Capítulo 9 - Por que Lemony Snicket está fugindo?



Senhora Duquesa Real,
O sino do desapontamento, lamento dizer, irá tocar. Comparecer a seu Baile de Máscaras é impossível. Eu adoraria comparecer ao baile, mas é improvável que meus inimigos cancelem seus planos — Baile de Máscaras, talvez, ou um Baile Normal, ou outro tipo de Baile — de me encontrar e me capturar, estejam todos usando máscaras ou não. Um desapontamento muito, muito, muito, muito, muito grande é o que sinto por recusar o seu convite; mas é perigoso demais. Eles procuram furiosamente pelos sobreviventes da coleção do Dr. Montgomery, mas imagine quão furiosamente procuram por mim. Então eu vou fugir. Vou me esconder.
Vou correr para esconderijos. Vou fazer tudo menos estar no Baile de Máscaras, embora muito me agradasse poder estar lá.
Talvez em uma próxima ocasião. Assim espero.
Respeitosamente
Lemony Snicket

P.S. Toquem, sinos do desapontamento!

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Caro Gênio,
Reunir informações sobre a coleção de répteis do Dr. Montgomery, como solicitou, é tão simples quanto encontrar uma agulha num palheiro, se exatamente em cima do local onde está a agulha houver uma seta em cores vibrantes indicando: "Agulha aqui!". Encontrar os répteis é tão difícil quanto cair de cima de uma tora, se a tora estiver tão grudenta que é praticamente impossível se descolar dela.
Como esta era a fase um da minha busca, adotei a Fase Um do Treinamento para Uso de Disfarces: Caracterização Singular de Cenhos. Como pode ver nas duas fotografias abaixo, mudei inteiramente de aparência antes de embarcar em minha missão.



Devidamente disfarçado, fui à minha biblioteca local, que estava decorada com um novo aviso assim:


Assobiando uma de minhas melodias favoritas, entrei no edifício e encontrei o bibliotecário, um homem idoso com o cabelo grisalho aparado com elegância e um bigode com as pontas viradas. Seu traje — camisa florida, gravata listrada, casaco de tweed e calças xadrezes — aparentava ter sido composto com peças de lojas diferentes ou arrematadas de alguma liquidação do tipo "salve-se quem puder". As únicas coisas que se salvavam eram os vincos das calças, perfeitos, e os sapatos engraxados. Quando lhe contei que estava procurando informações sobre os répteis da coleção do Dr. Montgomery, o velho, cujas costas eram muito retas, me saudou como se eu fosse um soldado e disse:
"Então, mocinha, você foi boazinha com a mamãe?"
"O quê?", retruquei.
"Deixe pra lá", disse ele depressa, e me levou para a Sala das Crianças onde, para meu assombro, havia um livro inteiro sobre a coleção do dr. Montgomery e as três crianças detestáveis que a visitaram. O livro se chama A Sala dos Répteis, e eu logo encontrei diversas passagens descrevendo a coleção:

Do capítulo dois:
Havia todo tipo de cobras, naturalmente, mas também lagartos, sapos e outros animais do gênero que as crianças nunca haviam visto antes, nem sequer em fotos ou no zoológico. Havia um sapo muito gordo com duas asas que saíam das costas, e um lagarto de duas cabeças com listras amarelas brilhantes na barriga. Havia uma cobra que tinha três bocas, uma em cima da outra, e uma cobra que parecia não ter boca nenhuma. No poleiro dentro da gaiola, um lagarto que se parecia com uma coruja, com olhos esgazeados voltados para as crianças, e um sapo que era igualzinho a uma igreja, sem faltar os olhos de vitral.

Do capítulo três:
... o Lagarto-Vaca do Alasca, criatura verde e alongada que produzia um leite delicioso. Eles conheceram o Sapo Dissonante, que sabia imitar a fala humana com uma voz rouca e áspera, como de cascalhos em atrito. Tio Monty [nota: não li o livro com muita atenção, mas o tio Monty parece ser um amigo chegado do Dr. Montgomery] ensinou-os a segurar o Tritão Tintureiro sem sujar os dedos com sua tinta preta, e mostrou como saber quando a irascível Píton estava de mau humor e era preferível deixá-la em paz. Ensinou-os a não dar água demais ao Sapo Barriga Verde, e preveniu-os de que nunca, em hipótese alguma, deveriam deixar que a Cobra-Lobo da Virgínia chegasse perto de uma máquina de escrever;

Do capítulo treze:
"Adeus! Adeus!", despediram-se os Baudelaire com acenos para os répteis do tio Monty. Ficaram ali juntos ao luar, e continuaram acenando, mesmo depois que Bruce fechou as portas do furgão, mesmo depois de o furgão ter passado pelos arbustos em forma de cobras e ter seguido a rampa até o Mau Caminho, mesmo depois de ter dobrado uma curva e desaparecer no escuro.
Infelizmente o livro termina logo depois, e o autor não diz o que aconteceu com os répteis do tio Monty depois que os répteis ficaram ali juntos ao luar e continuaram acenando. O autor não explica sequer como os répteis foram capazes de acenar — especialmente as cobras, que não têm mãos.
Eu estava pronto para embarcar na Fase Dois, e me disfarcei de acordo:


Devido à natureza de meu disfarce, tive de conduzir minha investigação em um estilo algo peregrino, melhor descrito no mapa a seguir.


(1) Me aproximei dessa suposta casa de culto para averiguar se realmente se tratava de "um sapo que era igualzinho a uma igreja, sem faltar os olhos de vitral", como descrito no Capítulo Dois. O prédio não se moveu — provando que, ou ele é realmente uma igreja, e não um sapo, ou o sapo é muito grande e tem um sono muito profundo.
(2) Ouvi por acaso uma voz rouca e áspera, como a do "Sapo Dissonante, que sabia imitar a fala humana com uma voz rouca e áspera, como de cascalhos em atrito", descrita no Capítulo Três. Me escondi atrás de uma árvore a fim de me disfarçar de vaca escondida atrás de uma árvore. A voz resmungava, ao que tudo indica, consigo mesma, sobre como era desagradável afogar alguém, porque ficava tudo molhado e ela não gostava disso. Concluí que não era um sapo, já que os sapos gostam de ficar molhados.
(3) Adoráveis flores silvestres localizadas aqui. Fiz uma pausa para cheirá-las.
(4) Observei uma cobra preta, possivelmente a Mamba do Mal, que parecia comunicar-se com diversos grilos. Sem querer, mugi e espantei todo mundo para longe.
(5) Avistei listras amarelas, como em "um lagarto de duas cabeças com listras amarelas e brilhantes na barriga", conforme descrito no Capítulo Dois. Descobri que as listras amarelas eram feitas com tinta, aplicada no centro do Mau Caminho para separar as mãos de trânsito.
(6) Bisbilhotei um piquenique. Uma criança contava à mãe que tinha visto um sapo gordo com duas asas saindo das costas, conforme descrito no Capítulo Dois. A mãe disse à criança para não ser boba. A criança disse à mãe que não era boba. A mãe disse à criança que é claro que era. A criança disse à mãe que não era. A mãe disse que era sim. A criança disse que não era não. A mãe disse que era sim. Fiquei entediado, e fui embora.
(7) Me aproximei de um casal casado que, aparentemente, era dono do Próspero, para perguntar se algum réptil subira a bordo do navio nos últimos tempos. O casal, assustado com a vaca falante, se recusou a participar.
(8) Avistei placas que indicavam uma fazenda de laticínios ali perto. Não me aproximei por medo de ser ordenhado.
Respeitosamente,




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