Capítulo 5
Quando
o elevador atingiu o sexto andar, Klaus se despediu de Violet e entrou em um
longo corredor vazio. Ele era ladeado por portas numeradas, números ímpares de
um lado e pares do outro, e por grandes vasos ornamentais, grandes demais para
conter flores e pequenos demais para esconder espiões. Sobre o piso havia um
carpete macio e cinzento que abafava cada passo incerto do Baudelaire do meio.
Embora Klaus nunca tivesse pisado no Hotel Desenlace até então, caminhar por
aquele corredor provocou nele uma sensação familiar. Era a sensação que ele
sempre tinha quando entrava numa biblioteca com um problema importante para
resolver, suspeitando que em algum lugar no meio da coleção de livros estivesse
a resposta perfeita para qualquer pergunta que se impusesse em sua mente.
Tivera essa sensação quando ele e suas irmãs estavam morando bem perto do Mau
Caminho, também chamado de Lousy Lane, e resolveram o caso do assassinato do
tio Monty com informações cruciais descobertas em uma biblioteca herpetológica.
Tivera essa sensação quando ele e suas irmãs estavam no fundo do oceano e ele
conseguira diluir o veneno que infectava Sunny depois de encontrar um fato
significativo numa biblioteca micológica pertencente a Fiona, uma jovem que
conquistara o coração do garoto. E enquanto ele estava parado naquele corredor,
olhando fixamente para todas aquelas portas numeradas que se estendiam até onde
a vista podia alcançar, Klaus Baudelaire sentiu novamente a mesma sensação.
Oculta
em algum lugar naquele hotel, tinha certeza, havia alguma coisa ou alguém que poderia
responder a todas as perguntas dos Baudelaire, resolver todos os mistérios dos Baudelaire,
e pôr fim, afinal, a todos os sofrimentos dos Baudelaire. Era como se ele pudesse
ouvir essa resposta lhe chamando, como um bebê a chorar no fundo de um poço encharcado,
ou um despertador a tocar embaixo de uma pilha de cobertores encharcados.
Entretanto,
sem um catálogo, Klaus não tinha idéia de onde poderia estar essa solução. Só
lhe restava encaminhar-se para a incumbência de concierge no quarto 674, na
esperança de que qualquer coisa que observasse como flâneur o pusesse mais
perto de deslindar a lista de desventuras dos Baudelaire. Quando ele parou na
frente da porta numerada, parecia que estava apenas somando mais uma desventura
à sua lista deplorável. Saindo pela fresta entre a porta e o piso, uma fumaça
se espalhava pelo corredor qual mancha sinistra.
"Olá?",
gritou Klaus, batendo à porta.
"Olá
para você", gritou de volta uma voz que soou ligeiramente familiar e absolutamente
despreocupada. "Você é um daqueles concertinas?"
"Sou
um concierge", disse Klaus, sem se preocupar em explicar que concertina é uma
espécie de sanfona. "Posso ajudar?"
"É
claro que você pode ajudar!", gritou a voz em resposta. "Foi por isso
que eu toquei a sineta! Entre de uma vez!"
Klaus,
naturalmente, não queria entrar em um quarto cheio de fumaça, porém trabalhar,
mesmo com a finalidade de observar em segredo os mistérios de um hotel, em geral
significa fazer coisas que você não quer fazer. Portanto, o Baudelaire do meio
abriu a porta, liberando uma enorme quantidade de fumaça para o corredor, e deu
alguns passos vacilantes para dentro do quarto. Através da fumaça, pôde ver um
vulto baixo, vestindo um terno de pano verde lustroso, em pé no outro lado do
cômodo, de frente para a janela. Atrás das costas, segurava um charuto que era
claramente responsável por toda aquela fumaça que passava flutuando por Klaus e
invadia o corredor. Mas Klaus não se importou com a fumaça. Mal chegou a
notá-la. Ele apenas ficou olhando consternado para a pessoa em pé diante da
janela, uma pessoa que ele esperara nunca mais encontrar de novo.
Provavelmente
você já ouviu a aborrecida expressão "Que mundo pequeno", que se usa
para explicar uma coincidência. Por exemplo, se você entra em um restaurante italiano
e encontra lá um garçom que já conhecia, o garçom poderia exclamar "Que mundo
pequeno!", como se fosse inevitável que vocês dois estivessem no mesmo restaurante
ao mesmo tempo. Mas, se você já deu a mais breve das caminhadas, sabe qual é a
verdade. Não é um mundo pequeno. É um mundo grande, e por ele estão disseminados
restaurantes italianos, empregando garçons que têm mensagens cruciais para você
e garçons que estão tentando garantir que você jamais as receba, e esses pares
de garçons estão engajados em uma discussão que começou muitos anos atrás, quando
você era tão jovem que não era seguro lhe oferecer nem mesmo o mais macio dos
nhoques.
O
mundo não é pequeno; ele é enorme, e Klaus tinha esperanças de que esse mundo
enorme fosse grande o bastante para que um hóspede do Hotel Desenlace, empregado
na indústria madeireira e ocupando o quarto 674, não fosse o homem horroroso
que o empregara e a suas irmãs na Serraria Alto Astral. Durante a sua apavorante
estada em Paltryville, os Baudelaire nunca viram a cara do homem, que estava
sempre encoberta por uma nuvem de fumaça de charuto, e nunca ficaram sabendo
qual era seu nome verdadeiro, o qual era tão difícil de pronunciar que todo mundo
era obrigado a tratá-lo de "Senhor"; porém ficaram sabendo muita
coisa sobre o seu comportamento ganancioso e cruel, e Klaus não ficou feliz em
constatar que esse mundo enorme ia servir-lhe mais uma porção do egoísmo de
Senhor.
"Bem,
não fique aí parado!", bradou Senhor. "Pergunte em que você pode me servir!"
"Em
que posso servi-lo, senhor?", perguntou Klaus.
Senhor
girou o corpo bruscamente, e a fumaça em volta de sua cabeça girou com ele.
"Como
você sabe o meu nome?", perguntou ele, desconfiado.
"O
concierge não sabia o seu nome", disse outra voz pacientemente, e Klaus vislumbrou,
através da fumaça, uma segunda pessoa cuja presença não tinha notado, sentada
na cama, vestindo um roupão com as palavras HOTEL DESENLACE bordadas nas
costas. Esse homem também era conhecido dos tempos dos Baudelaire na Alto Astral,
embora Klaus não soubesse se deveria ficar contente ao vê-lo ou não. Por um
lado, Charles sempre fora bom com os órfãos, e, apesar de sua bondade não ter
sido suficiente para salvá-los do perigo, é sempre um alívio descobrir que no quarto
há uma pessoa boa que não tinha sido previamente notada. Por outro lado, Klaus
lamentava constatar que Charles ainda era sócio de Senhor, que gostava de ficar
dando ordens e contra-ordens a Charles tanto quanto aos Baudelaire. "Tenho
certeza de que o concierge chama todos os hóspedes do sexo masculino neste
hotel de 'senhor'."
"É
claro que chama!", berrou Senhor. "Não sou nenhum idiota! Muito bem
então, concertina, queremos ser levados à sauna imediatamente!"
"Sim,
senhor", disse Klaus, grato por Frank ou Ernest ter mencionado que a sauna
ficava na Sala 613. Uma sauna é uma sala feita de madeira e mantida muito,
muito quente, em que as pessoas podem sentar-se no meio do vapor, o que
acreditam ser benéfico à saúde, e Klaus teria achado muito difícil encontrar um
lugar assim no Hotel Desenlace sem um catálogo. "A sauna deve ficar do
outro lado do corredor, logo abaixo", disse Klaus. "Se os cavalheiros
me seguirem, vou levá-los até lá."
"Desculpe
termos feito você vir até o nosso quarto só para nos levar logo abaixo no
corredor", disse Charles.
"É
um prazer", disse Klaus. Como tenho certeza que vocês sabem, quando as pessoas
dizem "É um prazer", elas usualmente querem dizer alguma coisa como
"Não há coisa no mundo que eu menos quisesse fazer", mas o Baudelaire
do meio esperava poder descobrir por que o antigo tutor dos irmãos órfãos e seu
sócio viajaram de Paltryville ao Hotel Desenlace.
"Vamos
agora mesmo, neste instante!", bradou Senhor, marchando para o corredor.
"Você
não vai vestir um traje de banho?", perguntou Charles. "Se estiver totalmente
vestido, não vai tirar proveito dos benefícios do vapor para a saúde."
"Pouco
se me dão os benefícios do vapor para a saúde!", bradou Senhor. "Não sou
nenhum idiota! Apenas adoro o cheiro de madeira quente!"
Charles
suspirou e seguiu Klaus, saindo do quarto 674 para o corredor.
"Eu
tinha esperança de que o meu sócio relaxasse durante a nossa estada aqui",
disse ele, "mas temo que ele esteja tirando um feriado de motorista de
ônibus."
"Feriado
de motorista de ônibus" é uma expressão que se refere ao descanso das pessoas
que fazem nos feriados a mesma coisa que em suas vidas cotidianas, como encanadores
que visitam o Museu das Pias, ou vilões que se disfarçam até nos seus dias de
folga. Mas Klaus não podia acreditar que aqueles dois homens estivessem simplesmente
de férias no Hotel Desenlace, apenas dois dias antes do encontro de C.S.C.
"Estão
aqui a trabalho?", perguntou ele, esperando que Charles continuasse falando
enquanto se aproximavam da sauna.
"Não
conte nada para aquele concertina!", gritou Senhor, mais uma vez usando a palavra
equivalente a "sanfona" no lugar da palavra que designava
"empregado do hotel". "Ele deveria estar ao nosso inteiro
dispor, e não bisbilhotando os nossos negócios como um espião!"
"Minhas
desculpas, senhor", disse Klaus, o mais calmamente que pôde. "Chegamos
à sauna."
Sem
dúvida, Klaus, Senhor e Charles tinham chegado à Sala 613, de onde uma massa de
vapor se derramava pela fresta entre a porta e o piso, como uma imagem espelhada
da fumaça do charuto de Senhor se espraiando para fora do quarto 674.
"Você
pode esperar do lado de fora, concertina", disse Senhor. "Gritaremos quando
estivermos prontos para ser escoltados de volta ao nosso quarto."
"Nós
não precisamos ser escoltados", disse Charles timidamente, abrindo a
porta. Klaus não pôde ver nada do interior a não ser uma massa de vapor
revoluteante. "É logo adiante, no corredor. Tenho certeza de que o
concierge já está suficientemente ocupado para ficar nos aguardando."
"Mas
alguém precisa ficar segurando o meu charuto!", bradou Senhor. "Não posso
entrar em uma sala cheia de vapor com a cabeça cheia de fumaça! Não sou nenhum
idiota!"
"É
claro que não", disse Charles com um suspiro, e entrou na sauna. Senhor entregou
o charuto a Klaus e marchou para dentro da sala antes que a nuvem de fumaça em
volta da sua cabeça pudesse se dissipar. Atrás dele, a porta começou a se
fechar, mas Klaus pensou depressa e enfiou o pé, fazendo com que restasse uma
fresta aberta; e então, o mais silenciosamente que pôde, abriu a porta de novo
e deslizou para dentro, parando um instante para equilibrar o charuto de Senhor
na beira de um dos vasos ornamentais. Como ele suspeitava, o vapor ali era tão
espesso que não dava para distinguir Senhor nem seu sócio, o que significava
que os cidadãos de Paltryville sentados conversando na sala aquecida também não
podiam vê-lo. Era a oportunidade perfeita para um flâneur bisbilhotar uma
conversa particular.
"Eu
gostaria que você fosse mais educado", disse Charles, a voz flutuando através
do vapor. "Não há razão para acusar aquele concierge de ser um
espião."
"Eu
estava só tentando ser cauteloso!", disse Senhor de um jeito desabrido,
uma palavra que aqui significa "em um tom que indicava que ele não tinha
intenção de ser mais educado". Klaus ouviu o estralejar do seu terno
lustroso e imaginou que o dono da serraria estava encolhendo os ombros.
"Foi você quem disse que os inimigos podem estar à espreita neste
hotel!"
"Isso
é o que me foi contado na carta que recebi", disse Charles. "De
acordo com J.S., precisamos ser muito cautelosos se quisermos encontrar os
Baudelaire."
Klaus
sentiu-se grato por sua expressão de perplexidade estar oculta pelo vapor.
O
Baudelaire do meio não podia imaginar por que o misterioso impostor J.S.
estaria ajudando Charles a encontrá-lo e às suas irmãs, e se não estivesse tão
quente na sauna ele teria começado a suar frio, uma expressão que aqui
significa "sentir-se muito nervoso com a conversa que estava
observando".
"Eu
não quero encontrar os Baudelaire!", disse Senhor. "Aqueles órfãos só
causaram problemas para a serraria!"
"Eles
não foram a causa dos problemas", disse Charles. "Foi o conde Olaf.
Não está lembrado?"
"É
claro que estou lembrado!", gritou Senhor. "Não sou nenhum idiota! O
conde Olaf se disfarçou de uma jovem um tanto atraente, e trabalhou com aquela
hipnotizadora sinistra para causar acidentes na minha serraria! Se os
Baudelaire não tivessem aquela fortuna aguardando por eles no banco, Olaf nunca
teria causado tantos malefícios! A culpa é dos órfãos!"
"Presumo
que você esteja certo", disse Charles, "mas ainda assim gostaria de encontrá-los.
De acordo com O Pundonor Diário, os Baudelaire estão metidos em problemas até
as orelhas."
"De
acordo com O Pundonor Diário', disse Senhor, "os Baudelaire são assassinos!
Até onde sabemos, aquele traça-dos-livros de óculos pode chegar sorrateiramente
até nós bem aqui no hotel e nos matar até a morte!"
"As
crianças não vão nos assassinar", disse Charles, "apesar de que,
depois do que aconteceu com elas na Alto Astral, eu dificilmente pudesse
culpá-las. De fato, se conseguir encontrá-las, a primeira coisa que farei será
pedir as minhas sinceras desculpas. Talvez eu possa solicitar um binóculo a um
dos concierges. J.S. disse que é provável que eles cheguem de submarino, e
assim eu poderia ficar atento a um periscópio se erguendo do mar."
"Eu
preferiria que em vez disso o nosso quarto tivesse vista para a lagoa",
disse Senhor. "Quando acabo de fumar um charuto, gosto de deixar cair o
toco em um corpo d'água tranqüilo e ficar olhando as graciosas ondinhas."
"Não
estou tão certo de que isso seria bom para a lagoa", disse Charles.
"Quem
se importa com a lagoa?", demandou Senhor. "Tenho coisas melhores para
fazer do que me preocupar com o meio ambiente. As árvores da Floresta Finita estão
acabando, portanto os negócios vão mal para a serraria. O último pedido grande que
tivemos foi para a construção daquela fábrica de raiz-forte, e foi há muito
tempo.
Espero
que o coquetel de quinta-feira seja uma excelente oportunidade para fechar alguns
negócios. Afinal, se não fosse pela minha madeira, este hotel nem
existiria!"
"Eu
me lembro", disse Charles. "Tivemos de entregar a madeira no meio da
noite. Mas, Senhor, você me disse que nunca mais ouviu falar naquela
organização."
"Não
ouvi", disse Senhor, "até agora. Você não foi o único que recebeu
bilhetes desse tal de J.S. Fui convidado para uma festa em que ele é o
anfitrião na quinta-feira à noite, e ele me disse para levar todos os meus
objetos de valor. Isso deve significar que uma grande quantidade de gente rica
deverá estar lá — gente rica que pode querer comprar um pouco de madeira."
"Talvez,
se a serraria começar a ser mais bem-sucedida", disse Charles, "possamos
pagar os nossos empregados com dinheiro, em vez de apenas chicletes e cupons."
"Não
seja idiota!", disse Senhor. "Chiclete e cupons são uma troca justa!
Se você passa menos tempo lendo e mais tempo pensando em madeira, você se
preocupa mais com dinheiro e menos com pessoas!"
"Não
há nada de errado em se preocupar com pessoas", disse Charles mansamente.
"Eu me preocupo com você, Senhor. E me preocupo com os Baudelaire. Se o
que J.S. escreveu é verdade, então os pais deles..."
"Com
licença." A porta da sauna se abriu e Klaus viu um vulto alto, indistinto,
em meio ao vapor.
"É
o meu concertina?", latiu Senhor. "Eu disse para você esperar lá
fora!"
"Não,
sou um dos gerentes do hotel", disse Frank ou Ernest. "Temos uma concertina
disponível na Sala 786, caso estejam interessados em instrumentos musicais. Lamento
interromper a sua tarde, mas receio que tenho de pedir a todos os hóspedes que liberem
a sauna. Surgiu uma situação que requer o uso desta sala. Se os senhores estiverem
interessados em vapor, há um bocado na Sala..."
"Quem
se importa com vapor!", gritou Senhor. "Eu apenas gosto de cheirar madeira
quente! Onde mais posso cheirar madeira quente, a não ser na sauna?'
"A
Sala 547 é dedicada à química orgânica", retrucou o gerente. "Há toda
sorte de coisas fedidas lá."
Klaus
abriu rapidamente a porta da sauna e fingiu entrar.
"Terei
prazer em levar os nossos hóspedes à Sala 547", disse ele, esperando poder
ouvir o resto da conversa de Senhor e Charles.
"Não,
não", disse o gerente. "Você é necessário aqui, concierge. Por uma estranha
coincidência, acontece que há uma química aguardando no corredor, a qual terá o
prazer de escoltar estes dois cavalheiros."
"Ora,
está bem!", disse Senhor, e saiu pisando duro da sauna para o corredor, onde
os aguardava um vulto usando um jaleco branco comprido e uma máscara, como as que
os cirurgiões e químicos usam por cima do nariz e da boca. Senhor esticou o
braço para baixo e pegou o seu cigarro de cima do vaso ornamental, devolvendo a
nuvem de fumaça à sua cara ao mesmo tempo que a nuvem de vapor se dissipava, e
sem mais palavra ele e o sócio seguiram a química afastando-se da sauna e
deixando Klaus sozinho com o voluntário ou o vilão.
"Tenha
muito cuidado com isto", disse Frank ou Ernest, entregando a Klaus um objeto
grande e rígido. Era uma coisa chata e larga, com a forma de um cilindro
grosso, como um saco de dormir. "Depois de desenrolado, a superfície é
muito grudenta — tão grudenta que tudo o que encosta nela fica preso. Você sabe
como se chama isto?"
"Papel
pega-moscas", disse Klaus, lembrando-se de um livro que lera sobre as aventuras
de um exterminador. "O hotel está com algum problema de insetos?"
"Nosso
problema não é com os insetos", disse o gerente. "É com pássaros.
Isto é papel pega-pássaros. Preciso que você prenda uma ponta no peitoril da
janela desta sala e deixe o resto dependurado do lado de fora, sobre a lagoa.
Você é capaz de adivinhar por quê?"
"Para
pegar pássaros", disse Klaus.
"Você
obviamente é muito lido", disse Ernest ou Frank, embora fosse impossível dizer
se ele estava impressionado ou enojado com o fato. "Então você sabe que os
pássaros podem causar toda sorte de problemas. Por exemplo, ouvi falar de um
bando de águias que capturou recentemente um grupo grande de crianças. O que
você acha disso?"
Klaus
engoliu em seco. É claro que ele sabia exatamente o que achava do numeroso
bando de águias que raptara uma tropa de Escoteiros da Neve enquanto os Baudelaire
estavam vivendo no Monte Fraught, o Pico das Aflições. Ele achava horrível, mas
o rosto do voluntário ou vilão era tão insondável que o Baudelaire do meio não
era capaz de dizer se o gerente pensava o mesmo.
"Acho
que é notável", disse Klaus por fim, escolhendo cautelosamente uma palavra
que aqui pode significar ou maravilhoso ou horrível.
"Uma
resposta notável", retrucou ou Frank ou Ernest, e então Klaus ouviu o gerente
dar um suspiro pensativo. "Diga-me", disse ele, "você é quem eu
penso que é?"
Klaus
piscou atrás dos próprios óculos e atrás dos óculos escuros que estavam em cima
deles. Decidir-se por uma resposta segura a uma pergunta é como decidir-se por um
ingrediente seguro em um sanduíche, porque, se você tomar a decisão errada,
pode descobrir que algo horrível está saindo da sua boca. Ali parado na sauna,
não havia nada que Klaus quisesse mais do que decidir-se por uma resposta
segura tal como
"Sim,
sou Klaus Baudelaire", caso estivesse falando com Frank, ou "Me
desculpe, não sei do que está falando", caso estivesse falando com Ernest.
Mas ele sabia que não havia como dizer se alguma dessas respostas era segura,
portanto abriu a boca e pronunciou a única resposta em que foi capaz de pensar.
"É
claro que sou quem pensa que sou", disse ele, sentindo-se como se
estivesse falando em código, só que era um código que ele não conhecia.
"Sou um concierge."
"Entendo",
disse Frank ou Ernest, tão insondável como sempre. "Fico grato pela sua
ajuda, concierge. Não são muitas as pessoas que têm a coragem de ajudar em um esquema
como este."
Sem
mais palavra, o gerente se afastou e Klaus ficou sozinho na sauna. Cauteloso,
ele caminhou através do vapor e, às apalpadelas, encontrou o caminho para a janela;
destravou-a e abriu uma veneziana marcada com um ò por cima da lagoa. Como acontece
quando um lugar muito quente é exposto ao ar frio, o vapor precipitou-se pela janela
e se dissipou. Com o fim do vapor, Klaus pôde ver as paredes e os bancos de madeira
que compunham a sauna, e ele só queria que tudo estivesse tão claro na sua cabeça
como estava na Sala 613. Em silêncio, prendeu uma das pontas do papel pega-pássaros
no peitoril da janela, a cabeça girando com as suas misteriosas observações
como flâneur e a sua misteriosa incumbência como concierge; e em silêncio dependurou
o resto do lado de fora, onde aquilo se curvou rigidamente sobre a lagoa como
um escorregador em um playground. Em silêncio, olhou para aquele estranho arranjo
e se perguntou qual gerente solicitara uma tarefa tão insólita. Mas, antes que
ele pudesse sair da sauna, seu silêncio foi quebrado por um ruído impactante.
O
relógio do saguão do Hotel Desenlace é de fama legendária, uma expressão que
aqui significa "muito conhecido por tocar muito alto". Fica bem no
centro do teto, bem no topo da abóbada, e quando ele bate as horas seus sinos
ecoam pelo prédio inteiro, produzindo um ruído imenso e profundo que soa como
uma estranha palavra dita uma vez a cada hora anunciada. Naquele momento em
particular eram três horas, e todo mundo no hotel pôde ouvir o toque estrondoso
dos enormes sinos do relógio, emitindo a palavra três vezes seguidas: Nadaboml
Nadabom! Nadabom!
Quando
virou as costas para a janela aberta da sauna e foi andando de volta pelo corredor
na direção dos elevadores, Klaus Baudelaire sentiu como se o relógio o estivesse
repreendendo por seus esforços para resolver os mistérios do Hotel Desenlace. Nadabom!
Ele tentara dar o melhor de si como flâneur, mas não observara o suficiente para
saber exatamente o que Senhor e Charles estavam fazendo no hotel. Nadabom! Ele tentara
se comunicar com um dos gerentes do hotel, mas não fora capaz de descobrir se era
Frank ou Ernest. E — o mais Nadabom! de tudo — ele realizara sua incumbência como
concierge, e agora uma faixa de papel pega-pássaros estava dependurada para fora
do Hotel Desenlace, onde serviria a algum propósito sinistro desconhecido. A
cada batida do relógio, Klaus sentia que nada estava bom, e quando entrou no
pequeno elevador franziu a testa, pensativo. Esperava de todo coração que suas
duas irmãs tivessem obtido mais sucesso em suas incumbências, pois ao
atravessar as portas deslizantes do elevador e apertar o botão para voltar ao
saguão, tudo em que o Baudelaire do meio conseguiu pensar foi que aquilo tudo
não era nada bom, nada bom, nada bom.
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