Capítulo Dezenove
Savannah abriu um armário e pegou uma taça.
― Você quer uma taça
de vinho?
Eu balancei minha cabeça.
― Nunca fui muito de beber vinho.
Fiquei surpreso por ela não guardar a taça diante da minha
negativa. Em vez disso, ela pegou a garrafa de vinho e serviu; colocou a taça
na mesa e se sentou diante dela.
Sentamos à mesa e Savannah tomou um gole.
― Você mudou, observei.
Ela deu de ombros.
― Muitas coisas mudaram desde a última vez que
vi você.
Ela não disse mais nada e colocou a taça de volta na mesa. Quando
falou novamente, tinha a voz suave.
― Nunca pensei que seria o tipo de pessoa
que anseia por tomar uma taça de vinho à noite, mas eu sou.
Ela começou a girar a taça na mesa, e
eu me perguntava o que havia acontecido com ela.
― Sabe o engraçado?, ela disse. ― Eu realmente me importo com o
sabor. Quando bebi minha primeira taça, não sabia o que era bom ou ruim. Agora
sou bastante seletiva na hora de comprar.
Eu não reconhecia plenamente a mulher sentada diante de mim e não
sabia como reagir.
― Não me entenda errado, ela prosseguiu. ― Ainda me lembro de tudo
que meus pais me ensinaram, e quase nunca tomo mais de uma taça por noite. Mas
como o próprio Jesus transformou água em vinho, acho que não deve ser um grande
pecado.
Sorri diante desse raciocínio, reconhecendo como era injusto
esperar uma versão dela congelada no passado.
― Eu não perguntei nada.
― Eu sei, ela disse. ― Mas você estava pensando.
Por um momento, o único som na cozinha era o zumbido baixo da
geladeira. ― Sinto muito por seu pai, ela disse, alisando uma rachadura no
tampo da mesa. ― Realmente sinto. Não sei dizer quantas vezes pensei nele nos
últimos anos.
― Obrigado ― disse eu.
Savannah começou a girar a taça de novo, aparentemente perdida no
redemoinho líquido. ― Você quer falar sobre isso?, ela perguntou.
Eu não tinha certeza, mas ao recostar-me na cadeira, as palavras
surpreendentemente vieram. Contei sobre o primeiro ataque cardíaco, e depois o
segundo, sobre as visitas que fiz a ele nos dois anos anteriores. Contei sobre
nossa crescente amizade, e o conforto que sentia ao lado dele. Falei das
caminhadas que ele fazia que por fim teve de interromper. Contei sobre meus últimos dias com ele e a
agonia de interná-lo em uma clínica. Quando descrevi o enterro e a fotografia
que encontrei no envelope, ela tomou minha mão.
― Estou feliz que ele tenha guardado para você, ela disse, ― mas
não fiquei surpresa.
― Eu fiquei ― disse, e ela riu. Era um som reconfortante.
Ela apertou minha mão.
― Gostaria de ter ficado sabendo. Teria ido
ao enterro.
― Não foi nada demais.
― Não tinha que ser. Ele era seu pai, e isso é tudo que importa. ― Ela hesitou antes de soltar minha mão e tomou outro gole de vinho.
― Você está pronto para comer? ― ela perguntou.
― Não sei ― disse, ruborizando ao lembrar o comentário que ela
fizera antes.
Ela se inclinou para frente com um sorriso.
― Que tal eu esquentar
um prato de cozido e vamos ver o que acontece?
― Está gostoso? ― Quer dizer... quando nos conhecemos, antes, você
nunca mencionou que soubesse cozinhar.
― É a receita especial da família ― disse ela, fingindo estar
ofendida. ― Mas tenho de ser honesta: foi minha mãe quem fez. Ela trouxe ontem.
― A verdade vem à tona ― disse eu.
― Essa é a coisa engraçada sobre a verdade ― disse ela. ― Ela
geralmente aparece. Ela se levantou, abriu a geladeira e inclinou-se para
examinar as prateleiras. Pensava na aliança em seu dedo e em onde estaria seu marido
quando ela ergue-se com o Tupperware nas mãos. Ela colocou algumas conchas de
cozido em uma tigela e colocou-a no forno de microondas.
― Você quer mais alguma coisa? Que tal pão e manteiga?
― Seria ótimo, eu concordei.
Poucos minutos depois, a refeição foi posta à minha frente e o
aroma me fez ter consciência pela primeira vez, do quanto eu estava com fome.
Surpreendendo-me, Savannah sentou em seu lugar novamente, segurando a taça de
vinho.
― Você não vai comer?
― Não estou com fome ― disse. ― Na verdade, não tenho comido muito
recentemente. Ela tomou um gole enquanto eu dava minha primeira garfada e
deixei o comentário passar.
― Você estava certa ― disse. ― Está delicioso.
Ela sorriu. ― Mamãe é uma ótima cozinheira. Seria de imaginar que
eu tivesse aprendido também, mas não. Estava sempre muito ocupada. Muito estudo
quando era jovem e, ultimamente, muita reforma. Ela apontou para a sala. ― É
uma casa velha. Sei que não parece, mas trabalhamos muito aqui nos últimos dois
anos.
― Está ótima.
― Você está apenas sendo educado, mas eu agradeço. ― Ela sorriu. ― Você
devia ter visto o lugar quando me mudei. Estava parecido com o celeiro, sabe?
Precisava de um telhado novo, mas é engraçado, ninguém pensa no telhado quando
está imaginando reformar. É uma daquelas coisas que todo mundo espera ter na
casa, mas nunca pensa que um dia terá de trocar. Quase tudo que fizemos entra
nessa categoria. As bombas do aquecedor, janelas térmicas, os danos causados
por cupins... foram muitos e longos dias. Ela tinha uma expressão sonhadora no rosto.
― Fizemos
a maior parte do trabalho nós mesmos. Como esta coza. Sei que precisamos de
armários e piso novos, mas, quando nos mudamos, havia poças d‘água na sala de
estar e nos quartos sempre que chovia. O que podíamos fazer? Tivemos de
priorizar, e uma das primeiras coisas foi trocar todas as telhas do telhado. Devia
estar quase 40 graus e eu lá em cima com uma pá, arrancando telhas, criando
bolhas nas mãos. Mas... parecia o certo, sabe? Dois jovens começando a vida,
trabalhando juntos para reformar sua casa? Havia uma sensação de... união. Foi
a mesma coisa quando fizemos o piso da sala de estar. Deve ter levado duas
semanas para lixar e nivelar de novo. Pintamos e envernizamos e, quando
finalmente pudemos andar sobre ele, parecia o alicerce para o resto de nossas
vidas.
― Você faz parecer quase romântico.
― Foi, de certa forma, ela concordou, colocando uma mecha de
cabelo atrás da orelha. ― Mas ultimamente não é tão romântico. Agora, só está
ficando velho.
Eu ri inesperadamente, em seguida tossi e procurei um copo que não
estava lá.
Ela empurrou a cadeira para trás.
― Deixa eu pega um pouco de água
para você, ela disse. Ela encheu um copo da torneira e colocou-o diante de mim.
Enquanto bebia, sentia que ela me observava.
― O que foi?
― Não acredito no quanto você está diferente.
― Eu? ― achei difícil de acreditar.
― Sim, você, ― ela insistiu. ― Você está... mais velho.
― Sim, eu sou mais velho.
― Eu sei, mas não é isso. São seus
olhos. Eles estão... mais sérios do que antes. Como se tivessem visto o que não
deveriam. Exaustos, por algum motivo.
Não disse nada em resposta, mas quando notou minha expressão, ela
abanou a cabeça, envergonhada.
― Não deveria ter dito isso. Não imagino o que
você passou nos últimos anos.
Dei outra garfada no cozido, pensando em seu comentário.
― Deixei
o Iraque no início de 2004 ― disse. ― Estou na Alemanha desde então. Só uma
parte do exército fica lá de cada vez, e nos revezamos. Provavelmente vou
acabar voltando, mas não sei quando. Esperamos que as coisas se acalmem um
pouco ate lá.
― Você já não deveria ter saído do exército?
― Eu me alistei de novo ― disse. ― Não havia motivo para não fazer
isso.
Ambos sabíamos a razão, e ela concordou.
― Quanto tempo agora?
― Até 2007.
― E depois?
― Não tenho certeza. Posso ficar por mais alguns anos. Ou talvez
vá para a faculdade. Quem sabe. Posso até me graduar em educação especial. Já
ouvi maravilhas sobre a área.
Seu sorriso era estranhamente triste e, por instantes, nenhum de
nós disse nada.
― Há quanto tempo você está casada?
Ela ajeitou-se na cadeira.
― Vai fazer dois anos em novembro.
― Você se casou aqui?
― Como se eu tivesse escolha. ― Ela
revirou os olhos. ― A minha mãe realmente estava a fim dessa coisa de casamento
perfeito. Sei que sou filha única, mas, em retrospecto, teria ficado mais feliz
com algo muito menor. Cem convidados teria sido perfeito.
― Você considera isso menor?
― Comparado com o que foi? Sim. Não havia assentos suficientes
para todos na igreja, e meu pai fala até hoje que vai passar anos pagando as
contas. Ele está só me provocando, é claro. Metade dos convidados eram amigos
dos meus pais, mas acho que é isso que acontece quando você se casa em sua
cidade natal. Todo mundo, do carteiro ao barbeiro, é convidado.
― Mas você está feliz por estar de volta?
― É confortável aqui. Meus pais estão perto, e preciso disso,
especialmente agora.
Ela não entrou em detalhes, debando o comentário no ar. Eu pensava
nisso — e em uma centena de outras coisas — quando me levantei da mesa e coloquei
meu prato na pia. Depois de passar uma água no prato, ouvi-a dizer às minhas
costas:
― Pode deixar aí. Ainda não tirei a louça da máquina. Vou fazer
isso mais tarde. Você quer mais alguma coisa? Minha mãe deixou duas tortas no
balcão.
― Que tal um copo de leite? ― disse. Quando ela fez menção de se
levantar, acrescentei: ― Eu posso pegar. Só me diga onde estão os copos.
― No armário da pia.
Peguei um copo do armário e fui até a geladeira. O leite estava na
prateleira de cima, e nas prateleiras inferiores havia pelo menos uma dúzia de
recipientes Tupperware cheios de comida. Enchi o copo e voltei para a mesa.
― O que está acontecendo, Savannah?
Após essas palavras, ela virou-se para mim. ― O que você quer
dizer?
― Seu marido ― disse.
― O que tem ele?
― Quando vou conhecê-lo?
Em vez de responder, Savannah levantou da mesa levando a taça de
vinho. Despejou o conteúdo na pia e em seguida pegou uma xícara e uma caixa de
chá.
― Você já conheceu ― disse ela, virando-se. Ela endireitou os
ombros. ― É Tim.
***
Eu ouvia a colher batendo contra a xícara quando Savannah sentou
novamente à minha frente.
― O quanto você quer saber?, ela murmurou, olhando a xícara de
chá.
― Tudo ― disse eu. Eu me recostei na cadeira. ― Ou nada. Ainda não
tenho certeza.
Ela bufou.
― Acho que faz sentido.
Eu uni as mãos.
― Quando começou?
― Não tenho certeza, ela disse. ― Sei que parece loucura, mas não
aconteceu como você provavelmente imagina. Não é que um de nós tenha planejado.
Ela colocou a colher na mesa. ― Mas, para dar alguma resposta, acho que começou
no início de 2002.
Poucos meses depois que eu me
realistei, percebi. Seis meses antes do primeiro ataque cardíaco do meu pai e
exatamente na época em que notei que as cartas dela começaram a mudar.
― Você sabe que éramos amigos. Mesmo ele estando na pós-graduação,
acabamos fazendo algumas aulas no mesmo prédio durante meu último ano na
faculdade. No fim das aulas, íamos tomar café ou acabávamos estudando juntos.
Não eram encontros, nem ficávamos de mãos dadas. Tim sabia que eu estava
apaixonada por você... mas ele estava presente, sabe? Ele ouvia quando eu
falava o quanto sentia sua falta e como a distância era difícil. E foi difícil.
Eu achava que você já estaria em casa nessa época.
Quando ela ergueu o olhar, seus olhos estavam cheios do quê?
Arrependimento? Não dava para saber.
― De qualquer forma, passamos muito tempo juntos, e ele me
consolava sempre que eu estava para baixo. Sempre me lembrava que você estaria
aqui de licença antes do que eu esperava, e você não imagina o quanto eu queria
ver você novamente. Então, seu pai ficou doente. Sei que você tinha de ficar
com ele, eu nunca teria lhe perdoado se você não ficasse ao lado dele, mas não
era o que precisávamos. Sei como isso parece egoísta, e me odeio por ter
pensado assim. Mas parecia que o destino estava conspirando contra nós.
Ela pôs a colher no chá e mexeu de novo, recolhendo seus
pensamentos.
― Naquele outono, após terminar todas as minhas aulas e voltar
para casa para trabalhar no centro de aviação de desenvolvimento da cidade, os
pais de Tim se envolveram em um acidente horrível. Eles estavam voltando de
carro de Asheville, quando perderam a direção e foram parar do outro lado da
pista, na contramão da rodovia. Uma carreta acabou batendo neles. O motorista
do caminhão não ficou ferido, mas os pais de Tim morreram na batida. Tim teve
de abandonar a escola — ele estava tentando entrar no doutorado —, para voltar
e cuidar de Alan. Ela fez uma pausa. ― Foi terrível para Tim. Não só ele tinha
de lidar com a perda - ele adorava os pais —, mas
Alan também estava inconsolável. Ele gritava o tempo todo, arrancava os
cabelos. O único que conseguia fazer com que ele parasse de se ferir foi Tim,
mas isso drenou toda sua energia. Acho que foi quando comecei a vir para cá.
Você sabe, para ajudar.
Quando franzi a testa, ela acrescentou: ― esta era a casa dos pais
de Tim. Onde Tim e Alan cresceram.
Tão logo ela disse isso, a lembrança voltou. Claro que era a casa
de Tim — uma vez ela me contou que ele morava no rancho ao lado dos pais dela.
― Acabamos consolando um ao outro. Tentei ajudá-lo, ele tentou me
ajudar e nós dois tentamos ajudar Alan. E, pouco a pouco, eu acho, começamos a
nos apaixonar.
Pela primeira vez, ela olhou nos meus olhos.
― Sei que você deve estar irritado com Tim ou comigo.
Provavelmente com os dois. E acho que merecemos. Mas você não sabe como foi
aquela época. Tanta coisa acontecendo, tantas emoções o tempo todo. Eu me senti
culpada com o que estava acontecendo, Tim se sentiu culpado. Mas, depois de um
tempo, começamos a nos sentir como se já fôssemos um casal. Tim começou a
trabalhar no mesmo centro de avaliação de desenvolvimento que eu, e decidiu que
queria montar um programa de fim de semana no rancho para crianças autistas.
Seus pais sempre quiseram que ele fizesse isso, então me voluntariei para
trabalhar aqui também. Depois disso, passávamos quase todo o tempo juntos.
Montar o rancho nos fez concentrar em algo, e também ajudou Alan. Ele ama
cavalos e havia tanto para fazer que gradativamente ele se acostumou ao fato de
seus pais não estarem por perto. Foi como se nós todos estivéssemos nos
apoiando uns nos outros... De qualquer modo, ele me pediu em casamento no fim
daquele ano.
Quando ela parou, eu virei, tentando digerir suas palavras.
Ficamos em silêncio por um tempo, ambos lutando com os próprios pensamentos.
― Então, é essa história ― concluiu. ―
Não sei o quanto mais você quer saber.
Eu também não tinha certeza.
― Alan ainda mora aqui?
― Ele tem um quarto no andar de cima. Na verdade, o mesmo quarto
de sempre. No entanto, não é tão difícil quanto parece. Depois que ele termina
de se alimentar e escovar os cavalos, geralmente passa a maior parte do tempo
sozinho. Ele adora videogames. É capaz de jogar por horas. Ultimamente, não
consigo fazê-lo parar. Ele jogaria a noite toda se eu deixasse.
― Ele está aqui agora?
Ela balançou a cabeça.
― Não ― disse. ― Agora ele está com Tim.
― Onde?
Antes que ela pudesse responder, o cão começou a arranhar
insistentemente a porta, e Savannah levantou-se para abri-la. O cão entrou com
a língua para fora e abanando o rabo. Veio na minha direção e cheirou minha
mão.
― Ele gosta de mim ― disse.
Savannah ainda estava perto da porta. ― Ela gosta de todos. O nome
dela é Molly. Inútil como cão de guarda, mas doce como uma flor. É só tentar
evitar a baba. Ela vai babar em você todo, se você deixar.
Olhei para o meu jeans.
― Deu para notar.
Savannah fez sinal por cima do ombro.
―
Olha, lembrei que ainda tenho que guardar algumas coisas. Deve chover à noite.
Não demoro muito.
Notei que ela não tinha respondido a pergunta sobre Tim. Nem
pretendia responder.
― Você precisa de uma mão?
― Na verdade não. Mas você é bem-vindo. A noite está bonita.
Eu
a segui, com Molly andando à nossa frente, tendo esquecido completamente
que acabara de pedir para entrar na casa. Quando uma coruja
apareceu entre as árvores, Molly correu na escuridão e desapareceu.
Savannah colocou as botas novamente.
Caminhamos em direção ao celeiro. Pensei em tudo o que ela disse e
me questionei de novo porque tinha vindo. Não sabia se estava feliz por ela ter
casado com Tim - já que eles pareciam perfeitos um para o outro - ou chateado
pela mesma razão. Nem estava contente por finalmente saber a verdade. De algum
modo, percebi, era mais fácil não saber. De repente, simplesmente me senti
cansado.
E, no entanto... sabia que ela estava escondendo algo. Ouvi em sua
voz, na ponta de tristeza que não desaparecia. À medida que a escuridão nos
envolvia, aguçava-se a percepção de como estávamos próximos, e me perguntei se
ela sentia o mesmo. Mas ela não deu nenhum sinal disso.
Os cavalos eram meras sombras na distância, manchas sem uma forma
reconhecível. Savannah recolheu um par de rédeas, levou-as ao celeiro e
pendurou-as em dois pinos. Enquanto isso,peguei as pás que havíamos usado e
arrumei-as junto ao resto das ferramentas. Na volta, ela checou bem se havia
trancado o portão.
Olhando para o relógio, vi que eram
quase dez horas. Era tarde, e nós dois estávamos conscientes do horário.
― Acho que devo ir andando ― disse. ― É uma cidade pequena. Não
quero ser a causa de qualquer fofoca.
― Você provavelmente está certo. Molly apareceu do nada,
perambulando, e sentou-se entre nós. Ela se enrolou nas pernas de Savannah,
indo para o lado. ― Onde você está hospedado? ― ela perguntou.
― Em um hotelzinho de beira de estrada. Na saída da cidade.
Ela franziu o nariz, mesmo que por um instante.
― Conheço o lugar.
― É uma espelunca ― admiti.
Ela sorriu.
― Não posso dizer que esteja surpresa. Você sempre
teve faro para encontrar os lugares mais peculiares.
― Como a Cabana do Camarão?
― Exatamente.
Enfiei as mãos nos bolsos, imaginando se seria a última vez que
nos veríamos. Se fosse o caso, teria sido um absurdo anticlímax; eu não podia
deixar tudo acabar em conversa afiada, mas não conseguia pensar em nada para
falar.
Na estrada em frente, os faróis de um carro em movimento
iluminaram a propriedade quando passavam em velocidade pela casa.
― Então acho que é isso ― falei perplexo. ― Foi bom ver você de
novo.
― Você também, John. Estou contente
que tenha vindo.
Concordei novamente. Quando ela desviou o olhar, tomei como um
sinal para partir.
― Adeus ― disse eu.
― Adeus.
Virei e comecei a andar para o carro, tonto ao pensar que tudo
estava realmente acabado. Não sabia se esperava qualquer coisa diferente, mas o
fim trouxe à tona todos os sentimentos represados desde que eu lera aquela
última carta.
Eu estava abrindo a porta do carro quando a ouvi gritar.
― Ei, John?
― Sim?
Ela desceu da varanda e veio na minha direção.
― Você vai estar
por aqui amanhã?
Enquanto ela se aproximava, seu rosto parcialmente na sombra, tive
certeza de que ainda estava apaixonado. Apesar da carta, apesar do seu marido.
Apesar do fato de que nunca mais poderíamos ficar juntos.
― Por quê?
― Estava imaginando se você gostaria de aparecer. Por volta das
dez. Tenho certeza que Tim gostaria de encontrar você...
Eu estava balançando a cabeça antes mesmo de ela ter terminar.
― Não
tenho tanta certeza de que seja uma boa ideia.
― Você faria isso por mim?
Sabia que ela queria que eu visse que Tim ainda era o mesmo homem
de sempre e, de certo modo, sabia que ela estava me convidando porque queria
meu perdão. Ainda assim...
Ela pegou minha mão. ― Por favor. Significaria muito para mim.
Apesar do calor da mão dela, eu não queria voltar. Não queria ver
Tim, não queria ver os dois juntos ou sentar-me à mesa fingindo que tudo
parecia bem. Mas havia algo melancólico naquele pedido, que tornou impossível
declinar.
― Ok, eu disse. ― Dez horas.
― Obrigada.
Um momento
depois, ela se virou para voltar. Permaneci no local, observando-a subir no
alpendre antes de entrar no carro. Virei a chave e esperei. Savannah estava no
alpendre, acenando uma última vez. Acenei de volta e peguei a estrada, a imagem
dela cada vez menor no espelho retrovisor. Ao observá-la, senti uma súbita
secura na garganta. Não porque ela estava casada com Tim, e não porque iria
vê-los juntos no dia seguinte. Mas porque, enquanto eu me afastava, vi Savannah
em pé no alpendre, chorando.
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