Capítulo 4
Aquela noite foi um dia escuro. É claro, todas as noites são dias
escuros, porque a noite não passa de uma versão mal iluminada do dia, que por
sua vez nada mais é do que os diversos rodopios que a Terra dá em torno do Sol
até lembrar a todos que é hora de sair da cama e começar o dia com uma xícara
de café ou um aviãozinho de papel com uma mensagem secreta que sai voando para
além das grades de um posto da Guarda Florestal. Mas neste caso, a expressão ‘’um
dia escuro’’ significa ‘’um momento triste na história das crianças Baudelaire,
C.S.C., e todas as pessoas corajosas e lidas do mundo’’. Mas Violet e Klaus não
tinham ideia do que acontecia logo acima deles, no Vale das Correntezas que
Sopram Constantes. Tudo o que sabiam era que a voz que ouviam agora era a mesma
que desejaram um dia nunca mais ouvir.
— Vão embora, seus
bisbórrias! — disse a voz. — Esta é uma caverna particular!
— Com quem você está
falando, Carmelita? — perguntou outra voz. Essa era mais forte, e parecia vir de um homem adulto.
— Posso ver duas sombras na
entrada da caverna, tio Bruce — disse a primeira voz, — e para mim, parecem
sombras de bisbórrias.
Do fundo da caverna ecoaram risadinhas, e Violet e Klaus se
entreolharam desolados. A voz pertencia a Carmelita Spats, a detestável menina
que os Baudelaire tinham conhecido na Escola Preparatória Prufrock. Naquela
época, Carmelita antipatizou de cara com os três irmãos, e não poupou
xingamentos nem esforços para transformar suas vidas na escola num grande
martírio. Se você já foi estudante sabe que existe uma pessoa dessas em cada
escola e que, depois da formatura, você deseja nunca mais reencontrá-la. Os
dois Baudelaire já tinham problemas suficientes nas Montanhas de Mão-Morta
antes de cruzar com uma pessoa tão desagradável, e ao som da sua voz eles quase
preferiram os mosquitos da neve que enxameavam do lado de fora.
— Duas sombras? — perguntou
a segunda voz. — Identifiquem-se, por favor.
— Somos viajantes das
montanhas — gritou Violet da entrada. — Nos perdemos e demos de cara com um
enxame de mosquitos da neve. Por favor, deixem-nos descansar aqui um pouco,
enquanto o cheiro da fumaça os espanta. Depois iremos embora.
— De jeito nenhum! —
respondeu Carmelita, ainda mais antipática que de costume.
— É aqui que os Escoteiros
da Neve estão acampados, descansando antes de continuar seu caminho rumo à
celebração da Falsa Primavera, quando deverão me coroar rainha. Não precisamos
de nenhum bisbórria para estragar a diversão.
— Vamos, Carmelita — disse
o homem adulto. — Espera-se que os Escoteiros da Neve sejam corteses, está
lembrada? Faz parte do Juramento Alfabético do Escoteiro da Neve. E seria muito
cortês da nossa parte oferecer a esses estranhos o abrigo da nossa caverna.
— Eu não quero ser cortês —
disse Carmelita. — Sou a Rainha da Falsa Primavera, faço o que bem entender.
— Você ainda não é a Rainha
da Falsa Primavera — disse uma voz paciente de menino pequeno. — Não até que
dancemos em volta do Mastro da Primavera. Entrem, viajantes, e sentem-se junto
ao fogo. Ficamos felizes em recebê-los.
— Assim é que se diz,
garoto — disse a voz do homem adulto. — Vamos, Escoteiros da Neve, recitemos
juntos o Juramento Alfabético do Escoteiro da Neve.
No mesmo instante a caverna reverberou com o som de muitas vozes
falando em perfeito uníssono, uma expressão que aqui significa ‘’recitando uma
lista de palavras muito estranha, todos ao mesmo tempo’’. ‘’Os Escoteiros da
Neve’’ recitaram os Escoteiros da Neve, — são amorosos, bonzinhos, corteses,
delicados, emblemáticos, felizes, grandiosos, humanos, imbatíveis, jovens,
limitados, modestos, nacionalistas, oficiais, perfeitos, queridos, recentes,
sabidos, talentosos, unânimes, varonis, xilofones e zipados. De manhã, de tarde
e de noite, o dia inteiro!
Os dois Baudelaire ficaram confusos. Como muitos juramentos, o
Juramento Alfabético do Escoteiro da Neve não fazia muito sentido, e Violet e
Klaus tentaram imaginar como um escoteiro poderia ser ‘’bonzinho’’ e ‘’delicado’’
e ao mesmo tempo ‘’imbatível’’ e ‘’varonil’’ ou por que precisavam jurar ser ‘’humanos’’
e ‘’jovens’’ se já eram humanos e jovens. Eles não entendiam por que o
juramento acrescentava que os Escoteiros da Neve eram todas aquelas coisas ‘’o
dia inteiro’’ se já tinham dito que eram ‘’de manhã’’ ‘’de tarde’’ e ‘’de noite’’.
Ou por que a estranha palavra ‘’xilofone’’ aparecia no juramento. Mas eles não tiveram
tempo para estranhar mais nada, porque assim que acabou o juramento, todos os
escoteiros inspiraram fundo e soltaram um prolongado barulho de vento, ou algo
parecido, como se quisessem imitar a natureza, o que pareceu ainda mais estranho.
— Essa é a minha parte
predileta — disse o homem adulto quando o som se extinguiu.
— Nada como encerrar o
Juramento Alfabético do Escoteiro da Neve com um som de neve. Aproximem-se,
viajantes, para que possamos vê-los.
— Vamos segurar o casaco
por cima do rosto — sussurrou Klaus para a irmã. — Carmelita pode nos
reconhecer.
— E os outros escoteiros já
devem ter visto nossas fotografias n'0 Pundonor Diário', disse Violet, e enfiou
a cabeça embaixo do casaco. O Pundonor Diário era um jornal que publicara uma
reportagem culpando os três Baudelaire pelo assassinato de Jacques Snicket. É
claro que a matéria era uma asneira total, mas parece que todo mundo acreditara
nela e queria ver os Baudelaire na cadeia.
Mas quando os dois irmãos se aproximaram dos Escoteiros da Neve,
perceberam que não eram os únicos preocupados em esconder o rosto. O fundo da
caverna era um grande salão circular, com teto muito alto e paredes de rocha
que refletiam a luz alaranjada das chamas. Sentadas em círculo ao redor do fogo
havia quinze ou vinte pessoas, todas com os olhos erguidos para os dois
Baudelaire. Através do pano do casaco, as crianças viram que a pessoa mais alta
de todas — tio Bruce, provavelmente — usava um feio casaco xadrez e segurava um
charuto. Sentados de frente para ele, havia alguém com um suéter de lã cheio de
bolsos e os Escoteiros da Neve em seus uniformes brancos e brilhantes, com
zíperes na frente e diferentes emblemas de flocos de neve bordados ao longo das
mangas compridas e bufantes. Nas costas dos uniformes vinham bordadas em
grandes letras cor-de-rosa as palavras do Juramento Alfabético dos Escoteiros
da Neve. No topo das cabeças, todos usavam uma faixa branca decorada com
pompons imitando flocos de neve, com a palavra ‘’Brr!’’ escrita em letras de
gelo. Mas Violet e Klaus não estavam olhando para as nevascas de plástico, nem
para os amorosos, bonzinhos, corteses, delicados, emblemáticos, felizes,
grandiosos, humanos, imbatíveis, jovens, limitados, modestos, nacionalistas,
oficiais, perfeitos, queridos, recentes, sabidos, talentosos, unânimes,
varonis, xilofones e zipados uniformes que usavam. Estavam interessados nas
máscaras escuras e redondas que cobriam os rostos dos escoteiros. As máscaras
tinham furinhos minúsculos na frente, como as máscaras usadas em esgrima, um
esporte em que as pessoas duelam com espadas por diversão e não pela honra, ou
a fim de resgatar um escritor que foi colado na parede com fita adesiva. Mas
iluminadas pela luz cintilante da caverna as máscaras não pareciam ter
furinhos, e pareceu aos Baudelaire que os rostos de Bruce e dos Escoteiros da
Neve haviam desaparecido, dando lugar a um buraco escuro e vazio acima de cada
pescoço.
— Vocês estão ridículos,
bisbórrias — disse alguém entre os escoteiros, e os Baudelaire identificaram Carmelita
Spats no meio dos mascarados. — Não podemos enxergar seus rostos.
— E que nós somos modestos
— disse Violet, pensando depressa. — Tão modestos que quase nunca mostramos o
rosto.
— Então vocês vão se dar
muito bem aqui — disse Bruce por trás da máscara. — Meu nome é Bruce, mas vocês
podem me chamar de tio Bruce, embora eu não seja seu tio de verdade. Bem-vindos
aos Escoteiros da Neve, viajantes, onde somos todos modestos. E também
amorosos, bonzinhos, corteses, delicados...
Os outros Escoteiros da Neve fizeram coro no juramento, e os dois
Baudelaire tiveram de aguentar mais uma vez aquela lista absurda. O escoteiro
de suéter se levantou e caminhou na direção deles.
— Temos algumas máscaras de
reserva — murmurou baixinho, e apontou para um monte de equipamentos empilhados
ao lado de um mastro de madeira muito alto. — As máscaras mantêm os mosquitos da
neve afastados quando saímos da caverna. Peguem uma para cada um de vocês.
— Obrigada — retrucou
Violet, enquanto os escoteiros prometiam ser jovens, limitados e modestos.
Antes que os escoteiros terminassem de recitar o juramento, ela e o irmão
agarraram as máscaras e as colocaram por baixo dos casacos para que, quando os
escoteiros jurassem ser varonis, xilofones e zipados, os Baudelaire tivessem
uma aparência tão sem cara quanto os outros.
— Isso foi divertido,
garotada — disse Bruce, assim que o som de neve se extinguiu e o juramento
terminou. — Que tal vocês se juntarem aos Escoteiros da Neve, viajantes? Somos
uma organização dedicada a proporcionar diversão e aprendizado aos jovens.
Neste momento estamos em meio a uma Excursão A Pé dos Escoteiros da Neve. Vamos
escalar toda a montanha e atingir o Cume das Aflições, onde vamos celebrar a
Falsa Primavera.
— O que é a Falsa
Primavera? — perguntou Violet, sentada entre o irmão e o escoteiro de suéter.
— Qualquer um que não seja
um bisbórria sabe o que é a Falsa Primavera — disse Carmelita com um tom
desdenhoso. — É quando faz muito calor antes de ficar muito frio de novo. Nós a
celebramos com uma linda dança em torno do Mastro da Primavera. — Quando ela
apontou para o mastro de madeira, os Baudelaire notaram que as luvas dos
Escoteiros da Neve eram aquelas que mantêm quatro dedos juntos e o polegar
separado. Eram brancas e brilhantes como os uniformes, e ainda tinham as
iniciais EN estampadas. — Quando a dança acaba, escolhemos a melhor escoteira e
a coroamos Rainha da Falsa Primavera. Dessa vez vou ser eu. Na verdade, sou
sempre eu.
— Isso é só porque o tio
Bruce é seu tio de verdade — disse um dos outros Escoteiros da Neve.
— Não, não é por isso —
insistiu Carmelita. — É porque sou a mais amorosa, boazinha, cortês, delicada,
emblemática, feliz, grandiosa, humana, imbatível, jovem, limitada, modesta,
nacionalista, oficial, perfeita, querida, recente, sabida, talentosa, unânime,
varonil, xilofone e zipada.
— Como alguém pode ser ‘’xilofone’’?
— Klaus não aguentou e perguntou. — 'Xilofone' não é sequer um adjetivo.
— O tio Bruce não conseguiu
se lembrar de nenhuma outra palavra que começasse com X — explicou o Escoteiro
da Neve de suéter, denunciando com seu tom de voz que ele não achava aquela uma
boa desculpa.
— Que tal 'xenófilo'? —
sugeriu Klaus. — É uma palavra que significa...
— Não podemos mudar as
palavras do Juramento Alfabético dos Escoteiros da Neve — interrompeu Bruce,
levando o charuto ao rosto como se fosse fumar através da máscara. — O objetivo
dos Escoteiros da Neve é repetir sempre a mesma coisa, de novo e de novo.
Celebramos a Falsa Primavera de novo e de novo no Cume das Aflições, junto à
nascente do Arroio Enamorado. Minha sobrinha Carmelita é a Rainha da Falsa
Primavera de novo e de novo. E de novo e de novo paramos aqui nesta caverna
para a Hora das Histórias dos Escoteiros da Neve. —
— Pelo que eu li, as
cavernas das Montanhas de Mão-Morta são muito utilizadas por animais em
hibernação — disse Klaus. — Tem certeza que é seguro parar aqui? — O escoteiro que usava suéter em vez de
uniforme voltou a cabeça rapidamente para os Baudelaire, como se fosse falar,
mas Bruce respondeu primeiro. — Agora é seguro — disse ele.
— Aparentemente, anos atrás
essas montanhas eram infestadas de ursos. Os ursos eram tão inteligentes que
foram treinados como soldados. Mas eles desapareceram, e ninguém sabe por quê.
— Ursos, não — disse muito
baixo o escoteiro de suéter, e os dois Baudelaire se inclinaram para ouvi-lo. —
Eram leões. E eles não eram soldados. Eram detetives felinos voluntários — conhecidos
como Caçadores de Segredos Criminais. — Ele se voltou para os dois irmãos, que
perceberam estar sendo encarados através dos furos. — Caçadores de Segredos
Criminais — repetiu, e os Baudelaire quase engasgaram.
— Você disse... — ia dizer
Violet, mas o escoteiro de suéter sacudiu a cabeça, indicando que era perigoso
falar do assunto. Violet olhou para o irmão e depois para o escoteiro, e
desejou poder ver seus rostos por trás das máscaras. As iniciais de Caçadores
de Segredos Criminais, é claro, eram C.S.C., o nome da organização que
procuravam. Mas seriam aquelas iniciais outra coincidência, como tantas que já
apareceram? Ou seria algum tipo de sinal daquele Escoteiro da Neve de suéter?
— Não sei o que vocês tanto
resmungam, garotos — disse Bruce, — mas parem agora mesmo. Não é hora de
conversa. E a Hora das Histórias dos Escoteiros da Neve, momento em que um
Escoteiro da Neve conta uma história para os outros Escoteiros da Neve,
enquanto todos comemos marshmallows até enjoar e dormir sobre uma pilha de
cobertores, como fazemos todos os anos. Por que os novos escoteiros não contam
a primeira história?
— Eu é que devia contar a
primeira história — queixou-se Carmelita. — Afinal, sou a Rainha da Falsa
Primavera.
— Mas tenho certeza de que
os viajantes têm uma história maravilhosa para contar — disse o escoteiro de
suéter. — Eu adoraria ouvir um Conto Surpreendente e Cativante. — Klaus viu que
a irmã colocara as mãos para o alto e começara a sorrir. Ele sabia que Violet
queria amarrar o cabelo com uma fita para ajudá-la a pensar, mas era impossível
fazer isso com aquela máscara. As cabeças dos dois Baudelaire estavam
aceleradas, tentando inventar um jeito de se comunicar com o escoteiro
misterioso, e ficaram tão absortos em seus pensamentos que mal ouviram os
insultos de Carmelita Spats.
— Não fiquem aí sentados,
seus bisbórrias — disse Carmelita. — Se vão contar uma história, comecem de uma
vez.
— Desculpe a demora — disse
Violet, escolhendo as palavras com cuidado.
— Passamos o dia
Completamente Sem Comer, por isso é difícil pensar em uma boa história.
— Eu não tinha percebido
que este era um momento difícil — disse o escoteiro de suéter.
— Ah, é verdade — disse
Klaus. — Não comemos nada o dia inteiro, a não ser umas Coxinhas Sabor Cominho.
— E, além disso, havia os
mosquitos da neve — disse Violet. — Eles pareciam Coleópteros Sedentos
Congelados.
— Quando eles atacaram
formando uma flecha — disse Klaus, — ficaram parecidos com uma Caveira de
Serpente Cuspidora.
— Ou um Comedor Satânico de
Capim — disse o escoteiro de suéter, indicando que tinha entendido a mensagem.
— Essa é a história mais
chata que já ouvi — disse Carmelita Spats. — Tio Bruce, diga a esses dois que
eles não passam de uns bisbórrias.
— Bem, isso não seria muito
cortês — disse Bruce, — mas devo admitir que a história de vocês era bem
maçante, garotos. Quando Escoteiros da Neve contam histórias, eles pulam todas
as partes aborrecidas e contam só as partes interessantes. Desse modo a história
fica mais amorosa, boazinha, cortês, delicada, emblemática, feliz, grandiosa,
humana, imbatível, jovem, limitada, modesta, nacionalista, oficial, perfeita,
querida, recente, sabida, talentosa, unânime, varonil, xilofone e zipada.
— Vou mostrar a esses
bisbórrias o que é uma história interessante — disse Carmelita. — Era uma vez
eu. Um dia eu acordei, olhei no espelho e vi a menina mais linda, mais
inteligente e mais gracinha de todo o mundo. Eu vesti um encantador vestido
cor-de-rosa para ficar ainda mais linda e fui saltitando para a escola, onde a
professora me disse que eu era a pessoa mais adorável que já tinha visto, e me
deu um presente especial, um pirulito que...
Nesse ponto me permito pegar emprestada uma página de um livro
alheio, expressão que aqui significa ‘’fazer uma coisa que alguém já fez antes’’.
Se, por exemplo, alguém lhe dissesse que o melhor jeito de escrever um bilhete
de agradecimento é comendo um biscoito cada vez que quiser escrever um, você
poderia tomar emprestada uma página desse livro e deixar uma travessa de
biscoitos à mão depois do seu aniversário, ou em qualquer outra data em que se
costuma agradecer pelos presentes que ganhamos. Se uma garota dissesse a você
que o melhor jeito de sair escondido de casa tarde da noite é se certificando
de que todos dormem, você poderia tomar emprestada uma página do livro dela e
misturar um sonífero no cafezinho servido depois do jantar e escapulir pela
hera plantada do lado de fora do seu quarto. Se você andou lendo esta história
deplorável, então da próxima vez em que estiver dentro de um trailer
descontrolado tome emprestada uma página de O escorregador de gelo e use uma
combinação de substâncias pegajosas para jogar nas rodas e um drag chute,
depois recupere do trailer diversas peças de roupa para se proteger do frio e
dos mosquitos e se abrigue em uma caverna cheia de Escoteiros da Neve reunidos
em volta de uma fogueira.
Eu vou pegar uma página do livro de Bruce, em que ele sugere que
um contador de histórias só deve contar as partes interessantes e pular tudo o
que possa ser maçante. Nem é preciso dizer que os dois Baudelaire mais velhos
desejavam pular essa parte maçante da sua própria história e sair da caverna
para retomar a busca de Sunny. No entanto eles não podiam sair da caverna antes
de conversar com o misterioso escoteiro de suéter, nem conversar com ele na
frente dos outros.
Portanto resignaram-se ao pé do fogo enquanto Carmelita Spats
tagarelava sem parar sobre como ela era linda, inteligente, gracinha, e como
todo mundo que ela conhecia lhe dizia que ela era adorável. Muito embora os
Baudelaire tivessem de aguentar essas partes chatas da sua própria história,
você não tem essa obrigação, por isso vou pular direto para depois da
interminável história de Carmelita, do absurdo juramento que Bruce obrigou todo
mundo a fazer um monte de vezes e da refeição de marshmallow que os escoteiros
compartilharam com os Baudelaire. Também vou me furtar a contar o quanto foi
desgastante para Violet e Klaus virar o rosto e erguer rapidamente a máscara
para enfiar os marshmallows na boca antes que alguém os reconhecesse. Depois da
longa e exaustiva jornada, as crianças teriam preferido uma ceia mais nutritiva
e menos angustiante, mas essas partes da sua história não puderam ser puladas,
portanto os Baudelaire aguardaram até que anoitecesse e todos os Escoteiros da
Neve, com exceção do misterioso escoteiro de suéter, ficassem enjoados de
marshmallow e fossem se deitar ao lado do Mastro da Primavera. Nem mesmo quando
Bruce puxou mais um Juramento Alfabético como forma de dizer boa-noite, Violet
e Klaus se atreveram a conversar com o escoteiro de suéter. Temiam que alguém pudesse
ouvi-los, por isso aguardaram curiosos e ansiosos a fogueira se apagar e a
caverna reverberar ao som dos roncos dos Escoteiros da Neve. Mas novamente tomo
emprestada uma página do livro de Bruce e pulo para a próxima coisa interessante
que aconteceu. E aconteceu muito, muito tarde da noite, na hora em que a maior
parte das coisas interessantes acontecem nas histórias e muita gente não vê
porque está dormindo ou se escondendo no armário das vassouras em uma fábrica
de mostarda, disfarçada de pá de lixo para enganar a vigilante noturna.
Na hora mais escura daquele dia escuro, tão tarde que os
Baudelaire já tinham quase desistido de continuar acordados, ainda mais depois
de um dia tão exaustivo, os irmãos sentiram um toque em seus ombros. Sem demora
eles se viraram e encararam o rosto mascarado do escoteiro de suéter.
— Venham comigo — disse o
garoto em um tom de voz muito baixo. — Conheço um atalho que leva à base de
operações. — E claro que essa foi uma parte bastante interessante da história.
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