Capítulo Quinze
Poucas horas depois, soube que os Estados Unidos iriam reagir ao
ataque e que as forças armadas liderariam a reação. A base entrou em alerta
máximo, e duvido que alguma vez tenha ficado tão orgulhoso dos meus homens. Nos
dias que se seguiram, foi como se todas as diferenças pessoais e afiliações
políticas de qualquer tipo derretessem. Por um curto período de tempo, todos
nós fomos simplesmente americanos.
Escritórios de recrutamento em todo o país começaram a encher com
homens querendo se alistar. Entre nós já alistados, o desejo de servir era mais
forte do que nunca. Tony foi o primeiro homem em meu esquadrão a se alistar por
mais dois anos, e um a um, todos seguiram seu exemplo. Mesmo eu, que esperava a
minha dispensa honrosa em dezembro e contava com os dias para voltar para Savannah,
peguei a febre e acabei me alistando.
Seria fácil dizer que fui influenciado pelo que acontecia à minha
volta e por isso tomei a decisão. Mas isso seria apenas uma desculpa. Certo, eu
fui de fato pego pela onda de patriotismo, mas, além disso, sentia-me obrigado
pelos laços de amizade e da responsabilidade. Conhecia meus homens, me
preocupava com eles, e o pensamento de abandoná-los em um momento como aquele
me parecia incrivelmente covarde. Tínhamos passado por coisas demais juntos
para eu sequer deixar o exército naqueles últimos dias de 2001.
Liguei para Savannah com a notícia. Inicialmente, ela foi
solidária. Como todo mundo, ela estava horrorizada com o que havia
acontecido e entedia o senso de dever que pesava sobre mim, mesmo antes de eu
tentar explicar. Ela disse que estava orgulhosa de mim.
Mas a realidade logo apareceu. Ao escolher servir ao meu país, eu
tinha feito um sacrifício. Embora a investigação sobre os autores do atentado
tenha sido concluída rapidamente, 2001 terminou sem maiores sobressaltos para
nós. Nossa divisão da infantaria não desempenhou qualquer papel na derrubada do
governo Talibã no Afeganistão, uma decepção para todos no meu pelotão. Em vez
disso, passamos a maior parte do inverno e da primavera treinando e nos
preparando para a futura invasão ao Iraque.
Foi por volta dessa época, acredito que as cartas de Savannah
começaram a mudar. Se antes elas chegavam todas semanas, passaram a vir de dez
em dez dias, e com o passar dos dias, tornaram-se quinzenais. Tentei
consolar-me com o fato de que o tom das cartas não havia mudado, mas com o
tempo isso também aconteceu. Não havia mais as longas passagens em que ela
descrevia como imaginava nossa vida juntos, as passagens que, no passado,
sempre me encheram de expectativa. Escrever sobre um futuro tão distante a
fazia lembrar quanto tempo faltava, algo doloroso de pensar para nós dois.
No final de Maio, consolei-me que pelo menos nos veríamos na minha
próxima licença. O destino, porém, conspirou novamente contra nós poucos dias
antes de eu voltar para casa. Meu comandante convocou uma reunião e, quando me
apresentei em seu escritório, ele mandou eu me sentar. Meu pai, ele disse,
tinha acabado de sofrer um ataque cardíaco, e ele já se antecipara e me concedera
a licença adicional de emergência. Em vez de ir para Chapel Hill e passar duas
semanas gloriosas com Savannah, viajei para Wilmington e fiquei ao lado da cama
do meu pai, respirando o odor anticéptico que sempre me fez pensar mais na
morte do que na cura. Quando cheguei, meu pai estava na unidade de terapia
intensiva, e lá ele permaneceu durante a maior parte da minha licença. Sua pele
tinha uma palidez acinzentada, e sua respiração era rápida e fraca. Na primeira
semana, ele recuperava e perdia a consciência, mas quando ele estava acordado,
vi emoções em meu pai que afloravam raramente, e nunca combinadas: o medo
desesperado, a confusão momentânea, e uma gratidão de cortar o coração por eu
estar ao lado dele. Mais de uma vez, peguei sua mão, outra coisa inédita em
minha vida. Por causa de um tubo introduzido em sua garganta, ele não podia
falar, então eu conversei pelos dois. Embora eu contasse um pouco do que
acontecia na base, falei principalmente sobre as moedas. Li o Greysheet quando
saiu, e fui à casa dele pegar cópias antigas que ele mantinha arquivadas em sua
gaveta e também as li. Pesquisei por moedas na internet - em sites como David
Hall Rare Coins e Legend Numismatics-e contava para ele as que estavam em
oferta, bem como quais eram os preços mais recentes. Os preços me espantaram.
Com base nas moedas do meu pai que eu conhecia, comecei a suspeitar que a
coleção dele, apesar da queda dos preços do ouro desde seu apogeu, valia
provavelmente dez vezes mais do que a casa que ele tinha há anos. Meu pai,
incapaz de dominar a arte da conversa mais simples, havia se transformado no
homem mais rico que eu conhecia.
Ele não se interessava pelo valor das moedas. Desviava os olhos
sempre que eu os mencionava, e logo me lembrei do que por algum motivo eu havia
esquecido: para meu pai, a busca pelas moedas sempre foi muito mais
interessante do que as moedas em si e, para ele, cada moeda representava uma
história com final feliz. Com isso em mente, fiz um grande esforço para lembrar
todas as moedas que tínhamos encontrados juntos. Como meu pai mantinha
registros impecáveis, eu os examinava antes de dormir e, pouco a pouco,, essas
lembranças voltaram. No dia seguinte, eu relembrava ao lado dele as histórias
de nossas viagens para Releigh, Charlotte ou Savannah. Embora nem mesmo os
médicos soubessem ao certo se ele iria escapar, meu pai sorriu mais naquelas
semanas do que em toda sua vida comigo. Ele foi para casa um dia antes da data
da minha partida e o hospital tomou medidas para que alguém cuidasse dele
enquanto ele continuava a se recuperar.
Porém, se a estada no hospital reforçou minha relação com meu pai,
ela não ajudou em nada meu relacionamento com Savannah. Não entenda mal, ela
foi me encontrar sempre que pôde, e demonstrou apoio e simpatia. Mas, como
passei tanto tempo no hospital, não foi o suficiente para cicatrizar as
fissuras que começavam a aparecer no nosso relacionamento. Para ser honesto, eu
nem sabia ao certo o que queria dela: quando ela estava lá, tinha vontade de ficar
a sós com meu pai, quando ela não estava, sentia falta dela ao meu lado. De
algum modo, Savannah atravessou esse campo
minado sem reagir a nenhum estresse que eu descontasse nela. Parecia entender
meus pensamentos melhor do que eu e antecipar minhas necessidades.
Ainda assim, precisávamos de um tempo para nós. Um tempo a sós. Se
nosso relacionamento fosse uma bateria, o tempo que eu passava no exterior
significava descarregamento contínuo, e nós precisávamos de tempo para a recarga.
Uma vez, sentado ao lado de meu pai ouvindo o bip constante do monitor
cardíaco, percebi que eu e Savannah passáramos menos de 4 dias das últimas 104
semanas juntos. Menos de 5 por cento. Mesmo com cartas e telefonemas, às vezes
eu me pegava olhando para o nada e pensando em como resistíamos por tanto
tempo.
Saímos para caminhar ocasionalmente e jantamos juntos duas vezes.
Como Savannah estava dando e tendo aulas novamente, era impossível para ela
para ficar. Tentei não culpá-la por isso, salvo quando o fiz, e acabamos
discutindo. Eu odiava aquilo, e ela também, mas nenhum de nós era capaz de
evitar. Embora ela não dissesse nada, e ainda negasse quando confrontada, eu
sabia que o problema subjacente era o fato de que eu deveria estar de volta de vez,
quando não estava. Foi a primeira e única vez que Savannah mentiu para mim.
Passamos por cima da briga o máximo que podíamos, e nossa
despedida foi outro momento triste, embora menos do que da última vez. Seria
reconfortante pensar que tínhamos nos habituado ou estávamos mais maduros.
Porém, quando entrei no avião, sabia que algo irrevogável havia mudado entre nó
Foi uma constatação dolorosa. Porém, na noite seguinte de lua
cheia, vaguei pelo campo de futebol abandonado. Como eu tinha prometido, lembrei
dos momentos que passei com Savannah na minha primeira folga. Também recordei
minha segunda licença, mas curiosamente, não quis pensar na terceira, pois acho
que sentia o que estava por vir.
Conforme o verão avançava, meu pai continuou a se recuperar, embora
lentamente. Em suas cartas, ele contava que saia para
passear no quarteirão três vezes por dia, todos os dias, exatamente por vinte
minutos, mas até isso era difícil para ele. Se havia um lado positivo nisso
tudo, foi proporcionar a ele algo em torno do qual organizar seu dia agora que
ele estava aposentado, algo além de moedas. Além de mandar cartas, mesmo com
mais freqüência, passei a telefonar para ele às terças e sextas-feiras,
exatamente à uma hora, horário dos Estados Unidos, só para ter certeza que ele
estava bem. Procurava sinais de cansaço em sua voz, e lembrava-lhe
constantemente sobre comer bem, dormir bastante e tomar a medicação. Sempre fui
o responsável pela maior parte da conversa. Papai achava as conversas telefônicas
ainda mais dolorosas do que a comunicação cara a cara, e sempre soou como se
quisesse desligar o telefone o mais rápido possível. Com o tempo, comecei a
provocá-lo por causa disso, mas nunca tive certeza se entendia que eu estava
brincando. Isso me divertia, e às vezes eu ria; embora ele nunca risse comigo,
o tom de sua voz ficava mais alegre, ainda que temporariamente, antes de ele
cair em total silêncio. Não tinha problema. Sabia que ele esperava os
telefonemas com ansiedade. Ele sempre atendia ao primeiro toque, e foi fácil
para mim imaginá-lo olhando o relógio, à espera da ligação.
Agosto virou setembro e depois outubro. Savannah terminou suas
aulas em Chapel Hill e voltou para casa para procurar um emprego. Nos jornais,
eu lia sobre as Nações Unidas e como os europeus queriam encontrar um modo de
nos impedir de entrar em guerra com o Iraque. AS coisas estavam tensas nas
capitais dos nossos aliados na OTAN; no noticiário, sempre havia manifestações
da população e declaração vigorosas dos governos, afirmando que os Estados
Unidos estavam prestes a cometer um erro terrível. Enquanto isso, nossos
líderes tentavam fazê-los mudar de idéia. Eu e todos no meu pelotão
continuávamos a levar nossas vidas, treinando para o inevitável com sinistra
determinação. Então, em novembro, eu e meu pelotão retornamos a Kosovo. Não
ficamos muito tempo por lá, mas era mais do que suficiente. Eu já estava
cansado dos Balcãs, estive lá quatro vezes, e já estava cansado das forças de
paz. Mais do que isso, eu e todos no exército sabíamos que a guerra no Oriente
Médio se aproximava, quisesse ou não a Europa.
Nesse período, as cartas de Savannah ainda chegavam com alguma
regularidade, assim como meus telefonemas para ela. Normalmente eu ligava antes
do amanhecer, como sempre por volta de meia-noite no horário
dela. Porém, se no passado eu sempre consegui falar com ela, agora mais de uma
vez ela não estava em casa. Embora tentasse me convencer de que ela tinha saído
com os amigos ou com seus pais, era difícil evitar que meus pensamentos
desembestassem. Depois de desligar o telefone, às vezes eu imaginava que ela
conhecera outro homem e se apaixonara. Às vezes ligava mais de duas ou três
vezes na hora seguinte, ficando com mais raiva a cada toque sem resposta.
Quando ela finalmente atendia, eu pensava em perguntar onde ela
estava, mas nunca o fiz. Nem sempre ela me contava voluntariamente. Sei que
cometi um erro em manter o silêncio, simplesmente porque era impossível para
mim esquecer o assunto, mesmo tentando me concentrar na conversa. Muito
freqüentemente, eu estava tenso no telefone e as respostas dela eram igualmente
tensas. Cada vez mais, nossas conversas deixaram de ser alegres demonstrações
de afeto e viraram uma rudimentar troca de informações. Após desligar, eu
sempre me odiava pelo ciúme que sentia e me castigava nos dias seguintes,
prometendo não deixar que acontecesse novamente.
Outras vezes, porém, Savannah parecia exatamente a mesma pessoa de
quem eu me lembrava e demonstrava o quanto ainda gostava de mim. Durante tudo
isso, continuei a amá-la com sempre e desejava ardentemente os momentos simples
do passado. Eu sabia o que estava acontecendo, claro. Enquanto nos afastávamos,
eu ficava cada vez mais desesperado para salvar o que antes havia entre nós; no
entanto, como em um círculo vicioso, meu desespero fez com que nos
distanciássemos ainda mais.
Começamos a discutir. Como na briga que tivemos no apartamento
dela durante minha segunda licença, eu não conseguia dizer o que estava
sentindo. E, não importava o que ela dissesse, não conseguia deixar de pensar
que ela estava me enganando ou nem mesmo tentava diminuir minhas preocupações.
Eu odiava esses telefonemas ainda mais do que meu ciúme, mesmo sabendo que
ambos estavam interligados.
Apesar de nossas dificuldades, nunca duvidei de que conseguiríamos
superar tudo. Eu queria uma vida com Savannah mais do que tudo.
Em dezembro, comecei a ligar com mais
freqüência e fiz de tudo para controlar o ciúme. Forcei-me a ser animado ao
telefone, na esperança de que ela gostasse de me ouvir. Pensei que as coisas
estivessem melhorando, e aparentemente estavam mesmo. Porém, quatro dias antes
do Natal, lembrei a ela que voltaria para casa em pouco menos de um ano. Em vez
da resposta animada que eu esperava, ela ficou em silêncio. Ouvia apenas o som
de sua respiração.
— Você me ouviu? — ,
perguntei.
— Sim — , disse ela, com
voz suave. — É só que já ouvi isso antes.
Era verdade, ambos sabíamos disso, mas eu não dormi direito por
quase uma semana.
A lua cheia apareceu na noite de Ano Novo, e embora eu tenha saído
para admirá-la e recordar da semana em que nos apaixonamos, essas imagens
estavam nebulosas, como se turvas pela tristeza imensa que sentia dentro de mim.
No caminho de volta, vi dezenas de homens reunidos em círculos ou apoiados nas
paredes dos prédios fumando cigarros, como se não tivessem qualquer
preocupação. Gostaria de saber o que pensavam quando me viram passar. Será que
perceberam que eu estava perdendo tudo o que importava para mim? Ou que eu
desejava mais uma vez poder mudar o passado?
Não sei, e eles não perguntaram. O mundo estava mudando
rapidamente. As ordens que esperávamos chegaram na manhã seguinte, e alguns
dias depois meu pelotão estava na Turquia onde começamos a nos preparar para
invadir o norte do Iraque. Participamos de reuniões em que nos informaram
nossas atribuições, estudamos a topografia, e repassamos planos de batalha.
Havia pouco tempo livre, mas quando saímos da base, era difícil ignorar os
olhares hostis da população. Ouvimos rumores de que a Turquia planejava negar o
acesso às nossas tropas para a invasão e que estavam em andamento as
negociações para garantir tal permissão. Há muito tínhamos aprendido a ouvir
boatos com desconfiança, mas desta vez os rumores eram preciosos, e meu pelotão
e outros foram enviados para o Kuwait para começar tudo de novo. Desembarcamos no meio da
tarde, sob um céu sem nuvens, rodeados de areia por todos os lados. Quase
imediatamente fomos para um ônibus e viajamos por horas, acabando no que,
essencialmente, era a maior cidade de tendas que já vi. O exército fez o máximo
para torná-la confortável. A comida era boa e o posto de trocas tinha tudo o
que precisávamos, mas era chato. O correio era ruim, não recebi nenhuma carta e
as filas para usar o telefone tinham um quilômetro. Entre treinamentos, meus
homens e eu nos sentávamos para conversar, tentando adivinhar quando começaria
a invasão, ou praticávamos como colocar nossas roupas químicas o mais rápido
possível. O plano era que meu pelotão reforçasse outras unidades de diferentes
divisões em uma grande ofensiva sobre Bagdá. Em fevereiro, depois do que
aprecia um zilhão de anos no deserto, meu esquadrão e eu estávamos tão prontos
com sempre estivemos.
Naquele ponto, muitos soldados estavam no Kuwait desde a metade de
novembro e o círculo de rumores estava com toda força. Ninguém sabia o que
estava por vir. Eu ouvi sobre armas químicas e biológicas; ouvi que Saddam
tinha aprendido sua lição na tempestade do deserto e estava fortificando Guarda
Replubicana em Bagdá, na esperança de um último ato de resistência sangrento.
Em 17 de março, soube que haveria guerra. Na última noite no Kuwait, escrevi
cartas para aqueles que eu amava, para o caso de não sobreviver: uma para meu
pai e uma para Savannah. Naquela noite, embarquei em um comboio que se estendia
por uma centenas de quilômetros até o Iraque.
O combate era esporádico, ao menos inicialmente. Como nossa força
aérea dominava os céus, tínhamos pouco a temer enquanto percorríamos, sobre
tudo, estradas desertas. O exército iraquiano, em sua maior parte, não estava
em lugar algum, o que só aumentava a minha tensão enquanto eu tentava antecipar
o que meu pelotão enfrentaria mais tarde durante a campanha. Aqui e ali,
ouvíamos falar sobre fogo inimigo, disparados de morteiros, e nós enfiávamos em
nossas roupas protetoras apenas para descobrir que era alarme falso. Os
soltados estavam tensos. Não dormi por três dias. Adentrando o Iraque, os
conflitos começaram a aparecer,e foi então que aprendi a primeira lei associada
a operação Iraque livre: civis e inimigos muitas vezes tinham exatamente a
mesma aparência. Ouvíamos tiros lá de fora, atacávamos, e havia momentos em que
não tínhamos certeza nem em que atirávamos. Quando chegamos ao
triângulo sunita, a guerra começou a se intensificar. Ouvimos falar de batalhas
em Fallujah, Ramadi e Tikrit, todas travadas por outras unidades de outras
divisões. Meu pelotão se juntou a Airborne Oitenta e dois em um ataque à
Samawah, e foi lá que tivemos a primeira experiência real de combate.
A força aérea tinha aberto caminho. Bombas, mísseis e morteiros
explodiam desde o dia anterior. Quando atravessamos a ponte que levava à
cidade, o meu primeiro pensamento foi de maravilhamento com a quietude. Meu
batalhão foi designado para um bairro nos arredores da cidade onde deveríamos
vasculhar casa a casa para eliminar os inimigos.
Enquanto nos movíamos, as imagens vieram rápidas: os restos
carbonizados de um caminhão, o corpo sem vida do motorista jogado ao lado, um
prédio parcialmente demolido, ruínas de carros fumegantes aqui e ali. Tiros
esporádicos de fuzil nos mantinham alertas. Enquanto patrulhávamos,
ocasionalmente, os civis saíam correndo das casas com armas nas mãos, e
fazíamos o máximo para salvar os feridos.
No início da tarde, quando nos preparávamos para voltar, fomos
atacados por um fogo pesado que tinha vindo de um prédio no final da rua.
Estávamos em posição precária. Encostados nas paredes dois homens eram
cobertura enquanto liderei o resto do pelotão através do corredor de balas para
o local mais seguro do outro lado da rua; parecia quase um milagre quase
ninguém ter sido morto. De lá, disparávamos milhares de rajadas contra a
posição do inimigo, provocando a destruição total. Quando achei que era seguro,
iniciamos a abordagem ao prédio, movendo-nos cautelosamente. Usei uma granada
para destruir a porta da frente liderei meus homens até a entrada e coloquei a
cabeça para dentro. A fumaça era espessa e o cheiro de enxofre empesteava o ar.
O interior estava destruído, mas ao menos um soldado iraquiano tinha
sobrevivido. Assim que nos aproximamos, ele começou a atirar do porão sob o
piso. Tony foi atingido na mão, e todos nós atiramos centenas de vezes. O
barulho era tão alto que não dava pra ouvir o som da própria voz, mas continuei
apertando o gatilho, mirando em todos os lugares, no chão, nas paredes e no
teto. Pedaços de gesso, tijolo e madeira voaram enquanto o local era dizimado.
Quando finalmente paramos de atirar, tive certeza de que ninguém poderia ter
sobrevivido, mas joguei outra granada em outra abertura que levava ao porão só para garantir e
corremos para fora por causa da explosão.
Após vinte minutos da experiência mais intensa da minha vida, a
rua estava silenciosa, exceto pelo zumbido no meu ouvido e pelo som dos meus
homens vomitando, praguejando e falando sobre o que acontecera. Enrolei a mão
de Tony, e quando achei que todos estávam prontos, começamos a recuada do mesmo
modo como chegáramos. Em tempo, fizemos o caminho de volta à estação
ferroviária, que estava sob a guarda de nossas tropas, e despencamos. naquela
noite, recebemos o nosso primeiro lote do correio em quase seis semanas.
Na correspondência, havia seis cartas de meu pai. Mas apenas uma
de Savannah, e sob a luz fraca eu comecei a ler.
Querido John,
Estou escrevendo esta carta na mesa da cozinha, e eu estou
sofrendo porque não sei como dizer o que estou prestes a dizer. Parte de mim
gostaria que você estivesse aqui para que eu pudesse fazer isso em pessoa, mas
nós dois sabemos que é impossível. Então aqui estou, escolhendo as palavras,
com lágrimas no rosto e com esperanças de que você, de alguma maneira me perdoe
pelo que vou escrever.
Sei que este é um momento terrível para você. Tento não pensar na
guerra, mas não consigo evitar as imagens, e sinto medo o tempo todo. Assito ao
noticiário e leio os jornais, sabendo que você está no meio disso tudo,
tentando descobrir onde você está e o que está passando. Rezo todas as noites
para que você volte para casa em segurança e continuarei a rezar. Nós vivemos
algo maravilhoso, e quero que você nunca se esqueça disso. Nem quero que você pense
não ter significado tanto para mim quanto eu signifiquei para você. Você é raro
e lindo, John. Eu me apaixonei por você, mas, acima de tudo, conhecer você me
fez perceber o que realmente significa o amor verdadeiro. Durante os últimos
dois anos e meio, olhei para o céu a cada lua cheia e lembrei de tudo que
passamos juntos. Lembrei como me senti confortável conversando com você naquela
primeira noite. Lembrei a noite que fizemos amor. Sempre ficarei feliz por
termos nos entregado um ao outro daquele jeito. Para mim, significa que nossas almas estão
ligadas para sempre.
Há tantas outras coisas. Quando fecho os olhos, vejo seu rosto;
quando caminho, é quase como se conseguisse sentir sua mão na minha. Estas
coisas ainda são reais para mim, mas onde uma vez elas me trouxeram conforto,
hoje provocam dor. Entendi seus motivos para permanecer no exército, e respeito
sua decisão. Ainda respeito, mas nós dois sabemos que nosso relacionamento
mudou depois disso. Nós mudamos, e no fundo do seu coração, acho que você
também percebeu isso. Talvez tenhamos passado tempo demais separados, talvez
fôssemos de mundos diferentes. Eu não sei. Toda vez que brigávamos, eu me
odiava por isso. De algum modo, mesmo amando um ao outro, perdemos a ligação
mágica que nos manteve juntos.
Sei que parece uma desculpa, mas por favor, acredite em mim quando
digo que não queria me apaixonar por outra pessoa. Se eu não entendo exatamente
como isso aconteceu, como você poderia? Não espero que você entenda, mas por
tudo que passamos, não posso continuar mentindo para você. Mentir diminuiria
tudo o que vivemos, e não quero fazer isso, embora saiba que você vai se sentir
traído.
Vou entender se você nunca mais quiser falar comigo, assim como
vou entender se você disser que me odeia. Parte de mim também me odeia.
Escrever esta carta me obriga a reconhecer isso. Quando olho no espelho, sei
que vejo alguém que não tem certeza de merecer ser amada. Estou falando sério.
Mesmo que você não queria ouvir, quero que você saiba que sempre
será parte de mim. No tempo que passamos juntos, você conquistou um lugar
especial no meu coração, que eu vou levar comigo para sempre e ninguém pode
substituir. Você é um herói e um cavalheiro, você é gentil e honesto, mas, acima
de tudo, você é o primeiro homem que amei verdadeiramente. E não importa o que
o futuro traga, você sempre será, e sei que minha vida é melhor por causa
disso.
Sinto muito,
Savannah.
Péssimo, fiquei com tanta raiva porque eles se separarão...
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