Carta n°10
BEATRICE BAUDELAIRE
Na metade do caminho, apesar dos dias de temor
Querido
senhor,
Se você está em seu escritório --- e tenho esperança que esteja,
porque posso ouvir alguém abaixo de mim pelo rangido do assoalho--- poderia
simplesmente passar pela porta, atravessar o corredor rumo à escadaria a leste,
subir depressa os degraus, atravessar o outro corredor e bater diretamente na
porta do escritório acima do seu. Me encontrarias aqui, datilografando em minha
máquina de escrever. Mas você não vem.
Em
primeiro lugar, você não tem um bom senso de direção e não poderá saber em que
ponto é o leste. Segundo, você claramente não quer falar comigo.
Violet me falou uma vez
que eu salvei a vida dela, e Klaus reivindicou que sem mim ele teria perecido
em desespero depois da destruição do Hotel Desenlace.
Até mesmo Sunny disse que não poderia ter sobrevivido sem mim. Mas não preciso
lhe falar o quão valentes e diligentes, o quão leais e lidas são essas três
pessoas. É que eu estaria perdida sem eles. Sem o trabalho de emergência de
Violet, eu nunca teria achado um modo de ir até a cidade procurar por você. Sem
as anotações de Klaus quando eu estava escalando a montanha, eu nunca teria
deixado a cidade para procurar por você novamente. Sem o extenso conhecimento
culinário de Sunny de fazer bolinhos de flores silvestres e ervas daninhas, eu
nunca teria encontrado a força para retornar mais uma vez, primeiro por iaque,
então a pé, e depois de iaque e a pé, dando voltas atrás da cidade na esperança
de finalmente conhecê-lo cara-a-cara. E sem as histórias que os três irmãos me
contaram sobre suas dificuldades --- as quais, em alguns casos, diferem
bastante dos seus relatos --- eu nunca teria achado a escola de
secretários, onde escrevi a minha carta anterior a você. Aquilo não é uma
escola de secretários, é claro --- não realmente --- mas tive que me sentar por
aquela carta empresarial tediosa que escrevi na classe para eles acreditarem no
nome que eu dei ao vice diretor em minha chegada.
Sem
Violet, Klaus e Sunny eu nunca teria continuado meus estudos com os poucos
voluntários que restaram, e me tornado a baticeer que sou hoje. Devo a minha
vida a eles, e agora nós estamos separados, e não descansarei até os achar
novamente.
Eu
me estabeleci aqui, no escritório acima do seu. Em alguns momentos perfurei um
pequeno buraco no chão com a ferramenta de metal pontiaguda que minha última
instrutora me deu, antes que ela mesma tivesse que ir para as colinas à procura
de outros órfãos e escapar de outros inimigos. Você mesmo deve ter um item
semelhante --- na verdade todos nós, esperançosamente, ganhamos um ou dois
itens úteis antes que nossos instrutores desapareçam e nos deixem sozinhos no
mundo. Vou colocar este pedaço de papel em um tubo minúsculo e deixar que ele
caia de minhas mãos pelo buraco. De acordo com meus cálculos, ele deve passar
fora das lâminas do ventilador de teto e se abrir no ar, caindo suavemente
sobre a superfície da sua escrivaninha como um morcego depois de uma longa
noite de caçadas.
Por
favor me contate a qualquer hora, dia ou noite, de preferência de dia. Não
posso imaginar porque alguém tão nobre quanto você --- assumindo, mais uma vez,
que você é o homem que eu penso que é --- não conheça alguém que quer tanto
falar com você. Por favor senhor, eu lhe imploro que simplesmente passe pela
porta, atravesse o corredor rumo à escadaria a leste, suba depressa os degraus
e bata diretamente na porta do escritório acima do seu, e desate o "My
silence knot" (meu nó silencioso).
Beatrice Baudelaire.
A Ferramenta de Metal
As cartas parecem alternar entre a Baudelaire Mãe e Beatrice sobrinha do Lemony
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