Capítulo Três
Surf é um esporte solitário, no qual longos períodos de tédio são
alternados com atividades frenéticas, e lhe ensina a seguir a natureza em vez
de lutar com ela... é sobre entrar na área. Isto é o que as revistas dizem, de
qualquer modo, e eu concordo em grande parte. Não há nada tão excitante quanto
pegar uma onda e ficar entre uma parede de água enquanto ela se enrola em
direção a costa. Mas eu não sou como muitos desses caras bronzeados e com
dreads no cabelo que surfam o dia todo, todos os dias, porque eles acham que é
a coisa mais importante da sua existência. E não é. Pra mim, é mais pelo fato
de que o mundo é loucamente barulhento quase todo o tempo e quando você está
surfando, não é. Você é capaz de ouvir a si mesmo pensar.
Era isso que eu estava dizendo a Savannah, de qualquer forma,
quando estávamos indo em direção ao oceano no domingo de manhã. Pelo menos, era
o que eu pensei que estava dizendo. Na maior parte, eu estava meio que só
falando coisas desconexas, tentando não parecer tão óbvio sobre o fato de que
eu realmente gostei de como ela ficava de biquíni.
— Como andar a cavalo, — ela
disse.
— Hã?
— Se ouvir pensando. É por
isso que eu gosto de montar também.
Eu tinha chegado lá alguns minutos antes. As melhores ondas eram
geralmente de manhã cedo, e era um daqueles dias claros e com céu azul, um
presságio de calor, o que significava que a praia ficaria lotada novamente.
Savannah estava sentada nos degraus da varanda, enrolada em uma toalha, com os
restos da fogueira diante dela. Apesar de que não havia dúvidas de que a festa
tinha durado horas depois da minha partida, não havia uma única lata vazia ou
lixo em lugar nenhum. Minha impressão do grupo se elevou um pouco.
Apesar da hora, o ar já estava quente.
Nós passamos alguns minutos na areia perto da beira da água repassando o básico
do surf, e explicando como subir na prancha. Quando Savannah achou que estava
pronta, eu entrei na água carregando a prancha, andando ao lado dela.
Havia apenas alguns surfistas lá, os mesmos que eu tinha visto no
dia anterior. Estava tentando descobrir o melhor lugar pra levar Savannah pra
que ela tivesse espaço suficiente quando me dei conta de que não podia mais
vê-la.
— Espera, espera! — ela
gritou atrás de mim. — Para, para...
Eu me virei. Savannah estava na ponta dos pés, os salpicos de água
molhando sua barriga e provocando arrepios pelo corpo todo. Parecia que ela
queria elevar-se acima da água.
— Deixa eu me acostumar com
isso... — Deu alguns gritos rápidos e audíveis e cruzou os braços. — Wow. Isso
é muito frio. Barbaridade!
Barbaridade? Não era exatamente algo que meus amigos diriam.
— Você se acostuma, — eu
disse, sorrindo com afetação.
— Eu não gosto de sentir
frio. Eu odeio sentir frio.
— Você vive nas montanhas,
onde neva.
— É, mas nós temos essas
coisas chamadas jaquetas, luvas e toucas que vestimos pra ficarmos aquecidos. E
a primeira coisa que fazemos pela manhã não é nos jogarmos em águas polares.
— Engraçado, — eu disse.
Ela continuou a pular.
— É, muito engraçado. Quero
dizer, Credo!
Credo? Eu sorri. A respiração dela aos poucos começou a se
normaliza, mas a pele continuava arrepiada. Ela deu meia volta um passo a
frente.
— Dá mais certo se você
simplesmente pular e mergulhar em vez de ficar se torturando aos pouquinhos, — eu
sugeri.
―Você faz do seu jeito, eu faço do meu‖, ela disse, sem se
impressionar com a minha experiência. ―Não acredito que você quis entrar agora.
Pensei que viéssemos a tarde, quando a água não estivesse congelando.
— Está fazendo quase 26
graus.
— Tá, tá, — ela disse,
finalmente se aclimatando. Descruzando os braços, ela deu outra série de
inspirações, então mergulhou talvez uma polegada. Tomando coragem, ela jogou um
pouco de água nos braços. — Certo, acho que tô chegando lá.
— Não se apresse por minha
causa. Sério. Leve o tempo que precisar.
— Eu levar mesmo, obrigada,
— ela disse, ignorando o tom provocador. — Certo, — disse novamente, mais pra
si mesma que pra mim. Deu um pequeno passo pra frente, depois outro. Enquanto
se movia, seu rosto era uma máscara de concentração, e eu gostei do jeito que
ele ficava. Tão sério, tão intenso. Tão ridículo.
— Pare de rir de mim, — ela
disse, notando minha expressão.
— Eu não estou rindo.
— Eu posso ver no seu rosto. Você está rindo
por dentro.
— Tá certo, eu vou parar.
Eventualmente ela caminhou para se juntar a mim, e quando a água
estava nos meus ombros ela subiu na prancha. Segurei a prancha no lugar,
tentando novamente não ficar olhando pro corpo dela, o que não era fácil,
considerando que ela estava bem na minha frente. Me forcei a monitorar as ondas
atrás de nós.
— E agora?
— Você lembra o que fazer?
Remar com força, agarrar a prancha dos dois lados perto da frente e depois
ficar em pé em cima dela?
— Entendi.
— É meio difícil no começo.
Não fique surpresa se você cair, mas se acontecer, só siga a onda. Normalmente
você só aprende depois de algumas tentativas.
— Certo, — ela disse, e eu
vi uma pequena onda se aproximando.
— Prepare-se... — eu disse,
contando o tempo da onda. — Certo, comece a remar...
Quando a onda nos atingiu, eu empurrei a prancha, nos dando algum
impulso e Savannah pegou a onda. Eu não sei o que estava esperando, só que não
era ver ela subir na prancha direto, manter o equilíbrio e pegar a onda todo o
caminho de volta a costa, onde ela finalmente se extinguiu. Na água rasa, ela
pulou da prancha enquanto diminuía a velocidade, e se virou num estilo
dramático pra mim.
— Como foi? — ela gritou.
Apesar da distância entre nós, eu não
podia olhar pra outro lugar. Ah cara, eu pensei de repente, estou realmente com
problemas.
— Eu fiz ginástica olímpica
por anos, — ela admitiu. — Sempre tive um bom senso de equilíbrio. Acho que
deveria ter dito algo sobre isso quando você estava me dizendo que eu ia cair.
Passamos mais de uma hora na água. Ela subiu na prancha e pegou as
ondas até a costa todas às vezes com facilidade; embora não conseguisse guiar a
prancha, eu não tinha dúvidas de que se ela quisesse, seria capaz de controlar
isso em pouco tempo.
Mais tarde, retornamos para a casa. Esperei do lado de fora
enquanto ela subia as escadas. Enquanto algumas pessoas tinham se
levantado-três garotas estavam no deque olhando o oceano - a maioria ainda
estava se recuperando da noite anterior e não estavam em nenhum lugar a vista.
Savannah apareceu alguns minutos depois vestindo shorts e uma camisa, segurando
duas xícaras de café. Ela sentou ao meu lado nos degraus enquanto nós olhávamos
a água.
— Eu não disse que você ia
cair, — eu esclareci. — Eu só disse que se você caísse, deveria seguir a onda.
— Aham, — ela disse, sua
expressão travessa. Ela apontou a minha xícara. — Seu café está bom?
— Está ótimo, — eu disse.
— Tenho que começar meu dia
com café. É meu único vício.
— Todo mundo tem que ter
um.
Ela me olhou.
— Qual é o seu?
— Eu não tenho nenhum, — eu respondi, e ela me
surpreendeu me dando uma cotovelada brincalhona.
— Sabia que a noite passada
foi a primeira noite de lua cheia?
Eu sabia, mas pensei que seria melhor não admitir.
— Sério? — eu disse.
— Eu sempre amei luas cheias.
Desde que era criança. Eu gostava de pensar que elas eram uma profecia de
organização. Eu queria acreditar que elas sempre precediam coisas boas. Como
se, se eu estivesse cometendo um erro, teria a chance de começar de novo.
Ela não disse mais nada sobre isso. Em vez disso levou a xícara
aos lábios, e eu olhei enquanto o vapor cobria sua face. — O que tem na sua
agenda hoje? — eu perguntei.
— Temos que ter uma reunião
alguma hora hoje, mas além disso, nada. Bem, tirando a igreja. Pra mim, quero
dizer. E, bem, quem mais quiser ir. O que me lembra, que horas são?
Chequei meu relógio.
— Um pouco depois das nove.
— Já? Acho que isso não me
dá muito tempo. O culto é às dez.
Eu assenti, sabendo que nosso tempo juntos tinha quase acabado.
— Você quer ir comigo? — eu
ouvi ela perguntar.
— Pra igreja?
— Sim. Pra igreja, — ela
disse. — Você não vai?
Eu não tinha certeza do que dizer. Obviamente era importante pra
ela, e embora eu tivesse a impressão de que minha resposta a desapontaria, não
quis mentir.
— Na verdade, não, — eu admiti. — Eu não vou à
igreja há anos. Quero dizer, eu costumava ir quando era criança, mas... — desconversei.
— Não sei o porquê, — eu finalizei.
Ela esticou as pernas, esperando pra ver se eu acrescentaria mais.
Quando eu não o fiz, ela arqueou uma sobrancelha.
— Então?
— O que?
— Você quer ir comigo ou
não?
— Eu não tenho nenhuma
roupa. Quer dizer, isso é tudo que eu tenho, e eu duvido que daria tempo ir em
casa, tomar banho, e voltar a tempo. Se não, eu iria.
Ela em olhou de cima a baixo.
— Bom. — Deu palmadinhas no
meu joelho, a segunda vez que ela tinha me tocado. — Vou pegar algumas roupas
pra você.
— Você está ótimo, — Tim me
assegurou. — O colarinho está um pouco apertado, mas eu não acho que alguém vá
notar.
No espelho, eu vi um estranho vestindo calças cáqui, uma camisa
apertada e gravata. Não conseguia lembrar da última vez que tinha vestido uma
gravata. Não tinha certeza se estava feliz sobre isso ou não. Tim, enquanto
isso, estava muito animado com a coisa toda.
— Como ela te convenceu a
isso? — ele perguntou.
— Não faço ideia.
Ele riu e se inclinando para amarrar seus sapatos, piscou.
— Eu disse que ela gosta de
você.
Nós temos capelães no exército, e a maioria deles são caras bem
legais. Na base, eu conheci alguns deles muito bem, e um
deles - Ted Jenkins - era o tipo de cara que você confiava. Ele não bebia, e eu
não estou dizendo que ele era um de nós, mas era sempre bem vindo quando
aparecia. Tinha uma esposa e dois filhos, e estava no serviço há quinze anos.
Ele tinha experiência própria quando se tratava de brigas com a família e a
vida militar em geral, e se você alguma vez sentasse para conversar com ele,
ele realmente ouvia. Você não podia contá-lo tudo, afinal, ele era um oficial-e
ele acabou repreendendo alguns caras do meu pelotão que admitiram suas
aventuras um pouco livremente demais, mas o negócio era que ele tinha um tipo
de presença que fazia você querer contar a ele mesmo assim. Eu não sei o que
era, a não ser o fato de que ele era um bom homem e um ótimo capelão do
exército. Ele falava sobre Deus tão naturalmente como você fala sobre o seu
amigo, não daquele modo irritante e pregador que geralmente me tira a vontade.
E ele não te pressionava a comparecer ao culto nos domingos. Ele tipo que deixava
com você, e dependendo do que estava acontecendo ou de quanto às coisas estavam
perigosas, ele podia se achar falando com uma pessoa, duas ou cem. Antes de meu
batalhão ser mandado para os Balcãs, ele provavelmente batizou cinqüenta
pessoas.
Eu fui batizado quando criança, então eu não fui por aí, mas como
disse, fazia muito tempo que eu tinha ido ao culto. Tinha parado de ir com meu
pai muito tempo atrás, e não sabia o que esperar. Também não podia dizer que eu
estava ansioso para ir, mas no fim, não foi tão ruim assim. O pastor foi
discreto, a música foi legal, e o tempo não se arrastou do jeito que sempre
fazia quando eu era pequeno. Não estou dizendo que tirei muito proveito do
culto, mas mesmo assim fiquei feliz em ir, só assim eu poderia falar sobre
alguma coisa nova com meu pai. E também porque me deu mais um pouquinho de
tempo com Savannah.
Savannah terminou se sentando entre Tim e eu, e eu fiquei olhando
pra ela de canto de olho enquanto ela cantava. Ela tinha uma voz calma,
discreta, mas estava sempre afinada e eu gostei do jeito que ela soava. Tim
ficou concentrada na Sagrada Escritura, na saída, ele parou para falar com o
pastor enquanto Savannah e eu esperávamos na sombra de uma magnólia lá na
frente. Tim parecia animado enquanto conversava com o pastor.
— Velhos amigos? — eu
perguntei, indicando Tim com a cabeça. Apesar da sombra, eu estava ficando com calor e podia
sentir trilhas de transpiração começando a se formar.
— Não. Acho que foi o pai
dele que lhe falou desse pastor. Ele teve que usar o um mapa na internet noite
passada pra achar esse lugar. — Ela se abanou com a mão; em seu vestido de
verão, ela me lembrou uma típica bela mulher do sul. — Fico feliz que você
tenha vindo.
— Eu também, — concordei.
— Está com fome?
— Chegando lá.
— Temos comida na casa, se
você quiser. E você pode devolver ao Tim suas roupas. Posso notar que está com
calor e desconfortável.
— Não é metade do calor que
fazem capacetes, botas e roupa à prova de balas, acredite.
Ela inclinou a cabeça dela pra mim. — Eu gosto de ouvir você falar
sobre roupas de soldados. Não tem muitos caras na minha classe que falam como
você. Acho interessante.
— Você está caçoando de
mim?
— Só tomando notas. — Ela
se encostou graciosamente na árvore. — Acho que o Tim está terminando.
Segui o seu olhar, não notando nada de diferente.
— Como você
sabe?
— Vê como ele juntou as
mãos? Significa que ele está se preparando para se despedir. Em um segundo, ele
vai estender a mão, sorrir e assentir, então estará no caminho pra cá.
Vi Tim fazer exatamente como ela previu e caminhar em nossa
direção. Notei a expressão divertida dela. Ela encolheu
os ombros. — Quando você vive numa cidade pequena como a minha, não há muita
coisa a fazer a não ser observar as pessoas. Você começa a ver padrões depois
de um tempo.
Provavelmente havia muita observação de Tim na minha humilde
opinião, mas eu não ia admitir.
— Oi... — Tim ergueu uma
mão. — Prontos para voltar?
— Estávamos esperando por
você, — ela ressaltou.
— Desculpe, — ele disse. — Começamos
a conversar.
— Você começa a conversar
com qualquer um e todo mundo.
— Eu sei, — ele disse. — Estou
tentando em ser mais formal.
Ela riu, e enquanto o papo familiar deles tinha me colocado
momentaneamente fora do círculo de intimidade, tudo foi esquecido quando
Savannah enrolou o braço no meu em nosso caminho de volta ao carro.
Todos estavam acordados na hora que nós voltamos, e a maioria já
estava em seus trajes de banho e trabalhando em seus bronzeados. Alguns
preguiçavam no deque superior; a maioria se apinhava na praia. Música
estrondava de um aparelho de som de dentro da casa, freezers de cerveja estavam
reabastecidos e prontos, e alguns estavam bebendo; uma cerveja cairia bem, na
verdade, mas levando em conta que eu tinha acabado de ir a igreja, achei que
deveria passar.
Mudei as roupas, dobrando as de Tim do jeito que eu tinha
aprendido no exército, depois voltei à cozinha. Tim tinha feito um prato de
sanduíches.
— Sirva-se, — ele disse, com um gesto. — Temos
toneladas de comida. Eu deveria saber-fui eu quem passou três horas fazendo
compras ontem. — Ele enxaguou as mãos e as secou numa toalha. — Certo. Agora é
minha vez de trocar de roupa. Savannah estará aqui em um minuto.
Ele deixou a cozinha. Sozinho, eu olhei ao redor. A casa estava
decorada naquele tradicional jeito de praia: muita mobília colorida de madeira,
lâmpadas feitas de conchas, pequenas estátuas de faróis no consolo da lareira,
pinturas pastosas da costa.
Os pais de Lucy tinham um lugar assim. Não aqui, mas em Bald Head
Island. Eles nunca alugaram, preferindo passar os verões lá. É claro que o
velho ainda tinha que trabalhar em Winston Salem, e ele e a esposa voltavam
alguns dias por semana, deixando a pobre Lucy completamente sozinha. Exceto por
mim, claro. Se eles soubessem o que acontecia naqueles dias, eles provavelmente
não nos deixariam sozinhos.
— Olá, — Savannah disse.
Ela vestia o biquíni de novo, embora estivesse vestindo shorts por cima da
parte de baixo. — Vejo que você voltou ao normal.
— Como você sabe?
— Seus olhos não estão
inchados porque seu colarinho está muito apertado.
Eu sorri.
— Tim fez alguns
sanduíches.
— Ótimo. Estou morrendo de
fome, — ela disse, se movimentando pela cozinha. — Você pegou um?
— Ainda não, — eu disse.
— Bem, vá em frente. Eu
odeio comer sozinha.
Ficamos na cozinha enquanto comíamos. As garotas deitadas no deque
não tinham percebido que nós estávamos lá e eu
podia ouvir uma delas falando do que ela tinha feito com um dos caras na noite
passada e nada do que ela dizia soava como se ela estivesse na cidade numa
missão de boa vontade para com os pobres. Savannah enrugou o nariz como se
dissesse, Muita informação, depois virou para a geladeira. — Preciso de uma bebida.
Você quer alguma coisa?
— Água está bom.
Ela se inclinou para pegar duas garrafas. Eu tentei não olhar, mas
olhei de qualquer jeito e, francamente, eu gostei. Me perguntei se ela sabia
que eu estava olhando e supus que ela sabia, porque quando ela se levantou e se
virou pra mim, tinha aquele olhar divertido novamente. Ela colocou as garrafas
no balcão. — Depois disso, você quer ir surfar de novo?
Como eu poderia resistir?
Passamos a tarde na água. Embora tivesse adorando o close-up de
Savannah deitada na prancha, gostei da vista dela surfando ainda mais. Pra
melhorar ainda mais as coisas, ela pediu para me observar enquanto se
esquentava na praia, e eu fui presenteado com a minha própria vista privada
enquanto aproveitava as ondas.
No meio da tarde nós estávamos deitados em toalhas perto um do
outro, mas não tão perto, o resto do grupo estava atrás da casa. Alguns olhares
curiosos vinham em nossa direção, mas na maioria, ninguém parecia notar que eu
estava lá, a não ser Randy e Susan. Susan franziu o cenho intencionalmente pra
Savannah; Randy, enquanto isso, estava contente de ficar com Brad e Susan
segurando vela e chupando o dedo. Tim não estava a vista.
Savannah estava deitada de barriga pra baixo, uma vista tentadora.
Eu estava de costas ao seu lado, tentando cochilar no calor preguiçoso mas
distraído demais com a presença dela para relaxar completamente.
— Ei, — ela murmurou. — Me
fale sobre as suas tatuagens.
Rolei minha cabeça na areia.
— O que tem elas?
— Não sei. Porque você as
fez, o que elas significam.
Me apoiei em um cotovelo. Apontei pra o meu braço esquerdo, que
tinha uma águia e uma faixa. — Certo, essa é a insígnia da infantaria, e isso —
apontei pra as palavras e letras — é como somos identificados: companhia,
batalhão, regimento. Todo mundo no meu esquadrão tem uma. Nós fizemos logo
depois do treinamento básico no Fort Benning em Georgia quando estávamos
comemorando.
— Por que diz 'Partida'
embaixo dela?
— É meu apelido. Recebi
durante o treinamento básico, cortesia do nosso amado sargento de treinamento.
Eu não estava montando a minha arma rápido o bastante e ele basicamente disse
que iria dar partida numa certa parte do meu corpo se eu não conseguisse deixar
meu equipamento no ponto. O apelido pegou.
— Ele parece agradável, — ela
brincou.
— Ah, é. Chamávamos ele de
Lúcifer pelas costas.
Ela sorriu.
— Pra que foi o arame
farpado em cima dela?
— Nada, — eu disse,
sacudindo a cabeça. — Fiz essa antes de me alistar.
— E o outro braço?
Um caractere chinês. Não queria entrar em detalhes naquela, então
balancei a cabeça.
— É do meu tempo de ‘’estou
perdido e não dou a mínima’’. Não significa nada.
— Não é um caractere chinês?
— É.
— Então o que significa?
Tem que significar alguma coisa. Como bravura, honra ou algo assim?
— É uma profanação.
— Ah, — ela disse com uma
piscadela.
— Como eu disse, não
significa nada pra mim agora.
— Tirando que você nunca
deve mostrá-la se um dia você for a China.
Eu ri.
— É, tirando isso, — concordei.
Ela ficou quieta por um momento.
— Você era um rebelde,
então?
Assenti.
— Há muito tempo atrás.
Bem, não tanto tempo assim. Mas parece muito tempo.
— Foi isso que você quis
dizer quando disse que o exército era uma coisa que você precisava naquele
tempo?
— Foi bom pra mim.
Ela pensou sobre isso.
— Me diga você teria pulado
pra pegar minha bolsa naquela época?
— Não. Provavelmente teria
rido do que aconteceu.
Ela avaliou minha resposta, como se
estivesse se perguntando se acreditava em mim ou não.
Finalmente, ela deu um longo suspiro.
— Fico feliz que tenha se
alistado então. Eu realmente precisava daquela bolsa.
— Que bom.
— O que mais?
— O que mais o que?
— O que mais você pode me
contar sobre si mesmo?
— Não sei. O que você quer
saber?
— Me diga alguma coisa que
mais ninguém sabe sobre você.
Considerei aquela pergunta.
— Eu posso te dizer quantas
notas de dez dólares indianos com bordas onduladas foram cunhadas em 1907.
— Quantas?
— Quarenta e duas. Elas não
eram para o público. Alguns homens da Casa da Moeda fizeram para eles próprios
e alguns amigos.
— Você gosta de moedas?
— Não tenho certeza. É uma
longa estória.
— Nós temos tempo.
Eu hesitei enquanto Savannah se esticou para pegar sua bolsa.
— Espera, — ela disse,
remexendo na bolsa. Puxou um tubo de Coppertone. — Você pode me contar depois
de colocar protetor nas minhas costas. Sinto que estou ficando queimada.
— Ah, eu posso, é?
Ela piscou.
— É parte do trato.
Eu apliquei o protetor nas costas e ombros dela e provavelmente me
entusiasmei um pouco, mas me convenci de que ela estava ficando rosa e que uma
queimadura do sol iria fazer do trabalho dela no dia seguinte horrível. Depois
disso, passei os próximos minutos contando a ela sobre o meu avô e meu pai,
sobre as exposições de moedas e o bom e velho Eliasberg. O que eu não fiz foi
responder sua pergunta especificamente, pela simples razão de que eu não estava
muito certo de qual era a minha resposta. Quando eu acabei ela se virou para
mim.
— E seu pai ainda coleciona
moedas?
— O tempo todo. Pelo menos,
eu acho. Nós não falamos mais de moedas.
— Por que não?
Contei a ela aquela estória também. Não me pergunte o porque. Eu
sabia que deveria estar mostrando o melhor de mim e escondendo as coisas ruins
para impressioná-la, mas com Savannah não era possível. Por alguma razão, ela
me fazia querer contar a verdade, mesmo que eu mal a conhecesse. Quando eu
terminei, ela tinha uma expressão curiosa no rosto.
— É, eu fui um idiota, — eu
disse, sabendo que haviam outras palavras, provavelmente mais precisas para me
descrever naquela época, e todas eram profanas o suficiente pra ofendê-la.
— Parece que sim, — ela disse, — mas não era o
que eu estava pensando. Eu estava tentando te imaginar naquela época, porque
você não parece nada com aquela pessoa agora.
O que eu poderia dizer que não soaria falso, mesmo que fosse
verdade?
Incerto, eu optei pela tática do meu pai e não disse nada.
— Como é o seu pai?
Lhe dei uma rápida descrição. Enquanto eu falava, ela cavava a
areia e deixava ela cair entre seus dedos, como se estivesse se concentrando na
minha escolha de palavras. No fim, me surpreendendo de novo, eu admiti que nós
éramos quase estranhos.
— Vocês são, — ela disse,
usando aquele tom objetivo e sem julgamentos. — Você tem estado fora por alguns
anos e até mesmo admite que mudou. Como ele poderia te conhecer?
Eu sentei. A praia estava lotada; era a hora do dia em que todo
mundo que planejou vir já estava aqui e ninguém estava pronto para ir embora.
Brad e Randy estavam jogando Frisbee na borda da água, correndo e gritando.
Alguns outros andavam para se juntar a eles.
— Eu sei, — eu disse. — Mas
não é só isso. Sempre fomos estranhos em relação ao outro. Quer dizer, é tão
difícil falar com ele.
Assim que falei isso, me dei conta de que ela era a primeira
pessoa a quem eu tinha admitido isso. Estranho. Mas, a maioria das coisas que
eu estava dizendo a ela soavam estranhas.
— A maioria das pessoas da
nossa idade diz isso sobre os pais.
Talvez, eu pensei. Mas isso era diferente. Não era uma diferença
de geração, era o fato de que para o meu pai, uma conversa informal normal era
praticamente impossível, a não ser que tivesse a ver com moedas. Eu não
disse mais nada, contudo, e Savannah alisou a areia a sua frente. Quando falou,
sua voz era suave.
— Eu gostaria de conhecê-lo.
Me virei para ela. — É mesmo? —
— Ele parece interessante.
Eu sempre amei pessoas que tem essa... paixão pela vida.
— É uma paixão por moedas,
não pela vida, — eu a corrigi.
— É a mesma coisa. Paixão é
paixão. É a excitação entre os espaços tediosos, e não importa para onde ela é
dirigida.
Ela arrastou os pés na areia.
— Bem, na maioria do tempo,
de qualquer forma. Não estou falando de vícios.
— Como você e a cafeína.
Ela sorriu, mostrando a pequena abertura entre seus dentes da
frente.
— Exatamente. Pode ser
moedas, esportes, política, cavalos, música ou fé... as pessoas mais tristes
que eu já encontrei na vida são aquelas que não dão a mínima para nada. Paixão
e satisfação andam de mãos dadas, e sem elas, qualquer felicidade é apenas
temporária, porque não há nada que a faça durar. Eu adoraria ouvir o seu pai
falar sobre moedas, porque é quando você vê o melhor de uma pessoa, e eu
descobri que a felicidade alheia é geralmente contagiosa.
Eu estava paralisados com suas palavras. Apesar de Tim ter dito
que ela era ingênua, ela parecia muito mais madura do que a maioria das pessoas
da nossa idade. E de novo, considerando o modo como ela ficava de biquíni ela
poderia estar enumerando a lista telefônica que eu teria ficado impressionado.
Savannah se sentou ao meu lado e o seu olhar seguiu o meu. O jogo
de Frisbee estava a todo vapor; enquanto Brad lançava o disco, outros dois
vinham correndo pegar. Os dois mergulharam para pegá-lo
simultaneamente, caindo na água rasa enquanto suas cabeças colidiam. O de short
vermelho saiu sem nada, dizendo palavrões e segurando a cabeça, seu short
coberto de areia. Os outros riram, e eu me peguei sorrindo e me contorcendo
simultaneamente.
— Você viu isso? — perguntei.
— Espera, — ela disse. — Volto
já. — Ela foi em direção ao cara de short vermelho. Ele a viu se aproximando e
congelou, assim como o cara ao lado dele. Savannah, como eu me dei conta, tinha
o mesmo efeito em todos os garotos, não só em mim. Eu podia vê-la falando e
sorrindo, dando aquela olhada séria no cara, que assentia enquanto ela falava,
parecendo um adolescente submisso. Ela voltou para o meu lado e se sentou
novamente. Não perguntei, sabendo que não era da minha conta, mas eu sabia que
estava telegrafando a minha curiosidade.
— Normalmente eu não teria
dito nada, mas pedi pra ele tomar cuidado com a linguagem por causa de todas as
famílias que tem aqui, ela explicou. — Há muitas crianças pequenas por aqui.
Ele disse que faria isso.
Eu devia ter adivinhado.
— Você sugeriu que ele
falasse 'Barbaridade' e 'Credo' em vez do que ele disse?
Ela me deu um olhar travesso. — Você gostou dessas expressões, não
foi?
— Estou pensando em
passá-las para o meu esquadrão. Eles irão adicioná-las ao nosso fator
intimidador quando estivermos derrubando portas e lançando LGFs.
Ela gargalhou.
— Definitivamente mais
assustador do que palavrões, mesmo que eu não saiba o que é um LGF.
— Lança-granadas-foguete. —
Sem querer, eu gostava mais dela a cada minuto que passava. — O que você vai fazer hoje à
noite?
— Não tenho planos. Bem, a
não ser pelo encontro. Por que? Quer me levar pra conhecer seu pai?
— Não. Bem, não essa noite,
de qualquer forma. Depois. Hoje, eu queria lhe mostrar Wilmington.
— Você está me chamando pra
sair?
— Sim, — admiti. — Te trago
de volta quando você quiser. Sei que você tem que trabalhar amanhã, mas tem esse
lugar ótimo que eu quero te mostrar.
— Que tipo de lugar?
— Um lugar local.
Especializado em frutos do mar. Mas é mais uma experiência. — Ela colocou os
braços em volta de seus joelhos.
— Eu geralmente não saio
com estranhos, — ela disse finalmente, — e nós só nos encontramos ontem. Acha
que posso confiar em você?
— Eu não confiaria, — eu
disse.
Ela riu.
— Bem, nesse caso, acho que
posso fazer uma exceção.
— É?
— É, — ela disse. — Tenho
uma queda por caras honestos com cabelo escovinha. Que horas?
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