Capítulo Cinco
— Ah... oi, John.
Me joguei na cadeira, ainda tentando acordar. — É, eu sei que é
cedo pra eu estar acordado, mas eu queria te alcançar antes de você sair para o
trabalho.
— Ah, — ele disse. — Tá
certo. Deixe só eu preparar mais um pouco de comida. Ele pareceu quase animado,
apesar dessa perturbação na rotina.
Era momentos como esse que me deixavam saber que eu estava feliz
por estar em casa.
— Tem café? — eu perguntei.
— Está na chaleira, — ele
disse.
Me servi de uma xícara e caminhei até a mesa. O jornal, que já
tinha chegado, estava em cima da mesa. Meu pai sempre o lia durante o café e eu
sabia o bastante para não tocar nele. Ele sempre foi engraçado sobre ser o
primeiro a lê-lo e sempre o lia na mesma ordem exata.
Esperei meu pai perguntar como tinha sido a noite com Savannah,
mas ele não disse nada, preferindo se concentrar na cozinha. Olhando o relógio,
eu sabia que Savannah estaria indo pra construção em alguns minutos e me
perguntei se ela estava pensando em mim tanto quanto eu estava pensando nela.
Na correria do que, sem dúvida, era
uma manhã caótica pra ela, eu duvidava que ela estivesse. Essa descoberta me
fez doer inesperadamente.
— O que você fez na noite
passada? finalmente perguntei, tentando tirar Savannah da minha mente.
Ele continuou a cozinhar como se não tivesse me ouvido.
— Pai? eu
disse.
— Sim? — ele perguntou.
— Como foi na noite passada?
— Como foi o que?
— A sua noite. Algo
excitante aconteceu?
— Não, — ele disse, — nada. — Sorriu pra mim antes de colocar algumas tiras de bacon na frigideira. Eu podia
ouvir o chiado se intensificar.
— Eu me diverti, — eu me
voluntariei. — Savannah é realmente especial. Fomos juntos à igreja ontem.
De alguma forma eu pensei que ele me perguntaria mais sobre isso e
vou admitir que queria que ele o fizesse. Imaginei que pudéssemos ter uma
conversa de verdade, do tipo que outros pais devem ter com seus filhos, na qual
ele sorri e talvez solta uma piada ou duas. Em vez disso, ele se virou pra
outra boca do fogão. Colocou óleo em uma pequena frigideira e adicionou o ovo
batido.
— Você se importaria de
colocar alguns pães na torradeira? ele perguntou.
Suspirei.
— Não, — eu disse, já sabendo que comeríamos em
silêncio. — Sem problemas.
Passei o resto do dia surfando, ou em
vez disso, tentando surfar. O oceano havia se acalmado durante a noite e as
marolinhas não eram nada com o que se animar. Pra piorar, elas quebravam mais
perto da costa do que estavam quebrando no dia anterior, então mesmo que eu
achasse algumas que valessem a pena pegar, a experiência não duraria muito
antes da onda se acabar. No passado, eu teria ido a Oak Island ou até dirigido
até Atlantic Beach, onde eu poderia pegar uma carona até Shackleford Banks na
esperança de achar algo melhor. Hoje eu apenas não estava no humor.
Em vez disso, surfei no mesmo lugar dos últimos dois dias. A casa
era um pouco mais pra longe da praia e parecia quase inabitada.
A porta de trás estava fechada, as toalhas não estavam mais ali e
ninguém passava pela janela ou saia para o deque. Me perguntei quando todos
estariam voltando. Provavelmente lá pelas quatro ou cinco horas e eu já tinha
tomado minha decisão de que já não estaria mais ali a essa hora. Não havia
razão para estar aqui, em primeiro lugar e a última coisa que eu queria que
Savannah pensasse era que eu era algum tipo de perseguidor.
Fui embora lá pelas três e fui ao Leroy's. O bar estava mais
escuro e deprimente do que eu me lembrava e eu odiei o lugar assim que passei
pela porta. Sempre pensei nele como um bar profissional, como um bar para
alcoólatras profissionais e tive a prova disso quando vi homens solitários
erguendo copos das melhores bebidas do Tennesse, procurando por refúgio contra
os problemas da vida. Leroy estava lá e ele me reconheceu quando eu entrei.
Quando me sentei no bar, ele automaticamente trouxe um copo até a torneira de
cerveja e começou a enchê-lo.
— Há quanto tempo, — ele
comentou. — Você está se mantendo fora de problemas?
— Tentando, — grunhi. Olhei
o bar enquanto ele escorregava o copo na minha frente. — Gostei do que você fez
com o lugar, — eu disse, fazendo um sinal por cima do ombro.
— Que bom. É tudo pra você. Vai comer alguma
coisa?
— Não. Isso está bom,
obrigado.
Ele enxugou a bancada à minha frente depois lançou a toalha em
trapos por cima do ombro e saiu para pegar o pedido de outra pessoa. Um momento
depois, senti uma mão em meu ombro.
— Johnny! O que você está
fazendo aqui?
Me virei e vi um dos muitos amigos que eu tinha passado a
desprezar.
Era o jeito que era aqui. Eu odiava tudo no lugar, inclusive meus
amigos e me dei conta de que sempre foi assim. Não tinha idéia de porque eu
tinha ido, ou nem mesmo porque eu tinha feito dessa uma saída habitual, a não
ser pelo fato de que tirando esse lugar eu não tinha mais nenhum aonde ir.
— Oi,
Toby, — eu disse.
Alto e raquítico, Toby se sentou ao meu lado e quando se virou
para me encarar, vi que seus olhos já estavam injetados. Ele fedia como se não
tivesse tomado banho há dias e sua camisa estava manchada.
— Você ainda está
fazendo o papel de Rambo? ele perguntou, pronunciando as palavras
indistintamente. — Parece que você andou malhando.
— É, — eu disse, não
querendo entrar no assunto. — O que você está fazendo esses dias?
— Saindo, principalmente.
Pelas últimas semanas, de qualquer forma. Eu estava trabalhando no Quick Stop
até algumas semanas atrás, mas o dono era um verdadeiro babaca.
— Ainda morando em casa?
— Claro, — ele disse, parecendo quase
orgulhoso do fato. Ele inclinou a garrafa e deu um longo gole, depois se
concentrou nos meus braços. — Você parece bem. Andou malhando? ele perguntou de
novo.
— Um pouco, — eu disse,
sabendo que ele não se lembrava de já ter perguntado aquilo.
— Você está grande.
Não pude pensar em nada pra dizer. Toby tomou outro gole.
— Ei, tem uma festa hoje na
casa de Mandy, — ele disse. — Você lembra da Mandy, né?
É, eu lembrava. Uma garota do meu passado que durou menos que um
final de semana. Toby ainda estava falando.
— Os pais dela estão em
Nova York ou algum lugar assim e vai ser um estouro. Só estamos tendo uma pré
festa pra nos colocar no humor apropriado. Quer se juntar a nós?
Ele indicou por cima do ombro quatro caras em uma mesa de canto
aninhados com três jarras vazias. Reconheci dois da minha vida passada, mas os
outros eram desconhecidos.
— Não posso, — eu disse, — tenho
que encontrar meu pai para jantar. Obrigado, mesmo assim.
— Ignore ele. Vai ser um
estrondo. Kim vai estar lá.
Outra mulher do meu passado, outra lembrança que me fez estremecer
por dentro. Eu mal podia suportar a pessoa que eu costumava ser.
— Não posso, —
eu disse, sacudindo a cabeça. Me levantei, deixando o copo quase cheio na minha
frente. — Eu prometi. E ele está me deixando ficar com ele. Você sabe como é.
Isso fez sentido pra ele e ele
assentiu. — Então vamos sair esse fim de semana. Alguns de nós vão para
Ocracoke surfar.
— Talvez, — eu disse,
sabendo que não havia chance.
— Seu pai ainda tem o mesmo
número?
— É, — eu disse.
Eu fui embora, certo de que ele não ligaria e de que eu nunca mais
retornaria ao Leroy's.
No caminho pra casa, comprei carne, um saco de salada, tempero e
algumas batatas para o jantar. Sem um carro não era fácil carregar a sacola e
minha prancha todo o caminho de volta pra casa, mas eu realmente não me
importava de caminhar. Tinha feito isso por anos e meus sapatos eram muito mais
confortáveis do que as botas que eu estava acostumado a usar.
Assim que cheguei em casa, arrastei a churrasqueira da garagem
junto com um saco de carvão e álcool. A churrasqueira estava empoeirada, como
se não tivesse sido usada por anos. Eu a coloquei na varanda de trás da casa e
tirei as cinzas antes de limpar as teias de aranha com uma mangueira e a deixei
secando no sol. Dentro de casa, eu coloquei sal, pimenta e pó de alho nas
carnes, enrolei as batatas em papel alumínio e as coloquei no forno, depois
coloquei a salada em uma tigela. Quando a churrasqueira secou, acendi os
carvões e servi a mesa do lado de fora.
Meu pai entrou no momento em que eu estava colocando as carnes na
churrasqueira. — Oi, pai, — eu disse por cima do ombro. — Pensei em fazer um
jantar pra nós hoje à noite.
— Ah, — ele disse. Pareceu
levar um instante para compreender o fato de que ele não cozinharia pra mim. — Certo, — ele
finalmente adicionou.
— Como você quer sua carne?
— Média, — ele disse.
Continuou em pé perto da porta de vidro corrediça.
— Parece que você não tem
usado a churrasqueira desde que eu fui embora, — eu disse. — Mas você deveria.
Não há nada melhor do que um bife grelhado. Minha boca estava se enchendo de
água durante todo o caminho pra casa.
— Vou trocar de roupa.
— As carnes estarão prontas
em dez minutos.
Quando ele saiu, eu voltei á cozinha, peguei as batatas e a tigela
de salada - junto com o tempero, a manteiga e o molho para carnes-e os coloquei
na mesa. Ouvi a porta do terraço se abrir e meu pai apareceu carregando dois
copos de leite, parecendo um turista de um cruzeiro. Ele vestia bermuda, meias
pretas, tênis e uma camiseta florida havaiana. Suas pernas eram dolorosamente
brancas, como se ele não vestisse bermuda há anos. Se é que ele já tinha vestido
alguma vez. Pensando bem, acho que eu nunca tinha visto ele de bermuda. Dei o
melhor de mim pra fingir que ele parecia normal.
— Na hora certa, — eu
disse, voltando para a churrasqueira. Enchi os dois pratos com carne e coloquei
um na frente dele.
— Obrigado, — ele disse.
— Não há de que.
Ele colocou salada no seu prato e polvilhou o tempero, depois
desenrolou sua batata. Colocou manteiga, depois molho de carne, fazendo uma
pequena poça. Normal e esperado, a não ser pelo fato de que ele fez tudo
isso em silêncio.
— Como foi seu dia? — eu
disse, como sempre.
— O mesmo, — ele respondeu.
Como sempre. Sorriu novamente, mas não disse mais nada.
Meu pai, o anti social. Me perguntei de novo porque ele achava tão
difícil conversar e tentei imaginar como ele era na sua juventude. Como ele
tinha achado alguém pra casar? Eu sabia que a última pergunta soava mesquinha,
mas não tinha vindo sem querer. Eu estava curioso de verdade. Comemos por um
tempo, o ruído dos garfos era o único som que nos fazia companhia.
— Savannah disse que queria
lhe conhecer, — eu disse finalmente, tentando novamente.
Ele cortou sua carne.
— Sua amiga?
Só o meu pai falaria desse jeito.
— É, — eu disse. — Acho que você
iria gostar dela.
Ele assentiu.
— Ela estuda na UNC, — expliquei.
Ele sabia que era a vez dele e eu pude sentir o seu alívio quando
outra pergunta veio à sua mente.
— Como você a conheceu?
Contei a ele sobre a bolsa, detalhando a história, tentando
fazê-la o mais humorada possível, mas o riso passou longe dele.
— Isso foi típico de você,
— ele observou.
Outro cortador de conversas. Cortei outro pedaço de carne.
— Pai?
Você se importa se eu lhe fizer uma pergunta?
— Claro que não.
— Como você conheceu a
mamãe?
Era a primeira vez que eu perguntava por ela em anos. Porque ela
nunca tinha sido parte da minha vida, porque eu não tinha memórias dela, eu
raramente sentia a necessidade de perguntar. Até mesmo agora, eu realmente não
me importava; eu só queria que ele falasse comigo. Ele levou tempo colocando
mais manteiga em sua batata e eu sabia que ele não queria responder.
— Nos conhecemos em um
pequeno restaurante, — ele disse finalmente. — Ela era garçonete. Eu esperei.
Me pareceu que nada mais viria.
— Ela era bonita?
— Sim, — ele disse.
— Como ela era?
Ele machucou a batata e colocou sal com cuidado.
— Ela era como você, — ele
concluiu.
— Como assim?
— Humm... — ele hesitou. — Ela
podia ser... teimosa.
Eu não tinha certeza o que pensar e nem o que ele quis dizer.
Antes que eu pudesse insistir nisso, ele se levantou da mesa e agarrou seu
copo.
— Você quer mais leite? — perguntou e eu sabia
que ele não diria mais nada sobre ela.
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