Capítulo 9

DEPOIS DE VOLTAR DA LOJA, Katie estacionou a bicicleta nos fundos da casa e entrou para trocar de roupa. Ela não tinha um traje de banho, mas não usaria um desses mesmo que o tivesse. Por mais que fosse natural para uma moça caminhar em frente a estranhos com peças equivalentes a uma calcinha e sutiã, não se sentiria confortável vestindo algo assim na frente de Alex em um passeio com seus filhos. Ou, francamente, mesmo que as crianças não estivessem presente.
Embora resistisse à ideia, Katie tinha que admitir que Alex a intrigava. Não por causa das coisas que havia feito por ela, por mais que aquilo fosse tocante. Tinha mais a ver com a maneira triste com que às vezes ele sorria, a expressão em seu rosto quando ele falava sobre sua falecida esposa, ou a maneira como ele tratava seus filhos. Havia uma solidão em Alex que ele não conseguia disfarçar, e ela sabia que, de certa forma, era muito parecida com a solidão que ela também sentia.
Ela sabia que Alex estava interessado nela. E Katie tinha bastante experiência para reconhecer situações em que os homens a achavam atraente; o balconista da mercearia falando demais, um estranho que olhava em sua direção, ou um garçom em um restaurante que vinha mais vezes do que o necessário até a mesa onde ela estivesse sentada. Com o tempo, ela aprendeu a fingir que não percebia o interesse daqueles homens; em outros momentos, ela mostrava um óbvio desdém, porque sabia o que aconteceria se não o fizesse. Quando chegassem em casa. Quando estivessem sozinhos.
Mas aquela vida já não era mais sua, lembrou-se Katie. Abrindo as gavetas, ela tirou um conjunto de short e sandálias que havia comprado na Anna Jean’s. Na noite anterior ela havia bebido vinho com uma amiga e agora iria à praia com Alex e sua família. Eram coisas comuns de vida comum. O conceito lhe pareceu estranho, como se ela estivesse aprendendo os hábitos e costumes de uma terra estrangeira, o que fazia com que se sentisse estranhamente encantada e desconfiada ao mesmo tempo.
Assim que terminou de se vestir, Katie viu o jipe de Alex vindo pela estrada de cascalhos e respirou fundo enquanto ele estacionava em frente à sua casa. “Agora ou nunca”, pensou ela consigo mesma quando saiu para a varanda.
— Você precisa colocar o cinto de segurança, senhorita Katie — disse Kristen por trás dela. — Meu pai não vai ligar o carro até que você o prenda.
Alex olhou para ela, como se quisesse dizer: “Está preparada?”. Katie lhe ofereceu seu melhor sorriso.
— Bem, vamos lá.

***

EM MENOS DE UMA HORA eles chegaram à cidade litorânea de Long Beach, com seus sobrados de madeira e a maravilhosa vista para o mar. Alex encostou o carro em um pequeno estacionamento perto das dunas; alguns tufos de grama alta se agitavam com a brisa marinha constante. Katie desceu do carro e olhou para o oceano, respirando fundo.
As crianças desceram do carro e imediatamente foram em direção à trilha que serpenteava entre as dunas.
— Eu vou lá dar uma olhada na água, papai! — gritou Josh, com sua máscara e o snorkel nas mãos.
— Eu também! — acrescentou Kristen, seguindo seu irmão.
Alex estava ocupado, descarregando a traseira do jipe. 
— Esperem aí — gritou ele. — Vamos com calma, hein?
Josh suspirou e sua impaciência era aparente enquanto apoiava o peso do corpo, ora num pé, ora no outro. Alex começou a retirar a caixa térmica de dentro do porta-malas.
— Você precisa de ajuda? — perguntou Katie.
Alex balançou a cabeça. — Eu consigo me virar com essas coisas. Mesmo assim, se você puder passar o protetor solar nas crianças e ficar de olho nelas por alguns minutos, vai ser de muita ajuda. Eu sei que este lugar os deixa animados demais para ficarem quietos.
Alex passou os minutos seguintes tirando as coisas do carro e armando uma pequena tenda perto da mesa de piquenique mais próxima da duna, onde a maré alta não os alcançaria. Embora houvesse algumas outras famílias, a praia estava praticamente vazia e eles poderiam ficar tranquilos naquela parte da praia. Katie havia tirado as sandálias e estava à beira da água enquanto as crianças brincavam na parte mais rasa. Seus braços estavam cruzados e, mesmo àquela distância, Alex percebeu uma rara expressão de contentamento em seu rosto.
Alex jogou duas toalhas sobre os ombros e foi em direção a Katie.
— É difícil acreditar que ainda ontem tivemos uma tempestade tão forte.
Ela se virou ao ouvir o som da voz dele. — Eu havia me esquecido do quanto sentia falta do oceano.
— Faz muito tempo que não vem à praia?
— Tempo demais — disse ela, escutando o ritmo suave das ondas enquanto elas gentilmente quebravam contra a praia.
Josh corria em direção às ondas e depois voltava à praia, enquanto Kristen estava agachada na areia, procurando por conchas.
— Imagino que às vezes deve ser bem difícil ter que cuidar e educar seus filhos sozinho — observou Katie.
Alex hesitou, considerando a questão. Quando falou, sua voz tinha um tom gentil. — Na maior parte do tempo não é tão ruim. Nossas vidas diárias acabam entrando num certo ritmo, entende? É quando fazemos coisas como estas, quando saímos do ritmo normal, que as coisas ficam um pouco frustrantes.
Ele deu um leve chute na areia, enterrando seu pé até a metade.
— Quando minha esposa e eu falávamos sobre ter um terceiro filho, ela tentava me advertir de que essa terceira criança faria nossa rotina mudar por completo. Num jogo de basquete seria como passar de uma marcação homem a homem para uma marcação por zona. Ela costumava dizer que não tinha certeza de que eu conseguiria aguentar a barra. Mesmo assim, aqui estou eu, fazendo uma marcação por zona, todos os dias... — ele deixou a frase no ar, balançando a cabeça. — Me desculpe. Não deveria ter dito isso.
— Não deveria ter dito o quê?
— Parece que sempre que converso com você acabo falando sobre minha esposa.
Pela primeira vez, ela se virou para encará-lo. 
— E por que você não deveria falar sobre sua esposa?
Ele empurrou uma pilha de areia para frente e para trás com o pé, alisando o buraco que havia feito. 
— Porque não quero que você pense que não sei falar sobre outra coisa. Ou que tudo que faço é viver no passado.
— Você a amava muito, não é?
— Sim — respondeu ele.
— E ela era uma parte muito importante da sua vida, além de ser a mãe de seus dois filhos, certo?
— Certo.
— Então não há problemas em falar sobre ela — disse Katie. — Ela é parte da pessoa que você é.
Alex lhe deu um sorriso de gratidão, mas não conseguiu pensar em mais nada para dizer. Katie pareceu ler sua mente e perguntou num tom gentil: — Quando vocês se conheceram?
— Nos conhecemos em um bar, entre todos os lugares possíveis. Ela havia saído com algumas amigas para celebrar o aniversário de alguém. O lugar estava quente e cheio de pessoas, havia poucas luzes, a música estava alta e ela... Bem, ela simplesmente se destacou do resto. Todas as amigas dela estavam um pouco fora do controle e era óbvio que todas estavam se divertindo bastante, mas ela parecia estar bem tranquila.
— Aposto que ela era muito bonita também.
— Nem preciso mencionar o quanto — disse ele. — Assim, engolindo meu nervosismo, fui até onde ela estava e comecei a usar todo o charme que eu tinha à minha disposição.
Quando terminou a frase, ele percebeu o sorriso que havia nos cantos dos lábios dela.
— E então? — perguntou Katie.
— Mesmo assim, demorei três horas para conseguir que ela me dissesse seu nome e me desse seu número de telefone.
Katie riu. 
— Ah, deixe-me adivinhar. Você ligou no dia seguinte, não é? E a convidou para sair?
— Como você sabe?
— Você parece ser o tipo de homem que faria exatamente isso.
— Você fala como se já tivesse recebido uma cantada dessas algumas vezes.
Ela deu de ombros, deixando que seu gesto fosse interpretado da maneira que ele quisesse. — E o que aconteceu depois?
— Por que você quer saber isso?
— Não sei — disse ela. — Mas eu realmente quero.
Ele a estudou por um momento. 
— Tudo bem. Como você já sabe, convidei-a para almoçar e nós passamos o resto da tarde conversando. No final de semana seguinte, eu disse a ela que nós dois nos casaríamos algum dia.
— Você está brincando.
— Sei que parece loucura. Pode acreditar em mim, ela também achou que eu estava louco. Mesmo assim... Eu simplesmente sabia que aquilo iria acontecer. Ela era inteligente e gentil. Nós tínhamos muitas coisas em comum e queríamos as mesmas coisas da vida. Ela ria muito e me fazia rir também. Honestamente, entre mim e ela acho que fui eu quem tirou a sorte grande.
As ondas continuaram a quebrar na praia com a brisa do oceano, chegando a cobrir os tornozelos de Alex e Katie. 
— Provavelmente ela achava que tivera sorte também.
— Isso aconteceu porque consegui enganá-la — disse Alex, irônico.
— Duvido que foi assim.
— Isso é porque estou conseguindo enganar você também. Katie riu. — Não acho que seja verdade.
— Você está dizendo isso só porque somos amigos.
— Você acha que somos amigos?
— Sim — disse ele, com os olhos fixos nos dela. — Você não acha?
Pela expressão em seu rosto, Alex percebeu que a ideia a pegara de surpresa. Mas, antes que ela pudesse responder, Kristen veio correndo até onde eles estavam, fazendo a água respingar com seus passos e trazendo um punhado de conchas nas mãos.
— Senhorita Katie! — gritou ela. — Achei umas conchinhas muito bonitas!
Katie se curvou. 
— Pode me mostrar?
Kristen estendeu as mãos, soltando as conchas na mão de Katie antes de se virar em direção a Alex. 
— Papai, podemos começar a fazer o churrasco? Estou morrendo de fome!
— É claro, querida — disse ele, dando alguns passos em direção à praia, observando enquanto seu filho mergulhava por entre as ondas. Quando Josh voltou para a superfície, Alex colocou as mãos ao redor da boca.
— Ei, Josh? — gritou ele. — Vou acender a churrasqueira. Por que não vem até aqui?
— Agora? — gritou Josh em resposta.
— Apenas por alguns momentos.
Mesmo àquela distância, ele viu que os ombros de Josh se contraíram pelo desânimo. Katie também deve ter percebido, pois se apressou logo em dizer.
— Eu posso ficar aqui se você quiser — disse ela.
— Tem certeza?
— Vou ficar aqui vendo as conchas que Kristen está me mostrando.
Ele fez que sim com a cabeça e voltou sua atenção para Josh. 
— A senhorita Katie vai ficar tomando conta de vocês. Por isso, não vá muito fundo!
— Não vou, não! — disse ele, sorrindo.

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