Capítulo Nove
Levei Savannah pra tomar sorvete, depois a levei para a parte
turística de Wilmington. Passeamos pelas lojas, onde eu descobri que ela tinha
um interesse por antiguidades. Mais tarde a levei pra ver o encouraçado, mas
não ficamos muito tempo. Ela estava certa; era chato. Depois a levei pra casa,
onde nos sentamos ao redor da fogueira com seus amigos.
Nas duas noites seguintes, Savannah foi à minha casa. Meu pai
cozinhou nas duas noites. Na primeira Savannah não perguntou nada sobre moedas
ao meu pai e a conversa foi um esforço. Meu pai escutou na maior parte e embora
Savannah continuou com um tom agradável e tentou incluí-lo, a força do hábito
levou nós dois a falarmos um com o outro enquanto o meu pai se focava no seu
prato. Quando ela foi embora, sua sobrancelha estava levantada e embora eu não
quisesse acreditar que a primeira impressão dela a respeito dele havia mudado,
eu sabia que isso tinha acontecido. Surpreendentemente, ela pediu pra voltar na
noite seguinte, onde mais uma vez ela e meu pai ficaram na toca, discutindo
moedas.
Enquanto os observava, me perguntei o
que Savannah achava dessa situação a qual eu crescera acostumado. Ao mesmo
tempo, eu rezei para que ela fosse mais compreensiva do que eu tinha sido.
Assim que fomos embora, eu sabia que não tinha nada com o que me preocupar.
Enquanto voltávamos de carro para a praia, ela falou sobre o meu pai em termos
brilhantes, particularmente elogiando o trabalho que ele tinha feito me
criando. Enquanto eu não estava certo do que achava disso, suspirei de alívio
ao perceber que ela parecia ter aceitado meu pai pelo que ele era.
Quando chegou o fim de semana, minha aparição na casa da praia
estava se tornando um acontecimento regular. A maioria das pessoas na casa
tinham aprendido meu nome, embora eles ainda demonstrassem pouco interesse em
mim, tão exaustos que estavam pelo dia de trabalho duro. A maioria deles estava
apinhada ao redor da televisão lá pelas sete ou oito, ao invés de bebendo e
paquerando na praia. Todos pareciam queimados do sol e tinham Band Aids nos
dedos para cobrir suas bolhas.
No sábado à noite as pessoas tinham achado reservas adicionais de energia
e eu apareci na hora em que um grupo de garotos estavam descarregando caixas e
mais caixas de cerveja da mala de uma van. Eu os ajudei a carregá-las e me dei
conta de que desde a primeira noite que eu tinha visto Savannah, eu não tinha
bebido nem um gole de álcool. Como no final de semana anterior, a churrasqueira
estava acesa e nós comemos perto da fogueira; depois saímos para uma caminhada
na praia. Eu tinha levado um cobertor e uma cesta de piquenique cheia de
lanches e enquanto estávamos deitados, assistimos a um show de estrelas
cadentes, maravilhados com os fios brancos que cruzavam o céu. Foi uma daquelas
noites perfeitas com brisa suficiente pra não nos deixar com frio ou com calor
e nós conversamos e nos beijamos por horas antes de adormecer nos braços um do
outro.
Quando o sol começou sua ascensão do mar no domingo de manhã, me
sentei ao lado de Savannah. Seu rosto estava iluminado com o brilho do
amanhecer e seu cabelo caía no cobertor. Ela tinha um braço sobre a barriga e o
outro acima da cabeça e tudo que eu pude pensar foi que eu gostaria de passar
todas as manhãs pro resto da minha vida acordando ao lado dela.
Fomos à igreja novamente e Tim estava
do seu jeito alegre de sempre, apesar do fato de que nós mal falamos com ele
durante toda a semana. Ele me perguntou novamente se eu queria ajudar na casa.
Contei à ele que eu estaria partindo na sexta-feira seguinte e portanto, não
sabia de quanta ajuda eu poderia ser.
— Acho que você está
cansando ele, — Savannah disse, sorrindo pra Tim.
Ele levantou as mãos.
— Pelo menos você não pode dizer que eu não
tentei.
Foi, talvez, a semana mais idílica que eu já passei. Meus
sentimentos por Savannah tinham apenas ficado mais fortes, mas a medida que os
dias passavam eu comecei a sentir uma ansiedade atormentadora com o quão cedo
tudo isso estaria acabado. Sempre que esses sentimentos surgiam, eu tentava
afastá-los, mas na noite de domingo, eu mal podia dormir. Em vez disso, eu me
remexi na cama, e pensei em Savannah e tentei imaginar como eu poderia ser
feliz sabendo que ela estava do outro lado do oceano rodeada de homens, um dos
quais parece se sentir exatamente como eu me sinto em relação à ela.
***
Quando cheguei na casa na manhã de segunda-feira, não consegui
encontrar Savannah. Pedi pra alguém olhar no quarto dela e enfiei minha cabeça
em cada banheiro. Ela não estava no deque traseiro ou na praia com os outros.
Desci até a praia e perguntei, recebendo, na maior parte das
vezes, dar de ombros indiferentes. Algumas pessoas não tinham nem se dado conta
de que ela havia ido embora, mas finalmente uma das garotas - Sandy ou Cindy,
eu não tinha certeza - apontou para a praia e disse que tinha visto a cabeça
dela naquela direção mais ou menos uma hora antes.
Eu levei um bom tempo para achá-la. Caminhei pela praia nas duas
direções, finalmente vendo o píer perto da praia. Em um
palpite, subi as escadas, ouvindo as ondas quebrarem abaixo de mim. Quando vi
Savannah, achei que ela tinha vindo ao píer para procurar botos ou observar os
surfistas. Ela estava sentada com seus joelhos pra cima, encostada em um pedaço
de madeira e foi só quando me aproximei que percebi que ela estava chorando.
Eu nunca sabia o que fazer quando vejo uma garota chorando.
Honestamente, eu nunca sabia o que fazer quando via qualquer um chorando. Meu
pai nunca chorou, ou se chorou, nunca foi na minha presença. E a última vez que
eu chorara tinha sido na terceira série, quando caí da casa da árvore e torci
meu pulso. Na minha unidade, tinha visto alguns caras chorando e eu geralmente
dava tapinhas nas suas costas e depois saia andando, deixando os 'por quês' e
'o que posso fazer' para alguém com mais experiência.
Antes que eu pudesse decidir o que fazer, Savannah me viu. Ela
rapidamente enxugou seus olhos vermelhos e inchados e eu a ouvi dar algumas
fungadas. Sua bolsa, a que eu resgatei do oceano, estava espremida entre suas
pernas.
— Você está bem? — eu
perguntei.
— Não, — ela respondeu e
meu coração se apertou.
— Você quer ficar sozinha?
Ela considerou.
— Não sei, — ela disse finalmente.
Não sabendo o que mais fazer, fiquei onde estava. Savannah
suspirou.
— Eu vou ficar bem.
Coloquei minhas mãos nos bolsos e assenti.
— Você prefere ficar
sozinha? perguntei novamente.
— Eu realmente tenho que
lhe dizer?
Eu hesitei.
— Sim.
Ela deu uma risada melancólica.
— Você pode ficar, — ela disse. — Na
verdade, vai ser legal se você chegar mais perto e sentar ao meu lado.
Me sentei e então, depois de um breve momento de indecisão,
coloquei meu braço ao redor dela. Por um momento, sentamos juntos sem dizer
nada. Savannah inspirava lentamente e a sua respiração se tornou constante. Ela
limpou as lágrimas que continuavam a cair por suas bochechas.
— Comprei uma coisa pra
você, — ela disse depois de um tempo. — Espero que você concorde com isso.
— Tenho certeza que está
tudo bem, — eu murmurei.
Ela fungou.
— Você sabe no que eu estava pensando quando vim aqui?
Ela não esperou por uma resposta. — Estava pensando em nós, — disse. — O modo
como nos conhecemos e como nos falam naquela primeira noite, como você mostrou
suas tatuagens e deu o olhar maligno para o Randy. E a sua expressão boba
quando fomos surfar pela primeira vez, depois que eu peguei a onda até a
costa...
Quando ela parou de falar eu apertei sua cintura.
— Tenho certeza
que há um elogio aí em algum lugar.
Ela tentou se recuperar com um sorriso trêmulo mas não teve muito
sucesso.
— Eu lembro de tudo sobre aqueles primeiros dias, — ela disse. — E o
mesmo acontece com o resto da semana. Passar algum tempo com o seu pai, sair
pra tomar sorvete, até mesmo olhar para aquele barco idiota.
— Nós não vamos voltar, — prometi,
mas ela ergueu as mãos para me parar.
— Você não está me deixando terminar, — ela
disse. — E você não está entendendo. Eu estou dizendo que eu amei cada momento
e eu não esperava isso. Eu não vim aqui para isso, assim como não vim aqui para
me apaixonar por você. Ou, de uma maneira diferente, pelo seu pai.
Submisso, eu não disse nada.
Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Eu acho seu pai
fantástico. Acho que ele fez um ótimo trabalho criando você e eu sei que você
não acha, e...
Quando ela pareceu ficar sem palavras, eu balancei a cabeça,
perplexo.
— E é por isso que você estava chorando? Por causa de como eu me
sinto em relação ao meu pai?
— Não, — ela disse. — Você
não estava ouvindo?
Ela pausou como se estivesse tentando organizar seus pensamentos
caóticos.
— Eu não queria me apaixonar por ninguém, — ela disse. — Eu não
estava pronta para isso. Já passei por isso uma vez e depois eu estava acabada.
Eu sei que é diferente, mas você vai partir dentro de poucos dias e tudo isso
vai terminar... e eu vou estar acabada novamente.
— Não precisa terminar, — eu
protestei.
— Mas vai, — ela disse. — Eu
sei que a gente pode escrever e falar ao telefone de vez em quando e podemos
nos ver quando você vier para casa de licença. Mas não será a mesma coisa. Eu
não vou poder ver suas expressões bobas. Nós não poderemos deitar na praia e
observar as estrelas. Não poderemos sentar um em frente ao outro e conversar e
dividir segredos. E eu não vou sentir seu braço ao meu redor, como sinto agora.
Desviei o olhar, sentindo um senso crescente de frustração e
pânico. Tudo o que ela estava dizendo era verdade.
— Me ocorreu hoje, — ela continuou, — enquanto
eu estava olhando as prateleiras na livraria. Fui lá para lhe comprar um livro
e quando o encontrei, comecei a imaginar como você reagiria quando eu o
entregasse. O negócio era que eu sabia que te veria em poucas horas e então eu
saberia e iria ficar tudo bem. Porque mesmo que você estivesse chateado, eu
sabia que nós superaríamos porque poderíamos resolver cara a cara. Foi disso que
eu me dei conta enquanto estava sentada aqui. Que quando estamos juntos, tudo é
possível. Ela hesitou, então continuou. — Muito cedo isso não vai mais ser
possível. Eu soube desde que nos conhecemos que você não ficaria mais de
algumas semanas aqui, mas eu não achava que fosse ser tão difícil assim dizer
adeus.
— Eu não quero dizer adeus,
— eu disse, gentilmente virando seu rosto em direção ao meu.
Abaixo de nós eu podia ouvir as ondas quebrando na madeira.
Um bando de gaivotas passou no céu e eu me inclinei para beijá-la,
meus lábios mal roçando os dela. Seu hálito cheirava a canela e menta e eu
pensei de novo em voltar pra casa.
Esperando tirar a mente dela de pensamentos tão deprimentes, lhe
dei um aperto enérgico e apontei para a bolsa.
— Então, que livro você comprou
pra mim?
Ela pareceu confusa à princípio, mas depois se lembrou de que
tinha mencionado o livro mais cedo.
— Ah, sim, acho que é a hora pra isso, né?
Pelo modo como ela disse, eu de repente percebi que ela não tinha
me comprado o último Hiaasen. Esperei, mas quando tentei encontrar seus
olhos ela virou.
— Se eu der a você, — ela
disse, sua voz séria, — você tem que me prometer que vai ler.
Eu não estava muito certo sobre o que achar disso.
— Claro, — eu
disse, esticando a palavra. — Eu prometo.
Ainda assim, ela hesitou. Depois estendeu a mão para a bolsa e
puxou o livro. Quando ela o estendeu para mim, li o título. Á princípio, eu não
sabia o que pensar. Era um livro-mais como um livro didático, na verdade sobre
autismo e Asperger. Eu tinha ouvido sobre os dois distúrbios e supus que eu
sabia o que a maioria das pessoas sabiam, o que não era muito. — É de uma das
minhas professoras, — ela explicou. — Ela é a melhor professora que eu tive na
faculdade. Suas aulas estão sempre cheias e estudantes que não estão
matriculados algumas vezes entram pra falar com ela. Ela é uma das mais
importantes especialistas em todas as formas de distúrbios de desenvolvimento e
é uma dos poucos que focalizou sua pesquisa em adultos.
— Fascinante, — eu disse,
não me incomodando em esconder a minha falta de entusiasmo.
— Acho que você pode
aprender alguma coisa, — ela pressionou.
— Tenho certeza, — eu
disse. — Parece que tem um bocado de informação aqui.
— Tem mais do que só isso,
— ela disse. Sua voz era quieta. — Eu quero que você leia por causa do seu pai.
E o modo como vocês dois se dão.
Pela primeira vez, me senti rígido.
— O que isso tem a ver?
— Eu não sou uma
especialista, — ela disse, — mas esse livro foi indicado nos dois semestres que
eu fiz com ela e eu o devo ter estudado toda noite. Como eu disse, ela
entrevistou mais de trezentos adultos com distúrbios.
Eu retirei meu braço.
— E?
Eu sabia que ela tinha ouvido a tensão na minha voz e ela me estudou
com um traço de apreensão.
— Eu sei que sou só uma
estudante, mas eu passo muitas das minhas horas no laboratória com crianças que
têm Asperger... eu já vi de perto e eu também tive a oportunidade de encontrar
alguns dos adultos que a minha professora entrevistou. — Ela se ajoelhou à minha
frente, estendendo a mão para tocar meu braço. — Seu pai é muito parecido com
alguns deles.
Acho que eu já sabia pra onde ela estava indo, mas por alguma
razão eu queria que ela dissesse diretamente.
— O que isso quer dizer? eu
exigi, me forçando a não sair.
Sua resposta demorou para vir.
— Eu acho que o seu pai pode ter
Asperger.
— Meu pai não é retardado...
— Eu não disse isso, — ela
disse. — Asperger é um distúrbio de desenvolvimento.
— Não importa o que é, — eu
disse, minha voz se elevando. — Meu pai não tem. Ele me criou, ele trabalha,
ele paga suas contas. Ele já foi casado.
— Você pode ter Asperger e
ainda funcionar...
Enquanto ela falava, me lembrei de uma coisa que ela tinha dito
mais cedo.
— Espera, — eu disse,
tentando lembrar de como ela tinha se expressado e sentindo minha boca ficar
seca. — Mais cedo, você disse que achava que meu pai tinha feito um trabalho
maravilhoso me criando.
— Sim, — ela disse, — e eu
estava falando sério...
Minha mandíbula se apertou quando eu me dei conta do que ela
estava realmente dizendo e eu a encarei como se a
estivesse vendo pela primeira vez. — Mas é porque você pensa que ele é como o
Rain Man. Que considerando o problema dele, ele fez um bom trabalho.
— Não... você não entende.
Há um espectro de Asperger, de ameno a severo...
Eu mal a ouvi.
— E você o respeita pela mesma razão. Mas não é
como se você realmente gostasse dele.
— Não, espera...
Eu me afastei e levantei. Subitamente precisando de espaço,
caminhei para a grade oposta à ela. Pensei nos seus pedidos contínuos para
visitá-lo... não porque ela queria passar algum tempo com ele. Porque ela queria
estudá-lo.
Meu estômago deu um nó e eu olhei pra ela.
— Foi por isso que você
apareceu, não foi?
— O que...
— Não porque gostava dele,
mas porque você queria saber se estava certa.
— Não...
— Pare de mentir! — eu
gritei.
— Eu não estou mentindo!
— Você estava sentada lá
com ele, fingindo estar interessada em suas moedas, mas na verdade estava
avaliando ele como um macaco na gaiola.
— Não foi assim! — ela disse, se levantando. — Eu
respeito seu pai...
— Porque você acha que ele tem
problemas e os superou, — eu rosnei, terminando a frase para ela. — Sim, eu
entendi.
— Não, você está errado. Eu
gosto do seu pai...
— Por isso você administrou
seu pequeno experimento, não foi? Minha expressão era dura. — É, eu devo ter
esquecido de que quando você gosta de alguém, faz coisas assim. É isso que você
está tentando dizer?
Ela balançou a cabeça.
— Não! — Pela primeira vez, ela parecia
questionar o que tinha feito e seu lábio começou a tremer. Quando falou
novamente, sua voz tremeu. — Você está certo. Eu não devia ter feito isso. Mas
eu só queria que você o entendesse.
— Por quê? eu disse, dando
um passo na direção dela. Eu podia sentir meus músculos tensos. — Eu o entendo
bem. Cresci com ele, lembra? Eu vivi com ele.
— Eu estava tentando
ajudar, — ela disse, os olhos abatidos. — Eu só queria que você fosse capaz de
se relacionar com ele.
— Eu não pedi a sua ajuda.
Eu não quero a sua ajuda. E desde quando isso é da sua conta, de qualquer forma?
Ela se virou e limpou uma lágrima.
— Não é, — ela disse. Sua voz
estava quase inaudível. — Eu achei que você iria querer saber.
— Saber o que? eu exigi. — Que
você acha que tem alguma coisa de errado com ele? Que eu não deveria esperar
ter uma relação normal com ele? Que eu tenho que falar sobre moedas se quiser
falar com ele??
Eu não escondi a raiva na minha voz e
do canto dos meus olhos, vi alguns pescadores se virarem em nossa direção. Meu
olhar os impediu de chegarem mais perto, o que provavelmente foi uma boa coisa.
Enquanto nos encarávamos, eu não esperava que Savannah respondesse e
francamente, eu não queria que ela respondesse. Eu ainda estava tentando tirar
minha mente do fato de que as horas que ela tinha passado com meu pai não eram
nada mais que uma farsa.
— Talvez, — ela sussurrou.
Eu pisquei incerto de que ela tinha dito o que eu pensei que ela
tinha dito.
— O que?
— Você me ouviu. Ela me deu
um pequeno encolher de ombros. — Talvez essa seja a única coisa sobre a qual
você irá conversar com seu pai. Pode ser tudo o que ele possa fazer.
Senti minhas mãos se fecharem em punhos.
— Então você está dizendo
que tudo depende de mim?
Eu não esperava que ela fosse responder, mas ela respondeu.
— Eu não sei, — ela disse,
encontrando meus olhos. Eu ainda podia ver sua lágrimas, mas sua voz estava
surpreendentemente firme. — Foi por isso que eu comprei o livro. Pra que você
possa ler. Como você disse, você conhece ele melhor do que eu. E eu nunca disse
que ele é incapaz de funcionar, porque obviamente ele funciona. Mas pense
nisso. Suas rotinas imutáveis, o fato de ele não olhar para as pessoas quando
fala com elas, a inexistência da sua vida social...
Eu girei, querendo atingir alguma coisa. Qualquer coisa.
— Por que
você está fazendo isso? perguntei, minha voz baixa.
— Porque se fosse comigo, eu iria querer
saber. Eu não estou dizendo isso porque eu queria machucar você ou insultar seu
pai. Eu lhe disse porque queria que você o entendesse.
Sua honestidade fez com que ficasse dolorosamente claro que ela
acreditava no que estava dizendo. Mesmo assim, não me importei. Me virei e fui
em direção ao píer. Eu só queria ir embora. Daqui, dela.
— Onde você vai? eu a ouvi
gritar. — John! Espera!
Eu a ignorei. Acelerei o passo e um minuto depois eu tinha
alcançado as escadas. Corri escada abaixo, cheguei na areia e segui em direção
à casa. Não fazia ideia se Savannah estava atrás de mim e enquanto me
aproximava do grupo, rostos viravam em minha direção. Eu parecia zangado, e
sabia disso. Randy estava segurando uma cerveja e deve ter visto Savannah se
aproximando porque ele se moveu para bloquear meu caminho. Alguns dos seus
irmãos de fraternidade fizeram o mesmo.
— O que está acontecendo? ele
falou. — O que há de errado com Savannah? o ignorei e senti ele agarrando meu
pulso. — Ei, eu estou falando com você.
Nenhum movimento. Eu podia sentir seu hálito de cerveja e sabia
que o álcool tinha lhe dado coragem.
— Me solta, — eu disse.
— Ela está bem? ele exigiu.
— Me solta, — eu disse
novamente, — ou eu quebro seu pulso.
— Ei, o que está
acontecendo? eu ouvi Tim gritar de algum lugar atrás de mim.
— O que você fez com ela? Randy
exigiu. — Por que ela está chorando? Você machucou ela?
Eu podia sentir a adrenalina surgir na minha corrente sanguínea.
—
Última chance, — eu alertei.
— Não há motivo pra isso! Tim
gritou, mais perto dessa vez. — Se acalmem, pessoal! Deixem pra lá!
Senti alguém tentando me agarrar pelas costas. O que aconteceu em
seguida foi instintivo, dentro de uma questão de segundos. Bati meu cotovelo
com força na sua barriga e ouvi uma súbita expiração gemida; então agarrei a
mão de Randy e rapidamente a torci até seu ponto de estalo. Ele gritou e caiu
de joelhos e naquele instante senti mais alguém correndo em minha direção.
Balancei um cotovelo cegamente e o senti conectar; senti cartilagem se
esmigalhar enquanto me virei, pronto para o próximo que viesse.
— O que você fez? — ouvi
Savannah gritar. Ela deve ter vindo correndo assim que viu o que estava
acontecendo.
Na areia, Randy estava se contraindo enquanto apertava o pulso; o
cara que tinha me agarrado por trás estava arfando de quatro.
— Você o machucou!
ela choramingou enquanto passava correndo por mim. — Ele só estava tentando
parar a briga!
Eu me virei. Tim estava esparramado no chão, segurando o rosto, o
sangue jorrando por entre seus dedos. A visão pareceu paralisar todos menos
Savannah, que se ajoelhou ao seu lado. Tim gemeu e apesar das marteladas no meu
peito, senti um caroço no meu estômago. Por que tinha que ter sido ele? Eu
queria perguntar se ele estava bem; eu queria dizer a ele que não tinha tido a
intenção de machucá-lo e que não era minha culpa. Eu não tinha começado isso.
Mas não iria importar. Não agora. Eu não podia fingir que eles
devessem perdoar e esquecer, não importava o quanto eu quisesse que não tivesse
acontecido.
Eu mal podia ouvir Savannah se
preocupar quando eu comecei a me afastar. Olhei para os outros cautelosamente,
me certificando de que eles me deixariam partir, não querendo machucar mais
ninguém.
— Ah, Jesus... ah, não.
Você está realmente sangrando... temos que te levar ao médico...
Continuei a andar para trás, então me virei e subi as escadas.
Me movi
rapidamente pela casa, depois de volta para o meu carro. Antes de me dar conta,
eu estava na rua, amaldiçoando a mim e a toda a noite.
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