Capítulo Onze

 Na noite seguinte, enquanto eu estava de pé no píer admirando a lua prateada no oceano, me perguntei se Savannah apareceria. Na noite anterior, depois de passar horas examinando moedas com meu pai e aproveitando a animação na sua voz enquanto ele as descrevia, dirigi até a praia. No assento ao meu lado estava o bilhete que eu escrevera pra Savannah, pedindo à ela para me encontrar aqui. Deixei o bilhete em um envelope que coloquei no carro de Tim. Eu sabia que ele passaria o envelope adiante sem abrir, não importava o quanto ele pudesse não querer. Pelo pequeno tempo em que eu o conhecia, acreditei que Tim, como meu pai, era uma pessoa muito melhor do que eu.
Foi a única coisa que eu pude pensar em fazer. Por causa da briga, eu sabia que não era mais bem vindo na casa da praia; também sabia que não queria ver Randy ou Susan ou qualquer um dos outros, o que tornou impossível me comunicar com Savannah. Ela não tinha celular, nem eu sabia o número da casa da praia, o que deixou o bilhete como minha única opção.
Eu estava errado. Tinha exagerado, e sabia disso. Não só com ela, mas com os outros na praia. Eu tinha simplesmente ido embora. Randy e seus amigos, mesmo que eles levantassem peso e se considerassem atletas, não tinham nenhuma chance contra alguém treinado para incapacitar pessoas rapidamente e eficientemente. Se fosse na Alemanha, eu teria sido trancado pelo que eu fiz. O governo não era muito carinhoso com aqueles que usavam habilidades adquiridas através dele de maneira que o governo não aprovava.
Então eu deixei o bilhete, então olhei o relógio durante todo o dia seguinte, me perguntando se ela apareceria. Quando a hora que eu sugerira veio e passou, me achei olhando compulsivamente por cima do ombro, dando um suspiro de alívio quando uma figura apareceu à distância. Pelo modo que ela se movia, eu sabia que tinha que ser Savannah. Me inclinei contra a cerca enquanto esperava por ela.
Ela diminuiu o passo quando me viu, então parou. Nenhum abraço, nenhum beijo-a súbita formalidade me fez doer.
 — Recebi seu bilhete, — ela disse.
 — Fico feliz que tenha vindo.
 — Tive que sair de fininho para ninguém saber que você estava aqui, — ela disse. — Escutei algumas pessoas falando sobre o que elas fariam se você aparecesse novamente.
 — Desculpe, — comecei subitamente. — Sei que você só estava tentando ajudar e eu interpretei de maneira errada.
 — E?
 — E desculpe pelo que eu fiz com Tim. Ele é um cara ótimo e eu deveria ter sido mais cuidadoso.
Ela não piscava.
 — E?
Arrastei meus pés, sabendo que não era realmente sincero no que estava prestes a dizer, mas sabendo que ela queria ouvir de qualquer forma. Suspirei.
 — E Randy e o outro cara também.
Ainda assim, ela continuou a me encarar.
 — E?
Fiquei sem resposta. Vasculhei na minha mente antes de encontrar seus olhos.
 — E... — parei aos poucos.
 — E o quê?
 — E... — eu tentei mas não consegui pensar em nada. — Não sei, — confessei. — Mas seja o que for, me desculpe por isso também.
Ela estava com uma expressão curiosa no rosto.
 — É isso?
Eu pensei.
 — Não sei mais o que dizer, — admiti.
Meio segundo depois eu notei o mínimo traço de um sorriso. Ela se moveu em minha direção. — É isso? — ela repetiu sua voz mais suave. Eu não disse nada. Ela chegou mais perto, me surpreendendo, escorregando seus braços em volta do meu pescoço.
 — Você não precisa se desculpar, — ela murmurou. — Não há razão para estar arrependido. Eu provavelmente teria reagido da mesma forma.
 — Então por que o interrogatório?
 — Porque, — ela disse, — me mostra que eu estava certa a seu respeito em primeiro lugar. Eu sabia que você tinha um bom coração.
 — Do que você está falando?
 — Só o que eu disse, — ela respondeu. — Mais tarde - depois daquela noite, quer dizer - Tim me convenceu que eu não tinha o direito de dizer o que eu disse. Você estava certo. Eu não tenho a capacidade de fazer nenhum tipo de avaliação profissional, mas eu fui arrogante o suficiente para pensar que eu tinha. Em relação ao que aconteceu na praia, eu vi tudo. Não foi sua culpa. Até mesmo o que aconteceu com Tim não foi sua culpa, mas foi bom ouvir suas desculpas de qualquer forma. Mesmo que só pra saber que você pode fazer isso no futuro.
 — Ela se inclinou em minha direção e quando eu fechei os olhos, eu sabia que não queria nada mais a não ser segurá-la assim para sempre.
Mais tarde, depois de passarmos uma grande parte da noite conversando e nos beijando na praia, corri meu dedo sobre sua mandíbula e murmurei:
 — Obrigado.
 — Pelo que?
 — Pelo livro. Acho que entendo meu pai um pouco melhor agora. Nós nos divertimos noite passada.
 — Fico feliz.
 — E obrigado por ser quem você é.
Quando ela franziu o cenho, eu beijei sua testa.
 — Se não fosse você, — eu acrescentei, — eu não seria capaz de dizer isso ao meu pai. Você não sabe o quanto isso significa pra mim.

***

Embora ela devesse trabalhar na construção no dia seguinte, Tim tinha sido compreensivo quando ela explicou que seria a última chance de nos vermos antes de eu voltar para a Alemanha. Quando eu a peguei, ele desceu os degraus da casa e se abaixou ao lado do carro, seus olhos ficando no nível da janela. Os machucados tinham ficado pretos. Ele prendeu a mão na janela.
 — Foi um prazer conhecer você, John.
 — Você também, — eu disse, sendo sincero.
 — Tome cuidado, certo?
 — Vou tentar, — respondi enquanto apertávamos as mãos, atingido pela sensação de que havia uma ligação entre nós.
Savannah e eu passamos a manhã no Fort Fisher Aquarium, enfeitiçados pelas estranhas criaturas expostas lá. Vimos peixes-agulha com seus longos narizes e cavalos marinhos em miniatura; no tanque maior estavam tubarões e dourados. Rimos enquanto segurávamos os caranguejos eremitas e Savannah me comprou um chaveiro como souvenir da loja de presentes. Por alguma estranha razão havia um penguim nele, o que a divertiu sem fim.
Mais tarde, eu a levei para um restaurante ensolarado perto da água e nós seguramos as mãos por cima da mesa enquanto observávamos os barcos à vela se balançando gentilmente nas ondas. Perdidos um no outro, mal reparamos no garçom, que teve que vir à mesa três vezes antes de nós termos aberto nossos cardápios.
Me maravilhei com a forma fácil com que Savannah mostrava suas emoções e a ternura de suas expressões enquanto eu contava a ela sobre meu pai. Quando ela me beijou depois, eu provei da doçura do seu hálito. Peguei a sua mão.
 — Eu vou casar com você, você sabe.
 — É uma promessa?
 — Se você quiser que seja.
 — Bem, então você tem que prometer que voltará pra mim quando sair do exército. Não posso casar com você se você não estiver por perto.
 — É um acordo.
Mais tarde, passeamos pelos terrenos da Oswald Plantation, uma lindamente restaurada casa anterior a Guerra Civil que ostentava alguns dos mais belos jardins do estado. Conversamos pelos caminhos de cascalho, contornando grupos de flores silvestres que floresciam milhares de cores diferentes no calor preguiçoso do sul.
 — Que horas seu vôo sai amanhã? ela perguntou. O sol começava sua desceida gradual no céu sem nuvens.
 — Cedo, — eu disse. — Provavelmente estarei no aeroporto antes de você acordar.
Ela assentiu. — E você vai passar a noite de hoje com seu pai, né?
 — Foi o que eu estava planejando. Eu provavelmente não tenho passado tanto tempo com ele como eu deveria, mas tenho certeza que ele entenderia...
Ela balançou a cabeça para me parar.
 — Não, não mude seus planos. Eu quero que você passe um tempo com o seu pai. Esperava que você passasse. É por isso que estou com você hoje.
Caminhamos pela extensão de um elaborado caminho alinhado por sebes.
 — Então o que você quer fazer? perguntei. — Sobre nós, eu quero dizer.
 — Não vai ser fácil, — ela disse.
 — Eu sei que não, — eu disse. — Mas não quero que tudo isso acabe. Parei, sabendo que palavras não seriam suficientes. Em vez disso, por trás, escorreguei meus braços em volta dela e apertei seu corpo contra o meu. Beijei sei pescoço e sua orelha, saboreando sua pele aveludada. — Eu vou ligar pra você o máximo que puder, escreverei quando não puder ligar e vou pedir outra licença no próximo ano. Onde quer que você esteja, é pra lá que eu vou.
Ela se inclinou para trás, tentando pegar um vislumbre do meu rosto.
 — Você vai?
Apertei ela.
 — É claro. Quer dizer, não estou feliz em te deixar e queria mais que tudo que minha base fosse perto daqui, mas isso é tudo o que eu posso prometer nesse momento. Posso pedir uma transferência assim que voltar, e eu irei, mas você nunca sabe como essas coisas são.
 — Eu sei, — ela murmurou. Por alguma razão, sua expressão séria me fez ficar nervoso.
 — Você vai me escrever? perguntei.
 — Doh, — ela brincou, e meu nervosismo desapareceu. — É claro que sim, — ela disse sorrindo. — Como você pode ao menos se importa em perguntar? Eu vou escrever o tempo todo. E só pra você saber, eu escrevo as melhores cartas.
 — Eu não duvido.
 — To falando sério, — ela disse. — Na minha família, é isso que nós fazemos todas as férias. Escrevemos cartas para as pessoas que gostamos muito. Contamos a eles o que significam pra nós e o quanto estamos ansiosos para vê-los novamente.
Beijei seu pescoço novamente.
 — Então, o que eu significo pra você? E quanto você está ansiosa pra me ver novamente?
Ela se inclinou pra trás.
 — Você vai ter que ler minhas cartas.
Eu ri, mas senti meu coração se partir.
 — Vou sentir sua falta, — eu disse.
 — Eu também.
 — Você não parece tão triste em relação à isso.
 — É por que eu já chorei, lembra? Além do mais, não é como se nós nunca fôssemos nos ver novamente. Foi isso que eu finalmente me dei conta. É, vai ser difícil, mas a vida passa rápido-nos veremos de novo. Eu sei disso. Posso sentir. Do mesmo modo que posso sentir o quanto você se importa comigo e o quanto eu amo você. Meu coração sabe que isto não acabou e que nós vamos superar isso. Muitos casais superam. Também, muitos casais não superam, mas eles não têm o que nós temos.
Eu queria acreditar nela. Queria mais que tudo, mas me perguntei se era assim tão simples.
Quando o sol desapareceu abaixo do horizonte, caminhamos de volta ao carro e eu a levei à casa da praia. Parei um pouco abaixo na rua para que ninguém na casa pudesse nos ver e quando saímos do carro, pus meus abraços em volta dela. Nos beijamos e eu a segurei perto de mim, sabendo de certeza que o próximo ano seria o mais longo da minha vida. Desejei fervorosamente que nunca tivesse me alistado que eu fosse um homem livre. Mas eu não era.
 — Eu provavelmente devo ir agora.
Ela assentiu, começando a chorar. Senti um nó se formar em meu peito. — Vou escrever, — prometi.
 — Certo, — ela disse. Limpou suas lágrimas e pegou sua bolsa. Tirou de lá uma caneta e um pequeno pedaço de papel. Começou a rabiscar. — Esse é meu telefone e meu endereço de casa, certo? E meu e-mail também.
Eu assenti.
 — Lembre-se que eu vou mudar de dormitório no próximo ano, mas eu lhe digo o endereço assim que souber. Mas você sempre pode me alcançar pelos meus pais. Eles vão passar adiante qualquer coisa que você mandar.
 — Eu sei, — eu disse. — Você ainda tem minhas informações, certo? Mesmo que eu vá pra um missão em algum lugar, as cartas chegam até mim. E-mail também. O exército é muito bom em arrumar computadores, mesmo que seja no meio do nada.
Ela abraçou os braços como uma criança triste.
 — Me assusta, — ela disse. — Você ser um soldado, quer dizer.
 — Eu vou ficar bem, — assegurei.
Abri a porta do carro, então peguei minha carteira. Coloquei o bilhete que ela rabiscou dentro, então abri meus braços novamente. Ela veio até mim e eu a segurei por um longo tempo, marcando a sensação do corpo dela contra o meu.
Dessa vez foi ela que se afastou. Enfiou a mão na bolsa novamente e puxou um envelope.
 — Escrevi isso pra você ontem à noite. Pra você ter algo para ler no avião. Não leia até lá, certo?
Assenti e a beijei mais uma vez, então escorreguei para atrás do volante do carro. Liguei o carro e enquanto eu começava a andar ela gritou, — Mande um olá ao seu pai por mim. Diga a ele que eu posso aparecer algum dia nas próximas semanas, está bem?
Ela deu um passo para trás quando o carro começou a balançar. Eu ainda podia vê-la pelo espelho retrovisor. Pensei em parar. Meu pai entenderia. Ele sabia o quanto Savannah significava pra mim e ele iria querer que nós tivéssemos uma última noite juntos. Mas continuei, vendo sua imagem no espelho ficar mais e menor, sentindo meu sonho ir embora.
O jantar com meu pai foi mais quieto do que o normal. Não tive energia para tentar uma conversa e até meu pai se deu conta disso. Sentei na mesa enquanto ele cozinhava, mas ao invés de se focar na preparação, ele olhava em minha direção aqui e ali com uma preocupação muda em seus olhos. Me sobressaltei quando ele desligou o fogão e se aproximou de mim.
Quando estava perto, ele colocou uma mão na minha costa. Não disse nada, mas não precisava. Eu sabia que ele entendia que eu estava sofrendo e ficou lá em pé sem se mexer, como se tentasse absorver minha dor na esperança de tirá-la de mim e fazê-la dele próprio.
De manhã, meu pai me levou até o aeroporto e ficou ao meu lado no portão enquanto eu esperava meu vôo ser chamado. Quando chegou a hora eu levantei. Meu pai estendeu a mão; o abracei ao invés disso. Seu corpo estava rígido, mas não me importei.
 — Te amo, pai.
 — Também te amo, John.
 — Encontre algumas moedas boas, certo? acrescentei, me separando dele. — Quero ouvir tudo sobre elas.
Ele olhou para o chão.
 — Eu gosto de Savannah, — ele disse. — Ela é uma boa garota.
Veio do nada, mas era exatamente o que eu queria ouvir.
No avião, eu sentei com a carta que Savannah tinha escrito para mim, segurando ela no meu colo. Embora eu quisesse abrir imediatamente, esperei até que tivéssemos decolado. Da janela eu podia ver a linha da costa e procurei primeiro pelo píer, depois pela casa. Me perguntei se ela ainda estaria dormindo, mas eu queria pensar que ela estava na praia esperando o avião passar. Quando estava pronto, abri o envelope. Nele ela tinha colocado uma fotografia dela mesma, e eu subitamente desejei que eu tivesse deixado uma de mim com ela também. Encarei seu rosto por um longo tempo, depois a coloquei de lado. Dei um longo suspiro e comecei a ler.

Querido John,
Há tanto que eu quero dizer a você, mas eu não tenho certeza por onde devo começar. Eu deveria começar lhe dizendo que te amo? Ou que os dias que passei com você foram os melhores da minha vida? Ou que no pequeno tempo que eu conheço você, comecei a acreditar que nós fomos feitos para ficar juntos? Eu poderia dizer todas essas coisas, e seriam todas verdade, mas enquanto eu as releio, tudo o que eu posso pensar é que eu queria estar com você, segurando sua mão e observando seu sorriso indescritível.
No futuro, eu sei que vou reviver nosso tempo juntos mil vezes. Ouvirei sua risada e verei seu rosto e sentirei seus braços ao meu redor. Vou sentir falta de tudo isso, mais do que você possa imaginar. Você é um raro cavalheiro, John, e eu dou grande valor a isso em você. Em todo o tempo que ficamos juntos, você nunca me pressionou para dormir com você e eu não posso lhe falar o quanto isso significou para mim. Fez o que nós tivemos parecer ainda mais especial e é assim que eu sempre quero me lembrar de meu tempo com você. Como uma pura luz branca, um suspiro em que eu possa me segurar.
Pensarei em você todos os dias. Parte de mim está com medo de que chegue um tempo em que você não se sinta da mesma forma em relação a mim, que você de alguma forma esqueça o que vivemos, então é isso que eu quero fazer. Onde quer que você esteja, não importa o que esteja acontecendo na sua vida, quando for a primeira noite de lua cheia-como era na primeira vez que nos encontramos-quero que você a encontre no céu noturno. Quero que você pense em mim e na semana que compartilhamos, porque onde quer que eu esteja, não importa o que esteja acontecendo na minha vida, é exatamente isso o que eu farei. Se não podemos ficar juntos, pelo menos podemos compartilhar isso e, talvez entre nós dois, podemos fazer isso durar pra sempre.
Eu te amo, John Tyree e irei me segurar à promessa que você um dia me fez. Se você voltar, eu caso com você. Se você quebrar sua promessa, quebrará meu coração.
Com amor,
Savannah.

Além da janela e através das lágrimas nos meus olhos, eu podia ver uma camada de nuvens se espalhar abaixo de mim. Não tinha idéia de onde estávamos. Tudo o que eu sabia era que queria fazer a volta e voltar pra casa, estar no lugar onde eu deveria estar.

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