Capítulo Quatro
Através da rachadura da porta eu podia ver meu pai na sua mesa, e
me ocorreu que pela segunda noite seguida eu tinha feito outros planos para o
jantar. E eu nem tinha passado nenhum tempo com ele esse fim de semana. Ele não
reclamaria, eu sabia, mas ainda assim senti uma pontada de culpa. Depois de
pararmos de falar sobre moedas, o café da manhã e o jantar eram a única coisa
que nós compartilhávamos e agora eu o estava privando até mesmo disso. Talvez
eu não tivesse mudado tanto quanto pensava. Eu estava na sua casa e comenda da
sua comida e estava para perguntá-lo se poderia pegar seu carro emprestado. Em
outras palavras, levando minha própria vida e usando-o no processo. Me
perguntei o que Savannah diria sobre isso, mas eu achava que já sabia a
resposta. Savannah às vezes parecia muito com a pequena voz que tinha se
instalado na minha cabeça mas nunca se importou em pagar aluguel, e nesse
momento, ela sussurrava que se eu me sentisse culpado, talvez estivesse fazendo
algo errado. Resolvi que passaria mais tempo com ele. Era uma saída fácil e eu
admiti isso, mas não sabia o que mais fazer.
Quando abri a porta, meu pai pareceu sobressaltado ao me ver.
— Oi
pai, — eu disse, me sentando no lugar de sempre.
— Oi, John. — Assim que
falou, ele olhou sua mesa e passou uma mão sobre o seu cabelo ralo. Quando eu não disse mais nada,
ele se deu conta de que deveria me fazer uma pergunta. — Como foi o seu dia? — ele
finalmente me perguntou.
Mudei de posição no meu lugar. Foi ótimo, na verdade. Passei a
maior parte do dia com Savannah, a garota de que lhe falei ontem à noite.
— Ah. Seus olhos se viraram
para o lado, se recusando a encontrar os meus. Você não me contou sobre ela.
— Não?
— Não, mas está tudo bem.
Era tarde. Pela primeira vez ele pareceu se dar conta de que eu estava
arrumado, ou pelo menos mais arrumado do que ele já tinha me visto, mas ele não
conseguiu se obrigar a me perguntar nada.
Eu dei um puxão na minha camisa, tirando ele do aperto.
— É, eu sei,
tentando impressioná-la, certo? Vou levar ela pra sair hoje à noite, — eu disse.
Tudo bem se eu pegar o carro emprestado?
— Ah... tudo bem, — ele
disse.
— Quer dizer, você vai
precisar dele hoje? Posso ligar pra um amigo ou algo assim.
— Não, — ele disse. Enfiou
a mão no bolso para pegar as chaves. Nove entre dez pais as teria jogado; o meu
as estendeu para mim.
— Você está bem? — perguntei.
— Só cansado, — ele disse.
Me levantei e peguei as chaves. Pai? Ele ergueu o olhar novamente.
Me desculpe por não jantar com você nessas últimas
noites.
— Tudo bem, — ele disse. Eu
entendo.
***
O sol estava começando a sua lenta descida e quando eu arranquei
com o carro, o céu era um redemoinho de cores suaves que contrastavam
dramaticamente com o céu da noite que eu tinha conhecido na Alemanha. O
trânsito estava horrível, como sempre em noites de domingo e eu levei quase
trinta minutos enfumaçados para voltar à praia e estacionar.
Empurrei a porta da casa sem bater. Dois garotos que estavam
sentados no sofá assistindo a um jogo de baseball me ouviram entrar.
— Hey, — eles
disseram, parecendo desinteressados e indiferentes.
— Vocês viram Savannah?
— Quem? — um deles perguntou,
obviamente prestando pouca atenção em mim.
— Deixa pra lá. Eu encontro
ela. Cruzei a sala até o deque traseiro, vi o mesmo cara da noite anterior na
churrasqueira novamente e alguns outros, mas nenhum sinal de Savannah. Também
não a vi na praia. Estava para voltar pra dentro quando senti alguém dando
tapinhas no meu ombro.
— Quem você está procurando?
ela perguntou.
Eu me virei.
— Uma garota, — eu disse. Ela tem tendência a perder
coisas em píers, mas é uma aprendiz rápida quando se trata de surf.
Ela colocou as mãos nos quadris e eu sorri. Estava de shorts e com
uma blusa sem mangas com uma alça que passava pela sua nuca, deixando seu colo e
a parte de cima das suas costas descobertos, com um indício de
cor em suas bochechas, eu notei que ela tinha colocado um pouco de rímel e
batom. Mesmo adorando sua beleza natural, sou um garoto da praia, ela estava
ainda mais chamativa do que eu me lembrava. Senti o sopro de alguma fragrância
de limão enquanto ela se inclinava em minha direção.
— É tudo o que eu sou? Uma
garota? — ela perguntou. Soava ao mesmo tempo brincalhona e séria, e por um
minuto eu fantasiei envolvê-la com meus braços ali mesmo, naquele momento.
— Ah, — eu disse, me
fingindo de surpreso. É você.
Os dois caras no sofá olharam rápido para nós e depois retornaram
para a tela.
— Pronta para ir? — perguntei.
— Só tenho que pegar minha
bolsa, — ela disse. Ela pegou a bolsa do balcão da cozinha e começamos a
caminhar para a porta. E onde estamos indo, à propósito?
Quando a respondi, ela ergueu uma sobrancelha.
— Você está me levando para
comer em um lugar com a palavra cabana no nome?
— Eu só sou um cara mal
pago do exército. É tudo que eu posso bancar.
Ela me empurrou enquanto caminhávamos. Tá vendo, é por isso que eu
normalmente não saio com estranhos.
A cabana de Camarão fica no centro de Wilmington, na área
histórica que faz fronteira com o rio Cape Fear. Em uma ponta da área histórica
estão seus típicos destinos turísticos: lojas de souvenires, alguns lugares
especializados em antiguidades, alguns restaurantes elitizados, cafeterias e
vários escritórios do estado. Na outra ponta, contudo, Wilmington representava seu personagem como
cidade portuária trabalhadora: grandes armazéns, mais de um permaneciam
abandonados, e outros velhos prédios de escritórios apenas ocupados pela
metade. Eu duvidava que os turistas que se amontoavam aqui no verão alguma vez vieram
para esse lado. Essa foi a direção que eu tomei. Pouco a pouco a multidão se
dispersava até que não sobrou ninguém na calçada enquanto a área ficava mais e
mais arruinada.
— Onde é este lugar? Savannah
perguntou.
— Só um pouco mais adiante,
— eu disse. Lá em cima, no final.
— É um pouco fora do
caminho, não é?
— É meio que uma
instituição local, — eu disse. O dono não se importa se os turistas vêm ou não.
Nunca se importou.
Um minuto depois, diminuí a velocidade do carro e virei em um
pequeno estacionamento ao lado de um dos armazéns. Algumas dúzias de carros
estavam estacionados em frente à Cabana de Camarão, como sempre, e o lugar não
havia mudado. Desde que o conheci parecia desmantelado, com uma ampla varanda
desarrumada, pintura descascada e um teto torto que fazia parecer que o lugar
estava prestes a desabar, apesar do fato de estar enfrentando furacões desde
1940. O exterior estava decorado com redes, capotas e placas de carros, uma
velha âncora, remos e algumas correntes enferrujadas. Uma canoa quebrada estava
perto da porta.
O céu estava começando o seu escurecimento preguiçoso quando
caminhamos até a entrada. Me perguntei se deveria pegar na mão de Savannah, mas
no final eu não fiz nada. Apesar de ter tido algum sucesso induzido por hormônios
com as mulheres, eu tinha pouquíssima experiência quando se tratava de garotas
com quem eu me importava. Apesar do fato que apenas um dia tinha passado desde
que nos conhecemos, eu já sabia que estava em território novo. Subimos na
varanda envergada e Savannah apontou para a canoa.
— Talvez seja por isso que ele tenha aberto um
restaurante, porque o barco dele afundou.
— Pode ser. Ou talvez
alguém deixou isso aí e ele nunca se importou em removê-lo. Pronta?
— Como sempre estarei, — ela
disse e eu empurrei a porta.
Não sei o que ela esperava, mas ela tinha uma expressão satisfeita
no rosto enquanto entrava. Havia um longo bar em um lado, janelas que davam
para o rio e na área central, bancos de piquenique de madeira. Algumas
garçonetes com cabelos armado - elas não pareciam ter mudado mais que a
decoração - se moviam entre as mesas, carregando bandejas de comida. O ar tinha
o cheiro oleoso de comida frita e fumaça de cigarro; esmo assim, de alguma
forma parecia certo. A maioria das mesas estava ocupadas, mas eu indiquei uma
perto do jukebox. Estava tocando uma música country do oeste, embora eu não
soubesse dizer quem era o cantor. Sou mais um fã de rock clássico.
Fizemos nosso caminho por entre as mesas. A maioria dos clientes
pareciam trabalhar duro pelo seu sustento: trabalhadores de construção,
jardineiros, caminhoneiros e etc. Eu nunca tinha visto tantos bonés de baseball
da NASCAR desde... bem, eu nunca tinha visto tantos. Alguns caras do meu
esquadrão eram fãs, mas eu nunca saquei a graça de assistir a um grupo de
marmanjos dirigirem em círculo o dia todo ou descobri porque eles não
publicavam os artigos na seção de automóveis do jornal em vez de na seção de
esportes. Nos sentamos um em frente ao outro e eu observei enquanto Savannah
assimilava o lugar.
— Gosto de lugares assim, —
ela disse. — Quando você morava aqui era esse seu destino habitual?
— Não, esse era mais um
lugar para ocasiões especiais. Normalmente eu saía para um lugar chamado
Leroy's. É um bar perto da praia de Wrightsville. Ela pegou um menu laminado
que estava entre um porta guardanapos de metal e garrafas de ketchup e molho picante Texas Pete.
— Isso é muito melhor, — disse.
Ela abriu o menu. Agora, pelo que esse lugar é famoso?
— Camarão, — eu disse.
— Nossa, sério? ela
perguntou.
— Sério. Todo tipo de
camarão que você puder imaginar. Você sabe aquela cena de Forrest Gump quando
Bubba estava contando a Forrest todos as formas de se preparar camarão?
Grelhado, salgado, em churrasco, camarão Cajun, camarão ao limão, camarão
Creole, coquetel de camarão... É esse o lugar.
— De qual você gosta?
— Eu gosto deles resfriados
com molho de coquetel do lado. Ou fritos.
Ela fechou o menu.
— Você escolhe, — disse, empurrando o menu me
minha direção. Eu confio em você.
Coloquei o menu de volta nos eu lugar, encostado no porta
guardanapos.
— Então?
— Resfriados. Em um balde.
É a experiência consumada.
Ela se inclinou por sobre a mesa.
— Então quantas mulheres você já
trouxe aqui? Para a experiência consumada, quero dizer.
— Incluindo você? Deixe-me
pensar. Bati os dedos na mesa. Uma.
— Estou honrada.
— Este era mais um lugar
pra mim e meus amigos quando queríamos comer em vez de beber. Não havia comida
melhor depois de um dia de surf.
— Como eu descobrirei em
breve.
A garçonete apareceu e eu pedi o camarão. Quando ela perguntou o
que queríamos para beber, eu ergui as mãos.
— Chá, por favor, — Savannah
disse.
— Traga dois — eu
completei.
Depois que a garçonete saiu, nos acomodamos em uma conversa fácil,
ininterrupta mesmo quando nossas bebidas chegaram. Falamos sobre a vida no
exército novamente; por alguma razão, Savannah parecia fascinada com ela. Ela
também perguntou sobre crescer aqui. Contei a ela mais do que pensei que iria
sobre meus anos no Ensino Médio e provavelmente demais sobre os três anos antes
do meu alistamento.
Ela ouviu atentamente, fazendo perguntas aqui e ali, e eu me dei
conta de que já fazia um bom tempo desde que eu havia tido um encontro como
este; alguns anos, talvez mais. Não desde Lucy, de qualquer forma. Eu não via
nenhuma razão para isso, mas quando sentei diante de Savannah, tive que
repensar minha decisão. Eu gostava de ficar sozinho com ela, e queria ver mais
dela. Não só esta noite, mas amanhã e no dia seguinte. Tudo, desde a maneira
fácil como ela ria, ao seu humor, à sua óbvia preocupação com os outros - me
atingiam como novos e desejáveis. Então novamente, passar algum tempo com ela
me fez perceber o quanto eu tinha sido solitário. Eu não tinha admitido isso
para mim mesmo, mas depois de apenas dois dias com Savannah, eu sabia que era
verdade.
— Vamos colocar alguma
música para tocar, — ela disse, interrompendo meus pensamentos.
Me levantei da minha cadeira, remexi meus bolsos à procura de
alguma moeda de 25 centavos, e depositei na máquina. Savannah colocou as duas mãos
no vidro e se inclinou para frente, como se lesse os títulos, depois escolheu
algumas músicas. Quando voltamos à mesa, a primeira já estava tocando.
— Sabe, acabei de me dar
conta que só eu tenho falado a noite toda, — eu disse.
— Você é uma matraca, — ela
observou.
Tirei meus talheres do guardanapo de papel que os envolvia.
— E
você? Você sabe tudo sobre mim, mas eu não sei nada sobre você.
— Claro que sabe, — ela
disse. Você sabe quantos anos eu tenho, qual faculdade eu frequento, minha
especialização e o fato de que eu não bebo. Sabe que eu sou de Lenoir, moro em
uma fazenda, amo cavalos, e passo meus verões construindo casas para o Habitat
para a Humanidade. Você sabe muita coisa.
É, de repente me dei conta, eu sabia. Incluindo coisas que ela não
tinha mencionado.
— Não é o bastante, — eu disse. Sua vez.
Ela se inclinou para frente. Pergunte o que quiser.
— Me conte sobre seus pais,
— eu disse.
— Certo, — disse ela,
pegando um guardanapo. Ela secou a condensação de seu copo. Meu pai e minha mãe
são casados há vinte e cinco anos e ainda estão muito felizes e loucamente
apaixonados. Eles se conheceram na faculdade na Appalachian State, e minha mãe
trabalhou em um banco alguns anos até eu nascer. Desde então ela tem sido uma
mãe caseira e ela foi o tipo de mãe que estava lá pra todo mundo também.
Ajudante de sala de aula, motorista voluntária, técnica do
nosso time de futebol, cabeça da Associação de Pais e Mestres, todo esse tipo
de coisa. Agora que eu vim embora ela passa o dia todo como voluntária de
outras coisas - a biblioteca, escolas, a igreja, o que for. Meu pai é professor
de história na escola e é técnico do time de vôlei feminino desde que eu era
pequena. Ano passado elas chegaram a final estadual, mas perderam. Ele também é
diácono na nossa igreja e coordena o grupo de jovens e o coral. Quer ver uma
foto?
— Claro, — eu disse.
Ela abriu sua bolsa e tirou a carteira. Ela a abriu e empurrou por
cima da mesa, nossos dedos se tocando. Estão um pouco esfarrapadas nas bordas
por causa da água do mar, — ela disse, — mas dá pra ter uma ideia.
Virei a foto. Savannah tinha mais características do pai do que da
mãe, ou pelo menos tinha herdado os traços mais escuros dele.
— Belo casal.
— Eu os amo, — ela disse,
pegando a carteira de volta. — Eles são os melhores.
— Por que você mora em uma
fazenda se seu pai é professor?
— Ah, não é uma fazenda de
trabalho. Era quando pertencia a meu avô, mas ele teve que vender pedaços para
pagar os impostos dela. Quando meu pai a herdou estava reduzida a 4 hectares
com uma casa, estábulos e um curral. É mais um grande quintal do que uma
fazenda. É como sempre nos referimos a ele, mas acho que passa a imagem errada,
né?
— Eu sei que você disse que
fez ginástica olímpica, mas você jogou vôlei no time do seu pai?
— Não, — ela disse. Quer
dizer, ele é um ótimo técnico, mas sempre me encorajou a fazer o que era certo pra mim. E não era
vôlei. Eu tentei e foi legal, mas não era o que eu amava.
— Você amava cavalos.
— Desde que era uma
garotinha. Minha mãe me deu uma estátua de um cavalo quando eu era bem pequena,
e foi isso que começou a coisa toda. Ganhei meu primeiro cavalo no Natal quando
tinha oito anos e ainda é o melhor presente de Natal que eu já recebi. Slocum.
Ela era uma velha égua muito gentil e era perfeita pra mim. O acordo era que eu
deveria cuidar dela-alimentá-la, escová-la e manter sua baia limpa. Entre ela,
a escola, a ginástica e tomar conta do resto dos animais, eu só tinha tempo pra
isso.
— O resto dos animais?
— Quando eu estava
crescendo, minha casa era tipo uma fazenda mesmo. Cachorros, gatos, até uma
lhama por um tempo. Eu era louca por animais perdidos. Meus pais chegaram ao
ponto de nem discutir mais comigo sobre eles. Geralmente tinha quatro ou cinco
deles de uma vez. Algumas vezes um dono vinha, esperando achar seu bichinho
perdido, e saía com uma de nossas adições recentes se não achasse. Éramos como
a libra.
— Seus pais eram pacientes.
— Sim, — ela disse, — eles
eram. Mas eram loucos por animais perdidos também. Mesmo que negasse, minha mãe
era pior que eu.
A observei.
— Aposto que você era uma boa aluna.
— Invariáveis A's. Fui a
oradora da minha classe.
— Por que isso não me
surpreende?
— Não sei, — ela disse. Por quê?
Não respondi.
— Você já teve um namorado sério?
— Ah, agora estamos indo
direto ao ponto, hein?
— Só estava perguntando.
— O que você acha?
— Eu acho, — eu disse,
arrastando as palavras, — Eu não faço ideia.
Ela riu.
— Então... vamos deixar essa pergunta passar por agora. Um
pouco de mistério é bom para a alma. Além disso, estou disposta a apostar que
você pode descobrir por conta própria.
A garçonete chegou com o balde de camarões e algumas garrafas de
molho de coquetel, os colocou na mesa e reabasteceu nosso chá com a eficiência
de alguém que tem feito isso por muito tempo. Ela virou nos seus sapatos de
salto sem perguntar se queríamos mais alguma coisa.
— Esse lugar é legendário
por sua hospitalidade.
— Ela só está ocupada, — Savannah
disse, pegando um camarão. E além disso, acho que ela sabe que você está me
interrogando e quis me deixar com o meu inquisidor.
Ela quebrou o camarão e o descascou, depois mergulhou-o no molho
antes de morder um pedaço. Peguei alguns da vasilha e coloquei no meu prato.
— O que mais você quer
saber?
— Não sei. Qualquer coisa. Qual a melhor parte
de estar na faculdade?
Ela pensou sobre isso enquanto reabastecia seu prato.
— Bons
professores, — disse finalmente. Na faculdade, às vezes você pode escolher seus
professores se você tiver uma agenda flexível. É isso que eu gosto. Antes de
começar, foi esse o conselho que meu pai me deu. Ele disse para escolher aulas
baseadas no professor sempre que possível, e não na matéria. Quer dizer, ele
sabia que existem algumas matérias que você tem que escolher se quiser se
graduar, mas a razão dele era que bons professores não tem preço. Eles te inspiram,
tem entretêm e você acaba aprendendo muitas coisas mesmo sem saber.
— Porque eles são
apaixonados pelas suas matérias — eu disse.
Ela piscou.
— Exatamente. E ele estava certo. Peguei aulas de
matérias que eu nunca pensei que fosse me interessar e o mais distantes da
minha especialização que você pode imaginar. Mas sabe de uma coisa? Eu ainda
lembro dessas aulas como se ainda as estivesse tomando.
— Estou impressionado.
Pensei que você diria que ir à jogos de basquete fosse a melhor parte de estar
na faculdade. É como uma religião em Chapel Hill.
— Gosto disso também. Assim
como gosto dos amigos que estou fazendo e viver longe de mamãe e papai e tudo
isso. Aprendi muito desde que saí de Lenoir. Quer dizer, tive uma vida
maravilhosa lá e meus pais são ótimos, mas eu estava... presa. Tive algumas
experiências de abrir os olhos.
— Como o que?
— Muitas coisas. Como
sentir a pressão de beber ou me agarrar com um cara toda vez que eu saía. No
meu primeiro ano, eu odiei a UNC. Não senti que fosse me enturmar, e eu não me
enturmei. Implorei para meus pais me deixarem ir pra casa ou me transferir, mas
eles não concordaram. Acho que eles sabiam que eu iria me arrepender a longo
prazo e provavelmente estavam certos. Foi só
no meu segundo ano que encontrei algumas garotas que se sentiam do mesmo modo
que eu sobre esse tipo de coisa e tem sido muito melhor desde então. Me juntei
a alguns grupos de estudantes cristãos, passo as manhãs de sábado em um abrigo
em Raleigh servindo os pobres, e não sinto nenhuma pressão para ir à essa ou
àquela festa ou sair com esse ou aquele cara. E se eu for a uma festa, a
pressão não me atinge. Eu só aceito o fato de que eu não tenho que fazer o que
todo mundo faz. Posso fazer o que é certo pra mim.
O que explicava por que ela estava comigo na noite passada, eu
pensei. E agora também.
Ela se animou. É meio como você, eu acho. Nos últimos anos, eu
cresci. Então, junto ao fato de que somos especialistas em surf também temos
isso em comum.
Eu ri.
— É. Tirando que eu lutei muito mais do que você.
Ela se inclinou para a frente novamente. Meu pai sempre dizia que
quando você está lutando com alguma coisa, olhe para todas as pessoas ao seu
redor e perceba que cada uma delas que você vê está lutando com alguma coisa, e
para elas, é tão difícil quanto o que você está passando.
— Seu pai parece ser um
homem esperto.
— Minha mãe e meu pai são.
Acho que os dois se formaram entre os cinco melhores na faculade. Foi como eles
se conheceram. Estudando na biblioteca. Educação era muito importante para os
dois e eles meio que fizeram de mim seu projeto. Quer dizer, eu lia antes de ir
pra o jardim de infância, mas eles nunca fizeram parecer com uma tarefa. E eles
têm falado comigo como se eu fosse adulta desde que eu me lembro.
Por um momento, me perguntei o quanto minha vida seria diferente
se eles tivessem sido meus pais, mas sacudi o pensamento para longe. Sabia que
meu pai tinha feito o melhor que podia, e eu não tinha nenhum
arrependimento do modo como eu acabei. Arrependimentos sobre a jornada, talvez,
mas não sobre o destino. Porque como quer que tivesse acontecido, de algum modo
eu iria acabar comendo camarão em uma cabana deprimente do centro da cidade com
uma garota que eu já sabia que nunca esqueceria.
Depois do jantar, voltamos para a casa, que estava
surpreendentemente calma. A música ainda tocava, mas a maioria das pessoas
estavam relaxando ao redor do fogo, como se antecipassem a manhã. Tim estava
entre eles, absorto em uma conversa séria. Me surpreendendo, Savannah pegou
minha mão, me parando no caminho antes de alcançarmos o grupo.
— Vamos dar uma caminhada,
— ela disse. — Quero deixar o jantar assentar só um pouco antes de sentar.
Acima de nós, algumas nuvens finas estavam espalhadas entre as
estrelas, e a lua, ainda cheia, pairava no horizonte. Uma brisa leve soprou na
minha bochecha, e eu podia ouvir o movimento incessante das ondas enquanto elas
rolavam para a costa. A maré tinha baixado e nós nos movemos para a areia mais
dura e compacta perto da beira da água. Savannah colocou uma mão no meu ombro
para manter o equilíbrio enquanto ela tirava uma sandália, e depois a outra.
Quando ela terminou, eu fiz o mesmo, e demos alguns passos em silêncio.
— É tão lindo aqui fora.
Quer dizer, eu amo as montanhas, mas isso é maravilhoso a sua própria maneira.
É cheio de... paz.
Senti que as mesmas palavras poderiam ser usadas para descrevê-la,
e eu não tinha certeza do que dizer.
— Não acredito que só te
conheci ontem, — ela adicionou. Parece que eu te conheço há muito mais tempo.
A mão dela estava quente e macia na minha. Estava pensando a mesma
coisa.
Ela deu um sorriso sonhador,
observando as estrelas.
— Me pergunto o que Tim pensa sobre isso, — ela murmurou.
Ela me olhou. Ele acha que sou um pouco ingênua.
— Você é?
— Às vezes — ela admitiu, e
eu ri.
Ela continuou.
— Quer dizer, se eu ver duas pessoas saindo para uma
caminhada como essa, eu penso, — Ah, que fofo — . Não penso, — eles vão transar
atrás das dunas — . O fato é que às vezes eles transam. Eu só nunca penso nisso
de ante mão e sempre me surpreendo quando ouço sobre isso depois. Não posso
evitar. Como noite passada, depois de você ir embora. Ouvi sobre duas pessoas aqui
que fizeram isso e não pude acreditar.
— Eu teria ficado mais
surpreso se não tivesse acontecido.
— É isso que eu não gosto
na faculdade, à propósito. Muitas pessoas não acreditam que esses anos de
atrevimento realmente contam, então é permitido você experimentar com... o que
for. Há uma visão informal sobre coisas como sexo, bebidas e até drogas. Eu sei
que isso soa muito careta, mas eu não entendo. Talvez tenha sido por isso que
eu não quis ir sentar ao redor da fogueira como todo mundo. Pra ser honesta,
estou um pouco desapontada com aquelas duas pessoas de quem ouvi falar, e eu
não quero sentar lá e fingir que não estou. Sei que não devia julgar, e tenho
certeza de que eles são boas pessoas por estarem aqui para ajudar, mas ainda
assim, qual é o motivo? Você não deveria guardar coisas como essas para alguém
que você ama? Para que realmente signifique alguma coisa?
Eu sabia que ela não queria respostas, e não ofereci nenhuma. Quem
lhe contou sobre aquele casal? eu perguntei, em vez disso.
— Tim. Acho que ele estava
desapontado também, mas o que ele iria fazer? Expulsá-los?
Tínhamos percorrido um bom caminho
pela praia, e nos viramos.
À distância, eu podia ver o círculo de figuras em silhueta contra
o fogo. A névoa cheirava a sal, e caranguejos se espalhavam para suas tocas na
areia enquanto nos aproximávamos.
— Me desculpe, — ela disse. — Eu estava errada.
— Sobre o que?
— Por ficar tão... chateada
sobre isso. Eu não deveria julgar. Não é o meu lugar.
— Todo mundo julga, — eu
disse. É a natureza humana.
— Eu sei. Mas... eu também
não sou perfeita. No fim, é apenas o julgamento de Deus que importa e eu
aprendi o bastante para saber que ninguém pode saber qual é a vontade de Deus.
Eu sorri.
— O que? — ela perguntou.
— O modo como você fala me
lembra o nosso capelão. Ele diz a mesma coisa.
Nós caminhamos pela praia e quando nos aproximamos da casa, nos
distanciamos da beira da água, em direção a areia fofa. Nossos pés deslizavam a
cada passo e eu podia sentir Savannah colocar mais força no aperto de nossas
mãos. Me perguntei se ela as soltaria quando chegássemos perto do fogo e fiquei
desapontado quando ela o fez.
— Hey, — Tim nos chamou,
sua voz amigável. Vocês estão de volta.
Randy estava lá também e tinha no
rosto sua expressão emburrada habitual. Francamente, eu estava ficando um pouco
cansado do ressentimento dele. Brad estava atrás de Susan, que se apoiava em
seu peito. Susan parecia estar indecisa entre fingir estar feliz, para poder descobrir
os detalhes com Savannah e ficar chateada em apoio a Randy. Os outros,
obviamente indiferentes, voltaram para suas conversas. Tim se levantou e veio
até nós.
— Como foi o jantar?
— Foi ótimo — Savannah
disse. Provei um pouco da cultura local. Fomos ao Shrimp Shack.
— Parece divertido, — ele
comentou.
Me esforcei para detectar algum traço de ciúme mas não achei
nenhum. Tim fez um movimento por sobre o ombro e falou. Querem se juntar a nós?
Estamos só relaxando, nos preparando para amanhã.
— Na verdade, estou com um
pouco de sono. Eu só ia levar o John até o carro dele e depois ia entrar. À que
horas devemos nos acordar?
— Seis. Tomaremos café e
estaremos na construção amanhã às sete e meia. Não esqueça seu protetor solar.
Ficaremos no sol o dia todo.
— Vou me lembrar. Você
deveria relembrar todo mundo.
— Tenho que fazer isso, — ele
disse. E lembrarei amanhã de novo. Mas espere só-algumas pessoas não irão ouvir
e vão fritar.
— Te vejo pela manhã, — ela
disse.
— Certo. Ele virou sua atenção pra mim. Fico
feliz que você tenha aparecido hoje.
— Eu também, — eu disse.
— E escute, se você ficar
entediado pelas próximas semanas, podemos sempre usar uma ajuda extra.
Eu ri.
— Sabia que isso estava vindo.
— Sou quem eu sou, — ele
disse, estendendo sua mão. Mas de qualquer modo, espero vê-lo novamente.
Apertamos as mãos. Tim voltou para o seu lugar e Savannah indicou
a casa com a cabeça. Andamos em direção a duna, paramos para colocar nossas
sandálias de volta e depois seguimos o caminho de madeira, pela grama e ao
redor da casa. Um minuto depois, estávamos no carro. No escuro, eu não podia
enxergar a expressão dela.
— Me diverti essa noite, — ela
disse. — E hoje.
Eu engoli.
— Quando eu posso te ver de novo?
Foi uma pergunta simples, até mesmo já esperada, mas fiquei
surpreso ao ouvir o desejo no meu tom. Eu ainda nem a tinha beijado.
— Eu acho, — ela disse, — que
isso depende de você. Você sabe onde eu estou.
— Que tal amanhã à noite? Falei
sem pensar. Sei de outro lugar que tem uma banda e é muito divertido.
Ela colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha. Que tal na noite
depois dessa? Tudo bem? É só que o primeiro dia na construção é sempre...
excitante e cansativo ao mesmo tempo. Temos um grande jantar em grupo
que eu realmente não deveria perder.
— Sim, tudo bem, — eu
disse, achando que não estava tudo bem de jeito nenhum.
— Ela deve ter ouvido
alguma coisa na minha voz. Como Tim disse, você é bem vindo para aparecer se
quiser.
— Não, tudo bem. A terça á
noite está bom.
Continuamos lá parados, num daqueles momentos estranhos que eu
provavelmente nunca irei me acostumar, mas ela se virou antes que eu pudesse
tentar um beijo. Normalmente, eu provavelmente teria mergulhado pra frente só
pra ver o que aconteceria; eu posso não ter sido aberto sobre meus sentimentos,
mas eu era impulsivo e rápido nas ações. Com Savannah, me senti estranhamente
paralisado. Ela também não parecia estar com nenhuma pressa.
Um carro passou, quebrando o feitiço. Ela deu um passo em direção
à casa, então parou e colocou sua mão no meu braço. Em um gesto inocente, ela
me beijou na bochecha. Foi quase um beijo de irmãos, mas seus lábios eram
macios e seu aroma me engolfou, persistindo mesmo depois que ela se afastou.
— Eu realmente me diverti,
— ela murmurou. — Não acho que irei esquecer desse dia por muito, muito tempo.
Senti sua mão deixar meu braço e então em um sussurro ela
desapareceu, subindo as escadas da casa.
Mais tarde naquela noite em casa, me achei me revirando na cama,
revivendo os eventos do dia. Finalmente me sentei, desejando que tivesse
contado a ela o quanto o nosso dia tinha significado pra mim. Fora da minha
janela, vi uma estrela cadente cruzar o céu em um brilhante risco branco. Eu
queria acreditar que era uma profecia, embora de que, eu não estava
certo. Em vez disso, tudo o que eu podia fazer era sentir de novo o beijo
gentil de Savannah na minha bochecha pela centésima vez e me perguntar como eu
poderia estar me apaixonando por uma garota que eu só havia conhecido no dia
anterior.
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