Capítulo 4 - Onde estão os trigêmeos Quagmire nesse momento?
Querido Pecuário,
O Dr. Sebald não
compareceu a nosso compromisso, e estou começando a ficar preocupado. Como
vocês sabem, meus caros queijeiros, se você está esperando alguém e esse alguém
não aparece, é difícil saber exatamente quando desistir e aceitar que ele não vem.
Por exemplo, se você for um dentista e o seu paciente marcou hora às cinco, às
cinco e vinte e cinco você pode resolver esperar mais cinco minutos antes de
desistir e decidir que o paciente esqueceu o compromisso ou está tão apavorado
de fazer uma limpeza nos dentes que se trancou em um armário de onde se recusa
a sair. Se você for um observador de pássaros, e às seis e quarenta e cinco ainda
estiver aguardando pela chegada do pombo das seis e meia, você pode resolver
aguardar mais vinte minutos antes de desistir e decidir que o pombo foi comido
por um gato, ou pegou no sono. Mas eu não sou um dentista esperando um paciente
nem um observador de pássaros aguardando um pombo, embora tenha comigo, neste
momento, uma garrafa de anti-séptico bucal e um par de binóculos. Sou um pesquisador
esperando por um diretor de cinema há dezenove horas. Resolvi esperar mais vinte
minutos, antes de desistir e aceitar o fato de que mais um membro de C.S.C. foi
capturado por nossos furtivos, gananciosos e mal-humorados inimigos.
É possível, é
claro, que o Dr. Sebald não tenha sido capturado, mas tenha sido simplesmente
retido, além do mais, se tivesse sido capturado, ele teria nos mandado uma mensagem
em código. Se eu estivesse no cinema, assistindo a um dos filmes do dr. Sebald,
e o diálogo fosse o seguinte:
PERSONAGEM 1
(tocando um sino): Eu adoro comer damascos. Eles são tão suculentos, carnudos,
deliciosos. Eu estou sempre feliz quando como um damasco, exceto quando ele
fica preso entre meus dentes.
PERSONAGEM 2
{concordando com a cabeça): Eu também. Se acontecer, preciso que mande buscar
meu marido, que poderá — se não estiver ocupado — oferecer ajuda para sua
remoção.
PERSONAGEM 1
(pegando um caderno e uma caneta): Onde mora o seu marido?
PERSONAGEM 2:
Comigo, na Alameda dos Chicletes, imediatamente ao lado daquele museu cor de
ameixa que visitamos uma vez.
(Os dois personagens
tocam um sino de novo.) então eu saberia que o Dr. Sebald estava preso, e que
eu deveria mandar ajuda imediatamente. Mas em vez disso, estou aqui sentado
neste bote, olhando para as águas do Pântano Maligno e me perguntando onde
diabo ele poderia estar.
Se foi capturado,
então não é mais seguro guardar comigo as páginas do roteiro de seu filme
Zumbis na neve. Eu deveria ter devolvido essas páginas a ele dezenove horas atrás
— agora que estou convencido de que o Dr. Montgomery nunca aprendeu o Código Sebald
—, mas se o cineasta não chegar em mais dezenove minutos, vou anexá-las a esta carta.
Por favor, meus amigos queijeiros, escondam bem estas páginas.
Lembrem-se, vocês
são a minha penúltima esperança de que as histórias dos órfãos Baudelaire sejam
finalmente contadas ao grande público.
Respeitosamente,
Lemony Snicket
P.S. Para me divertir durante essa espera de dezenove horas, anotei diversos títulos possíveis para um livro sobre minha própria vida. Não imagino que vá escrevê-lo, mas talvez, algum dia, alguém escreva, e vocês poderão prover o autor dessa informação, caso solicitada.
LEMONY
SNICKET:
Biógrafo
dos Baudelaire
LEMONY
SNICKET:
Covarde
e cavalheiro
LEMONY
SNICKET:
A
verdade por trás do homem
LEMONY
SNICKET:
O
homem atrás da verdade
LEMONY
SNICKET:
O
homem atrás das sebes
LEMONY
SNICKET:
A
verdade por trás das mentiras
LEMONY
SNICKET:
A
verdade por trás das mentiras por trás da verdade
LEMONY
SNICKET:
A
verdade por trás das mentiras por trás da verdade por trás do homem atrás das
sebes
LEMONY
SNICKET:
A
verdade por trás da história por trás da organização atrás de um bocado de
problemas
LEMONY
SNICKET:
A
verdade por trás do homem atrás da história por trás dos órfãos
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem que nunca incendiou nada
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem que nunca incendiou nada, a despeito de tudo o que você
pode ter ouvido
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem que suspeita que outras pessoas incendiaram coisas, ainda
que ele mesmo não tenha feito isso
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem que gostaria que a história tivesse sido outra
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem que precisa da sua ajuda
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem que precisa da sua ajuda, por favor
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem, uma mulher e uma organização
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem, uma mulher e diversos fósforos
LEMONY
SNICKET:
A
história de um homem, uma mulher, e outro homem
LEMONY
SNICKET:
A
história de três pessoas, duas das quais são homens
LEMONY
SNICKET:
A
história de três iniciais, todas elas secretas
LEMONY
SNICKET:
A
história de três iniciais, todas elas consoantes
LEMONY
SNICKET:
A
história de três irmãos, um dos quais, pelo menos, está morto
ISSO
NÃO É CHEIRO DE FUMAÇA?
A
história de Lemony Snicket
LEMONY
SNICKET:
Um
homem bom metido em problemas ruins, e não vice-versa
DOLORES
(concluindo
sua canção):
Eu estou muito, muito
agoniada, Quem sabe quem comerão a seguir?
PAI
DA CIDADE Nº 1
(Tocando um sino) Atenção, cidadãos! A noite
aproxima-se rapidamente! Em breve o sol estará escondido da vista, e logo centenas
de zumbis famintos vão estar dentro da nossa aldeia querida! Precisamos nos
esconder atrás da barreira do resguardo, construída em robusto carvalho pelos
pais da cidade. Esse homem-de-neve, Jovem Rölf, pare de construí-lo antes que
seja tarde, pois há, proteção somente atrás da barreira!
JOVEM
RÖLF:
Zumbis não me assustam!
Quero um homem-de-neve!
Sebald • 99
PAI
DA CIDADE Nº 2:
Jovem Rölf, se você quer
mesmo ser mais um sobrevivente dos zumbis, é melhor obedecer!
JOVEM
RÖLF:
Cai fora!
PAI
DA CIDADE Nº 1:
Já estamos enjoados do seu
comportamento, Jovem Rölf. Se realmente não importa que um grande zumbi o coma,
então vá fazer o seu homem-de-neve. Pelo fogo de Apo-lo, lavo as mãos desse menino
desobediente. Ele tem encontro marcado com seu Criador esta noite. Venham, meus
concidadãos, venham conosco para trás da robusta barreira de carvalho. Nenhum
zumbi penetrará na proteção para nos comer.
ALDEÕES
(aplaudindo):
Escutem!
Escutem!
GERTA
(avançando
um passo):
Escutem?
Os pais da cidade mandam abandonar o Jovem
Sebald • 100
Rölf para morrer, e dizem
"escutem"? Onde está sua consciência? Onde está sua preocupação com
os jovens? Este povoado devia se envergonhar!
PAI
DA CIDADE Nº 1:
Pare de falar como estrela
de filme, Gerta.
PAI
DA CIDADE N° 2:
Sim, sua leiteirinha tola,
os zumbis estão se aproximando! Tem discussões que tomam tempo demais quando
deveríamos estar em um lugar seguro, tipo robusta barreira de carvalho.
PAI
DA CIDADE Nº 1:
Junte-se a nós, Gerta. Traga
também o Jovem Rölf. Senão você certamente vai acabar entre as últimas vítimas
dos zumbis famintos.
GERTA:
Eu já falei para vocês três
mil vezes: os zumbis não nos machucarão, nem às nossas crianças. Meu plano é
fazer amizade com esses zumbis, e...
Sebald • 101
PAI
DA CIDADE Nº 2:
O seu plano é totalmente
absurdo, Gerta. Para zumbis, pessoas são alimento novo e fresco, não possíveis
amizades!
JOVEM
RÖLF:
Ignore-os, Gerta. Você pode
ser assistente construtora.
PAI
DA CIDADE N° 1:
Vai se arrepender, Gerta.
ALDEÕES(saindo:
Escutem!
Escutem!
GERTA:
Oh, Rölf. Não tem jeito. Eu
avisei aos meus concidadãos que a barreira é incapaz de resistir aos dentes dos
zumbis. Eles já comeram um muro de robusto carvalho.
JOVEM
RÖLF:
Por isso fiquei aqui. As
barreiras de madeira são inúteis.
Sebald • 102
(Ouve-se um enorme barulho
de coisas se quebrando, e diversos aldeões voltam correndo para o enquadramento
da câmera.)
PAI
DA CIDADE Nº 1:
Zumbis! Zumbis! Zumbis!
Acudam! Façam algo por nós!
PAI
DA CIDADE N° 2:
Socorro! Socorro! Socorro!
Socorro! Socorro! Socorro! Socorro! Socorro! Socorro! Socorro! Cuidado!
(Toca um sino de alarme.)
DOLORES
(começando
uma canção):
Eles comerão os meus pés, meu
aparelho digestivo, pois nada mais sou que alimento, que comida de morto-vivo.
Caro Sr. Snicket,
Folgo em saber que o senhor está vivo e a Dra.
Orwell está morta! Durante anos suspeitei do contrário, e presumi que um de
seus irmãos tivesse se encarregado de seus negócios, assim como eu tomo conta dos
de Gustav. Irmãos devem cuidar um do outro quando só têm a si mesmos no mundo,
e foi uma honra gerenciar os papéis de Sebald. Meu irmão foi um dos mais
importantes cineastas de todos os tempos, e no entanto nunca se lê nada sobre
ele nos livros de história ou nas revistas especializadas. Espero que os livros
que o senhor esteja escrevendo sobre os Baudelaire façam com que as pessoas se
lembrem do diretor de Fantasmas no deserto, Duendes no jardim, Múmias
na selva, Leões nas montanhas, Vampiros na comunidade de aposentados,
Sanguessugas no lago, Lobisomens na chuva, Cirurgiões no teatro, Gorilas na
cerração, Morcegos na estação de trem, Formigas na salada de frutas, Zumbis na neve, Hipnotizadores no
escritório, Pé Grande no shopping, Jacarés no esgoto, Corretores de imóveis na caverna, O
mais pequenino dos elfos etc.
Como o senhor solicitou, envio todas as
fotografias que encontrei nos arquivos de meu irmão referentes a Zumbis na neve. Gustav era
muito minucioso quando dirigia seus filmes, pois se algum dos atores mudasse
uma palavra sequer do roteiro, os agentes de c.s.c. escondidos na platéia do
cinema poderiam receber a mensagem errada. E por isso os diálogos às vezes soam
estapafúrdios. Uma cena crucial em Zumbis
na neve — iniciada e terminada, como sempre, em
Código Sebald, com o toque de um sino — visava transmitir uma mensagem sobre o sobrevivente
mencionado em sua carta, mas meu irmão não me contou nada além disso. Talvez as
fotografias anexas possam lhe fornecer mais informações. São as seguintes:
1. Três atores de Zumbis na neve, posando em
frente ao homem-de-neve que Gustav construiu especialmente para a cena. No
centro está o ator que representou o Jovem Rölf, cujo nome me escapa — será
Omar?
2. Fotografia da cena da floresta. Note que Gustav teve de usar
cervos de louça em lugar dos reais, devido a problemas de orçamento.
3.
Fotografia da cena de perseguição em trenó.
4. Fotografia da cena em que os cidadãos tentam apunhalar os
zumbis com pedaços de gelo que cresciam na fábrica de peixe enlatado.
5. Outra fotografia do homem-de-neve, que Gustav deixou em pé por vários
dias depois que terminou a filmagem,quando ainda não tinha percebido que a
mensagem não fora recebida.
6. Estou confuso quanto à razão para esta
fotografia estar nos arquivos de Zumbis
na neve. Essas crianças — que parecem ser irmãos quase
da mesma idade — não são atores do filme, pelo menos até onde sei. Note as
notas.
7. Uma fotografia muito rara do próprio
Gustav Sebald, começando a trabalhar no homem-de-neve.
Espero de coração que essas informações lhe sejam úteis. Por favor
não hesite em me contatar novamente se houver qualquer outra coisa com que
eu possa contribuir.
"Aqui o mundo é sereno."
Sua,
Sally Sebald
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