onde o nariz se juntava à testa, tentando suprimir as lembranças daqueles dias. 
— No início, aquilo me irritou. Afinal, são meus filhos, não? E que tipo de pai eu era para fazer as pessoas pensarem que eu não daria conta das responsabilidades envolvidas em ser pai? Mas Joyce fez algo diferente. Ela não me pediu para telefonar se precisasse de alguma coisa. Ela sabia o que eu estava passando e fez o que pensava ser a coisa certa. No dia seguinte, eu estava a caminho da praia. E Joyce estava certa. Nos primeiros dois dias, ainda estava em frangalhos. Mas, no decorrer de mais alguns dias, saí para algumas longas caminhadas, li alguns livros, dormi até tarde. E quando voltei, percebi que estava mais relaxado do que já estivera há muito, muito tempo...
Alex deixou as palavras no ar, sentindo o peso do julgamento de
Katie sobre si.
— Não sei por que você está me contando isso.
Ele se virou para ela. 
— Nós dois sabemos que, se eu tivesse lhe oferecido a bicicleta, você teria dito “não”. Assim, da mesma forma que Joyce fez comigo, fui em frente e fiz o que fiz, porque era a coisa certa a fazer. Porque eu aprendi que não há problema em aceitar um pouco de ajuda de vez em quando — concluiu Alex, olhando para a bicicleta. — Fique com ela. Não tenho outro uso para ela e você tem que admitir que a bicicleta facilitaria muito sua ida e volta do trabalho.
Demorou alguns segundos antes que Alex percebesse que os ombros dela estavam relaxados. Ela se virou para ele com um sorriso torto.
— Você ensaiou esse discurso todo, não foi?
— É claro que ensaiei — disse ele, esforçando-se para parecer envergonhado. — Mas você vai ficar com ela?
Katie hesitou. 
— Bem, acho que uma bicicleta vai me ajudar, sim — admitiu ela, finalmente. — Obrigada.
Durante um longo momento, nenhum dos dois disse coisa alguma. Enquanto lhe observava o perfil, Alex percebeu mais uma vez o quanto ela era bonita, embora ele percebesse que Katie provavelmente não achava que aquilo fosse verdade. E tudo isso servia apenas para deixá-la ainda mais atraente.
— Por nada — disse ele.
— Mas chega de presentes, certo? Você já fez mais do que o suficiente por mim.
— De acordo — disse ele, voltando a olhar em direção à bicicleta.
— Ela está em boas condições? Foi fácil andar nela? Pergunto isso por causa das cestinhas.
— Não tive problemas. Por quê?
— Porque Kristen e Josh me ajudaram a instalá-las ontem. Um daqueles projetos ótimos para um dia chuvoso, sabe? Foi Kristen que as escolheu. Ah, e, para que você saiba, ela também achou que seria ótimo colocar luvas purpurinadas no guidão, mas disse a ela que isso já seria demais.
— Não me importaria de ter manoplas purpurinadas. 
Alex riu.
 — Vou dizer isso a Kristen.
Katie hesitou. 
— Você está fazendo um ótimo trabalho, sabia? Em relação a seus filhos.
— Obrigado.
— Estou sendo sincera. Sei que não está sendo fácil.
— É assim que a vida funciona. Na maior parte do tempo nada é fácil. Temos simplesmente que tentar fazer o melhor que pudermos. Entende o que quero dizer?
— Sim. Acho que entendo — disse ela.
A porta da loja se abriu e quando Alex se inclinou para frente, ele viu Josh esquadrinhando o estacionamento e Kristen logo atrás dele. Com seus cabelos e olhos castanhos, Josh era muito parecido com sua mãe. O garoto estava com os cabelos desalinhados e Alex sabia que ele havia acabado de se levantar da cama.
— Estamos aqui, crianças.
Josh coçou a cabeça enquanto andou até onde eles estavam. Kristen abriu um sorriso, acenando para Katie.
— Papai? — perguntou Josh.
— Sim, o que foi?
— Queríamos perguntar se realmente vamos à praia hoje. Você prometeu que nos levaria.
— Bem, esse é o plano para hoje.
— Vamos levar a churrasqueira também?
— É claro que vamos.
— Tudo bem, então — disse ele, esfregando o nariz. — Oi, senhorita Katie.
Katie acenou para Josh e Kristen.
— Você gostou da bicicleta? — perguntou Kristen.
— Gostei, sim. Obrigada.
— Eu tive que ajudar meu pai a consertá-la — informou Josh. — Ele não é muito bom com ferramentas.
Katie olhou para Alex com um sorriso torto. 
— Ele não me disse nada disso.
— Não tem problema. Eu sabia o que tinha que fazer. Mas ele teve que me ajudar com a nova câmara de ar.
Kristen fixou os olhos em Katie. 
— Você vem para a praia com a gente?
Katie se endireitou no banco de madeira. 
— Acho que não.
— Por que não? — perguntou Kristen.
— Provavelmente porque ela vai trabalhar — disse Alex.
— Na verdade, não — disse ela. — Mas preciso fazer algumas coisas na minha casa.
— Então você pode vir conosco — pediu Kristen. — Vai ser muito divertido!
— Este é um momento para você e para sua família — insistiu ela.
— Não quero atrapalhar.
— Mas você não vai atrapalhar. E vai ser muito divertido. Você pode me olhar enquanto eu nado. Vamos, por favor! — implorou Kristen.
Alex ficou em silêncio, não desejando acrescentar ainda mais pressão sobre ela. Ele presumiu que Katie diria não, mas, para sua surpresa, ela acabou assentindo com um leve meneio de cabeça. E respondeu com uma voz suave.
— Tudo bem — disse ela, finalmente.

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