Capítulo 6
― Vocês jovens estão muito
elegantes com esses capacetes! ― disse Phil com um sorriso largo e
otimista. ― Sei que devem estar um
pouquinho nervosos, mas estou certo de que vocês crianças darão conta de
qualquer situação!
Os órfãos Baudelaire suspiraram e se entreolharam de dentro de
seus capacetes de mergulho. Quando alguém diz que você vai dar conta da
situação, significa que essa pessoa acha que você será forte ou habilidoso o
bastante para lidar com qualquer imprevisto, mas Violet, Klaus e Sunny não sabiam
se poderiam dar conta da situação, já que estavam com medo de afundar. Embora
já tivessem arrastado os capacetes na ida e na volta dos alojamentos, ainda não
tinham percebido como eles eram incômodos até que os prenderam nos uniformes à
prova d'água. Violet não gostou do fato de não poder passar as mãos através do
capacete para amarrar o cabelo, caso precisasse de repente inventar algo por
força das circunstâncias, uma expressão que aqui significa ‘’enquanto percorria
a Gruta Gorgônea’’. Klaus descobriu que era difícil enxergar, pois a pequena
janela circular do capacete concorria com seus óculos. E Sunny não ficou nada
contente por ter de se enroscar dentro do capacete, fechar a portinhola e ser
carregada pela irmã como se fosse uma bola de vôlei e não uma menininha.
Quando vestiram seus uniformes apenas algumas horas antes, os três
irmãos acharam que as roupas à prova d'água serviam como uma luva. Mas agora,
saindo do salão principal e seguindo o capitão Andarré pelo corredor úmido e
gotejante, as crianças temiam que os uniformes servissem mais como âncoras que
os arrastariam para as profundezas do mar.
― Não se preocupem ― disse
Fiona, como se lesse os pensamentos dos Baudelaire.
Ela deu um sorrisinho para os irmãos por trás de seu capacete de
mergulho.
― Garanto a vocês que esses
trajes são totalmente seguros — seguros porém desconfortáveis.
― Desde que possamos
respirar ― disse Violet, ― não me
importa o quão desconfortáveis eles sejam.
― É claro que vão conseguir
respirar! ― disse o capitão. ― Positivo!
Os sistemas de oxigênio de nossos capacetes fornecem ar em abundância para uma
viagem rápida! É claro que, se houver alguma oportunidade de remover os
capacetes, façam isso! Positivo! Assim o sistema poderá se recarregar, e vocês
terão mais oxigênio.
― Onde vamos encontrar uma
oportunidade de remover os capacetes em uma caverna submarina? ― perguntou
Klaus.
― Quem sabe? ― disse o
capitão Andarré. ― Positivo! Vocês
estarão em águas não cartografadas. Eu bem que gostaria de poder ir! Positivo!
Mas a furna ficou estreita demais!
― Hewenkella ― disse Sunny
. Sua voz soava abafada dentro do capacete, e foi difícil até para seus irmãos
entender o que ela dizia.
― Acho que minha irmã está
curiosa para saber como conseguiremos enxergar o caminho ― disse Violet. ― Há faroletes à prova d'água no Queequeg!
― Faroletes não vão
ajudá-los ― respondeu o capitão. ―
Positivo! É escuro demais! Positivo! Mas vocês não vão precisar enxergar o
caminho. Positivo! Se os cálculos de Klaus estão corretos, a maré vai
arrastá-los. Positivo! Não vão nem precisar nadar! Vão simplesmente ficar
sentados e se deixar levar direto ao açucareiro!
― Parece ser um jeito
bastante passivo de viajar ― disse Fiona.
― Positivo! ― concordou seu
padrasto. ― Parece mesmo! Mas não há
outra solução! E não devemos vacilar! ―
Ele parou e apontou para sua placa.
― Aquele ou aquela que vacila está perdido! ― lembrou ele.
― É meio difícil não
vacilar ― disse Violet, ― antes de fazer
uma coisa assim. ―
― Não é tarde demais para
tirar a sorte! ― disse o capitão. ―
Positivo! Vocês não precisam ir todos juntos!
― Nós três preferimos não
ser separados ― disse Klaus. ― Já
tivemos problemas demais por causa disso.
― Acho que vocês já tiveram
problemas demais, qualquer que seja o caso! ― disse o capitão. ― Positivo!
― Os Baudelaire estão
certos, padrasto ― disse Fiona. ― Assim
faz muito mais sentido. Nós podemos precisar da perícia mecânica de Violet ou
dos conhecimentos de Klaus sobre cartas náuticas. E o tamanho de Sunny pode ser
ideal se a furna ficar ainda mais estreita.
― Ulp ― disse Sunny , o que
queria dizer algo como: ‘’Não gosto da
idéia de flutuar sozinha dentro de um capacete de mergulho’’.
― E você, Fiona? ―
perguntou o capitão. ― Positivo! Você
poderia ficar aqui comigo!
― Minhas habilidades também
podem ser necessárias ― disse Fiona mansamente, e os Baudelaire estremeceram,
tentando não pensar no My celium Medusóide e em seus esporos venenosos.
― Positivo! ― admitiu o
capitão Andarré, e alisou o bigode com um dedo enluvado. ― Bem, vou relatar
tudo isso a C.S.C.! Positivo! Todos vocês, os quatro voluntários, receberão menções
por bravura!
Os Baudelaire se entreolharam o melhor possível através das
janelinhas circulares. Uma menção por bravura nada mais é que um pedaço de
papel declarando que você foi corajoso em alguma ocasião e, ao que se sabe,
tais citações não foram de grande utilidade em confrontos perigosos, seja no
fundo — debaixo d'água —, seja, como os Baudelaire viriam a saber mais tarde,
nas alturas — em plena atmosfera. Qualquer um pode escrever uma menção por
bravura, e é sabido que até eu escrevo uma para mim de vez em quando, a fim de
manter meu moral elevado no meio de uma jornada traiçoeira. Os três irmãos
estavam mais interessados em sobreviver à viagem pela Gruta Gorgônea do que em
receber uma declaração escrita elogiando-os por sua coragem, mas sabiam que o
capitão Andarré estava tentando manter o moral deles elevado enquanto os levava
por um corredor até a sala em que encontraram pela primeira vez o capitão do
Queequeg.
― Para entrar na água ―
disse o capitão, ― vocês só têm de subir
por aquela mesma escada e dar um berro quando chegarem à escotilha. Depois, vou
ativar uma válvula aqui embaixo, para que o submarino não se encha de água
quando vocês a abrirem. E então, como eu disse, vocês simplesmente têm que se
deixar levar pela corrente. Deverão terminar no mesmo lugar que o açucareiro.
― E mesmo agora você não
vai querer nos contar por que o açucareiro é importante? ― Violet não pôde
deixar de perguntar.
― Não é o açucareiro ―
disse o capitão Andarré, ― é o que está
dentro dele. Positivo! E já falei demais! Positivo! Há segredos neste mundo que
são terríveis demais para que gente jovem os conheça! Pensem só nisto: se vocês
soubessem a respeito do açucareiro e, de algum modo, caíssem nas garras do
conde Olaf, é impossível dizer o que ele faria! Positivo!
― Mas vejam pelo lado bom ―
salientou Phil. ― Quaisquer que sejam as
coisas horríveis que podem estar à espreita naquela caverna, vocês não
encontrarão o conde Olaf. Não há como aquele submarino-polvo caber lá dentro!
― Positivo! ― concordou o
capitão. ― Mas vamos ficar vigiando pelo
sonar, só por garantia! Vigiaremos vocês também! Positivo! Estaremos bem aqui,
vigilantes! Os sistemas de oxigênio de seus capacetes produzem ruído suficiente
para vocês aparecerem como pontinhos na tela! Agora vão! Boa sorte!
― Vamos ficar torcendo por
vocês! ― disse Phil.
Os adultos deram um tapinha no capacete de cada criança e, sem
mais vacilações, os Baudelaire partiram com Fiona, subindo a escada até a
escotilha pela qual tinham entrado a bordo. Os quatro voluntários fizeram a
escalada em silêncio, até que Violet estendeu uma das mãos para cima — a outra
segurava o capacete de Sunny — e agarrou a alavanca que abria a escotilha.
― Estamos prontos! ― gritou
ela para baixo, muito embora não se sentisse nem um pouco pronta.
― Positivo! ― replicou a
voz do capitão. ― Estou ativando a
válvula agora! Aguardem cinco segundos e então abram a escotilha! Positivo! Mas
não vacilem! Positivo! Aquele que vacila está perdido! Positivo! Ou aquela!
Positivo! Boa sorte! Positivo! Boa ventura! Positivo! Boa viagem! Positivo!
Adeusinho!
Ouviu-se um som metálico distante, presumivelmente o som da
válvula ativada, e as quatro crianças aguardaram cinco segundos, assim como
você mesmo pode querer aguardar alguns segundos para que todos os pensamentos
sobre os apuros dos Baudelaire desapareçam de sua imaginação, para que você não
desande a chorar enquanto estuda alguns fatos maçantes sobre o ciclo das águas.
Relembrando, o ciclo das águas consiste em três fenômenos-chave — evaporação,
precipitação e acumulação — que são todos maçantes e, assim, menos
perturbadores se comparados ao que aconteceu aos Baudelaire quando Violet abriu
a escotilha e as águas gélidas e escuras do mar jorraram para dentro da
passagem. Se você fosse ler o que lhes aconteceu nos momentos seguintes, não
iria conseguir dormir de tanto chorar no travesseiro ao figurar as crianças totalmente
sozinhas naquela furna funesta, flutuando aos poucos para o fundo da caverna;
por outro lado, se resolvesse ler sobre o ciclo das águas, você não iria conseguir
ficar acordado, pois a descrição do processo pelo qual a água é distribuída por
todo o mundo é bastante maçante. E assim, como cortesia a você, continuarei
este livro de um jeito que seja melhor para todos os envolvidos.
O ciclo das águas consiste em três fenômenos — evaporação,
precipitação e acumulação — que são os três fenômenos que compõem aquilo que é
conhecido como ‘’o ciclo das águas’’. Evaporação, o primeiro dos três
fenômenos, é o processo pelo qual a água se transforma em vapor para formar
nuvens, como aquelas que são vistas em céus nublados, ou em dias nublados, ou
até mesmo em noites nubladas. Essas nuvens são formadas por um fenômeno
conhecido como ‘’evaporação’’ que é o primeiro dos três fenômenos que
constituem o ciclo das águas. Evaporação, o primeiro desses três, é
simplesmente um termo aplicado a um processo pelo qual a água se transforma em
vapor para formar nuvens. As nuvens podem ser reconhecidas por sua aparência, e
costumam ser vistas em dias nublados ou em noites nubladas, quando figuram em
céus nublados. O nome do processo pelo qual as nuvens são formadas — pela água,
que se transforma em vapor e se torna parte da formação conhecida como ‘’nuvem’’ — é ‘’evaporação’’ o primeiro dos
três fenômenos que constituem o ciclo da água, também conhecido como ‘’o ciclo das águas’’ e com certeza a esta
altura você já deve estar dormindo e portanto pode ser poupado dos
horripilantes detalhes da jornada dos Baudelaire. No instante em que Violet
abriu a escotilha, a passagem foi inundada pela água, e as crianças flutuaram
para fora do submarino e para dentro do negrume da Gruta Gorgônea. Os
Baudelaire sabiam, é claro, que o Queequeg entrara em uma caverna submarina,
mas eles ainda estavam despreparados para a escuridão e o frio lá de dentro. A
luz do sol não atingia as águas da gruta havia um bom tempo — desde a época em
que a Aquáticos Anwhistle estava em plena atividade, uma expressão que aqui
significa ‘’ainda não destruída sob circunstâncias suspeitas’’ —, e a água
parecia uma enregelante luva negra que envolvia as crianças com seus dedos
gélidos. Como Klaus previra depois de estudar as cartas náuticas, as correntes
da caverna arrastaram os jovens para longe do submarino, mas na escuridão era
impossível ver quão depressa e quão longe estavam indo. Em pouco tempo os
quatro voluntários perderam o Queequeg de vista e, depois, um ao outro. Se a
gruta estivesse equipada com algum tipo de sistema de iluminação, como outrora,
as crianças poderiam ter visto algumas coisas. Poderiam ter notado o mosaico no
chão da gruta — milhares e milhares de ladrilhos coloridos, retratando nobres
eventos da história remota de uma organização secreta, e retratos de famosos
escritores, cientistas, artistas, músicos, filósofos e chefes de cozinha que
inspiraram os membros da organização. Poderiam ter visto uma enorme e
enferrujada máquina de bombear, que era capaz de drenar a gruta inteira, ou
inundá-la de volta com água do mar em questão de minutos. Poderiam ter olhado
para cima e visto os ângulos agudos de diversos Corredores Sub-reptícios de
Chamas que levavam para cima, bem como outras passagens secretas que outrora
iam até lá em cima, na central de pesquisas marinhas e serviços de
aconselhamento retórico, ou poderiam ter visto a pessoa que estava usando uma
das passagens agora, e provavelmente pela última vez, enquanto seguia seu
difícil e escuro caminho para o Queequeg. Mas em vez disso, tudo o que as
crianças conseguiam ver através de suas janelinhas circulares eram trevas. Os
Baudelaire já tinham visto trevas antes, é claro — trevas em passagens e túneis
secretos, trevas em edifícios abandonados e ruas desertas, trevas nos olhos de
pessoas perversas, e até trevas em outras cavernas. Mas nunca antes se sentiram
tão completamente no escuro como agora. Eles não sabiam onde estavam, embora
Violet tivesse sentido, muito de leve, seus pés roçarem alguma coisa muito
lisa, como um ladrilho firmemente assentado no chão. Eles não tinham como saber
para onde estavam indo, embora Klaus suspeitasse que seu corpo tinha sido
virado pela corrente e agora estava viajando de cabeça para baixo. E eles não
tinham como saber quando iriam chegar, embora Sunny visse, através de seu capacete
de mergulho, um pequeno ponto de luz, muito parecido com os pontinhos que eram,
segundo dissera o capitão Andarré, como eles quatro iriam aparecer na tela do
sonar do submarino.
Os Baudelaire se deixaram levar juntos em um tenebroso e
enregelante silêncio, assustados, confusos e solitários, e, quando a jornada
finalmente terminou, foi tão repentino que eles tiveram a sensação de ter caído
em sono profundo, muito profundo, tão profundo e escuro quanto a própria
caverna, e de agora estar sendo sacudidos para acordar. De início, a impressão
foi que um barril de vidro quebrado tinha sido despejado em cima das crianças,
mas depois elas perceberam que flutuaram para a superfície da água e, num só
movimento fluido em espiral, a maré os empurrara para cima de alguma coisa que
parecia uma praia, e os três irmãos viram-se rastejando por um aclive de areia
escura e molhada.
― Klaus? ― chamou Violet
através do capacete. ― Você está aí? O
que aconteceu?
― Não sei ― respondeu
Klaus. Ele podia apenas distinguir a irmã rastejando a seu lado.
― Nós não podemos ter
chegado à superfície do mar. Estamos muito, muito fundo. Sunny está com você?
― Sim ― disse Sunny de
dentro do seu capacete. ― Fiona?
― Estou aqui ― veio a voz
da micetologista. ― Mas onde estamos? Como
podemos ainda estar abaixo da superfície do mar, se não há água à nossa volta?
― Não tenho certeza ― disse
Klaus, ― mas tem de ser possível.
Afinal, um submarino pode ficar abaixo da superfície e continuar seco.
― Será que estamos em outro
submarino? ― perguntou Violet.
― Seinão ― disse Sunny, e
franziu o cenho dentro de seu capacete.
― Olhem!
Os Baudelaire mais velhos olharam, embora tenham levado alguns
momentos até entender o que Sunny estava falando, já que não podiam ver em que
direção a irmã apontava. Porém, um momento depois eles viram duas luzinhas a
uma curta distância do lugar onde rastejavam. Vacilantes, levantaram-se — com exceção
de Sunny , que continuou enroscada dentro de seu capacete — e viram que as
luzes vinham de um lugar de onde muitas luzes costumam vir: lâmpadas.
Perto dali, em pé contra a parede, havia três abajures altos, cada
qual com uma letra na cúpula. O primeiro abajur tinha um grande C, e o segundo
tinha um S. A terceira lâmpada tinha queimado e estava muito escuro para ler o
que estava escrito na cúpula, mas as crianças sabiam, naturalmente, que ali
deveria haver um segundo C.
― Que lugar é este? ―
perguntou Fiona, mas quando as crianças chegaram um pouco mais perto, puderam
ver que tipo de lugar era aquele.
Como haviam suspeitado, as correntes da Gruta Gorgônea as tinham
arrastado para uma praia, mas era uma praia encerrada dentro de uma sala
estreita. No topo do aclive de areia, os jovens percorreram com os olhos aquela
sala pequena, mal iluminada, com paredes lisas de ladrilhos que pareciam úmidos
e escorregadios, e um chão de areia coberto por uma variedade de pequenos objetos,
alguns empilhados, outros semi-enterrados na areia. As crianças podiam ver
garrafas, algumas ainda com rolhas e tampas, e algumas latas ainda intactas.
Havia uns poucos livros, as páginas molhadas como se tivessem sido
encharcadas, e algumas caixas pequenas que pareciam trancadas. Havia um patim
virado de ponta-cabeça e um baralho dividido em duas pilhas, como se alguém
estivesse prestes a embaralhá-las. Aqui e ali havia algumas canetas projetando-se
da areia como espinhos de ouriço, e muitos objetos mais que as crianças não
conseguiram identificar na penumbra.
― Onde estamos? ― perguntou
Fiona. ― Por que este lugar não está
cheio d'água?
Klaus olhou para cima, mas não pôde ver nada além de uns poucos
metros.
― Isso deve ser algum tipo
de passagem ― disse ele, ― para cima,
até a terra seca — uma ilha, quem sabe, ou talvez faça uma curva até a costa.
― A Aquáticos Anwhistle ―
disse Violet, pensativa. ― Devemos estar
embaixo das ruínas.
― Oxi? ― perguntou Sunny, o
que queria dizer: ‘’Isso significa que agora podemos respirar sem os capacetes?’’.
― Acho que sim ― disse
Klaus, e então removeu cuidadosamente seu capacete, um ato pelo qual eu lhe
teria dado uma menção por bravura. ― Sim
― disse ele.
― Podemos respirar. É melhor
todo mundo tirar os capacetes — assim nossos sistemas de oxigênio poderão se
recarregar.
― Mas o que é este lugar? ―
Fiona perguntou de novo, removendo seu capacete. ― Por que alguém construiria
uma sala aqui embaixo?
― Parece que foi abandonada
― disse Violet. ― Está cheia de tralha.
― Alguém deve vir trocar as
lâmpadas ― lembrou Klaus. ― Além disso,
toda essa tralha foi trazida até aqui pela maré, como nós.
― E açucareiro ― disse
Sunny.
― É claro ― disse Fiona,
olhando para os objetos na areia. ― Ele
deve estar por aqui, em algum lugar.
― Vamos achá-lo e dar o
fora ― disse Violet. ― Não gosto deste
lugar. ―
― Missão ― disse Sunny, o
que queria dizer: ‘’Uma vez encontrado o açucareiro, nossa tarefa estará
cumprida’’.
― Não exatamente ― disse
Klaus. ― Ainda teremos de retornar ao
Queequeg— contra a corrente, devo acrescentar. Procurar o açucareiro é apenas
meia batalha. ― Todos balançaram a cabeça concordando, e os quatro voluntários
se espalharam e começaram a examinar os objetos na areia. Dizer que alguma coisa
é meia batalha é como dizer que alguma coisa é meio sanduíche, porque é perigoso
anunciar que alguma coisa é meia batalha quando pode ser que a parte muito mais
difícil ainda esteja aguardando nos bastidores, uma expressão que aqui
significa ‘’mais perto de acontecer do que você gostaria’’. Você pode pensar que
aprender a ferver água é meia batalha, apenas para descobrir que fazer um ovo
poché é muito mais complicado do que você pensava. Você pode pensar que escalar
uma montanha é meia batalha, apenas para descobrir que os bodes monteses que
vivem no topo são atrozes criaturas fortemente armadas. E você pode pensar que
salvar um icnólogo raptado é meia batalha, apenas para descobrir que fazer um
ovo poché é muito mais complicado do que você supunha e que a batalha inteira
seria muito mais difícil e perigosa do que você jamais teria imaginado. Os
Baudelaire e sua amiga micetologista achavam que procurar o açucareiro era meia
batalha, mas lamento ter de contar que eles estavam errados, e você tem sorte
de ter adormecido lá atrás, durante minha descrição do ciclo das águas, pois
assim não vai ficar sabendo da outra metade da batalha dos Baudelaire e do
horrível veneno contra o qual tiveram de batalhar não muito tempo depois de sua
busca pela areia.
― Encontrei uma caixa de
elásticos ― disse Violet depois de alguns minutos, ― e uma maçaneta de porta, duas molas de
colchão, meia garrafa de vinagre e uma faca de descascar, mas nenhum açucareiro.
― Encontrei um brinco, uma
prancheta quebrada, um livro de poesia, meio grampeador e três mexedores de
coquetel ― disse Klaus, ― mas nenhum açucareiro.
― Três lata sopa ― disse
Sunny, ― pote manteiga amendoim, caixa
biscoito, pesto, wasabi, Io mein. Mas nonsucre.
― Isso é mais difícil do
que eu pensava ― disse Klaus. ― O que
você encontrou, Fiona?
Fiona não respondeu.
― Fiona? ― Klaus perguntou
de novo, e os Baudelaire se voltaram para olhá-la. Mas a micetologista não
estava olhando para eles. Olhava para além deles, e seus olhos estavam arregalados
de medo atrás dos óculos triangulares. ―
Fiona? ― disse Klaus, parecendo meio preocupado. ― O que você encontrou?
Fiona engoliu em seco e apontou atrás dele, mais abaixo no aclive
de areia.
― My celium ― disse afinal
em um sussurro velado, e os Baudelaire se voltaram e viram que ela falara a
verdade. Lá estavam, brotando na areia, rápida e silenciosamente, os talos e
píleos do My celium Medusóide, o fungo que Fiona descrevera no Queequeg. Os
fios invisíveis do micélio, de acordo com seu livro micetológico, alternam as
fases crescente e minguante, e estavam em minguante quando os voluntários foram
trazidos à praia, o que significava que os cogumelos estavam escondidos embaixo
da terra quando as crianças chegaram àquela estranha sala. Mas agora, com o
passar do tempo, eles estavam em crescente, brotando na praia por toda parte,
até junto às lisas paredes ladrilhadas. De início, apenas um punhado era
visível — cada qual de uma coloração cinzenta-escura, com manchas pretas nos
chapéus, como se tivessem sido salpicados com tinta —, e então mais, e mais,
qual uma multidão silenciosa e letal se reunindo na praia e encarando cegamente
as crianças aterrorizadas. Os cogumelos só se aventuravam até a metade do
aclive de areia, portanto parecia que o fungo venenoso não iria engolfá-las —
não ainda, pelo menos. Mas à medida que o micélio continuava em sua fase
crescente, cogumelos sinistros brotavam pela praia inteira, e até a minguante
os Baudelaire teriam de ficar apertados uns contra os outros na areia, à luz
dos abajures altos, encarando de volta a peçonhenta multidão micetológica. Mais
e mais cogumelos apareceram, abarrotando a estranha praia e amontoando-se uns
por cima dos outros como se estivessem se acotovelando para ter uma boa visão
das crianças apavoradas, presas numa arapuca. Procurar o açucareiro pode ter
sido meia batalha, mas agora os órfãos Baudelaire tinham caído na ratoeira, e
aquela metade era muito, muito mais preocupante.
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