Capítulo 7
— O que vocês faz aqui, faz
favor? — rosnou madame Lulu, e foi pisando firme na direção dos órfãos. Seus
olhos brilhavam tão furiosos quanto o olho que levava no pescoço. — O que
aberraçóns faz aqui no barraca, faz favor, e o que aberraçóns faz embaixo de
mesa, faz favor, e faz favor responde agora mesma, faz favor, ou entón vocês
vai ficar muito, muito arrependida, faz favor, obrigada!
Os órfãos Baudelaire ergueram os olhos para a falsa vidente, e uma
coisa estranha aconteceu. Em vez de tremer de medo, ou chorar de pavor, ou se agarrar
uns aos outros enquanto Lulu berrava, os órfãos peitaram a vidente, uma expressão
que aqui significa ‘’não ficaram nem um pouco amedrontados’’. Agora que já
sabiam que madame Lulu tinha uma máquina no teto e uma biblioteca debaixo da
mesa, e que isso era parte de seu disfarce de pessoa mágica e misteriosa, era
como se todo o medo que pudessem sentir dela tivesse derretido, e ela fosse
apenas uma mulher mau-humorada e com um sotaque esquisito que possuía as
informações de que os Baudelaire precisavam. Enquanto madame Lulu gritava,
Violet, Klaus e Sunny a observavam sem temor, pois assim como ela, eles também
tinham motivos para estar zangados.
— Como vocês se atreve, faz
favor, de entrar no barraca sem permissón de madame Lulu! — gritou a falsa
vidente. — Eu é dona de Parque Caligari, e vocês precisa me obedecer cada
minuto de seus vidas de aberraçón! Faz favor, eu nunca viu, faz favor,
aberraçóns tón ingratos com madame Lulu! Vocês se meteu em grande, grande
encrenca, faz favor! — A essa altura, Lulu já tinha visto os cacos de vidro
espalhados pelo assoalho. — Vocês quebradores de bola de cristal! — bramiu ela,
apontando uma unha suja para os Baudelaire.
— Vocês devia ter vergonha
de seu existência de aberraçón! Bola de cristal é coisa de muito valor, faz
favor, tem poderes mágicos!
— Fraude! — gritou Sunny .
— A bola de cristal não tem
poderes mágicos coisa nenhuma! — traduziu Violet, irada. — E nem era de
cristal! Você também não é uma vidente de verdade! Nós sabemos do seu
dispositivo de relâmpagos, e da biblioteca de arquivos históricos. —
— Isso tudo não passa de um
grande disfarce — disse Klaus, mostrando a barraca com um gesto. — Você é que
devia ter vergonha da sua existência de vidente.
— Faz fa... — ia dizer
madame Lulu, mas fechou a boca antes de terminar. Ela olhou para os Baudelaire,
e os seus olhos se arregalaram. Então sentou-se junto ao que restou da bola de
cristal, baixou a cabeça e começou a chorar. — Estou envergonhada da minha
existência de vidente — disse ela, agora sem sotaque nenhum. Com um movimento
rápido, ela desenrolou o turbante e seus longos cabelos loiros caíram ao redor
do rosto borrado pelas lágrimas. — Estou totalmente envergonhada da minha
existência — disse ela entre lágrimas, e seus ombros sacudiam-se com os
soluços.
Os Baudelaire se entreolharam, depois olharam para a tremelicante
mulher sentada perto deles. Para uma pessoa decente, continuar com raiva de
alguém que desabou em lágrimas é difícil, e é por isso que muitas vezes chorar
é uma boa idéia quando uma pessoa decente está gritando com você. As três
crianças ficaram um pouco tristes enquanto madame Lulu não parava de chorar,
mas não podiam ajudá-la.
— Madame Lulu — disse
Violet com firmeza, mas não tanta firmeza quanto ela gostaria, — por que
você...
— Oh — exclamou madame Lulu
ao ouvir seu nome, — não me chame assim. — Ela ergueu a mão e puxou de uma vez
o cordão que prendia o olho em volta do seu pescoço. Ele se arrebentou com um
pléc!, e ela o jogou no meio dos cacos de vidro no chão e continuou soluçando.
— Meu nome é Olívia — disse, com um suspiro soluçante. — Não sou madame Lulu
nem tampouco vidente.
— Mas por que estava
fingindo ser? — perguntou Klaus. — Por que você se disfarça? Por que ajuda o
conde Olaf?
— Eu tento ajudar todo
mundo — disse Olívia, tristemente. — Meu lema é ‘’dê às pessoas o que elas
querem’’. É por isso que estou neste parque. Finjo ser vidente e digo às
pessoas o que elas querem ouvir. Se o conde Olaf ou um de seus comparsas me
pergunta onde estão os Baudelaire, eu conto. Se Jacques Snicket ou outro
voluntário entra aqui e me pergunta se seu irmão está vivo, eu conto.
Os Baudelaire sentiram tantas perguntas pipocarem dentro deles que
não conseguiam decidir qual delas fazer primeiro.
— Mas onde você encontrava
as respostas? — perguntou Violet, apontando para as pilhas de papel embaixo da mesa.
— De onde vêm todas essas informações?
— A maior parte vem de
bibliotecas — disse Olívia, enxugando os olhos. — Se você quer se passar por
vidente, precisa ser capaz de responder perguntas, e a resposta para quase
todas as perguntas está escrita em algum lugar. O máximo que pode acontecer é
levar algum tempo para achá-las. Precisei de bastante tempo para reunir a minha
biblioteca de arquivos históricos, e ainda não tenho todas as respostas que
andei procurando. Por isso, às vezes eu invento alguma coisa.
— Quando você contou ao
conde Olaf que um de nossos pais está vivo — perguntou Klaus, — estava
inventando ou sabia a resposta?
Olívia fechou a cara.
— O conde Olaf não
perguntou nada sobre pais de aberra... Espere um minuto. Suas vozes estão
diferentes. Beverly , você não tinha uma fita no cabelo, e sua outra cabeça não
usava óculos. O que está acontecendo?
As crianças se entreolharam, surpresas. O que Olívia estava
dizendo era tão importante que se esqueceram dos disfarces, mas agora parecia
que eles não eram mais necessários. Eles precisavam de respostas honestas, e
era mais provável que Olívia lhes desse respostas desse tipo se eles também
fossem honestos. Sem dizer nada, os Baudelaire se despiram dos disfarces.
Enquanto Sunny se desvencilhava de sua barba, Violet e Klaus desabotoaram a
camisa, esticaram os braços que vinham mantendo presos e saíram de dentro das
calças com barra de pele. Num piscar de olhos, os Baudelaire estavam no meio da
barraca trajando suas próprias roupas, com exceção de Violet, que ainda vestia
o avental da Ala Cirúrgica do Hospital Heimlich. Os Baudelaire mais velhos sacudiram
suas cabeças com vigor, uma expressão que aqui significa — até tirar todo o
talco dos cabelos — e esfregaram o rosto para apagar as cicatrizes.
— Eu não sou Beverly —
disse Violet, — e este aqui é o meu irmão, não minha outra cabeça. E aquela não
é Chabo, o Bebê-Lobo. Ela é...
— Eu sei quem ela é — disse
Olívia, olhando atônita para eles. — Eu sei quem são vocês. São os Baudelaire!
— Sim — disse Klaus, e os
três sorriram. Parecia que cem anos haviam se passado desde que alguém os
chamara por seus nomes verdadeiros, e quando Olívia os reconheceu foi como se
finalmente pudessem ser eles mesmos, e não aberrações de parque de diversões ou
qualquer outra falsa identidade.
— Sim — repetiu Klaus. — Somos
os Baudelaire. Três deles, pelo menos. Não temos certeza, mas achamos que pode
haver um quarto. Talvez um de nossos pais esteja vivo.
— Talvez? — perguntou
Olívia. — A resposta não está no dossiê Snicket?
— Só temos a última página
dele — explicou Klaus, e tirou novamente do bolso a página treze do dossiê. — Queremos
encontrar o resto desse documento antes de Olaf. A última página diz que pode
haver um sobrevivente do incêndio. Sabe se isso é verdade?
— Não tenho ideia — admitiu
Olívia. — Eu também andei procurando esse documento. Toda vez que vejo um
pedaço de papel ser levado pelo vento, corro atrás para checar se não é uma das
páginas do dossiê Snicket.
— Mas você disse ao conde
Olaf que um de nossos pais está vivo — disse Violet, — e que está escondido nas
Montanhas de Mão-Morta.
— Foi só uma conjectura —
disse Olívia. — Mas se um deles sobreviveu, é provável que esteja lá. Em algum
lugar naquelas montanhas fica uma das últimas bases de operação de C.S.C. Mas
isso vocês já sabiam, é claro.
— Não — disse Klaus. — Não
sabemos sequer o que significa C.S.C.
— Então como aprenderam a
se disfarçar? — perguntou Olívia, perplexa. — Vocês seguiram todos os passos do
Treinamento C.S.C., para Disfarces — disfarces faciais, como suas falsas
cicatrizes, disfarces indumentários múltiplos, como suas roupas de aberrações,
e disfarces de voz espúria, como as diferentes vozes que vocês usaram. E
pensando bem, seus disfarces eram bem parecidos com as coisas do meu kit de
disfarces.
Olívia se levantou e foi até o canto da sala onde ficava um baú.
Tirando uma chave do bolso, ela o destrancou e começou a revirar seu conteúdo.
Os Baudelaire viram Olívia tirar uma variedade de coisas dali, e todas elas
foram reconhecidas pelas crianças. Ela pegou uma peruca que se parecia com a
que o conde Olaf tinha usado quando se passara por uma tal de Shirley ; depois
uma perna de pau que ele usara no seu disfarce de capitão de navio; um par de panelas
que o comparsa careca de Olaf usara quando as crianças moravam em Paltry ville;
e um capacete de motociclista idêntico ao que Esmé Squalor usara para se fingir
de policial. Por fim, Olívia ergueu uma camisa toda coberta de babados e
laçarotes, exatamente como aquela que agora estava caída aos pés dos Baudelaire.
— Como vêem — disse ela, — é
uma camisa igual à que vocês usaram.
— Mas nós pegamos a nossa
no porta-malas do conde Olaf — disse Violet.
— Faz sentido — retrucou
Olívia. — Todos os voluntários têm o mesmo kit. Pelo mundo inteiro há gente com
esses disfarces tentando levar Olaf a julgamento.
— O quê? — perguntou Sunny
.
— Eu também estou confuso —
disse Klaus. — Estamos todos confusos, Olívia. O que é C.S.C., afinal? Às vezes
penso que são pessoas boas, às vezes pessoas más.
— Não é tão simples assim —
disse Olívia, tristemente, e tirou uma máscara cirúrgica de dentro do baú. — Os
itens do kit de disfarces são apenas coisas, jovens Baudelaire. Você pode usar
estas coisas para ajudar as pessoas ou para prejudicá-las, e muita gente as usa
para ambas as coisas. Às vezes é difícil saber qual disfarce usar ou o que
fazer depois que a gente se disfarçou.
— Não entendo — disse
Violet.
— Algumas pessoas são como
os leões que Olaf trouxe para cá — disse Olívia. — A princípio são bons, mas
antes que se dêem conta, já se transformaram em outra coisa. Aqueles leões já foram
criaturas nobres. Foram treinados por um amigo meu para farejar fumaça, o que
era muito útil no nosso trabalho. Mas agora, como o conde Olaf se nega a
alimentá-los e os castiga com o chicote, estão a ponto de devorar alguém. Esse
mundo é mesmo doido.
— Varrido? — perguntou
Sunny.
— É complicado e confuso —
explicou Olívia. — Dizem que muito tempo atrás o mundo era simples e tranqüilo,
mas isso pode ser lenda. Houve uma cisão em C.S.C. — uma briga entre vários
integrantes — e, desde então, tenho achado difícil saber o que fazer. Nunca
imaginei que colaboraria com vilões, mas é o que faço agora. Vocês nunca
fizeram algo que nunca imaginaram fazer?
— Acho que sim — disse
Klaus, e virou-se para as irmãs. — Vocês se lembram de quando roubamos aquelas
chaves de Hal na Biblioteca de Registros? Eu nunca tinha imaginado que roubaria
alguém.
— Flynn — disse Sunny, o
que queria dizer alguma coisa como: ‘’E eu nunca tinha imaginado que me
tornaria uma pessoa violenta, mas travei um duelo de espadas com a Dra. Orwell’’.
— Todos nós já fizemos
coisas que nunca tínhamos imaginado ser capazes de fazer — disse Violet, — mas
sempre tivemos uma boa razão para isso.
— Todo mundo pensa ter uma
boa razão — disse Olívia. — O conde Olaf pensa que conquistar uma fortuna é uma
boa razão para assassinar vocês. Esmé Squalor pensa que o fato de ser namorada
de Olaf é uma boa razão para juntar-se à trupe. E quando disse a Olaf onde
encontrar vocês, eu tinha uma boa razão — porque o meu lema é 'dê às pessoas o
que elas querem.
— Dúbio — disse Sunny .
— Sunny não está certa de
que essa seja uma razão muito boa — traduziu Violet, — e eu tenho de concordar
com ela. Você causou um bocado de sofrimento para um bocado de gente só para
dar ao conde Olaf o que ele queria.
Olívia concordou com a cabeça, e mais uma vez brotaram lágrimas de
seus olhos.
— Eu sei — disse ela,
arrasada. — Estou envergonhada da minha existência. Mas não sei o que poderia
fazer para consertar o que fiz.
— Parar de ajudar o Olaf —
disse Klaus, — e começar a nos ajudar. Poderia nos contar tudo o que sabe sobre
C.S.C, e nos levar às Montanhas de Mão-Morta para confirmar se um de nossos
pais está vivo.
— Não sei — disse Olívia. —
Me comportei muito mal durante muito tempo, mas talvez eu possa mudar. — Ela se
levantou e olhou tristemente em volta da barraca, que já começava a ficar
escura. — Eu era uma pessoa nobre — disse ela. — Vocês acham que eu poderia
voltar a ser nobre?
— Não sei — disse Klaus, — mas
vamos descobrir. Podemos partir juntos rumo ao norte.
— Mas como? — perguntou
Olívia. — Não temos um carro, nem uma caminhonete, nem quatro cavalos, nem um
estilingue gigante, nem qualquer outro meio de sair do sertão. — Violet amarrou
de novo a fita no cabelo e olhou para o teto, pensativa.
— Olívia — disse ela
afinal, — os carrinhos daquela montanha-russa ainda funcionam?
— Da montanha-russa? —
repetiu Olívia. — Mais ou menos. As rodas giram, mas acho que estão com os
motores enferrujados.
— Acho que com o seu
dispositivo de relâmpagos posso reproduzir um motor — disse Violet. — Afinal,
aquela tira de borracha se parece um pouco com...
— Uma correia de
ventilador! — completou Olívia. — Boa ideia, Violet.
— Esta noite vou me
esgueirar até a montanha-russa — disse Violet, — e começar o trabalho. Partimos
amanha de manha, antes que todos acordem.
— Melhor não começar esta
noite — disse Olívia. — O conde Olaf e seus capangas estão sempre de tocaia
depois que escurece. O melhor seria partir à tarde, quando todos estão na Casa
dos Monstros. Vocês podem montar a invenção de manhã cedo, enquanto Olaf
estiver aqui fazendo perguntas à bola de cristal.
— O que você vai fazer
então? — perguntou Klaus.
— Tenho uma bola de cristal
sobressalente — respondeu Olívia. — Não é a primeira vez que uma se quebra.
— Não foi isso o que eu
quis dizer — disse Klaus. — Você não vai contar ao conde Olaf que estamos aqui
no parque, vai?
Olívia parou um instante e sacudiu a cabeça.
— Não — disse ela, mas sua
voz não soou muito convincente.
— Promete? — perguntou
Sunny.
Olívia baixou os olhos para a mais jovem dos Baudelaire e a fitou
por um longo tempo antes de responder.
— Sim — disse muito baixo.
— Eu prometo, se prometerem me levar com vocês para a base de C.S.C.
— Prometido — disse Violet,
e seus irmãos concordaram. — Agora, vamos começar pelo começo. O que quer dizer
C.S.C.?
— Madame Lulu! — chamou uma
voz rascante do lado de fora da barraca. Os Baudelaire se entreolharam
consternados quando o conde Olaf gritou o nome da falsa vidente. — Madame Lulu!
Onde está você?
— Eu está no meu Barraca de
Destino, meu Olaf — respondeu Olívia, voltando ao sotaque com a facilidade com
que os Baudelaire poderiam voltar à camisa de babados. — Mas nón entra, faz
favor. Eu está fazendo ritual secreta com bola de cristal meu.
— Bem, ande logo — disse
ele, mal-humorado. — O fosso está pronto, e estou com muita sede. Venha nos
servir um pouco de vinho.
— Só uma minutinho, meu
Olaf — disse Olívia, abaixando-se para pegar o turbante.
— Por que você nón vai toma
ducha, faz favor? Você deve está suada de fossa cavar, e quando você acaba, nós
todas vai tomar vinho juntas.
— Não seja ridícula —
retrucou o conde Olaf. — Já tomei uma ducha há dez dias. Vou passar mais um
pouco de água-de-colônia e encontro você no seu trailer.
— Sim, meu Olaf — gritou
Olívia, e então voltou a cochichar com as crianças, enquanto enrolava o
turbante no cabelo. — É melhor deixar essa conversa para depois — disse ela. — Antes
que seus colegas comecem a procurar por vocês. Amanhã, quando partirmos, conto
tudo o que vocês quiserem saber.
— Não dá para contar pelo
menos algumas coisas agora? — perguntou Klaus. Os Baudelaire nunca estiveram
tão perto das respostas que procuravam, e adiar aquela conversa era quase
insuportável.
— Não, não — decidiu
Olívia. — Vamos, é melhor vestirem seus disfarces, senão seus colegas podem vir
atrás de vocês.
As três crianças se entreolharam.
— Talvez você esteja certa
— disse Violet afinal. — Podem vir atrás de nós.
— Proffco — disse Sunny , o
que queria dizer: — Também acho — e começou a enrolar a barba em volta do
corpo. Violet e Klaus entraram nas calças com barra de pele e abotoaram a
camisa. E Olívia amarrou de volta o seu colar para virar madame Lulu outra vez.
— Nossas cicatrizes —
lembrou-se Klaus, olhando para o rosto da irmã. — Nós apagamos todas.
— E nosso cabelo precisa de
mais talco — disse Violet.
— Eu tem lápis de
maquiagem, faz favor — disse Olívia, procurando no baú, — e também tem talco.
— Você não precisa usar
esse sotaque agora — disse Violet, e desamarrou a fita do cabelo.
— É bom costume, faz favor
— retrucou Olívia. — Eu precisa pensar em eu mesma como madame Lulu, faz favor,
senão eu vai esquecer a disfarce, faz favor.
— Mas da promessa você vai
se lembrar, não vai? — perguntou Klaus.
— Promessa? — perguntou
madame Lulu.
— Você prometeu que não ia
contar ao conde Olaf que estamos aqui — disse Violet, — e em troca nós
prometemos levá-la conosco para as Montanhas de Mão-Morta.
— Claro, Beverly —
confirmou Lulu. — Eu vai cumprir meu promessa para aberraçóns.
— Eu não sou Beverly —
disse Violet, — e não sou aberração. — Madame Lulu sorriu e se inclinou para
desenhar uma cicatriz no rosto de Violet. — Mas agora hora de disfarces, faz
favor. Nón vai esquecer seus vozes disfarçados, para nón ser reconhecidas.
— Não vamos nos esquecer —
disse Klaus, guardando os óculos de volta no bolso, — e você não vai esquecer a
sua promessa, certo?
— Claro, faz favor — disse
madame Lulu, levando as crianças para fora da barraca. — Nón precisa se
preocupar, faz favor.
Quando os Baudelaire saíram da barraca, foram banhados pela luz
azul do famoso crepúsculo do sertão. A luz os deixava um pouco diferentes, como
se estivessem usando um outro disfarce azul por cima dos disfarces de aberrações.
O cabelo de Violet parecia mais pálido; as falsas cicatrizes de
Klaus ficaram ainda mais sinistras; e Sunny parecia uma nuvenzinha azul, sobre
a qual os últimos raios de sol incidiam como pequenos relâmpagos. Madame Lulu,
que acompanhava os Baudelaire até a porta, ficou mais parecida com uma vidente quando
a luz do poente incidiu sobre a pedra do turbante e cobriu sua longa túnica de
uma luminosidade fantasmagórica.
— Boa noite, meus pequenas
aberraçóns — disse ela, e os Baudelaire se perguntaram se aquela mulher
misteriosa teria realmente mudado seu lema e voltaria a ser uma pessoa nobre.
— Eu vai cumprir meu
promessa — ela dissera, mas os órfãos Baudelaire não sabiam se
era verdade ou apenas aquilo que eles queriam ouvir.
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