Capítulo 1
Mas os órfãos Baudelaire não tinham outra escolha senão seguir
pelo caminho menos percorrido. Violet e Klaus, os Baudelaire mais velhos,
viajavam num trailer a toda a velocidade rumo ao topo das montanhas. Nem
Violet, que tinha catorze anos, nem Klaus, que recentemente fizera treze,
podiam supor que um dia percorreriam a estrada das Montanhas de Mão-Morta, a
não ser que estivessem numa viagem de férias acompanhados de seus pais. Mas os
pais dos Baudelaire estavam desaparecidos desde o terrível incêndio em sua casa
— ainda que as crianças acreditassem que um deles pudesse estar vivo —; e o trailer
não estava subindo as Montanhas de Mão-Morta rumo à base de operações secretas
de que tinham ouvido falar e que tinham esperanças de encontrar. O trailer
despencava montanha abaixo, sem que os órfãos pudessem controlar ou interromper
a queda, e por isso Violet e Klaus não se sentiam exatamente viajantes em
férias, mas sim peixes ao sabor das ondas em um mar tempestuoso.
Mas Sunny Baudelaire estava numa situação que era ainda mais
desesperadora. A mais jovem dos órfãos ainda não tinha aprendido a falar de um
modo que todos pudessem entender, portanto não tinha palavras para descrever o
quanto estava assustada. Sunny viajava montanha acima, rumo à base de operações
nas Montanhas de Mão-Morta, e o automóvel em que estava não tinha nenhum problema
de funcionamento, mas ainda que tudo parecesse correr bem, o homem que conduzia
o veículo era razão suficiente para deixá-la aterrorizada.
Algumas pessoas chamavam esse homem de malvado; algumas o chamavam
de facínora, que é uma palavra difícil para ‘’malvado’’. Mas todas o chamavam
de conde Olaf, a não ser quando ele usava um dos seus ridículos disfarces e
forçava as pessoas a chamá-lo por um nome falso. Conde Olaf era um ator, mas abandonara
sua carreira teatral para tentar roubar a herança milionária dos Baudelaire. Os
planos de Olaf para pôr as mãos na fortuna eram ignóbeis e complicados, mas
apesar disso ele conseguira atrair para sua trupe uma mulher vil e elegante
chamada Esmé Squalor, sua namorada, que estava agora sentada ao lado dele no
carro, tagarelando de um jeito antipático, com Sunny no colo.
Também estavam no carro os empregados de Olaf: um homem com
ganchos no lugar de mãos, duas mulheres que gostavam de empoar a cara de branco
e três novos capangas, recrutados há pouco no Parque Caligari. As crianças
Baudelaire também tinham estado no parque, disfarçadas, fingindo participar da
armação de Olaf. Mas o vilão as desmascarou, uma expressão que aqui significa
‘’descobriu quem elas eram e por isso cortou o nó que ligava o trailer ao
carro, deixando Sunny nas garras de Olaf e seus irmãos em queda livre’’. Sunny
, no colo de Esmé, sentia as unhas compridas da vilã arranharem seus ombros
enquanto se perguntava o que iria acontecer com ela e com os irmãos, cujos
gritos ficavam cada vez mais fracos e distantes conforme o carro se distanciava
do trailer em queda.
— Temos de parar este
trailer! — gritou Klaus, e colocou os óculos apressado, como se enxergar bem
pudesse melhorar a situação.
No entanto, mesmo em foco, a situação era bastante desesperadora.
O trailer que agora descia montanha abaixo e tinha se transformado no lar
sacolejante dos Baudelaire mais velhos, já tinha servido de lar para vários
artistas da Casa dos Monstros, mas isso foi antes de eles desertarem, uma
palavra que aqui significa ‘’juntarem-se ao bando revoltante de comparsas do
conde Olaf’’. Klaus agachou-se para se esquivar de uma panela que Hugo, o
corcunda, usara para preparar refeições e que por causa da trepidação
despencara de uma prateleira. E quando o jogo de dominó de Colette, a
contorcionista, passou deslizando pelo chão, Klaus teve de erguer seus pés para
não pisar nele. Foi preciso desviar também de uma rede de dormir, que com os olhos
apertados o Baudelaire do meio flagrou oscilando com violência em sua direção.
Há pouco tempo, antes de se juntar com os amigos Kevin e Colette à trupe de
Olaf, Kevin, o ambidestra, dormia naquela rede, que agora ameaçava cair sobre
as cabeças dos Baudelaire.
A única coisa reconfortante que Klaus podia ver era sua irmã, que
percorria o carroção com uma expressão intensa e pensativa, enquanto
desabotoava a camisa do disfarce que os dois irmãos compartilhavam.
— Ajude-me a tirar nossas
calças — disse Violet. — Não adianta mais fingir que somos uma aberração de
duas cabeças. Precisamos estar preparados para o que der e vier.
Em pouco tempo os dois Baudelaire estavam livres das enormes
roupas apanhadas do kit de disfarces do conde Olaf e se equilibravam de pé no
trailer trepidante, já com suas roupas normais. Klaus esquivou-se de um vaso de
planta que caía, e não pôde deixar de sorrir quando olhou para a irmã. Violet
prendia o cabelo com uma fita, sinal de que planejava alguma invenção. As
habilidades mecânicas de Violet já tinham salvado as vidas dos Baudelaire mais
vezes do que fora possível contar, e por isso Klaus tinha certeza de que a irmã
inventaria alguma coisa para deter a jornada do trailer.
— Você vai construir um
freio? — perguntou Klaus.
— Ainda não — disse Violet.
— Um freio obrigaria as rodas a parar de modo brusco, e as rodas deste trailer
estão girando rápido demais. Vou desenganchar essas redes e usá-las como drag
chutes.
— Drag chutes? — disse
Klaus.
— Drag chutes se parecem um
pouco com pára-quedas, mas são pedaços de lona presos na traseira de um carro
para reduzir sua velocidade — explicou Violet apressada, enquanto uma arara de
casacos chacoalhava ao seu redor. Sem titubear, desenganchou a rede onde ela e
Klaus tinham dormido. — No final das corridas de velocidade, os drag chutes são
usados para desacelerar os carros e ajudá-los a parar. Se eu pendurar as redes
do lado de fora do trailer, vamos reduzir bastante a velocidade.
— O que eu faço? —
perguntou Klaus.
— Você pode dar uma olhada
na despensa de Hugo — disse Violet, — e ver se encontra algo pegajoso.
Quando alguém pede que você faça alguma coisa inusitada e sem
explicação, é muito difícil não perguntar por quê, mas há muito tempo Klaus
aprendera a confiar nas idéias da irmã, então sem questionar se dirigiu até o
grande armário em que Hugo guardava os alimentos. A porta do armário batia de
um lado para o outro como se lutasse contra um fantasma, mas por sorte a maior
parte das coisas ainda se mantinha ali dentro. Klaus se lembrou da irmãzinha
bebê, que se afastava cada vez mais deles. Ainda que Sunny fosse muito jovem,
vinha demonstrando interesse por cozinha, e Klaus lembrou-se de que ela
desenvolvera uma receita de chocolate quente e ajudara a preparar uma sopa
deliciosa que todos saborearam. Klaus manteve a porta do armário aberta e,
enquanto o examinava, desejou que a irmãzinha sobrevivesse para dar
prosseguimento a seus talentos culinários.
— Klaus — disse Violet com
firmeza, desenganchando uma segunda rede e amarrando-a à primeira. — Não quero
apressá-lo, mas precisamos deter o trailer o mais depressa possível. Já encontrou
alguma coisa pegajosa?
Klaus piscou e retomou a tarefa. Um jarro de cerâmica rolou em
volta de seus pés enquanto ele examinava as garrafas e potes do armário.
— Há uma porção de coisas
pegajosas aqui dentro — disse ele. — Tem melaço de cana, mel de trevo
silvestre, xarope de milho, vinagre balsâmico envelhecido, manteiga de maçã,
geléia de morango, molho de caramelo, xarope de bordo, cobertura de caramelo,
licor marasquino, azeite de oliva virgem e extravirgem, creme inglês de limão,
damascos secos, chutney de manga, crema di noci, pasta de tamarindo, mostarda
forte, marshmallows, creme de milho, manteiga de amendoim, uvas em conserva,
puxa-puxa, leite condensado, recheio de torta de abóbora e cola. Não sei por
que Hugo guarda cola na despensa, mas não importa. O que você quer?
— Tudo — disse Violet,
resoluta. — Encontre um jeito de misturar todos os ingredientes enquanto amarro
as redes uma na outra.
Klaus pegou o jarro no chão e começou a despejar os conteúdos dos
potes dentro dele. Enquanto isso, Violet, sentada no chão para se equilibrar
melhor, entrelaçava os cordões das redes para formar um nó. A cada solavanco do
trailer os Baudelaire ficavam um pouco mais enjoados, como se estivessem de
volta ao Lago Lacrimoso, atravessando águas tempestuosas para tentar salvar um
dos seus muitos e desventurados tutores. Mas a despeito da desordem à sua volta,
Violet se ergueu do chão com as redes entrelaçadas nos braços. Klaus olhou para
ela e mostrou o jarro, cheio até a boca de uma pasta grudenta e colorida.
— Quando eu disser já —
disse Violet, — vou abrir a porta e jogar as redes para fora. Você fica do
outro lado do trailer, Klaus. Abra aquela janelinha e despeje a mistura por
cima das rodas. Se as redes funcionarem como drag chutes e a substância fizer
as rodas brecarem pelo menos um pouco, a velocidade do trailer será reduzida, e
nós estaremos salvos. Só preciso amarrar as redes à maçaneta.
— Você está usando o nó
Língua do Diabo? — perguntou Klaus.
— O Língua do Diabo não tem
nos trazido muita sorte — disse Violet, referindo-se às diversas fugas em que
precisaram de cordas. — Estou usando o Sumac, um nó que eu mesma inventei. É
uma homenagem a uma cantora que eu admiro. Pronto. Parece firme. Você está pronto
para despejar a mistura nas rodas?
Klaus abriu a janela. O ruído chacoalhante das rodas do trailer se
tornou mais audível, e os Baudelaire ficaram olhando por um momento a paisagem
que passava em alta velocidade. O caminho era acidentado e cheio de curvas,
parecia que a qualquer momento o trailer podia cair num buraco ou despencar dos
picos da montanha.
— Acho que estou pronto —
disse Klaus, hesitante. — Mas antes de testarmos a sua invenção quero lhe dizer
uma coisa.
— Se não andarmos logo —
disse ela, amarga, — você não terá nem chance de me dizer alguma coisa. — Ela
deu mais um puxão no nó e voltou-se de novo para Klaus. — Já! — comandou, e abriu
a porta do trailer num tranco.
Costuma-se dizer que ter a janela do quarto virada para uma bela
paisagem é o suficiente para fazer com que nos sintamos em paz e relaxados; no
entanto, se esse quarto for um trailer em vertiginosa queda por uma estrada íngreme
e sinuosa, e a paisagem uma sinistra cadeia de montanhas sendo deixada para
trás em alta velocidade, e se ainda por cima os ventos gélidos das montanhas fustigam
nosso rosto e enchem nossos olhos de poeira, é provável que não nos sintamos em
paz nem relaxados. Em vez disso, sentiremos o horror e o pânico que os
Baudelaire sentiram quando Violet abriu a porta. Por um momento eles ficaram
parados, apenas balançando ao sabor do trailer desenfreado e observando os
estranhos picos quadrados das Montanhas de Mão-Morta, enquanto as rodas do
trailer rangiam ao se chocar contra as pedras e os tocos de árvores no chão.
Mas então Violet gritou ‘’Já!’’ outra vez, e imediatamente eles começaram a
botar o plano em prática. Klaus se debruçou para fora da janela e começou a despejar
a mistura de melaço de cana, mel de trevo silvestre, xarope de milho, vinagre
balsâmico envelhecido, manteiga de maçã, geléia de morango, molho de caramelo,
xarope de bordo, cobertura de caramelo, licor marasquino, azeite de oliva
virgem e extravirgem, creme inglês de limão, damascos secos, chutney de manga,
crema di noci, pasta de tamarindo, mostarda forte, marshmallows, creme de
milho, manteiga de amendoim, uvas em conserva, puxa-puxa, leite condensado,
recheio de torta de abóbora e cola nas rodas mais próximas, enquanto sua irmã lançava
as redes porta afora.
Se você já leu alguma coisa a respeito das vidas dos órfãos
Baudelaire — e eu espero que não — não ficará surpreso ao saber que a invenção
de Violet funcionou. As redes se encheram de ar como enormes balões de pano
atrás do trailer, e de fato a velocidade diminuiu bastante, o que aconteceria
também com você, caso corresse com uma mochila ou um xerife nas costas. A
mistura pegajosa que Klaus preparara caiu sobre as rodas, que imediatamente
reduziram a velocidade, o que aconteceria também com você, caso corresse sobre
areia movediça ou uma lasanha. As rodas passaram a girar mais devagar, e em
pouco tempo os Baudelaire viajavam num ritmo bem mais tranquilo.
— Funcionou! — gritou
Klaus.
— Ainda não acabamos —
disse Violet, e foi até uma mesinha que tinha tombado na confusão.
Quando os Baudelaire moraram no Parque Caligari, essa mesa foi fundamental
para fazer planos, mas agora, nas Montanhas de Mão-Morta, seria fundamental por
uma razão diferente. Violet a arrastou até a porta aberta.
— Agora que as rodas estão
com a velocidade reduzida — disse ela, — vamos usar a mesa como freio.
Klaus despejou o resto da mistura nas rodas e perguntou:
— Como?
Mas Violet já estava mostrando como. Deitou-se no chão e segurou a
mesa pelas pernas para fora do trailer, arrastando o tampo contra a terra. Um
ruído áspero soou, e a mesa começou a trepidar nas mãos de Violet. Mas ela
segurou firme, e a mesa começou a raspar a terra pedregosa até reduzir a
velocidade do veículo. O trailer foi parando de chacoalhar, os objetos dos
antigos empregados do parque pararam de colidir uns com os outros e então, com
um último rangido, as rodas pararam de vez e tudo ficou em silêncio. Violet
inclinou-se para fora da porta e escorou uma das rodas com a mesa, para impedir
que continuasse a girar, só então se levantou e olhou para Klaus.
— Conseguimos — disse
Violet.
— Você conseguiu — disse
Klaus. — O plano foi idéia sua. — Ele pôs o jarro no chão e enxugou as mãos numa
toalha caída.
— Não deixe o jarro no chão
— disse Violet, correndo os olhos pelos destroços caídos no trailer.
'Precisamos juntar o máximo de coisas úteis para invenções. Se queremos
resgatar Sunny , vamos precisar fazer este trailer subir toda a montanha.
— E chegar à base de
operações — acrescentou Klaus. 'O conde Olaf está com o mapa, mas eu me lembro
que a base de operações fica no Vale das Correntezas que Sopram Constantes,
perto da nascente do Arroio Enamorado. Deve fazer muito frio por lá.
— Bem, aqui tem roupas à
vontade — disse Violet, olhando em volta. — Vamos pegar tudo o que der e
organizar lá fora.
Klaus concordou e recolheu o jarro, junto com diversos itens de
vestuário que tinham caído sobre um espelho de mão que pertencera a Colette.
Com andar cambaleante por conta do peso que carregava, ele saiu do trailer
atrás de Violet, que recolhera uma faca de pão, três casacos pesados e um
uquelele, uma espécie de guitarra havaiana que Hugo tocava em algumas tardes de
lazer. O piso do trailer rangeu sob os passos dos Baudelaire, que saíram para a
paisagem enevoada e vazia enquanto se davam conta da sorte que tiveram. O
trailer tinha parado na beirada de um dos picos quadrados da cadeia de
montanhas. As Montanhas de Mão-Morta pareciam uma escadaria que levava às
nuvens ou, descendo, para um véu de névoa espessa e cinzenta. Se o trailer
tivesse continuado um pouco mais, os dois Baudelaire teriam despencado através
da névoa até o degrau seguinte, que ficava muito, muito abaixo. Mas ao lado do trailer
as crianças podiam ver o Arroio Enamorado, cujas águas pretoacinzentadas corriam
preguiçosamente ladeira abaixo, como um rio de óleo. E, nesse caso, se o
trailer tivesse guinado para o lado, as crianças teriam mergulhado em águas
escuras e imundas.
— Parece que o freio
funcionou na hora certa — disse Violet. — Se o trailer se movesse para qualquer
lado estaríamos liquidados.
Klaus concordou e correu os olhos pela vastidão deserta que os
cercava.
— Vai ser difícil manobrar
o trailer aqui — disse ele. — Você terá de inventar algum dispositivo de
direção.
— E algum tipo de motor —
disse Violet. — Isso vai tomar algum tempo. —
— Não temos tempo — disse
Klaus. — Se não nos apressarmos, o conde Olaf se afastará demais, e nunca
encontraremos Sunny.
— Vamos encontrá-la — disse
Violet decidida, e pôs no chão os objetos que carregava. — Vamos voltar para o
trailer e procurar...
Mas antes que Violet terminasse a frase, um estralejar a
interrompeu. O trailer parecia gemer, e então, pouco a pouco, começou a se
movimentar em direção ao abismo. Os Baudelaire olharam para baixo e viram que
as rodas tinham esmagado a mesinha, portanto não havia mais o que impedisse o
trailer de se movimentar. Lento e desconjuntado, ele foi para a frente
arrastando os drag chutes, se aproximando da beira do pico. Klaus ainda tentou
agarrar uma rede, mas Violet o impediu.
— É pesado demais — disse
ela. — Não podemos detê-lo.
— Mas ele não pode cair no
abismo! — gritou Klaus.
— Se tentarmos segurá-lo
também cairemos — disse Violet.
Klaus sabia que a irmã tinha razão, mas ainda assim queria agarrar
o drag chute que Violet construíra. Quando você se defronta com uma situação
que é incapaz de controlar, é difícil admitir que não pode fazer nada, e foi
difícil para os Baudelaire assistir parados à queda do trailer para além da
beirada do pico. Um último rangido soou quando as rodas de trás atingiram um
montículo de terra, mas depois foi em silêncio absoluto que o trailer
desapareceu montanha abaixo.
Os Baudelaire chegaram até a beirada do pico e espiaram, mas a
névoa era tanta que o trailer não passava de um retângulo fantasmagórico que
foi ficando cada vez menor, até desaparecer completamente de vista.
— Por que não ouvimos um
estrondo? — perguntou Klaus.
— O drag chute está
segurando — disse Violet. — Espere um pouco. — Os irmãos esperaram, e um
momento depois ouviram um bum! abafado lá embaixo, quando o trailer cumpriu sua
sina. As crianças não puderam ver nada no meio da neblina, mas sabiam que o
trailer e tudo o que estava dentro dele se fora para sempre.
E, de fato, eu nunca consegui encontrar os destroços, mesmo depois
de vasculhar a área por meses, tendo por companhia apenas uma lanterna e um dicionário
de rimas. Parece que mesmo após noites incontáveis lutando contra mosquitos da
neve e rezando para que as pilhas da lanterna não se esgotassem, meu destino
era mesmo deixar algumas das minhas perguntas sem resposta. O destino é como um
estranho e impopular restaurante, cheio de garçons esquisitos trazendo coisas
que você nunca pediu e de que nem sempre gosta. Quando os Baudelaire eram mais
jovens, é provável que tenham acreditado que o destino deles era crescer
felizes e contentes junto aos pais na mansão Baudelaire, mas agora tanto a
mansão como os pais já não existiam. Assim como quando frequentavam a Escola
Preparatória Prufrock, quando deviam pensar que estavam destinados a terminar
os estudos ao lado dos amigos Quagmire, mas agora tanto a academia quanto os
dois trigêmeos tinham sumido das vistas dos Baudelaire há um bocado de tempo. E
há apenas alguns minutos, parecia que era o destino de Violet e Klaus despencar
num abismo ou num arroio, porém eles estavam vivos e bem, embora muito longe da
irmãzinha e sem veículo que os ajudasse a encontrá-la.
Violet e Klaus chegaram mais perto um do outro e sentiram os
ventos gélidos das Montanhas de Mão-Morta soprarem no caminho menos percorrido,
o que os deixou arrepiados. Eles olharam para as águas escuras e revoltas do
Arroio Enamorado, olharam para a névoa abaixo da beira do pico, e depois se
entreolharam estremecidos, não apenas por causa dos destinos que evitaram, mas
por imaginar todos os destinos misteriosos que ainda os aguardavam.
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