Capítulo 10
Violet e Quigley caminharam cautelosamente por cima da lagoa
congelada até chegar ao pé da queda d'água.
— Boa sorte! — gritou Klaus
da arcada da biblioteca.
Ele estava limpando as lentes dos óculos, como costumava fazer
antes de iniciar uma pesquisa séria.
— Boa sorte para você! —
respondeu Violet, por cima do barulho dos ventos da montanha. Ao olhar para
trás e ver o irmão, lembrou-se de quando os dois tentavam deter o trailer
enquanto ele disparava montanha abaixo. Klaus tinha sentido vontade de lhe dizer
alguma coisa, para o caso de o drag chute e a substância pegajosa não
funcionarem. Violet tinha a mesma sensação agora, enquanto se preparava para
escalar a queda d'água congelada e deixar o irmão entre os restos carbonizados
da base de operações de C.S.C. — Klaus... — disse ela.
Klaus colocou os óculos e abriu seu sorriso mais valente para a
irmã.
— O que quer que você
esteja pensando em dizer — disse ele, — diga quando voltar. — Violet assentiu
com a cabeça e bateu o candelabro contra um ponto do gelo. Ouviu um tum!
profundo, que indicava uma camada muito sólida sobre a qual podiam pisar
tranquilos.
— Vamos começar por aqui —
disse ela a Quigley. — Segura o rojão! — A expressão ‘’segura o rojão’’ como
você deve saber, não significa que Violet queria que Quigley se agarrasse a um
foguete de festa junina para ser levado por via aérea até o Cume das Aflições.
A expressão significa simplesmente ‘’prepare-se para uma empreitada muito
difícil’’ e sem dúvida seria muito difícil escalar uma queda d'água congelada,
no meio de um vale em que os ventos de várias direções sopravam tão fortes, sem
nada além de um candelabro e alguns garfos para ajudar na subida. Violet e
Quigley precisaram de alguns minutos até operar de maneira adequada a invenção,
o que consistia em fincar os garfos no gelo apenas o suficiente para segurá-los
no lugar, mas não tão fundo a ponto de deixá-los presos. Depois que ambos
estavam bem posicionados, Violet teve de esticar o braço o mais alto que podia
e bater o candelabro no gelo para encontrar o próximo ponto sólido onde pisar.
Nos primeiros passos chegou a parecer que a ascensão pelo declive gelado seria
impossível daquele modo, mas à medida que o tempo ia passando e os dois
voluntários ficavam cada vez mais habilidosos com os sapatos de alpinismo e o
candelabro, ficou claro que mais uma vez a perícia de Violet ganharia o dia,
uma expressão que aqui significa ‘’possibilitar que Violet e Quigley Quagmire
escalassem uma queda d'água congelada depois de segurar o rojão daquela difícil
jornada’’.
— Sua invenção está
funcionando — gritou Quigley para Violet, que estava acima dele. — Estes
sapatos são maravilhosos.
— Parece que funcionam
mesmo — concordou Violet, — mas não vamos comemorar ainda. Temos um longo
caminho pela frente.
— Minha irmã escreveu um
dístico exatamente sobre isso — disse Quigley, e recitou o poema de Isadora: ‘’Comemore
meio serviço, E ao fim terá só meio viço.’’
Violet sorriu e esticou o braço para testar o gelo acima dela.
— Isadora é uma boa poeta —
disse, — e seus poemas se mostraram adequados a diversas situações. Quando
estávamos na cidade dos Cultores Solidários de Corvídeos, ela nos conduziu até
o local onde estava escondendo uma mensagem secreta em uma série de dísticos.
— Fico pensando se isso é
um código que ela aprendeu com C.S.C. — disse Quigley, — ou se ela mesma
inventou.
— Não sei — disse Violet
pensativa. — Ela e Duncan foram os primeiros que nos falaram sobre C.S.C., mas
nunca me ocorreu que eles pudessem ser filiados. Mas, se pensar bem, o código que
Isadora usou era similar a um usado por nossa tia Josephine. Elas esconderam
uma mensagem oculta num bilhete e aguardaram até que descobríssemos. Talvez
ambas fossem voluntárias.
Ela puxou do gelo o seu sapato de alpinismo e fincou-o de novo
alguns centímetros acima para continuar a escalada.
— Talvez todos os nossos
tutores tenham sido membros de C.S.C., de um lado ou de outro da cisão.
— É difícil acreditar —
disse Quigley, — que estivemos sempre cercados por pessoas em missões secretas
e que nunca tenhamos percebido.
— É difícil acreditar que
estamos escalando uma queda d'água congelada nas Montanhas de Mão-Morta —
retrucou Violet, — e no entanto aqui estamos nós. Olhe, Quigley, está vendo a
saliência onde está fincado o meu garfo esquerdo? E bastante sólida para nós
dois nos sentarmos e recuperarmos o fôlego.
— Bom — disse Quigley. — Tenho
um saquinho de cenouras na mochila, podemos comer e recuperar nossas energias.
— O trigêmeo subiu até o lugar onde Violet se sentara, uma pequena saliência do
tamanho de um sofá, e escorregou para o seu lado. Os alpinistas viram que
tinham chegado mais longe do que pensavam. As ruínas enegrecidas da base de
operações estavam muito abaixo deles, e agora Klaus parecia apenas um pontinho
perto de uma minúscula arcada de ferro. Quigley deu uma cenoura a Violet, que a
mordeu pensativa.
— Sunny adora cenouras
cruas — disse Violet. — Espero que esteja bem alimentada, onde quer que esteja.
— Espero que meus irmãos
também estejam se alimentando — disse Quigley. — Meu pai sempre dizia que uma
boa refeição dá coragem a uma pessoa.
— Meu pai dizia a mesma
coisa — disse Violet, olhando para Quigley de um jeito curioso. — Você acha que
isso também era um código?
Quigley encolheu os ombros e suspirou. Pedacinhos de gelo caíram das
pontas dos garfos e foram levados pelo vento.
— É como se nunca
tivéssemos conhecido os nossos pais — disse ele.
— Nós os conhecíamos —
disse Violet. — Eles apenas tinham alguns segredos. Todo mundo deve ter algum
segredo.
— Imagino que sim — disse Quigley,
— mas eles podiam ter mencionado que pertenciam a uma organização secreta com
uma base de operações escondida nas Montanhas de Mão-Morta.
— Quem sabe não queriam nos
proteger de um lugar tão perigoso — disse Violet, olhando para além da
saliência. — Se bem que, uma vez que você precisa esconder uma base de
operações, esse é um belo lugar para se fazer isso. A não ser pelos destroços
do incêndio, é uma linda vista.
— Muito linda, sem dúvida —
disse Quigley, mas ele não estava olhando para a vista. Estava olhando para
Violet Baudelaire.
Muitas coisas tinham sido tiradas dos três Baudelaire. Seus pais,
seu lar. Os vários tutores que tiveram foram assassinados pelo conde Olaf, ou
talvez tenham saído de suas vidas simplesmente porque eram pessoas deploráveis
que logo perderam o interesse pelas crianças. Em todas as ocasiões em que os
irmãos foram obrigados a usar disfarces absurdos o que perderam foi a
dignidade. Ou uns aos outros, quando foram obrigados a se separar, e Sunny
agora tinha de cumprir tarefas domésticas no topo da queda d'água congelada,
enquanto Violet e Klaus aprendiam os segredos de C.S.C, embaixo dela. Mas outra
coisa fora tirada aos Baudelaire: sua privacidade, uma palavra que aqui
significa ‘’tempo para si mesmo, sem ninguém à espreita’’. A não ser que você
seja um eremita ou um par de gêmeos siameses, provavelmente gosta de tirar umas
férias da família com um amigo ou companheiro, no seu quarto ou em um vagão de
trem que você conseguiu levar sorrateiramente para fora do país. Mas desde
aquele dia pavoroso na Praia de Sal, quando o sr. Poe contou aos Baudelaire que
seus pais haviam morrido, eles praticamente não tiveram momentos de
privacidade. Do quarto pequeno e escuro onde dormiam na casa do conde Olaf até
o trailer superlotado no Parque Caligari, e todos os lugares deploráveis entre
uma coisa e outra, a situação dos Baudelaire foi sempre tão desesperada que
quase nunca eles conseguiam um momento de privacidade.
Enquanto Violet e Quigley descansam por mais alguns minutos em
cima de uma saliência a meio caminho do topo da queda d'água congelada,
aproveito a oportunidade para conceder a eles um pouquinho de privacidade, não
escrevendo mais nada sobre o que aconteceu entre aqueles dois amigos naquela
tarde gélida.
Existem aspectos da minha vida pessoal sobre os quais jamais
escreverei, por mais preciosos que sejam, e oferecerei à mais velha dos
Baudelaire o mesmo direito. Contarei a vocês que os dois jovens retomaram a
escalada, que a tarde pouco a pouco se tornou noite e que tanto Violet como
Quigley sorriam discretamente, enquanto o candelabro testava o gelo, e os
sapatos de alpinismo ajudavam os dois a escalar as montanhas. Mas Violet
Baudelaire teve tão poucos momentos de privacidade na vida que permitirei a ela
guardar para si mesma alguns poucos momentos importantes que não contarei aos
meus leitores angustiados.
— Estamos quase lá — disse
Violet. — É difícil enxergar com o sol poente, mas acho que estamos quase no
cume.
— Mal posso acreditar que
escalamos durante a tarde inteira — disse Quigley.
— Não durante a tarde inteira, — lembrou ela com um sorriso
tímido. — Acho que essa queda d'água é quase tão alta quanto a Avenida Sombria
667. Levei bastante tempo para subir e descer por aquele poço de elevador e
achar seus irmãos. Espero que agora sejamos mais bem-sucedidos.
— Eu também — disse Quigley.
— O que você acha que vamos encontrar no cume?
— Set! — veio a resposta.
— Não consegui ouvir por
causa do vento — disse Quigley. — O que você disse?
— Eu não disse nada —
respondeu Violet. Ela olhou para cima e apertou os olhos tentando enxergar aos
últimos clarões do crepúsculo, não acreditando que tivesse ouvido direito. De
todas as palavras da língua inglesa, em que foi originalmente escrito este
livro, a palavra ‘’set’’ é a que tem o maior número de definições, e se você
abrir um bom dicionário e ler o extenso verbete, começará a achar que ‘’set’’ nem
chega a ser uma palavra, mas apenas um som que significa coisas diferentes,
dependendo de quem diz. Por exemplo, se uma banda de músicos de jazz fala ‘’set’’
eles devem estar se referindo às músicas que pretendem tocar naquela noite,
contanto que o clube onde tocam não tenha sido incendiado. Se um proprietário
de restaurante usa a palavra ‘’set’’ deve estar se referindo a um conjunto de
taças de vinho idênticas ou a um grupo de garçonetes com a mesma
aparência. Um bibliotecário
chamaria de ‘’set’’ uma coleção de livros do mesmo autor ou sobre o mesmo
assunto. E um egiptólogo usaria a palavra ‘’set’’ para se referir ao antigo
deus do mal, muito embora ele não apareça muito nas conversas. Mas quando
Violet ouviu a palavra ‘’set’’ vindo de cima do Cume das Aflições, ela não
achou que havia uma banda de jazz, nem um dono de restaurante, nem um
bibliotecário, nem um egiptólogo falando sobre jazz, nem taças de vinho,
garçonetes, livros temáticos, e nem um imoral aardvark, o inimigo mitológico do
deus Osíris. Ela cravou o seu garfo o mais alto que pôde e viu os raios do sol
poente se refletirem em um grande dente, então Violet percebeu que a definição
da palavra ‘’set’’ era: ‘’Eu sabia que você ia me encontrar!’’, e quem a
pronunciou foi Sunny Baudelaire.
— Set! — disse Sunny outra
vez.
— Sunny ! — exclamou
Violet.
— Psiu! — disse Sunny.
— O que está acontecendo? —
perguntou Quigley, várias garfadas atrás de Violet.
— É Sunny — explicou
Violet, e içou-se até o cume para ver sua irmãzinha de perto.
Ela estava em pé ao lado do carro do conde Olaf, sorrindo de
orelha a orelha. Sem mais palavra, as duas Baudelaire se abraçaram com força,
mas Violet tomou cuidado para não cutucar Sunny com um dos garfos que segurava.
Quando Quigley chegou ao cume e se recostou contra um dos pneus do automóvel,
as duas Baudelaire estavam sorrindo com lágrimas nos olhos.
— Eu sabia que a veríamos
de novo, Sunny — disse Violet. — Eu sabia.
— Klaus? — perguntou Sunny.
— Ele está bem, e perto —
disse Violet. — Ele também sabia que conseguiríamos encontrá-la.
— Set — concordou Sunny,
mas então reparou em Quigley, e seus olhos se arregalaram.
— Quagmire? — perguntou espantada.
— Sim — disse Violet. —
Esse é Quigley Quagmire, Sunny. Ele sobreviveu ao incêndio. — Sunny andou,
vacilante, até Quigley e apertou-lhe a mão. — Ele nos levou até a base de
operações com um mapa desenhado por ele.
— Arigatô — disse Sunny, o
que queria dizer alguma coisa parecida com: ‘’Apreciamos a sua ajuda, Quigley’’.
— Foi você quem enviou um
sinal para nós? — perguntou ele.
— Eu — disse Sunny. — Lox.
— O conde Olaf andou
obrigando você a preparar a comida? — perguntou Violet, perplexa.
— Carmiga sopratudo — disse
Sunny.
— Olaf a obrigou até a
limpar as migalhas do carro — traduziu Violet para Quigley.
— Isso é ridículo! — disse Quigley.
— Cinderela — disse Sunny.
Ela queria dizer algo do gênero de: ‘’Tive de fazer todas as tarefas domésticas
e fui humilhada o tempo todo’’, mas Violet não teve tempo de traduzir, pois a
voz rascante do conde Olaf soou.
— Onde está você,
Bebelaire? — perguntou ele, somando um apelido absurdo à sua lista de insultos.
— Tenho tarefas para você.
As três crianças se entreolharam em pânico.
— Escondesconde — sussurrou
Sunny, e nem foi preciso traduzir. Violet e Quigley olharam para todos os lados
à procura de um lugar para se esconder. Mas só havia um único lugar.
— Embaixo do carro — disse
Violet, e ela e Quigley se contorceram para entrar debaixo do automóvel
comprido e preto, tão sujo e fedido quanto o seu dono.
Como inventora que era, a mais velha dos Baudelaire tinha estudado
atentamente o mecanismo dos automóveis, mas nunca tinha visto um em estado de conservação
tão precário, uma frase que aqui significa ‘’a parte inferior de um automóvel
tão deteriorada que o óleo do motor pingava sobre as cabeças das duas crianças
escondidas ali embaixo’’. Mas eles não tinham um momento a perder com seu
desconforto. Assim que conseguiram esconder seus sapatos de alpinismo, chegaram
o conde Olaf e seus comparsas. Debaixo do carro tudo o que os dois voluntários
podiam ver era a tatuagem do vilão no seu tornozelo esquerdo imundo e os
sapatos de salto alto de Esmé Squalor, ornamentados com brilhos e estampas de
olhos.
— A única coisa que comemos
hoje foi aquele salmão defumado, e já é quase hora do jantar — disse Olaf. — É
melhor começar a cozinhar, órfã.
— Amanhã é a Falsa
Primavera — disse Esmé, — e seria muito in ter um jantar de Falsa Primavera.
— Você ouviu isso, dentuça?
— rosnou Olaf. — Minha namorada quer um jantar elegante. Mãos à obra.
— Olaf, precisamos de você
aqui — disse uma voz muito profunda, e Violet e Quigley viram dois pares de
sinistros sapatos pretos surgirem de trás dos vilões, que estremeceram. De
repente, pareceu ficar muito mais frio embaixo do carro, e Violet teve de
forçar as pernas contra os pneus para que elas não tremessem e acabassem
fazendo barulho.
— Sim, Olaf — concordou a voz
rouca do homem com barba mas sem cabelo, embora Violet e Quigley não o
enxergassem. — O nosso plano de recrutamento vai acontecer logo de manhã,
portanto precisamos que você ajude a abrir a rede no chão.
— Você não pode mandar um
dos nossos empregados fazer isso? — perguntou Esmé. — O homem de mãos de
gancho, as duas mulheres de cara branca e as três aberrações do parque poderiam
fazer isso. Contando vocês, são oito pessoas para abrir a rede. Por que nós
deveríamos fazer isso?
Os quatro sapatos pretos deram um passo na direção dos elegantes
saltos de Esmé e da tatuagem de Olaf.
— Vocês vão ajudar — disse
a mulher com cabelo, mas sem barba, — porque eu mandei.
Houve uma longa pausa, então o conde Olaf soltou uma risadinha
esganiçada.
— Essa é uma boa razão —
disse. — Vamos, Esmé. Já demos nossas ordens ao bebê, não temos mesmo mais nada
para fazer.
— É verdade — concordou
Esmé. — Eu estava pensando em começar a fumar de novo, estou entediada. Você
tem mais algum daqueles cigarros verdes?
— Receio que não — retrucou
o homem com barba, mas sem cabelo, se afastando do carro. — Foi o único que
encontrei.
— Que pena — disse Esmé. — Não
gosto do gosto nem do cheiro, e eles fazem mal para a saúde, mas os cigarros
estão muito in, e eu gostaria de fumar.
— Talvez haja mais um nas
ruínas da base de operações — disse a mulher com cabelo, mas sem barba. — É
difícil achar as coisas no meio de todas aquelas cinzas. Nós procuramos por
dias a fio e não conseguimos encontrar o açucareiro.
— Não na frente do bebê! —
disse Olaf depressa, e os quatro pares de sapatos saíram andando. Violet e
Quigley permaneceram embaixo do carro até Sunny dizer ‘’Barralimpa’’ o que
queria dizer alguma coisa tipo ‘’Agora já dá para sair com segurança’’.
— Que pessoal horroroso —
disse Quigley, limpando óleo e fuligem do casaco. — Senti calafrios da cabeça
aos pés.
— Tinham uma aura
ameaçadora — sussurrou Violet. — Os pés com a tatuagem eram o conde Olaf e
aqueles sapatos brilhosos eram Esmé Squalor. Mas quem eram os outros dois,
Sunny ?
— Piromaníacos ignotos —
murmurou Sunny . Ela queria dizer alguma coisa parecida com: ‘’Não sei, mas
foram eles que tocaram fogo na base de operações de C.S.C.’’. E Violet se
apressou em explicar.
— Klaus encontrou uma importante
mensagem que sobreviveu ao incêndio — disse Violet. — Quando voltarmos com você
para lá tenho certeza de que Klaus já terá decodificado a mensagem. Vamos.
— Nempensá — disse Sunny, o
que queria dizer: ‘’Não creio que deva acompanhar vocês’’.
— Céus, por que não? —
perguntou Violet.
— Otrosan — disse Sunny.
— Sunny está dizendo que os
vilões mencionaram um outro santuário para os
voluntários se reunirem — explicou Violet para Quigley.
— Você sabe onde fica? —
perguntou Quigley.
Sunny sacudiu a cabeça.
— Dossiolaf — disse ela.
— Mas se o conde Olaf está
com o dossiê Snicket — disse Violet, — como você vai descobrir onde fica o
santuário?
— Matahari — disse ela, o
que queria dizer algo como: ‘’Se eu ficar, poderei espionar e descobrir’’.
— De jeito nenhum — disse
Violet, depois de traduzir. — Não é seguro você ficar aqui, Sunny . Já é ruim
que Olaf a tenha obrigado a cozinhar.
— Lox — salientou Sunny.
— Mas o que você vai
preparar para um jantar de Falsa Primavera? — Sunny sorriu para a irmã e foi
andando até o porta-malas. Violet e Quigley ouviram o barulho que Sunny fazia
enquanto vasculhava os restos dos suprimentos, mas se mantiveram alertas para
impedir que Olaf e seus comparsas os surpreendessem.
Quando Sunny voltou, ostentava um sorriso triunfante e um grande
saco de cogumelos, uma lata de castanhas d'água e uma enorme berinjela.
— Enroladinhos Falsa
Primavera! — disse, o que queria dizer alguma coisa na linha de: ‘’Legumes sortidos
embrulhados em folhas de espinafre, preparados em homenagem à Falsa Primavera’’.
— Só por você conseguir
carregar essa berinjela, já fico surpresa. Que dizer prepará-la — disse Violet.
— Ela deve pesar quase a mesma coisa que você.
— Chanceceia — disse Sunny
. Ela queria dizer alguma coisa como: ‘’Servir a ceia aos vilões seria a
oportunidade perfeita para ouvir a conversa deles’’, e Violet traduziu
relutante.
— Parece perigoso — disse Quigley.
— É claro que é perigoso —
disse Violet. — Se a pegarem espionando, o que podem fazer?
— Gaga-gugu — disse Sunny,
o que queria dizer: ‘’Ninguém vai me pegar porque acham que eu sou apenas um
bebê indefeso’’.
— Acho que sua irmã tem
razão — disse Quigley. — De um jeito ou de outro, não seria seguro carregá-la
até lá embaixo. Precisamos das nossas mãos livres para segurar os garfos e
descer. Vamos deixar Sunny investigar o mistério, ela é quem tem a maior
possibilidade de resolvê-lo. Enquanto isso, trabalharemos em um plano de fuga.
Violet sacudiu a cabeça.
— Não quero deixar a minha
irmã para trás — disse ela. — Os Baudelaire jamais devem ser separados.
— Separôklaus — argumentou
Sunny.
— Se existe algum outro
lugar onde os voluntários estão se encontrando — disse Quigley, — precisamos
saber onde é. Sunny pode descobrir para nós, mas só se ela ficar aqui.
— Não vou abandonar a minha
irmãzinha bebê no topo de uma montanha — disse
Violet. Sunny deixou cair os seus legumes no chão, foi andando até
a irmã e sorriu.
— Não sou mais um bebê —
disse Sunny, e abraçou-a. Essa foi a frase mais comprida que a jovem Baudelaire
já tinha pronunciado, e, olhando para ela,
Violet percebeu quão verdadeira era sua frase. Sunny de fato já
não era um bebê. Era uma menininha com dentes aguçados, algumas habilidades
culinárias impressionantes e com a oportunidade de espionar um grupo de vilões
e descobrir uma informação crucial. Durante os eventos desafortunados que recaíram
sobre os três órfãos, Sunny superara sua primeira infância, e, embora Violet
ficasse meio triste só de pensar nisso, ela ficou orgulhosa e sorriu para a
irmã.
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