Capítulo Um
Wilmington, 2000
Meu nome é John Tyree. Eu nasci em 1977, e cresci em Wilmington,
Carolina do Norte, uma cidade que orgulhosamente ostenta o maior porto do
estado assim como uma longa e vibrante história, mas agora ela me parece mais
uma cidade que aconteceu por acidente.
Claro, o tempo era ótimo e as praias eram perfeitas, mas a cidade
não estava pronta para a onda de ianques aposentados do norte que
queriam algum lugar barato para passar seus anos de ouro. A cidade fica
localizada em uma ponta de terra relativamente pequena, cercada pelo Rio Cape
Fear de um lado e o oceano do outro. A rodovia 17 - que leva a praia Myrtle e a
charleston - divide a cidade e serve como sua estrada principal. Quando eu era
criança, meu pai e eu podíamos dirigir da zona histórica perto do Rio Cape Fear
até a praia Wrightsville em dez minutos, mas tantos semáforos e shopping
centers têm sido adicionados que agora pode levar uma hora, especialmente nos finais
de semana, quando os turistas vêm de montes. A praia de Wrightsville,
localizada em uma ilha logo além da costa, está no ponto mais norte de
Wilmington e é de longe uma das praias mais populares do estado. As casas ao
longo das dunas são ridiculamente caras, e a maioria delas são alugadas por
todo o verão. Os Outer Banks devem ter um apelo mais romântico por causa do
isolamento deles e os cavalos selvagens e aquele vôo pelo qual Orville e Wilbur
são famosos, mas me deixe lhe dizer uma coisa, a maioria das pessoas que
vão à praia nas férias se sentem mais em casa quando podem achar um McDonald's
ou um Burger King por perto, para o caso dos pequenos não gostarem muito da
comida local, e querem mais do que duas opções quanto a atividades noturnas.
Como todas as cidades, Wilmington é rica em alguns lugares e pobre
em outros, e desde que meu pai conseguiu um dos empregos mais estáveis e
sólidos do planeta-ele dirigia uma rota de entrega de correspondência para o
correio - nós ficamos bem. Não ótimos, mas bem. Nós não éramos ricos, mas
vivíamos perto o bastante da área rica da cidade para eu freqüentar uma das
melhores escolas de lá. Embora, diferente das casas dos meus amigos, a nossa
casa fosse velha e pequena; parte da varanda tinha começado a vergar, mas o
jardim era o que salvava a casa. Havia um grande carvalho no quintal, e quando
eu tinha oito anos de idade construí uma casa na árvore com pedaços de madeira
que eu peguei de uma construção. Meu pai não me ajudou com o projeto (se ele
martelasse uma unha, podia ser chamado honestamente de um acidente); foi no
mesmo verão que eu ensinei a mim mesmo como surfar. Acho que eu deveria ter me
dado conta aí do quanto meu pai e eu éramos diferentes, mas isso só mostra o
quão pouco você sabe sobre a vida quando se é uma criança.
Meu pai e eu éramos tão diferentes um do outro quanto duas pessoas
podem possivelmente ser. Ele era passivo e introspectivo, eu estava sempre me
movimentando e odiava ficar sozinho; ele dava grande valor à educação, escola
para mim era como um clube social com esportes inseridos. Ele tinha uma má
postura e tendia a arrastar os pés quando andava; eu saltava aqui e ali,
pedindo a ele pra marcar quanto tempo eu levava pra correr até o final do
quarteirão e voltar. Eu era mais alto que ele quando estava na oitava série e
podia ganhar dele na queda de braço um ano depois. Nossas características
físicas eram completamente diferentes também. Enquanto ele tinha cabelos cor de
areia, olhos cor de avelã e sardas, eu tinha olhos e cabelos castanhos e minha
pele azeitonada escurecia para um forte bronzeado em maio. Nossas diferenças
foram tomadas pelos nossos vizinhos como estranhas, eu acho, considerando que
ele tinha me criado sozinho. Quando fiquei mais velho, algumas vezes eu ouvia
eles cochichando sobre o fato de que minha mãe tinha fugido quando eu tinha menos de um ano. Embora mais
tarde eu tenha suspeitado que minha mãe tivesse encontrado outra pessoa, meu
pai nunca confirmou isso. Tudo o que ele tinha dito era que ela tinha se dado
conta que tinha cometido um erro casando tão jovem, e que ela não estava pronta
para ser uma mãe. Ele nem tratava ela com desdém, nem a elogiava, mas se
certificou que eu a incluísse nas minhas orações, não importando onde ela
estivesse ou o que ela havia feito.
— Você me lembra ela, — ele
tinha dito algumas vezes.
Até hoje, eu nunca falei uma única palavra com ela, nem tenho
nenhum desejo de falar.
Eu acho que meu pai era feliz. Eu coloco assim porque ele
raramente mostrava suas emoções. Abraços e beijos eram uma raridade pra mim
quando eu estava crescendo, e quando aconteciam, eles geralmente pareciam sem
vida, algo que ele tinha feito porque sentiu que tinha que fazer, não porque ele
quisesse fazer. Eu sei que ele me amava pelo modo que ele se dedicou a cuidar
de mim, mas ele tinha 43 anos quando me teve, e uma parte de mim acha que meu
pai se daria melhor como um monge do que como um pai. Ele era o homem mais
quieto que eu já conheci. Fazia poucas perguntas sobre o que estava acontecendo
na minha vida, e do mesmo jeito que raramente ficava com raiva, ele raramente
brincava. Vivia para a rotina. Fazia ovos mexidos, torradas e bacon para mim
todas as manhãs e ouvia eu falar sobre a escola, no jantar que ele também tinha
nos preparado. Ele marcava visitas ao dentista com dois meses de antecedência,
pagava suas contas no sábado de manhã, lavava a roupa no domingo à tarde e saía
de casa todo dia exatamente às 7:35 da manhã. Ele era socialmente estranho e
passava longas horas sozinho todos os dias, deixando pacotes e maços de cartas
nas caixas de correio ao longo da sua rota. Ele não namorava, nem passava
noites de fim de semana jogando poker com seus colegas; o telefone podia ficar
em silêncio por semanas. Quando tocava, ou era engano ou telemarketing. Eu sei
o quanto deve ter sido difícil pra ele me criar sozinho, mas ele nunca
reclamava, nem mesmo quando eu o desapontava.
Eu passava a maioria das minhas tardes sozinho. Com as obrigações
do dia finalmente finalizadas, meu pai ia pra sua toca
ficar com as suas moedas. Essa era a maior paixão da vida dele. Ele ficava
muito contente quando sentado na sua toca, estudando uma carta de um negociador
de moedas apelidado de Greysheet e tentando descobrir qual era a próxima moeda
que ele devia adicionar a sua coleção. O herói do meu avô era um homem chamado
Louis Eliasberg, um financiador de Baltimore que é a única pessoa a ter reunido
uma coleção completa das moedas dos Estados Unidos, incluindo várias datas e
marcas da Casa da Moeda. Sua coleção se igualava se não superasse a coleção do
Smithsonian, e depois da morte da minha avó em 1951, meu avô ficou obcecado com
a idéia de construir uma coleção com o filho. Durante os verões, meu avô e meu
pai viajavam de trem pra várias Casas da Moeda para coletar moedas de primeira
mão ou visitavam vários eventos de moedas no sudeste. Logo, meu avô e meu pai
estabeleceram relações com negociadores de moedas por todo o país, e meu avô gastou
uma fortuna negociando e melhorando a coleção todos esses anos. Mas diferente
de Eliasberg, contudo, meu avô não era rico-ele tinha um armazém em Burgaw que
faliu quando a Piggly Wiggly abriu suas portas por toda a cidade-e nunca
teve chance de alcançar a coleção do Eliasberg. Mesmo assim, todo dólar extra
se transformava em mais moedas. Meu avô vestiu a mesma jaqueta por trinta anos,
dirigiu o mesmo carro a vida toda, e eu tenho certeza que meu pai foi trabalhar
para o correio ao invés de ir para a faculdade porque não sobrou um centavo
para pagar qualquer coisa além do Ensino Médio. Ele era um cara estranho, com
certeza, assim como meu pai. Tal pai, tal filho, como diz o velho ditado.
Quando o velho finalmente passou dessa pra melhor, ele especificou no
testamento que a casa seria vendida e o dinheiro seria usado para comprar mais
moedas, o que provavelmente seria o que meu pai teria feito de qualquer forma.
Quando meu pai herdou a coleção, já era bem valiosa. Quando a
inflação subiu para o telhado e o ouro atingiu $850 a onça, valia uma pequena
fortuna, mais do que o suficiente para o meu pai econômico se aposentar algumas
vezes e mais do que valeria 25 anos depois. Mas nem meu avô nem meu pai tinham
começado a colecionar pelo dinheiro; eles estavam nisso pela emoção da caçada e
pelo laço que se criou entre eles.
Tinha alguma coisa excitante em longas
e duras procuras por uma moeda específica, finalmente localizá-la, depois
negociar para consegui-la pelo preço certo. Algumas vezes eles podiam pagar por
uma moeda, outras vezes não, mas cada peça que eles adicionavam à coleção era
um tesouro. Meu pai esperava partilhar a mesma paixão comigo, incluindo o
sacrifício que ela requeria. Crescendo, eu tive que dormir com cobertores
extras no inverno, e eu só comprava um único par de sapatos por ano; nunca
havia dinheiro para minhas roupas, a não ser que elas viessem do Exército da
Salvação. Meu pai nem tinha uma câmera. A única foto tirada de nós foi em um
evento de moedas em Atlanta. Um negociador tirou nossa foto enquanto nós
estávamos de pé em frente a sua barraca e depois nós enviou a foto. Por anos
ela ficou empoleirada na mesa do meu pai. Na foto, o braço do meu pai estava
jogado sobre os meus ombros, e nós dois estávamos sorrindo alegremente. Na
minha mão, eu segurava um níquel búfalo 1926-D em condição de pedra preciosa,
uma moeda que meu pai tinha acabado de comprar. Estava entre os níqueis búfalos
mais raros, e nós acabamos comendo cachorro quente e feijão por um mês, visto
que a moeda custou mais do que ele esperava.
Mas eu não me importava com os sacrifícios - por um tempo de
qualquer forma. Quando meu pai começou a falar comigo sobre moedas-eu devia
estar na primeira ou segunda série na época-ele falou comigo como um igual. Ter
um adulto, especialmente seu pai, tratando você como um igual é uma coisa
importante para qualquer criança, e eu aproveitava a atenção absorvendo a
informação. Logo eu podia lhe dizer quantas águias duplas Saint-Gaudens foram
cunhadas em 1927 comparadas com 1924 e porque uma moeda de dez centavos Barber
cunhada em Nova Orleans era dez vezes mais valiosa do que a mesma moeda cunhada
no mesmo ano na Filadélfia. Eu ainda posso, a propósito. Ainda que, diferente
do meu pai, eu comecei a parar com a minha paixão por moedas.
Era tudo sobre o que meu pai parecia ter a capacidade de falar, e
depois de seis ou sete anos de finais de semana passados com ele ao invés de
com amigos, eu queria sair. Como a maioria dos garotos, eu comecei a me
importar com outras coisas: esportes, garotas, carros e música, primeiramente, e quando fiz 14
anos, eu passava muito pouco tempo em casa. Meu ressentimento começou a crescer
também. Pouco a pouco, eu comecei a notar diferenças no modo que nós vivíamos
quando me comparava com a maioria dos meus amigos. Enquanto eles tinham
dinheiro para gastar indo ao cinema ou comprando um par de óculos estiloso, eu
me achava procurando por moedas no sofá pra comprar um hambúrguer no
McDOnald's. Mais do que alguns dos meus amigos receberam carros nos seus
aniversários de 16 anos; meu pai me deu um dólar prateado Morgan de 1883
cunhado em Carson City. Os rasgos do nosso sofá usado eram cobertos por um
cobertor, e nós éramos a única família que eu conheço que não tinha tv a cabo
ou um forno microondas.
Quando a nossa geladeira quebrou, ele comprou uma usada que era da
cor do tom mais horroroso de verde do mundo, uma cor que não combinava com mais
nada na cozinha. Eu ficava com vergonha só de pensar em chamar meus amigos para
me visitar, e culpei meu pai por isso. Eu sei que era muito ridículo eu me
sentir assim - se a falta de dinheiro me incomodava tanto, eu poderia ter
aparado gramados ou arranjado empregos estranhos, por exemplo, mas as coisas
eram assim. Eu era cego como um caracol e bobo como um camelo, mas mesmo que eu
lhe dissesse que eu me arrependo da minha imaturidade agora, eu não posso
desfazer o passado.
Meu pai sentiu que alguma coisa estava mudando, mas ele estava
perdido sobre o que fazer com a gente. Ele tentou, no entanto, do único modo
que ele sabia, do único modo que o pai dele sabia. Ele falava sobre moedas-era
o único assunto que ele podia discutir com facilidade-e continuou a fazer meus
cafés-da-manhã e jantares; mas o nosso estranhamento cresceu com o tempo. Ao
mesmo tempo, eu me afastei dos amigos que eu sempre conheci. Eles começaram a
fazer panelinhas, baseadas principalmente em que filmes eles iriam ver ou nas
últimas camisas que eles tinham comprado no shopping, eu percebi que estava
olhando pra eles de fora. Que se danem, eu pensei. No Ensino Médio, existe
sempre um espaço pra todo mundo, eu comecei a me juntar com o tipo errado de
pessoas, pessoas que não davam a mínima pra nada, o que me deixava não dando a
mínima também. Eu comecei a cabular aulas e a fumar e fui suspenso três vezes
por brigar.
Eu desisti dos esportes também. Eu
tinha jogado futebol americano, basquete e praticado corrida até o segundo ano,
e embora meu pai algumas vezes perguntasse como eu tinha ido quando eu chegava
em casa, ele parecia desconfortável se eu entrasse em detalhes, visto que era
óbvio que ele não sabia nada de esportes. Ele nunca participou de um time na vida.
Ele apareceu para um único jogo de basquete durante o meu segundo ano. Sentou
nas arquibancadas, um estranho cara careca vestindo uma jaqueta de esportes
usada e meias que não combinavam. Embora ele não fosse obeso, suas calças
apertavam na cintura, fazendo-o parecer como se estivesse grávido de três
meses, e eu sabia que não queria ter nada a ver com ele. Eu fiquei
desconcertado com a sua aparência e depois do jogo eu o evitei. Não sinto
orgulho de mim mesmo por isso, mas era assim que eu era.
As coisas pioraram. No meu último ano, minha rebeldia atingiu um
ponto alto. Minhas notas vinham escorregando por dois anos, mais por preguiça e
falta de cuidado que por inteligência (eu gosto de pensar), e mais de uma vez
meu pai me pegou entrando às escondidas em casa com bafo de birita. Eu fui
escoltado até em casa pela polícia depois de ser encontrado em uma festa onde
drogas e bebida eram evidentes, e quando meu pai me colocou de castigo, eu
fiquei na casa de um amigo por algumas semanas depois de esbravejar com ele
para cuidar da sua própria vida. Ele não disse nada quando eu voltei; ao invés
disso, ovos mexidos, torradas e bacon estavam na mesa de manhã como sempre. Eu
mal passei de ano, e suspeito que a escola deixou eu me formar simplesmente
porque me queriam fora de lá. Eu sei que meu pai estava preocupado, e ele às
vezes, do seu modo tímido, abordava o assunto da universidade, mas nesse tempo,
eu já tinha decidido não ir. Eu queria um emprego, eu queria um carro, eu
queria aquelas coisas materiais que eu tinha vivido dezoito anos sem.
Eu não disse nada pra ele sobre isso de um jeito ou de outro até o
verão depois da formatura, mas quando ele se deu conta que eu não tinha nem me
inscrito em alguma universidade, ele se trancou em sua toca pelo resto da noite
e não me disse nada durante o nosso ovos com bacon na manhã seguinte. Mais
tarde naquele dia, ele tentou me envolver em outra discussão sobre moedas, como
se estivesse se agarrando ao companheirismo que tinha de algum modo se perdido
entre nós.
— Lembra quando nós fomos para Atlanta e foi
você que achou aquele níquel de cabeça de búfalo que nós procuramos por anos? —
ele começou. — Aquele dia que tiraram a nossa foto? Eu nunca vou esquecer o
quanto você estava animado. Me lembrou do meu pai e eu.
Eu sacudi a cabeça, toda a frustração da vida com o meu pai vindo
à superfície.
— Eu estou de saco cheio e
cansado de ouvir sobre moedas! — Eu gritei pra ele. — Não quero nunca mais
ouvir falar sobre isso! Você devia vender essa maldita coleção e fazer outra
coisa. Qualquer coisa!
Meu pai não disse nada, mas eu nunca esquecerei a sua expressão de
dor quando ele finalmente se virou e se arrastou de volta até sua toca. Eu
tinha machucado ele, e embora tenha dito a mim mesmo que não queria fazer isso,
lá no fundo eu sabia que estava mentindo pra mim mesmo. A partir daí meu pai
raramente puxou o assunto das moedas de novo. Nem eu. Se tornou um enorme
abismo entre nós, e nos deixou sem nada a dizer um ao outro.
Alguns dias depois me dei conta de que a nossa única fotografia
tinha desaparecido, como se ele acreditasse que até mesmo a mínima lembrança de
moedas me ofenderia. Naquele tempo provavelmente me ofenderia, e mesmo eu
supondo que ele tinha jogado a foto fora, essa descoberta não me incomodou nem
um pouco.
Crescendo, eu nunca considerei entrar no exército. Apesar do fato
de que o leste da Carolina do Norte é uma da áreas mais militarmente densas do
país-você pode ver sete bases em algumas horas de passeio de carro por
Wilmington-eu costumava pensar que a vida militar era para perdedores. Quem
queria passar a vida recebendo ordem de um bando de homens de uniforme com
crew-cut? Eu não, e tirando os caras do ROTC, nem muitas pessoas na
minha escola. Ao invés disso, muitos que tinham sido bons alunos iam para a
Universidade da Carolina do Norte ou para a North Carolina State, enquanto as
crianças que não tinham sido bons estudantes ficavam pra trás, vagabundeando de
um péssimo emprego a outro, bebendo cerveja e saindo por aí, e evitando a qualquer
custo alguma coisa que requeresse uma sombra de
responsabilidade.
Eu caí na última categoria. Nos dois primeiros anos depois da
formatura, eu tive uma sucessão de empregos, trabalhando como garçom no Outback
Steakhouse, recolhendo canhotos de ingressos no cinema local, carregando e
descarregando caixas na Staples, fazendo panquecas na Waffle House, e
trabalhando como caixa em alguns lugares turísticos que vendiam porcarias para
as pessoas de fora da cidade. Eu gastava cada centavo que ganhava, não tinha
nenhuma ilusão sobre ascender na escala profissional, e acabei sendo despedido
de todo trabalho que eu tive. Por um tempo, eu não me importava. Estava vivendo
minha vida. Eu era profissional em surfar e dormir até tarde, e visto que eu
ainda estava vivendo em casa, nada do que eu ganhava era necessário pra coisas
como aluguel ou comida ou seguro ou preparação para o futuro. Além disso,
nenhum dos meus amigos estava melhor do que eu. Eu não me lembro de ser
particularmente infeliz, mas depois de um tempo fiquei cansado da minha vida.
Não a parte do surf - em 1996, os furacões Bertha e Fran atingiram a costa, e
aquelas foram algumas das melhores ondas em anos - mas ir pro bar Leroy's
depois do surf. Eu comecei a perceber que toda noite era a mesma. Eu bebia
cerveja e esbarrava com alguém que conhecia da escola, e eles perguntavam o que
eu estava fazendo e eu lhes dizia, e eles me contavam o que estavam fazendo, e
não precisava ser um gênio pra se dar conta de que os dois estavam na estrada
mais rápida pra lugar nenhum. Mesmo se eles tivessem suas próprias casas, o que
eu não tinha, eu nunca acreditei neles quando me contavam que gostavam de seus
trabalhos como cavadores de valeta ou limpadores de janela ou transportadores
de Porta Potti, porque eu sabia muito bem que nenhum desses trabalhos era o
tipo de ocupação que eles cresceram sonhando em ter. Eu posso ter sido
preguiçoso na sala de aula, mas eu não era burro.
Eu fiquei com dúzias de garotas
naquele período. No Leroy's sempre havia mulheres. A maioria eram relações que
eu esquecia com facilidade. Eu usei mulheres, me permiti ser usado e sempre
mantive meus sentimentos pra mim mesmo. Apenas a minha relação com uma menina
chamada Lucy durou mais que alguns meses, e por um tempo antes de nós
inevitavelmente nos separarmos, eu pensei que estava apaixonado por ela. Ela
era estudante na UNC Wilmington, um ano mais velha que eu, e queria
trabalhar em Nova York depois de se formar. — Eu me importo com você, — ela me
disse na nossa última noite juntos, — mas você e eu queremos coisas diferentes.
Você poderia fazer muito mais com a sua vida, mas por alguma razão, está
contente em simplesmente flutuar por ela. — Ela hesitou antes de continuar. — Mas
mais do que isso, eu nunca sei o que você realmente sente por mim. — Eu sabia
que ela estava certa. Logo depois ela foi embora em um avião sem se importar em
dizer adeus. Um ano mais tarde, depois de conseguir o número com seus pais,
liguei pra ela e nos falamos por vinte minutos.
Estava noiva de um advogado, ela me disse, e estaria casada em
Junho próximo.
A ligação me afetou mais do que eu pensei que me afetaria. Veio em
um dia em que eu tinha acabado de ser demitido - de novo - fui me consolar no
Leroy's, como sempre. O mesmo grupo de perdedores estava lá, e eu de repente me
dei conta de que não queria passar outra tarde sem sentido fingindo que tudo na
minha vida estava bem. Ao invés disso eu comprei um pacote de seis cervejas e
fui sentar na praia.
Era a primeira vez em anos que eu realmente pensava no que estava
fazendo com a minha vida, e me perguntei se deveria seguir o conselho do meu
pai e conseguir um diploma universitário. Porém, eu tinha ficado fora da escola
por tanto tempo que a idéia me pareceu estranha e ridícula. Chame de sorte ou
má sorte, mas nessa hora dois fuzileiros navais apareceram. Jovens e em forma,
eles irradiavam fácil confiança. Se eles podiam fazer, falei pra mim mesmo, eu
também podia.
Refleti sobre isso alguns dias, e no final, meu pai teve alguma
coisa a ver com a minha decisão. Não que eu tenha falado com ele
sobre isso, claro-nós não estávamos nos falando à essa altura. Eu estava indo a
cozinha uma noite e o vi sentado à sua mesa, como sempre. Mas desta vez, eu
realmente o analisei. Seus cabelos eram quase inexistentes, e o pouco que
restou tinha se tornado completamente cinza acima das orelhas. Ele estava perto
de se aposentar, e eu fui atingido pela noção de que eu não tinha o direito de
continuar decepcionando-o depois de tudo que ele tinha feito por mim.
Então eu ingressei no exército. Meu primeiro pensamento foi que eu
iria me juntar a Marinha, visto que eles eram os caras com quem eu estava mais
familiarizado. A praia de Wrightsville estava sempre lotada com jarheads de
Camp Lejeune ou Cherry Point, mas quando a hora chegou, eu escolhi o exército.
Me dei conta que seguraria um rifle de qualquer maneira, mas o que realmente
foi decisivo foi que o recrutador da Marinha estava em horário de almoço quando
eu apareci e não estava disponível imediatamente, enquanto o recrutador do
exército - cujo escritório era do outro lado da rua - estava. No final, a
decisão pareceu mais espontânea do que planejada, mas eu assinei na linha
pontilhada pra um alistamento de quatro anos, e quando o recrutador deu
palminhas nas minhas costas enquanto eu saía porta a fora, eu me encontrei me
perguntando no que eu tinha me metido. Isso foi no final de 1997, e eu tinha 20
anos de idade.
O Boot Camp em Fort Benning foi tão horrível como eu pensei
que seria. A coisa toda parecia projetada para humilhar e fazer uma lavagem nos
nossos cérebros pra seguirmos ordens sem perguntas, não importando o quão
estúpidas elas fossem, mas eu me adaptei mais rapidamente do que muitos caras.
Uma vez que eu passei por isso, escolhi a infantaria. Nós passamos os próximos
meses fazendo muitas simulações em lugares como Lousisiana e o bom e velho Fort
Bragg, onde nós basicamente aprendemos a melhor maneira de matar pessoas e
quebrar coisas; e depois de um tempo, minha unidade, como parte da Primeira
Divisão de Infantaria - mais conhecida como a Grande Vermelha - foi mandada
para a Alemanha. Eu não falava uma palavra em alemão, mas não importava, visto
que todo mundo com quem eu lidava falava inglês. Foi fácil no começo, então a
vida no exército se instalou.
Eu passei sete meses preguiçosos nos
Balcãs - primeiro na Macedônia em 1999, depois em Kosovo onde eu fiquei até o
final da primavera de 2000. A vida no exército não pagava muito, mas
considerando que não havia aluguel, gastos com comida e realmente nada com o
que gastar meus salários até mesmo quando eu os recebia, eu tinha dinheiro no
banco pela primeira vez. Não muito, mas o suficiente.
Eu passei a minha primeira licença em casa completamente
entediado.
A minha segunda licença eu passei em Las Vegas. Um dos meus
colegas tinha crescido lá, e três de nós ficamos na casa dos pais dele. Eu
acabei com praticamente tudo que tinha economizado. Na minha terceira licença,
depois de voltar de Kosovo, eu estava desesperadamente necessitando de uma
pausa e decidi voltar pra casa, esperando que o tédio da visita fosse acalmar a
minha mente. Por causa da distância, meu pai e eu raramente falávamos no
telefone, mas ele me escrevia cartas que eram sempre seladas no primeiro dia de
cada mês. Elas não eram como as que meus colegas recebiam de suas mães, irmãs e
esposas. Nada muito pessoal, nada piegas, e nunca uma palavra que sugerisse que
ele sentia a minha falta. E ele tão pouco mencionava moedas. Ao invés disso,
ele escrevia sobre mudanças na vizinhança e muito sobre o tempo; quando eu
escrevi para contar a ele sobre um fogo cruzado bem cabeludo que eu tive nos Balcãs,
ele escreveu de volta pra dizer que estava feliz que eu tinha sobrevivido, mas
não disse mais nada sobre isso. Eu sabia pelo modo que ele tinha expressado sua
resposta que ele não queria ouvir sobre as coisas perigosas que eu fazia. O
fato de eu estar em perigo o aterrorizava, então eu comecei a omitir as coisas
assustadoras. Ao invés disso, eu mandava cartas sobre como o dever de guarda
era, sem sombra de dúvida, o emprego mais entediante e a única coisa excitante
que acontecia comigo era tentar adivinhar quantos cigarros os outros guardas
fumariam em uma única tarde. Meu pai terminava cada carta com a promessa de que
escreveria de novo logo, e mais uma vez, o homem não me decepcionou. Ele era,
eu comecei a acreditar nisso a muito tempo, um homem muito melhor do que eu
jamais serei.
Mas eu tinha crescido nos últimos três anos. Sim, eu sei, sou um
clichê ambulante - entrar como um garoto, sair como um
homem e tudo isso. Mas todo mundo no exército é forçado a crescer, especialmente
se você é da infantaria como eu. Você é confiado com equipamento que custa uma
fortuna, outros põem sua confiança em você, e se você estragar alguma coisa, a
penalidade é bem mais séria do que ser mandado pra cama sem o jantar. Claro, há
muita papelada e tédio, e todo mundo fuma e não consegue completar uma frase
sem xingar e têm caixas de revistas safadas embaixo de suas camas, e você tem
que responder aos caras da ROTC que acabaram de sair da universidade que acham
que brutos como eu têm o QI de um Neanderthal; mas você é forçado a aprender a
lição mais importante da vida, que é o fato de que você tem que aprender a
viver com as suas responsabilidades, e é melhor você fazer isso direito. Quando
recebe uma ordem você não pode dizer não. Não é exagero dizer que vidas estão
por um fio. Uma decisão errada e o seu colega pode morrer. É esse fato que faz
o exército funcionar. É esse o grande erro que as pessoas cometem quando se
perguntam como os soldados podem colocar suas vidas em risco dia após dia ou como
eles podem lutar por algo em que não acreditam. Nem todo mundo desacredita. Eu
trabalhei com soldados de todos os lados do espectro político; encontrei alguns
que odiavam o exército e outros que queriam fazer dele uma carreira. Encontrei
gênios e idiotas, mas quando tudo é dito e feito, nós fazemos o que fazemos uns
pelos outros. Por amizade. Não pelo país, não por patriotismo, não por que
somos máquinas programadas para matar, mas por causa do cara ao seu lado. Você
luta pelo seu amigo, para manter ele vivo, e ele luta por você e tudo no
exército é construído sobre essa simples premissa.
Mas como eu disse, eu tinha mudado. Entrei no exército como um
fumante e quase coloquei um pulmão pra fora no Boot Camp, mas diferente de
praticamente todos da minha unidade, eu parei e não encosto nessas coisas há
mais de dois anos. Moderei minha bebedeira até o ponto que uma ou duas cervejas
por semana eram suficientes, e deve fazer um mês que eu não tomo nenhuma. Meu
recorde era sem sentido. Eu fui promovido de soldado raso à cabo e depois, seis
meses mais tarde, à sargento, e descobri que tinha uma habilidade de liderar.
Eu liderava homens em fogo cruzados e meu esquadrão estava envolvido na captura
de um dos criminosos de guerra mais perigosos dos Balcãs. Meu oficial
comandante me recomendou à Escola para Candidatos a Oficial (OCS), e eu estava
debatendo se iria me tornar um oficial ou não, mas isso às vezes significava um
emprego de escritório e ainda mais papelada, e eu não estava certo
se queria isso. Tirando o surfe eu não tinha feito exercício por anos antes de
ingressar no serviço; na época que eu tirei minha terceira licença, ganhei 7
quilos de músculos e acabei com os pneuzinhos da minha barriga. Passava a maior
parte do meu tempo livre correndo, praticando boxe e levantando peso com Tony,
um fortão de Nova York que sempre gritava quando falava, jurava que tequila era
um afrodisíaco, e era de longe o meu melhor amigo na unidade. Ele me convenceu
a fazer tatuagens nos dois braços assim como ele, e a cada dia que passava, a
memória de quem eu fora um dia se tornava mais e mais distante.
Eu lia bastante também. No exército você tem um bocado de tempo
pra ler, e as pessoas negociam livros aqui e ali ou alugam da biblioteca até
que as capas estejam desgastadas. Eu não quero que você tenha a impressão de
que eu me tornei um erudito, porque eu não me tornei. Eu não estava interessado
em Chaucer, Proust, Dostoievski ou qualquer um desses caras mortos; eu lia
principalmente mistérios, suspenses e os livros do Stephen King, criei uma
ligação particular com Carl Hiaasen porque as palavras dele fluíam facilmente e
ele sempre me fazia rir. Eu não podia evitar pensar que se a escola tivesse
indicado esses livros nas aulas de inglês, nós teríamos muito mais leitores no
mundo.
Diferente dos meus colegas eu evitei qualquer perspectiva de
companhia feminina. Parece estranho, certo? No auge da vida, um trabalho cheio
de testosterona - o que poderia ser mais natural do que procurar por uma
pequena libertação com ajuda feminina? Não era para mim. Embora alguns dos
caras que eu conhecia namoravam e até casavam com algumas moradoras locais
enquanto estavam com estação em Wiirzburg, eu tinha ouvido bastante estórias
para saber que esses casamentos raramente davam certo. O exército era duro com
relações em geral-eu havia visto bastante divórcios para saber disso - e embora
eu não tivesse achado ruim a companhia de alguém especial, nunca aconteceu.
Tony não entendia.
— Você tem que vir comigo,
— ele suplicou. — Você nunca vem.
— Não estou a fim.
— Como você pode não estar a fim? Sabine jura
que a amiga dela é linda. Alta e loira, e ela adora tequila.
— Leve o Don. Eu tenho
certeza de que ele gostaria de ir.
— Castelow? De jeito nenhum.
Sabine não o suporta.
Eu não disse nada.
— Nós só vamos nos divertir
um pouco.
Balancei minha cabeça, pensando que eu preferia ficar sozinho a
voltar a ser o tipo de pessoa que eu era, mas me peguei me perguntando se
acabaria sendo tão monge quanto meu pai. Sabendo que não poderia me fazer mudar
de idéia, Tony não se importou em esconder sua chateação no seu caminho até a
porta.
— Eu não te entendo às
vezes.
Quando meu pai me pegou no aeroporto, ele não me reconheceu a
princípio e quase pulou quando dei umas palmadinhas no ombro dele. Ele parecia
ser menor do que eu me lembrava. Ao invés de me oferecer um abraço, apertou
minha mão e me perguntou sobre o vôo, mas nenhum de nós sabia o que dizer
depois disso, então saímos do aeroporto. Era estranho e desorientador estar de
volta em casa, e eu me senti com os nervos à flor da pele, como da última vez
que tinha tirado licença. No estacionamento, enquanto eu jogava minha bagagem
na mala, vi na traseira do Ford Escort ancião dele um adesivo de pára-choque
que dizia para as pessoas APOIAREM NOSSAS TROPAS. Eu não estava certo do que
aquilo significava para o meu pai, mas fiquei contente em ver.
Em casa, guardei minha bagagem no meu antigo quarto. Tudo estava
onde eu me lembrava, os troféus empoeirados na minha estante e uma garrafa
vazia de Wild Turkey no fundo da minha gaveta de roupas de baixo. A mesma coisa
no resto da casa. O cobertor ainda cobria o sofá, a geladeira verde
parecia gritar que aquele não era o seu lugar, e a televisão pegava apenas
quatro canais embaçados. Meu pai cozinhou spaghetti; sexta era sempre
spaghetti. No jantar, nós tentamos conversar.
— É bom estar de volta, — eu
disse.
Seu sorriso foi breve.
— Bom, — ele respondeu.
Tomou um gole de leite. No jantar, nós sempre bebíamos leite. Ele
se concentrou na sua refeição.
— Você se lembra do Tony? —
Eu me aventurei. — Acho que eu o mencionei nas minhas cartas. De qualquer
forma, veja só-ele acha que está apaixonado. O nome dela é Sabine, e ela tem
uma filha de seis anos. O alertei de que essa pode não ser uma boa idéia, mas
ele não me ouve. —
Ele cuidadosamente salpicou queijo Parmesão na sua comida, se
certificando de que todos os lugares tivessem a quantidade perfeita.
— Oh, — ele disse. — Certo.
— Depois disso, eu comi e nenhum de nós disse nada. Bebi leite. Comi mais um
pouco. O relógio fez tique-taque na parede.
— Aposto que você está
animado para se aposentar esse ano, — sugeri. — Pense que você poderá
finalmente tirar umas férias, ver o mundo. — Eu quase disse que ele poderia vir
me visitar na Alemanha, mas me segurei. Eu sabia que ele não iria e não queria
colocá-lo contra a parede. Enrolamos nossos macarrões simultaneamente enquanto
ele parecia ponderar o melhor jeito de responder.
— Não sei, — disse finalmente.
Desisti de tentar falar com ele, e a partir daí os únicos sons
eram aqueles vindos dos nossos garfos quando atingiam os pratos. Quando
terminamos o jantar, tomamos nossos caminhos diferentes. Exausto por causa
do vôo, fui para a cama, acordando a cada hora como eu fazia quando estava na
base. Na hora que eu me levantei pela manhã, meu pai já tinha ido para o
trabalho.
Comi e li o jornal, tentei falar com um amigo, sem sucesso, então
peguei minha prancha de surfe na garagem e fui à praia. As ondas não estavam
ótimas, mas não importava. Eu não tinha estado numa prancha havia três anos e
estava meio enferrujado a princípio, mas até mesmo os menores dribles me
fizeram desejar que minha estação fosse perto do oceano. Era começo de junho de
2000, a temperatura já estava quente e a água era refrescante. Do meu ponto de
vantagem na minha prancha, eu podia ver pais levando seus pertences a algumas
das casas além das dunas.
Como eu mencionei, a praia de Wrightsville estava sempre lotada
com famílias que alugavam por uma semana ou mais, mas ocasionalmente estudantes
universitários de Chapel Hill ou Raleigh faziam o mesmo. Era o último grupo que
me interessava, e eu notei um grupo de estudantes de biquínis pegando seus
lugares no deque de trás de uma das casas perto do píer. Fiquei as observando
por um momento, apreciando a vista, depois peguei outra onda e passei o resto
da tarde perdido no meu próprio mundinho.
Pensei em fazer uma visita ao Leroy's mas me dei conta de que nada
nem ninguém tinha mudado além de mim. Ao invés disso, peguei uma garrafa de
cerveja da loja da esquina e fui sentar no píer para aproveitar o pôr-do-sol. A
maioria das pessoas pescando já tinham começado a ir embora e os poucos que
restavam estavam limpando sua captura e jogando os restos na água.
Com o tempo, a cor do oceano começou a mudar de cinza para laranja
e depois amarelo. Nas barricadas além do píer eu podia ver os pelicanos em cima
de golfinhos enquanto eles surfavam pelas ondas. Eu sabia que a tarde iria
trazer a primeira noite de lua cheia - meu tempo no campo fez da realização
quase instintiva. Eu não estava pensando em muita coisa, só deixando minha
mente vaguear. Acredite em mim, conhecer uma garota era a última coisa que eu
tinha em mente.
Foi quando eu a vi subindo o píer. Ou
melhor, duas delas andando. Uma era alta e loira, a outra uma morena atraente,
as duas um pouco mais novas que eu. Estudantes universitárias pareciam. As duas
vestiam shorts e blusas que deixavam os ombros à mostra, e a morena carregava
uma daquelas bolsas grandes de tricô que as pessoas às vezes trazem a praia
quando planejam ficar por horas com as crianças. Eu podia ouví-las conversando
e rindo, soando despreocupadas e prontas para as férias, quando elas se
aproximaram.
— Hey, — eu chamei quando
elas estavam perto. Não muito suave, e eu não posso dizer que esperava alguma
coisa como resposta.
A loira provou que eu estava certo. Ela olhou pra minha prancha e
pra garrafa de cerveja na minha mão e me ignorou com um rolar de olhos. A
morena, no entanto, me surpreendeu.
— Oi, estranho, — ela
respondeu com um sorriso. Ela gesticulou em direção a minha prancha. — Aposto
que as ondas foram ótimas hoje.
O comentário dela me pegou de baixa guarda, e eu ouvi uma bondade
inesperada em suas palavras. Ela e sua amiga continuaram descendo até o fim do
píer, e eu me peguei a observando enquanto ela se apoiava na grade. Eu debati
se deveria ou não ir até ela e me apresentar, então decidi que não. Elas não
eram meu tipo, ou mais precisamente, eu não era o delas. Dei um longo gole na
minha cerveja, tentando ignorá-las.
Tentando como pudesse, no entanto, eu não conseguia impedir meu
olhar de flutuar de volta para a morena. Tentei não escutar o que as duas
garotas falavam, mas a loira tinha uma daquelas vozes impossíveis de ignorar.
Ela falava sem parar sobre algum cara chamado Brad e o quanto ela
o amava, e como a fraternidade dela era a melhor da UNC, e a festa que eles
tiveram no fim do ano foi a melhor de todas, e que os outros deveriam se juntar
a eles no próximo ano, e que muitas das amigas dela estavam se agarrando com o pior
tipo de caras de fraternidade, e uma delas até ficou grávida, mas a culpa era
dela mesma visto que ela tinha sido alertada sobre o garoto. A morena não
falava muito-eu não sabia se ela estava entretida ou entediada com a conversa, mas
de vez em quando, ela ria. De novo, eu ouvi algo amigável e compreensivo na sua
voz, alguma coisa semelhante a voltar pra casa, o que eu admito, não fez nenhum
sentido. Enquanto eu colocava de lado minha garrafa de cerveja, notei que ela
colocou a bolsa na grade.
Elas tinham ficado lá por dez minutos mais ou menos antes de dois
caras começarem a subir o píer - caras de fraternidade, eu adivinhei-vestindo
blusas rosa e laranja da Lacoste sobre seus shorts da Bermuda. Meu primeiro
pensamento foi que um daqueles dois devia ser o Brad sobre o qual a loira
falava. Os dois carregavam cervejas e ficavam mais furtivos enquanto se
aproximavam, como se pretendessem dar um susto nas garotas. Era mais que
provável que as duas garotas queriam eles ali, e depois de um rápido susto,
completo com um grito e alguns tapas amigáveis no braço, eles iriam voltar
juntos, rindo e fazendo gozações ou o que quer que seja que casais
universitários façam.
Tudo devia ter acontecido desse jeito, porque os garotos fizeram
exatamente o que eu pensei que eles fariam. Assim que eles chegaram perto,
pularam nas garotas com um grito; as duas guincharam e fizeram o negócio das
tapinhas amigáveis. Os garotos piaram e o camisa rosa derramou um pouco da sua
cerveja. Ele se apoiou na grade, perto da bolsa e cruzou as pernas, com seus
braços atrás dele.
— Ei, nós vamos começar a
fogueira em alguns minutos, — o camisa laranja disse, colocando seus braços em
volta da loira. Ele beijou o pescoço dela. — Vocês duas estão prontas para
voltar?
— Pronta? — a loira
perguntou, olhando para a amiga.
— Claro, — a morena
respondeu.
O camisa rosa se desencostou da grade,
mas de algum modo sua mão deve ter batido na bolsa, porque ela escorregou,
então caiu por cima da borda. O splash soou como se um peixe tivesse pulado.
— O que foi isso? — ele
perguntou, se virando.
— Minha bolsa! — a morena
gritou. — Você derrubou.
— Desculpe, — ele disse,
não parecendo particularmente arrependido.
— Minha carteira estava lá!
Ele franziu o cenho.
— Eu pedi desculpas.
— Você tem que ir pegar
antes que afunde!
Os caras da fraternidade pareciam congelados, e eu sabia que
nenhum dos dois tinha a intenção de pular na água e pegar a bolsa. Pra começar,
eles provavelmente nunca iriam achá-la, e depois teriam que nadar até a areia,
algo que não era recomendado se alguém tivesse bebido, o que eles obviamente
tinham feito. Eu acho que a morena também leu a expressão do camisa rosa,
porque eu vi ela colocando as duas mãos e um pé na grade.
— Não seja boba. Já era, — o
camisa rosa declarou, colocando a sua mão nas dela para pará-la. — É muito perigoso
para pular. Dever ter tubarões lá embaixo. É só uma carteira. Eu compro uma
nova pra você.
— Eu preciso daquela
carteira! Todo o meu dinheiro está lá!
Não era da minha conta, eu sei. Mas
tudo o que eu podia pensar enquanto me punha de pé e corria para a beira do
píer era, Ah, que se dane ....
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