Capítulo Seis

 O tempo é relativo. Sei que não sou o primeiro a me dar conta disso, estou longe de ser um dos mais famosos e minha descoberta não teve nada a ver com energia, massa, a velocidade da luz ou qualquer coisa que Eisntein possa ter postulado. Em vez disso, tinha a ver com as longas e chatas horas que esperei por Savannah.
Depois que meu pai e eu terminamos de jantar eu pensei nela; pensei nela novamente assim que acordei. Passei o dia surfando e apesar das ondas estarem melhores do que estavam no dia anterior, eu não conseguia me concentrar e decidi parar ao meio dia. Debati se compraria ou não um cheeseburger em uma pequena lanchonete na beira mar - os melhores hamburguês da cidade, à propósito - mas mesmo estando afim, eu simplesmente fui pra casa, esperando que pudesse convencer Savannah a comer um hambúrguer mais tarde. Li um pouco do livro mais novo do Stephen King, tomei banho e vesti um par de calças e uma camisa pólo, depois li por mais algumas horas antes de olhar para o relógio e me dar conta de que só tinham se passado vinte minutos. Foi isso que eu quis dizer com o tempo ser relativo.
Quando meu pai chegou em casa, ele viu como eu estava vestido e me ofereceu suas chaves.
 — Está indo ver Savannah? ele perguntou.
 — Sim, — eu disse, me levantando do sofá. Peguei as chaves. — Vou voltar tarde.
Ele coçou a cabeça.
 — Certo, — ele disse. — Café amanhã?
 — Certo. Por algum motivo que eu não pude entender, ele parecia quase assustado.
 — Certo, — eu disse. — Vejo você mais tarde, tá?  
 — Eu provavelmente estarei dormindo.
 — Não quis dizer literalmente.
 — Ah, — ele disse. — Certo.
Me encaminhei para a porta. Assim que a abri, ouvi ele suspirar.
 — Eu gostaria de conhecer Savannah também, — ele disse com uma voz tão suave que eu mal ouvi.
O céu ainda estava brilhante e o sol estava se inclinando por sobre a água quando eu cheguei à casa. Quando desci do carro, percebi que estava nervoso. Não conseguia me lembrar da última vez que alguma garota tinha me feito ficar nervoso, mas eu não podia dispensar o pensamento de que de alguma forma, as coisas podiam ter mudado entre nós. Eu não sabia como ou por que eu me sentia daquele jeito; tudo o que sabia era que ainda não tinha certeza do que faria se meus medos se confirmassem.
Não me dei ao trabalho de bater e simplesmente entrei na casa. A sala estava vazia, mas eu podia ouvir vozes no hall e havia o grupo habitual de pessoas no deque traseiro. Saí para o deque, chamando por Savannah e me disseram que ela estava na praia.
Desci para a areia e congelei quando a vi sentada perto da duna, junto a Randy, Brad e Susan. Ela não tinha me notado e eu ouvi ela rir de alguma coisa que Randy disse. Ela e Randy pareciam um casal tanto quanto Susan e Brad. Eu sabia que eles não eram, que eles provavelmente estavam só conversando sobre a casa que estavam construindo ou compartilhando experiências dos últimos dias, mas eu não gostei. Nem gostei do fato que Savannah estava sentada tão perto de Randy quanto ela esteve de mim. Enquanto estava em pé ali, me perguntei se ela sequer lembrava do nosso encontro, mas ela sorriu quando me viu como se nada estivesse errado.
 — Aí está você, — ela disse. — Estava me perguntando quando você iria aparecer.  
Randy sorriu, apesar do comentário dela, ele tinha uma expressão quase vitoriosa. Quando os gatos não estão, os ratos fazem a festa, ele parecia estar dizendo.
Savannah se levantou e caminhou na minha direção. Ela estava vestindo uma blusa branca sem mangas e uma saia clara e solta que balançava quando ela andava. Eu podia ver a cor adicional em seus ombros que me dizia que ela tinha passado horas ao sol. Quando se aproximou, ela ficou na ponta dos pés e plantou um beijo na minha bochecha.
 — Oi, — ela disse, colocando um braço em volta da minha cintura.
 — Oi.
Ela se inclinou para trás ligeiramente, como se analisasse minha expressão.
 — Você parece ter sentido a minha falta, — ela disse, sua voz provocando.
Como sempre, eu não pude pensar em uma resposta e ela piscou com a minha inabilidade de admitir que eu tinha.
 — Talvez eu tenha sentido sua falta também, — ela acrescentou.
Toquei seu ombro nu.
 — Pronta pra ir?
 — Como sempre estarei, — ela disse.
Começamos a andar em direção ao carro e eu peguei a mão dela, seu toque me fazendo sentir como se tudo estivesse certo com o mundo. Bem, quase...
Eu me endireitei.
 — Vi você falando com o Randy, — eu disse, tentando manter minha voz neutra.
Ela apertou minha mão.
 — Você viu, não foi?
Tentei de novo.
 — Presumo que vocês puderam se conhecer enquanto estavam trabalhando.
 — Com certeza pudemos. Eu estava certa também. Ele é um jovem legal. Quando acabar aqui, ele vai pra Nova York fazer um estágio em Morgan Stanley.
 — Hmm, — eu grunhi.
Ela riu.
 — Não me diga que você está com ciúmes.
 — Não estou.
 — Que bom, — ela concluiu, apertando minha mão novamente. — Porque não há razão para estar.
Me agarrei a essas últimas palavras. Ela não precisava tê-las dito, mas eu não podia estar mais feliz porque ela tinha dito. Quando chegamos ao carro, abri sua porta.
 — Estava pensando em te levar no Oysters, — eu disse. — É um clube noturno perto da praia. Eles terão uma banda mais tarde e nós podemos dançar.
 — O que iremos fazer até lá?
 — Está com fome? — perguntei, pensando no cheeseburger que eu tinha passado mais cedo.
 — Um pouco, — ela disse. — Fiz um lanche quando voltei, então ainda não estou com muita fome.
 — Que tal caminharmos na praia?
 — Hmm... talvez mais tarde.
Era óbvio que ela já tinha algo em mente.
 — Por que você não me diz o que quer fazer?
Ela se iluminou.
 — Que tal irmos dar um oi ao seu pai?
Eu não tinha certeza se ouvira direito.
 — Sério?
 — Sim, sério, — ela disse. — Só por um tempinho. Depois podemos ir comer em algum lugar e ir dançar.
Quando hesitei, ela colocou uma mão no meu ombro.
 — Por favor?
Eu não estava muito feliz em ir, mas o jeito que ela pediu fez com que fosse impossível pra mim dizer não. Estava me acostumando a isso, eu imagino, mas eu preferiria ter ela toda só para mim pelo resto da tarde. Também não entendi porque ela queria ver meu pai esta noite, a não ser que significasse que ela não estava tão animada quanto eu com a perspectiva de ficarmos sozinhos. Pra ser honesto, essa idéia me deprimiu. Ainda assim, ela estava de bom humor enquanto falava do trabalho que eles tinham feito nos últimos dois dias. Amanhã, planejavam começar as janelas. Randy, ela soltou, estava trabalhando ao seu lado nos dois dias, o que explicava a ''amizade recém descoberta'' deles. Foi como ela descreveu. Eu duvidava que Randy teria descrito seus interesses da mesma maneira.
Estacionamos na garagem alguns minutos depois e eu notei uma luz na toca do meu pai. Quando desliguei o motor, brinquei com as chaves antes de sair do carro.
 — Eu te disse que meu pai é quieto, não disse?  
 — Sim, — ela disse. — Mas não importa. Eu só quero conhecê-lo.
 — Por quê? eu perguntei. Sei o que pareceu, mas eu não pude evitar.
 — Porque, — ela disse, — ele é sua única família. E foi ele quem te criou.
Uma vez que meu pai tinha superado o choque do meu retorno com Savannah a reboque e as apresentações tinham sido feitas, ele passou a mão rapidamente por seu cabelo ralo e encarou o chão.
 — Desculpa nós não termos ligado antes, mas não culpe o John, — ela disse. — Foi tudo minha culpa.
 — Ah, — ele disse. — Tudo bem.
 — Pegamos você em uma má hora?
 — Não. Ele olhou pra cima, depois para o chão novamente. — É um prazer conhecê-la, — ele disse.
Por um momento, ficamos todos em pé na sala, nenhum de nós dizendo nada. Savannah estava com um sorriso fácil, mas eu me perguntei se meu pai sequer tinha notado.
 — Você quer beber alguma coisa? ele perguntou, como se de repente lembrasse que era pra fazer o papel de anfitrião.
 — Estou bem, obrigada, — ela disse. — John me disse que você é um colecionador de moedas.  
Ele se virou para mim, como se perguntasse se deveria responder.
 — Eu tento, — ele disse finalmente.
 — Foi isso que nós interrompemos tão rudemente? ela perguntou, usando o mesmo tom provocador que ela usava comigo. Para minha surpresa, ouvi meu pai dar uma risada nervosa. Não alta, mas uma risada, todavia: surpreendente.
 — Não, vocês não interromperam. Só estava examinando uma moeda nova que eu comprei hoje.
Enquanto ele falava, eu podia senti-lo tentar calcular como eu reagiria. Ou Savannah não notou ou fingiu não notar.
 — Sério? ela perguntou, — De que tipo?
Meu pai mudou o peso de um pé para o outro. Então, para a minha perplexidade, ele olhou para cima e perguntou:
 — Você quer ver?
Passamos quarenta minutos na toca. Na maior parte do tempo eu sentei na toca e ouvi meu pai contar estórias que eu sabia de cor. Como os colecionadores mais sérios, ele mantinha só algumas moedas em casa e eu não fazia a menor idéia de onde o resto delas estavam guardadas. Ele alternava parte da coleção a cada duas semanas, novas moedas aparecendo como se por mágica. Geralmente não havia mais do que uma dúzia por vez em seu escritório e nunca nada de valor, mas eu tinha a impressão de que ele poderia estar mostrando a Savannah um centavo comum de Lincoln e ela teria ficado encantada. Ela fez dúzias de perguntas, perguntas que eu ou qualquer livro de coleção de moedas poderiam ter respondido, mas enquanto os minutos passavam, suas perguntas se tornaram mais perspicazes. Em vez de perguntar por que uma moeda era particularmente valiosa, ela perguntava quando e onde ele a tinha encontrado e ela foi convidada a escutar contos de finais de semana tediosos da minha juventude, passados em lugares como Atlanta, Charleston, Raleigh e Charlotte.
Meu pai falou muito sobre essas viagens. Bem, para ele, de qualquer forma. Ele ainda tinha a tendência de se refugiar nele mesmo por longos períodos de tempo, mas provavelmente tinha falado mais nesses quarenta minutos do que tinha falado comigo desde que voltei pra casa. Da minha posição estratégica, vi a paixão a que ela tinha se referido, mas era uma paixão que eu já tinha visto antes milhares de vezes e não alterou minha opinião de que ele usava as moedas como um modo de evitar a vida ao invés de enfrentá-la. Eu tinha parado de conversar com ele sobre moedas porque queria conversar sobre outra coisa; meu pai parou de conversar porque ele sabia como eu me sentia e não podia falar de mais nada.
E ainda assim...
Meu pai estava feliz e eu sabia disso. Eu podia ver o modo como seus olhos brilhavam quando ele indicava uma moeda, chamando atenção para a marca da Casa da Moeda, ou quão novo o selo tinha sido, ou como o valor de uma moeda podia variar se ela tivesse flechas ou coroas. Ele mostrou a Savannah provas de moedas, moedas cunhadas em West Point, um dos seus tipos favoritos pra colecionar. Ele pegou uma lupa para mostrá-la as imperfeições na moeda e quando Savannah segurou a lupa, eu podia ver a animação no rosto do meu pai. Apesar dos meus sentimentos sobre moedas, eu não pude evitar sorrir, simplesmente por ver meu pai tão feliz.
Mas ele ainda era meu pai e não havia milagre. Uma vez que ele tinha mostrado as moedas e contado a ela tudo sobre elas e como elas tinham sido coletadas, seus comentários ficaram mais e mais escassos. Ele começou a se repetir e percebeu isso, se refugiando e ficando ainda mais quieto. Com o tempo, Savannah deve ter sentido seu desconforto crescente porque ela indicou as moedas em cima da mesa. — Obrigada, Sr. Tyree. Sinto como se realmente tivesse aprendido algo. Meu pai sorriu, obviamente esgotado e eu tomei isso como minha deixa para me levantar.
 — É, foi ótimo. Mas nós deveríamos ir, — eu disse.
 — Ah... certo.
 — Foi ótimo conhecê-lo.
Quando meu pai assentiu novamente, Savannah se inclinou e lhe deu um abraço.
 — Vamos fazer isso de novo alguma hora, — ela sussurrou e embora meu pai tivesse abraçado ela, me lembrou dos abraços sem vida que eu recebera quando criança. Me perguntei se ela se sentia tão esquisita como ele obviamente se sentia.
No carro, Savannah parecia perdida em pensamentos. Eu teria perguntado sobre suas impressões do meu pai, mas não estava certo se queria ouvir a resposta. Sei que meu pai e eu não tínhamos a melhor relação, mas ela estava certa quando disse que ele era a única família que eu tinha e tinha me criado. Eu podia reclamar dele, mas a última coisa que eu queria ouvir era alguém fazendo isso também.
Ainda assim, eu não acho que ela iria dizer alguma coisa negativa, simplesmente porque não era da sua natureza e então ela se virou para mim.
 — Obrigada por me trazer pra conhecê-lo, — ela disse. — Ele tem um coração tão... caloroso.
Eu nunca tinha ouvido ninguém descrevê-lo dessa forma, mas eu gostei. — Fico feliz que você tenha gostado dele.
 — Eu gostei, — ela disse, parecendo sincera. — Ele é... gentil. — Ela me olhou. — Mas eu acho que entendo por que você teve tantos problemas quando era mais jovem. Ele não me pareceu o tipo de pai que estabelece leis.
 — Ele não era, — eu concordei.
Ela me mostrou uma carranca brincalhona.
 — E o seu antigo eu maligno tirou proveito disso.
Eu ri.
 — É, eu suponho que sim.
Ela balançou a cabeça.
 — Você deveria saber.
 — Eu era só uma criança.
 — Ah, a velha desculpa da juventude. Você sabe que isso não justifica, não sabe? Eu nunca tirei proveito dos meus pais.
 — Sim, a criança perfeita. Acho que você já mencionou isso.
 — Você está zombando de mim?
 — Não, é claro que não.
Ela continuou a me encarar.
 — Eu acho que está, — ela finalmente decidiu.
 — Certo, talvez um pouco.
Ela pensou na minha resposta.
 — Bem, talvez eu tenha merecido isso. Mas só pra você saber; eu não era perfeita.
 — Não?
 — Claro que não. Eu lembro claramente, por exemplo, que na quarta série eu tirei um B num teste.
Eu fingi choque.
 — Não! Não me diga isso!  
 — É verdade.
 — Como você conseguiu se recuperar?
 — Como você acha? — Ela escolheu os ombros. — Disse a mim mesma que isso nunca mais aconteceria novamente.
Eu não duvidava.
 — Já está com fome?
 — Pensei que você nunca perguntaria.
 — O que você quer comer?
Ela amarrou o cabelo em um rabo de cavalo descuidado, depois respondeu.
 — Que tal um grande e suculento cheeseburger?
Assim que ela disse isso eu me peguei me perguntando se Savannah era boa demais pra ser verdade.

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