Capítulo Sete
— É o melhor na cidade, — eu
disse, mordendo um pedaço do meu enorme hambúrguer.
Savannah sentou perto de mim na areia, olhando a água. Os hamburguês
estavam fantásticos, bem grossos e embora as batatas fritas estivessem um pouco
oleosas demais, elas eram o que precisávamos. Enquanto comia, Savannah encarava
o mar e na luz que diminuía eu me peguei pensando que ela parecia mais em casa
aqui do que eu.
Pensei sobre o modo como ela tinha falado com meu pai. Sobre o
modo como ela falava com todo mundo, qualquer pessoa, inclusive comigo. Ela
tinha a rara habilidade de ser exatamente o que as pessoas precisavam quando
estava com elas e ainda assim permanecer ela mesma. Eu não podia pensar em mais
ninguém que a lembrasse remotamente em aparência e personalidade e me perguntei
novamente por que ela tinha simpatizado comigo. Nós éramos tão diferentes
quanto duas pessoas podiam ser. Ela era uma garota da montanha, prendada e
doce, criada por pais atentos, com um desejo de ajudar aqueles que precisam; eu
era um cara tatuado do exército, difícil por fora e em grande parte um estranho
na minha própria casa. Lembrando como ela tinha sido com meu pai, me peguei desejando
que eu fosse mais como ela.
— O que você está pensando?
Sua voz, ainda que gentil, me afastou dos meus pensamentos.
— Estava
me perguntando por que você está aqui, — confessei.
— Porque eu gosto da praia. Não posso fazer
isso com muita frequência. Não é como se tivesse ondas ou barcos de camarão lá
de onde eu sou.
Quando viu minha expressão, ela bateu levemente na minha mão. — Isso
foi sem importância, — ela disse, — Me desculpe. Estou aqui porque eu quero
estar aqui. Coloquei de lado os restos do meu hambúrguer, me perguntando por
que eu me importava tanto. Era um sentimento novo para mim, um que eu não tinha
certeza se iria me acostumar com ele algum dia. Ela acariciou meu braço e virou
para a água novamente. — Aqui é lindo. Tudo o que precisamos é de um pôr do sol
sobre a água e seria perfeito.
— Teríamos que ir para o
outro lado do país, — eu disse.
— Sério? Você está querendo
me dizer que o sol se põe no oeste? Notei o brilho travesso nos olhos dela.
— É o que eu ouço, de
qualquer forma.
Ela tinha comido só metade do seu cheeseburger e o colocou dentro
da sacola, depois adicionou os restos do meu também. Depois de dobrar a sacola
para que o vento não a levasse embora, ela esticou as pernas e se virou para
mim, parecendo ao mesmo tempo namoradeira e inocente. — Quer saber no que eu
estava pensando? ela perguntou.
Esperei, bebendo da visão que eu tinha dela.
— Estava pensando que eu
queria que você tivesse estado comigo durante os dois últimos dias. Quer dizer,
gostei de conhecer todo mundo melhor. Almoçamos juntos e o jantar da noite
passada foi bem divertido, mas parecia que algo estava errado, como se eu
estivesse sentindo falta de alguma coisa. Só quando o vi caminhando na praia
foi que me dei conta de que era você.
Engoli. Em outra vida, em outros
tempos, eu a teria beijado, mas mesmo querendo, eu não beijei. Em vez disso,
tudo o que eu fazia era encará-la. Ela encontrou meu olhar sem nenhum traço de
constrangimento.
— Quando você me perguntou
por que eu estava aqui, fiz uma piada porque pensei que fosse óbvio. Passar meu
tempo com você parece... certo de algum modo. Fácil, do jeito que é pra ser.
Como é com os meus pais. Eles ficam confortáveis juntos e eu lembro de crescer
pensando que um dia eu queria ter isso também. Ela fez uma pausa. — Queria que
você os conhecesse algum dia.
Minha garganta tinha ficado seca. — Eu também.
Ela escorregou facilmente sua mão na minha, seus dedos se
entrelaçando nos meus próprios.
Ficamos sentados em um silêncio tranqüilo. Na beira da água,
andorinhas do mar vasculhavam a areia em busca de comida; um grupo de gaivotas
voou enquanto uma onda vinha. O céu tinha ficado mais escuro e as nuvens eram
mais agourentas. Na praia mais acima, eu podia ver casais espalhados caminhando
sob um céu arroxeado.
Enquanto estávamos sentados juntos, o ar se encheu com o barulho
das ondas quebrando. Me maravilhei com o quanto tudo parecia novo. Novo e ainda
assim confortável, como se nos conhecêssemos desde sempre. Mas nós não éramos
um casal de verdade. Nem, uma voz na minha cabeça me lembrou, era provável que
fôssemos. Em pouco mais de uma semana, eu estaria voltando para a Alemanha e
tudo isso estaria acabado. Eu tinha passado tempo suficiente com meus amigos
pra saber que leva mais do que alguns dias especiais para uma relação que cruza
o Oceano Atlântico sobreviver. Ouvi caras na minha unidade jurarem que estavam
apaixonados depois de voltar da licença - e talvez eles estivessem - mas nunca
durava.
Passar algum tempo com Savannah me fez
me perguntar se era possível desafiar a norma. Eu queria mais dela e não
importava o que acontecesse entre nós, eu já sabia que nunca esqueceria nada
sobre ela. Apesar de parecer loucura, ela estava se tornando parte de mim e eu
já temia o fato de que nós não poderíamos passar o dia de amanhã juntos. Nem o
dia depois, ou o dia depois disso. Talvez, falei para mim mesmo, nós pudéssemos
derrubar as apostas.
— Olha ali! A ouvi gritar.
Ela apontou o dedo em direção ao oceano. — Na arrebentação.
Examinei o oceano cinza mas não vi nada.
Ao meu lado, Savannah de repente se levantou e começou a correr em
direção a água.
— Vem! ela gritou por cima
do ombro. — Rápido!
Me levantei e corri atrás dela, intrigado. Correndo mais
rapidamente, eliminei a distância entre nós. Ela parou na borda da água e eu
podia ouvir sua respiração rápida.
— O que foi? eu disse.
— Bem ali!
Quando olhei, vi ao que ela estava se referindo. Três deles
estavam pegando ondas, um após o outro, depois desaparecendo no raso, apenas
para reaparecer de novo mais longe na praia.
— Jovens botos, — eu disse.
— Eles passam pela ilha quase toda noite.
— Eu sei, — ela disse, — mas
parece que eles estão surfando.
— É, acho que sim. Eles estão apenas se
divertindo. Agora que todos estão fora d'água, eles se sentem seguros para
brincar.
— Quero entrar lá com eles.
Sempre quis nadar com golfinhos.
— Eles vão parar de
brincar, ou simplesmente nadar mais pro fundo onde você não possa alcançá-los.
Eles são divertidos desse jeito. Eu já os vi enquanto surfava. Se ficam
curiosos, eles se aproximam alguns metros e te olham de cima a baixo, mas se
você tentar seguí-los, eles vão te fazer comer poeira.
Continuamos assistindo os botos enquanto eles se afastavam,
eventualmente desaparecendo da visão sob um céu que tinha ficado opaco.
— Nós deveríamos ir, — eu
disse.
Voltamos ao carro, parando para pegar os restos do nosso jantar.
— Não tenho certeza se a
banda já está tocando, mas não deve demorar.
— Não importa, — ela disse.
— Tenho certeza que podemos encontrar alguma coisa para fazer. Além disso, eu
devo alertá-lo, não sou muito de dançar.
— Não temos que ir se você
não quiser. Poderíamos ir a outro lugar se você quiser.
— Como aonde?
— Você gosta de barcos?
— Que tipo de barcos?
— Dos grandes, — eu disse. — Sei de um lugar
onde você pode ver o USS North Carolina.
Ela fez uma careta engraçada e eu sabia que a resposta era não.
Não foi a primeira vez que eu desejei ter minha própria casa. Mas novamente, eu
não tinha nenhuma ilusão de que ela me seguiria até lá se eu tivesse. Se eu
fosse ela, não iria também. Sou apenas humano.
— Espera, — ela disse, — eu
sei de um lugar que podemos ir. Quero lhe mostrar uma coisa.
Intrigado, eu perguntei:
— Onde?
Considerando que o grupo de Savannah tinha começado seu trabalho
apenas ontem, a casa estava surpreendentemente encaminhada. A maior parte da
estrutura já estava terminada e o teto também já tinha sido construído.
Savannah olhou pra fora da janela do carro antes de se virar para mim.
— Você quer caminhar por
lá? Ver o que estamos fazendo?
— Eu adoraria, — eu disse.
A segui pra fora do carro, notando o jogo da luz da lua em seus
traços. Quando pisei na terra do lugar da construção, me dei conta de que podia
ouvir músicas de um rádio saindo de uma das janelas da cozinha dos vizinhos. A
alguns passos da entrada, Savannah indicou a estrutura com um óbvio orgulho. Me
aproximei o bastante para passar meu braço em volta dela e ela inclinou sua
cabeça nos meus ombros enquanto relaxava.
— Foi aqui que passei os
últimos dois dias, — ela quase sussurrou na quietude da noite. — O que você
acha?
— É ótimo, — eu disse. — Aposto
que a família está emocionada.
— Eles estão. E eles são
uma família tão boa. Realmente merecem esse lugar, tem sido um esforço tão grande para eles. O
furacão Fran destruiu sua casa, mas como muitos outros, eles não tinham seguro
de inundação. É uma mãe solteira com três filhos - o marido dela saiu de casa
anos atrás-e se você conhecesse a família, os amaria. As crianças tem boas
notas e cantam no coral jovem da igreja. E eles são tão educados e
carinhosos... você percebe que a mãe deles deu duro pra se certificar que eles
se dessem bem, sabe?
— Você os conheceu, eu
presumo?
Ela acenou em direção a casa.
— Eles estiveram aqui nos dois
últimos dias. — Ela se endireitou. — Você quer olhar por dentro?
Relutante, eu a soltei.
— Vá na frente.
Não era um lugar grande-mais ou menos do mesmo tamanho da casa do
meu pai - mas o plano do teto era mais aberto, o que fazia com que a casa
parecesse maior. Savannah me levou pela mão e me mostrou todos os cômodos,
ressaltando características, a imaginação dela se enchendo com os detalhes. Ela
refletiu sobre o papel de parede ideal para a cozinha e a cor dos ladrilhos da
entrada, o tecido das cortinas da sala e como decorar a bancada em cima da
lareira. Sua voz tinha a mesma admiração e alegria que ela tinha expressado
quando viu os botos. Por um momento, eu tive uma visão de como ela devia ter
sido quando criança.
Ela me levou de volta para a porta da frente. À distância, os
primeiros estrondos de trovões podiam ser ouvidos. Enquanto estávamos em pé no
vão da porta, me aproximei dela.
— Vai ter uma varanda
também, — ela disse, — com espaço suficiente para cadeiras de balanço ou até um
balanço mesmo. Eles vão poder sentar aqui em noites de verão e se reunir depois
da igreja. Ela apontou. — Aquela é a igreja deles. É por isso que esse lugar é
tão perfeito pra eles.
— Parece que você realmente
os conheceu.
— Não realmente, — ela disse. — Falei com eles
um pouco, mas estou só chutando tudo isso. Fiz isso com todas as casas que
ajudei a construir-fico andando por elas e tentando imaginar como a vida dos
donos vai ser. Fica muito mais divertido trabalhar assim.
A lua estava escondida por nuvens, escurecendo o céu. No
horizonte, um clarão, e um momento depois uma chuva fina começou a cair,
batendo no chão. Os carvalhos alinhando a rua, pesados com folhas, farfalhavam
na brisa enquanto os trovões ecoavam pela casa.
— Se você quiser ir, é
melhor irmos antes da tempestade começar.
— Nós não temos nenhum
lugar pra ir, lembra? Além disso, eu sempre amei tempestades de trovões.
Puxei ela mais pra perto, inalando seu perfume. Seu cabelo tinha
um cheiro doce, como morangos maduros.
Enquanto observávamos, a chuva se intensificou em um constante
toró, caindo do céu em diagonal. As lâmpadas da rua forneciam a única luz,
deixando metade do rosto de Savannah nas sombras.
Os trovões explodiam acima de nossas cabeças e a chuva começou a
cair em chapas. Eu podia ver a chuva caindo no chão coberto de serragem,
formando grandes poças na sujeira e eu estava agradecido porque apesar da
chuva, a temperatura estava amena. Ao lado, eu notei alguns caixotes vazios.
Sai do lado dela para pegá-los, depois comecei a empilhá-los em um assento
improvisado. Não seria tão confortável, mas era melhor do que ficar em pé.
Quando
Savannah sentou ao meu lado, eu de repente soube que vir aqui tinha sido a
melhor coisa a se fazer. Era a primeira vez que nós estávamos realmente
sozinhos, mas sentados lado a lado era como se estivéssemos juntos desde
sempre.
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