Capítulo 7
Um associado meu escreveu certa vez um romance chamado Corredores
do poder, que contava a história de diversas pessoas que discutiam como o mundo
teria se tornado um lugar corrupto e perigoso, e se havia ou não um número suficiente
de pessoas íntegras e decentes capazes de impedir que o planeta caísse em desespero.
Passados vários anos ainda não li esse romance inteiro, porque participo de
muitas discussões sobre como o mundo se tornou um lugar corrupto e perigoso e
se há um número suficiente de pessoas íntegras e decentes capazes de impedir
que o planeta inteiro caísse em desespero, mesmo sem ler a respeito nas minhas
horas de lazer. Mas ainda que eu não tenha lido o livro, a expressão ‘’corredores
do poder’’ veio a ser sinônimo de lugares muito discretos e muitas vezes
secretos, onde assuntos importantes são discutidos. Sejam ou não corredores de
fato, os corredores do poder tendem a se manter silenciosos e misteriosos. Se
você já entrou em um edifício importante, como uma grande sucursal de
biblioteca ou o consultório de um dentista que concorda em disfarçar os seus
dentes, então já vivenciou a sensação que acompanha os corredores do poder, e
Violet e Klaus Baudelaire a vivenciaram assim que terminaram de percorrer o
Caminho Secundário das Chamas e se puseram a seguir o misterioso escoteiro de
suéter para fora da passagem secreta. Ainda que portassem máscaras, os dois
irmãos sabiam que estavam em algum lugar importante, embora houvesse apenas um corredor
curvo com uma pequena grade no teto por onde entrava a luz da manhã.
— É por lá que escapa a
fumaça da fogueira dos Escoteiros da Neve — sussurrou o escoteiro misterioso,
apontando para o teto. — Aquilo conduz exatamente ao centro do Vale das
Correntezas que Sopram Constantes, portanto a fumaça é dispersada aos quatro
ventos. E C.S.C., não quer que ninguém veja a fumaça.
— Onde há fumaça — disse
Violet, — há fogo.
— Exatamente — disse o
escoteiro. — Qualquer um que veja fumaça subindo de um lugar tão elevado pode desconfiar.
Encontrei um dispositivo que funciona de acordo com esse princípio.
Ele enfiou a mão na mochila e tirou de lá uma caixa retangular
cheia de tubinhos verdes, iguais ao que Sunny vira o homem com barba mas sem
cabelo entregar a Esmé Squalor.
— Não, obrigada — disse
Violet. — Eu não fumo.
— Nem eu — disse o
escoteiro, — mas isso não são cigarros. São Cilindros Sempre-verdes Combustíveis.
‘’Sempre verdes’’ são plantas que permanecem verdes mesmo no meio da neve e do
frio. Esses dispositivos, quando acesos, por maior que seja o frio, liberam uma
fumaça verde-escura que possibilita aos outros voluntários saber onde você
está.
Klaus pegou a caixa das mãos do escoteiro e apertou os olhos para
enxergar na luz pálida.
— Já vi uma caixa dessas
antes — disse ele, — em cima da mesa do meu pai. Eu procurava uma espátula de
abrir cartas. Lembro de ter achado estranho, porque ele não fumava.
— Ele deve ter achado que
lá era um bom esconderijo — disse Violet. — Mas por que fazer segredo disso?
— Tudo o que se refere à
organização é um segredo — disse o escoteiro. — Foi muito difícil descobrir o
local secreto da base de operações.
— Foi difícil para nós
também — disse Klaus. — Só conseguimos encontrá-la num mapa codificado.
— Eu tive de desenhar o meu
próprio mapa — disse o escoteiro, e enfiou a mão no bolso do suéter. Ele
acendeu um farolete, e os dois Baudelaire puderam ver que ele estava segurando
um caderno de capa roxa escura.
— O que é isso? — perguntou
Violet.
— É um livro de lugar-comum
— disse o escoteiro. — Sempre que encontro alguma coisa importante ou
interessante, anoto aqui. Todas as minhas informações preciosas ficam
registradas em um só lugar.
— Eu devia usar um desses —
disse Klaus. — Meus bolsos já estão estufados de tanto papel.
— A partir de informações
extraídas do livro do dr. Montgomery e alguns outros — disse o escoteiro, — consegui
desenhar um mapa do caminho que deveria seguir a partir do ponto em que estamos
agora. — Ele abriu o caderno roxo e folheou algumas páginas até chegar a uma
pequena porém elegante reprodução da caverna, do Caminho Secundário das Chamas
e do corredor em que estavam.
— Como podem ver — disse
ele, correndo o dedo pelo desenho, 'a passagem se ramifica em duas direções.
— Esse mapa está muito bem
traçado — disse Violet.
— Obrigado — retrucou o
escoteiro. — Já me interessei por cartografia um tempo. Vejam, se formos para a
esquerda encontraremos uma pequena área usada para armazenar trenós e agasalhos
de neve, isso se o artigo de jornal que encontrei estiver certo. Mas se formos
para a direita, chegaremos à porta com Cerramento Supravernacular Complexo, que
deve levar à cozinha da base de operações. Poderemos dar de cara com a
organização inteira tomando café-da-manhã.
Os dois Baudelaire se entreolharam por trás das máscaras, e Violet
pousou a mão no ombro de Klaus. Eles não se atreveram a verbalizar as
esperanças que tinham de que um de seus pais pudesse estar logo depois da
esquina.
— Vamos — sussurrou Violet.
O escoteiro concordou em silêncio e seguiu na rente dos Baudelaire pelo corredor,
que parecia cala vez mais frio. Àquela altura eles já estavam tão longe de
Bruce e dos Escoteiros da Neve que não havia mais necessidade de cochichar, mas
por causa de uma sensação muito comum transmitida pelos corredores do poder, as
crianças se mantiveram caladas durante todo o percurso. Por fim chegaram a uma
grande porta de metal com um dispositivo no lugar da maçaneta. O mecanismo
lembrava um pouco uma aranha, com fios saindo em todas as direções, mas onde
deveria ser a cabeça da aranha havia um teclado de máquina de escrever. Apesar
da excitação por estar diante da base de operações, a mente inventiva de Violet
se interessou imediatamente pelo estranho dispositivo, e ela se inclinou para
observá-lo mais de perto.
— Espere — disse o
escoteiro de suéter, detendo-a com o braço. — Essa é uma fechadura codificada.
Se não a manusearmos do jeito certo não conseguiremos entrar.
— E como funciona? —
perguntou Violet, com um pouco de frio.
— Não tenho certeza —
admitiu o escoteiro, e pegou de novo o seu livro de lugar-comum. — O sistema é
chamado de Cerramento Supravernacular Complexo, portanto...
— Portanto opera com
linguagem — concluiu Klaus. — A palavra ‘’Vernacular’’ quer dizer ‘’uma
linguagem local ou dialeto’’. ‘’Supravernacular’’ deve indicar que vai além do
vernacular. Mas ainda é um fechamento ‘’complexo’’, que é o mesmo que ‘’complicado’’.
— E é complicado — disse
Violet. — Está vendo como os fios estão enrolados em volta das dobradiças da
porta? Eles estão travados, a não ser que você digite a sequência certa de
letras naquele teclado. Há mais letras do que números, portanto fica mais
difícil alguém adivinhar a combinação da fechadura.
— Foi isso mesmo que eu li
— confirmou o escoteiro, consultando uma página do seu caderno. — E preciso
digitar três senhas específicas em seqüência. As senhas mudam a cada estação,
portanto os voluntários precisam ter um bocado de informações para abrir a
porta. A primeira é o nome do cientista mais reconhecido como o descobridor da
gravidade.
— Isso é fácil — disse
Violet, e digitou S-I-R-I-S-A-A-C-N-E-W-T-O-N, o nome do físico que sempre
admirou. Quando ela terminou de digitar, ouviram-se vários cliques abafados do
teclado, como se o dispositivo estivesse esquentando.
— A segunda é o nome em
latim dos detetives felinos conhecidos como Caçadores de Segredos Criminais — disse
o escoteiro. — Encontrei a resposta no livro Fenômenos notáveis das Montanhas
de Mão-Morta. A resposta é panthera leo.
Ele se inclinou para frente e digitou P-A-N-T-H-E-R-A-L-E-O. Um
zumbido muito discreto do dispositivo foi ouvido, e as crianças viram que os
fios nas dobradiças começavam a tremer.
— Está começando a
destravar — disse Violet. — Espero ter uma oportunidade de estudar essa
máquina.
— Mas antes vamos entrar na
base de operações — disse Klaus. — Qual é a terceira senha? — O escoteiro
suspirou e virou uma página do seu livro de lugares-comuns.
— Não tenho certeza —
admitiu. — Outro voluntário me disse que era o tema central do romance de Leon
Tolstoi, Ana Karenina, mas ainda não tive a oportunidade de lê-lo.
Violet sabia que o seu irmão estava sorrindo, muito embora não
pudesse ver seu rosto por trás da máscara. Ela estava se lembrando de um certo
verão, muito tempo antes, em que Klaus era muito jovem e Sunny ainda não tinha
nascido. A mãe dos Baudelaire costumava ler um livro muito grande a cada verão,
e dizia brincando que erguer um grande romance era o único exercício adequado durante
o calor. Naquele ano em que Violet estava pensando, a Sra. Baudelaire escolhera
Ana Karenina para ler, e Klaus sentava-se no colo da mãe por horas a fio
enquanto ela lia. Ele aprendera a ler fazia pouco tempo, mas sua mãe o ajudava
com as palavras difíceis e, de quando em quando, parava a leitura para contar o
que estava acontecendo na história. Foi assim que Klaus e sua mãe leram a
história de Ana Karenina, cujo namorado a tratava tão mal que ela acabou se
jogando embaixo de um trem. Embora Violet tenha passado a maior parte daquele
verão entre as leis da termodinâmica e a construção de uma miniatura de
helicóptero com as peças de uma batedeira e fios de cobre, sabia que Klaus se
lembraria do tema central de Ana Karenina.
— O tema central do livro —
disse ele, — é que uma vida rural e simples, a despeito da monotonia, é um tipo
de narrativa pessoal preferível a uma vida audaciosa de paixão impulsiva, que
só pode levar à tragédia.
— Esse tema está muito
comprido — disse o escoteiro.
— O livro é muito comprido
— retrucou Klaus. — Mas posso andar mais rápido. Uma vez eu e minhas irmãs
conseguimos transmitir um telegrama comprido num instante.
— Pena que o telegrama
nunca tenha chegado — disse baixinho o escoteiro, mas o Baudelaire do meio já
estava apertando as teclas da porta com Cerra-mento Supravernacular Complexo.
Ao digitar as palavras — uma vida rural — expressão que aqui significa ‘’viver
na roça’’ os fios começaram a se enrolar e desenrolar muito depressa, como
minhocas numa calçada depois da chuva, e quando Klaus estava digitando ‘’um
tipo de narrativa pessoal preferível’’ uma frase que aqui significa ‘’um jeito
de viver a sua vida’’ a porta inteira tremeu como se estivesse tão nervosa
quanto os Baudelaire. Por fim Klaus digitou ‘’T-R-A-G-É-D-I-A’’ e as três
crianças deram um passo atrás. Mas em vez de se abrir, a porta parou de tremer,
os fios pararam de se mexer e o corredor ficou em silêncio total.
— Não funcionou — disse
Violet. — Talvez esse não seja o tema central de Ana Karenina de Leon Tolstoi.
— Parecia estar
funcionando, até a última palavra — disse o escoteiro.
— Talvez o mecanismo esteja
meio emperrado — disse Violet.
— Ou talvez uma vida
audaciosa de paixão impulsiva leve a alguma outra coisa que não à tragédia —
disse o escoteiro, e em certos casos aquela misteriosa pessoa tinha razão.
Levar uma vida audaciosa de paixão impulsiva é uma expressão que se refere a
pessoas que seguem os impulsos do coração, e que, assim como as pessoas que
preferem seguir a razão, os conselhos de outras pessoas, ou um homem misterioso
de capa de chuva azul-escura, acabam fazendo toda sorte de coisas. Por exemplo,
se um dia você ler A Bíblia sagrada, irá se deparar com a história de Adão e
Eva, cuja vida audaciosa de paixão impulsiva os levou a vestir roupas pela
primeira vez na vida a fim de abandonar o jardim infestado de cobras onde
viviam. Bonnie e Cly de, um outro casal famoso que vivia uma vida audaciosa de
paixão impulsiva, descobriu que ela os levava a uma bem-sucedida, embora breve,
carreira de assaltos a bancos. E no meu próprio caso, nos poucos momentos em
que vivi uma vida audaciosa de paixão impulsiva, ela me trouxe toda sorte de
problemas, desde falsas acusações de incêndio criminoso até uma abotoadura
quebrada que jamais poderei consertar. Mas nesse caso, enquanto os Baudelaire
estavam diante da porta com Cerramento Supravernacular Complexo, a qual tinham
que transpor para chegar à base de operações de C.S.C, resgatar a irmã e
verificar se um de seus pais estava vivo, quem tinha razão não era o escoteiro
de suéter, mas os dois Baudelaire, porque em Ana Karenina, de Leon Tolstoi, uma
vida audaciosa de paixão impulsiva só pode levar à tragédia, como dissera
Klaus; e como dissera Violet, o mecanismo estava meio emperrado, pois alguns
segundos mais tarde a porta se escancarou com um lento e sinistro rangido. As
crianças atravessaram a porta, piscando os olhos por causa da luz repentina, e
ficaram paralisadas. Se você já leu a deplorável história dos Baudelaire até
aqui, já sabe que a base de operações de C.S.C, nas Montanhas de Mão-Morta não
existia mais, porém Violet e Klaus não estavam lendo a sua própria história, e por
isso ainda não sabiam. Estavam dentro da própria história, e essa foi a parte
da história em que ficaram tão chocados diante do que viram que sentiram
náuseas.
A porta com Cerramento Supravernacular Complexo não se abria para
uma cozinha. Não mais. Quando os Baudelaire acompanharam o misterioso escoteiro
porta adentro, viram-se diante do que parecia ser um vasto campo coberto por uma
plantação preta e arruinada em um vale tão frio e ventoso quanto o seu nome.
Mas pouco a pouco os remanescentes carbonizados do grande e imponente edifício
onde estariam agora, não fosse o fogo, começaram a aparecer. Ali perto havia um
punhado de talheres de prata espalhados na frente dos restos de um fogão; ao
lado, uma geladeira ainda em pé, como se estivesse ali para proteger os
escombros do resto da cozinha. Do outro lado havia uma pilha de madeira
queimada que devia ter sido a mesa de jantar, com um candelabro meio derretido
espetado no topo, como uma árvore anã. Mais afastadas, as três crianças puderam
ver as formas misteriosas de outros objetos sobreviventes do incêndio — um
trombone, um pêndulo de relógio antigo, algo parecido com um periscópio ou uma
luneta de espião, uma colher de sorvete abandonada sobre uma pilha de cinzas e
uma placa de ferro com as palavras ‘’Biblioteca C.S.C.’’ inscritas. Mas além da
placa não havia nada a não ser pilhas e pilhas de destroços carbonizados.
Era uma visão devastadora, que fez Violet e Klaus se sentirem
totalmente sozinhos em um mundo arrasado. A única coisa visível que parecia
preservada era uma imensa parede branca que se erguia até o alto, por trás da
geladeira. Os Baudelaire precisaram de alguns momentos até perceber que se
tratava de uma queda d'água congelada, erguendo-se como um escorregador de gelo
na direção da nascente do Arroio Enamorado sobre o Monte Fraught, no Cume das
Aflições. Era tão reluzente e branco que fazia as ruínas da base de operações
parecerem ainda mais escuras.
— Aqui deve ter sido um
lugar lindo — disse o escoteiro de suéter, e caminhou até a queda d'água,
fazendo subir poeira preta a cada passo. — Li que aqui havia uma grande janela
— disse, fazendo um gesto no ar como se ela ainda estivesse lá. — Quando era a
sua vez de cozinhar, você podia olhar para a queda d'água lá fora enquanto
picava legumes ou fervia um molho. Dizem que era muito tranqüilo. E havia um
mecanismo bem do lado de fora da janela que captava um pouco de água da lagoa e
a transformava em vapor. O vapor subia e cobria a base de operações com uma
manta de névoa, o que garantia a invisibilidade da base.
Os Baudelaire caminharam até o lugar onde estava o escoteiro e
olharam para a lagoa congelada ao pé da queda d'água. Ela se ramificava em dois
afluentes, uma palavra que aqui significa ‘’duas subdivisões de um rio ou curso
d'água, cada qual seguindo em uma direção, ultrapassando as ruínas da base de
operações e se curvando em volta das Montanhas de Mão-Morta até desaparecer de
vista’’. Violet e Klaus olharam com tristeza para os redemoinhos escuros que
tinham notado quando estavam caminhando ao longo do Arroio Enamorado.
— Eram cinzas do incêndio —
disse Klaus. — As cinzas caíram ao pé da queda d’água e a correnteza as levou
rio abaixo.
Violet achou mais fácil se concentrar em alguma coisa pequena e
específica, em vez de pensar no seu desapontamento.
— Mas a lagoa está
congelada — disse ela. — A correnteza não poderia ter levado as cinzas para
baixo.
— Ela não devia estar
congelada quando isso aconteceu — retrucou Klaus. — O calor do incêndio deve
ter degelado a lagoa.
— Deve ter sido uma coisa
horrível de ver — disse o escoteiro de suéter.
Violet e Klaus concordaram, e começaram a imaginar o mar de chamas
que assolou aquele lugar, uma expressão que aqui significa ‘’o incêndio
descomunal que destruiu a base de operações secreta no alto das montanhas’’. Eles
quase podiam ouvir o ruído dos vidros se estilhaçando e o crepitar do fogo
consumindo tudo.
Eles quase podiam sentir o cheiro da fumaça preta flutuando para
cima, e quase conseguiram ver os livros da biblioteca caindo em chamas das
estantes e se desfazendo em cinzas. A única coisa que não foram capazes de
imaginar foi quem teria estado na base de operações quando o fogo começou.
— Você acha — disse Violet,
— que algum dos voluntários...
— Não há indícios de que
houvesse alguém aqui — disse depressa o escoteiro.
— Mas como podemos ter
certeza? — perguntou Klaus. — Pode haver um sobrevivente em algum lugar agora
mesmo.
— Olá! — gritou Violet,
correndo os olhos pelos destroços em volta. — Olá? — Ela percebeu que seus olhos
se enchiam de lágrimas ao chamar pelas pessoas que, sabia, não estariam em
nenhum lugar por ali. A mais velha Baudelaire sentiu-se como se chamasse por
aquelas pessoas desde o terrível dia na praia, e teve a sensação de que se
gritasse por elas com insistência, elas poderiam reaparecer.
Pensou em todas as vezes em que as chamara, quando ainda morava na
mansão Baudelaire. Às vezes chamava por essas pessoas quando queria mostrar
algo que inventara. Às vezes chamava por elas quando acabara de chegar em casa.
E às vezes chamava simplesmente porque queria saber onde estavam. Violet apenas
queria vê-las e sentir que estaria segura enquanto elas estivessem por perto.
— Mamãe! — gritou Violet. —
Papai! — Não houve resposta.
— Mãe! — gritou Klaus. — Pai!
Ninguém respondeu, a não ser as quatro correntezas que sopram
constantes no vale e a porta com Cerramento Supravernacular Complexo que se
fechara empurrada pelo vento. As crianças notaram que a porta tinha sido
planejada para se confundir com a encosta da montanha, por isso não podiam ver
de onde tinham vindo nem qual o caminho de volta. Agora estavam verdadeiramente
sós.
— Sei que todos nós
tínhamos esperanças de encontrar pessoas na base de operações — disse
gentilmente o escoteiro de suéter, — mas não creio que haja ninguém aqui. Agora
estamos abandonados a nossa própria sorte.
— Isso é impossível! —
exclamou Klaus, e Violet ouviu-o soluçar. Ele procurou em seu bolso pela página
treze do dossiê Snicket, que vinha carregando consigo desde que os Baudelaire a
encontraram no Hospital Heimlich. Ali havia uma fotografia de seus pais ao lado
de Jacques Snicket e um outro homem e uma frase que
Klaus memorizara após ler tantas vezes. — ‘’Devido às evidências
discutidas na página nove’’ — recitou ele entre lágrimas, — ‘’os peritos agora
suspeitam que possa haver de fato um sobrevivente do incêndio, mas seu
paradeiro é desconhecido’’. —Foi até o escoteiro e sacudiu a página na cara
dele. — Nós pensávamos que o sobrevivente estivesse aqui — disse.
— Eu penso que o
sobrevivente está aqui — disse o escoteiro, e finalmente removeu a máscara para
revelar o seu rosto. — Sou Quigley Quagmire — disse. — Sobrevivi ao incêndio
que destruiu o meu lar, e tinha esperança de encontrar meus irmãos.
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