Introdução

Introdução por Daniel Handler

NA POSIÇÃO DE REPRESENTANTE OFICIAL DE Lemony Snicket para todos os assuntos legais, literários e sociais, muitas vezes sou solicitado a responder perguntas difíceis, mesmo quando estou com pressa. As perguntas que tenho ouvido com mais frequência nos últimos tempos são:
1. Quer fazer o favor de sair do meu caminho?
2. De onde veio Lemony Snicket: autobiografia não autorizada, de Lemony Snicket?

As respostas a essas perguntas são histórias muito longas, e só há espaço aqui para responder a uma delas. A origem da Autobiografia não autorizada é um tanto quanto críptica — uma palavra que aqui significa "enigmática" —, mas a história começa com uma carta que recebi recentemente dos editores deste livro.

Caro Sr. Handler, começava a carta,
Entramos em contato com o senhor, representante oficial de Lemony Snicket para todos os assuntos legais, literários e sociais, em razão de um assunto muito enigmático — uma palavra que aqui significa "misterioso" — que capturou nossa atenção. Tudo começou há não muito tempo em nossa sede. Como o senhor talvez possa se lembrar, nossa sede está localizada em um alto e imponente edifício, com um amplo e imponente saguão onde um imponente porteiro de meia-idade, que usa um casaco de tamanho exagerado para ele, fica em pé à entrada, para encaminhar os visitantes ao elevador. Naquele dia em particular, o porteiro de plantão era um homem que por vinte e sete anos vinha mantendo um diário acurado, onde anotava cada detalhe de sua vida com caneta esferográfica ou, na falta dela, já que não havia papelaria por perto, com um pedacinho de carvão. Ele escolhera trabalhar no saguão do edifício onde ficava nossa sede na esperança de que publicássemos seu diário. Sempre que pessoas da editora entravam no edifício, o porteiro as saudava com um sorriso e um aperto de mão, e então enfiava furtivamente entre as mãos do interlocutor algumas páginas de seu diário, esperando que fossem lidas, e que, de porteiro, fizessem-no autor.
Certa manhã olhei para as folhas amarrotadas e sujas de carvão que ele me dera, e uma palavra me chamou a atenção:

SNICKET

Como você pode imaginar, todos nós da editora estávamos bastante preocupados com Lemony Snicket desde que seu obituário fora publicado n'O Pundonor Diário. É claro que só porque você lê alguma coisa impressa em uma página, isso não significa que ela seja verdadeira, mas ainda assim estávamos aguardando alguma notícia sobre Lemony Snicket e seu trabalho no caso Baudelaire, portanto imediatamente desamassei as folhas do diário e as li, enquanto o elevador me levava até o escritório.
Querido Pecuário, começava o diário, continuou a carta,
Hoje foi um dia muito frio e pungente, tão frio e pungente quanto uma taça de chocolate quente, se à taça de chocolate quente tivessem acrescentado vinagre, e se ela tivesse sido posta na geladeira por várias horas. Fora o tempo, o dia estava tão normal quanto um bando de focas aladas passeando de monociclo, se você mora em algum lugar onde isso é normal, até que uma pessoa misteriosa — uma palavra que aqui significa "arcana" — entrou pela porta giratória.
A pessoa misteriosa era uma mulher, pelo menos tão alta quanto uma cadeira pequena e provavelmente tão velha quanto alguém que frequentou a escola maternal muitos anos atrás. Estava totalmente vestida com peças de vestuário, e nada trazia nos pés a não ser um par de meias e sapatos. Ela lançou um olhar desesperado pelo saguão do edifício, que estava tão vazio quanto uma colmeia depois que as abelhas foram expulsas de lá, e então jogou um maço de papel nas minhas mãos e começou a falar numa voz que me lembrava nitidamente a voz dela.
A mulher explicou que os papéis lhe tinham sido entregues por um estranho, que contou a ela a seguinte história:
Em um dia muito frio, não faz muito tempo, um cavalheiro idoso conhecido meu me levou para jantar em um clube localizado em uma parte da cidade de que eu nunca ouvira falar. O cavalheiro idoso conhecido meu tinha sido membro do clube na época em que morou na cidade, por isso era sempre bem-vindo toda vez que fazia uma visita. O clube ficava em uma enorme e imponente mansão, pintada de verde e decorada com uma grande e imponente insígnia entalhada na porta.
Não vai adiantar nada tentar descrever a insígnia — minhas habilidades redacionais são, em minha humilde opinião, simplesmente lamentáveis —, portanto tentarei reproduzi-la nesta página:


O jantar foi delicioso, e o cavalheiro idoso conhecido meu parecia estar na melhor das disposições, muito embora me lançasse, de quando em quando, um sorrisinho furtivo, como se estivesse guardando algum rocambolesco — uma palavra que aqui significa "enredado" — segredo para a sobremesa. A sobremesa, no entanto, não era um rocambolesco segredo, mas um pudim rocambolesco.
Depois do pudim, eu e o cavalheiro idoso conhecido meu nos retiramos para uma enorme e imponente sala de estar para saborear um licor, e o sorriso furtivo retornou ao seu rosto quando alguns cavalheiros idosos, que não eram conhecidos meus, juntaram-se a nós, claramente para algum tipo de reunião. Como eu não era membro do clube, me ofereci para sair, mas o cavalheiro idoso conhecido meu argumentou que a reunião poderia me interessar muito, por isso fiquei. Sem qualquer explicação, um dos cavalheiros idosos que não eram conhecidos meus tirou um maço de pergaminhos amarelados, amarrado com barbante, das dobras do sobretudo. Esse maço era ainda menos conhecido meu do que qualquer um dos cavalheiros idosos que não eram conhecidos meus, então aproximei minha cadeira para examiná-lo melhor e travar com ele algum conhecimento. O sorriso furtivo desapareceu do rosto do homem e, com alguma dificuldade, seus dedos, junto com a mão, é claro, desataram o barbante, e depois que o cavalheiro pigarreou e percorreu rapidamente com os olhos o grupo ali reunido, ele começou a falar, muito embora eu não tenha sido capaz de adivinhar se estava lendo a primeira página do manuscrito ou simplesmente falando conosco. Ele disse:
"Membros do clube, honoráveis convidados e qualquer duquesa disfarçada que por acaso esteja aqui presente: hesito em contar-lhes a história de como este pacote de informações concernentes ao Sr.

SNICKET

veio parar em minhas mãos. Todos sabem que um dos meios mais fáceis de despistar seus inimigos é inventar uma longa e mentirosa história sobre como alguma coisa chegou às suas mãos, passada por um desconhecido misterioso, ou como, tendo perdido aquela coisa, você recebeu uma carta, ou uma mensagem escrita em letra de mão ilegível, por meio de um aperto de mão. Assim, não vou lhes contar a seguinte história: Minha tia, que ou é uma mulher chamada Julie Blattberg, ou alguém cujo nome estou fazendo de conta que é Julie Blattberg, me deu uma pequena chave que destrancava uma caixa, que continha uma chave, que por sua vez destrancava uma outra caixa que continha as informações que constituem este livro, e me fez jurar que jamais permitiria que chegasse ao público, nem mesmo aos membros de algum abstruso — uma palavra que aqui significa críptico — clube privado, mesmo sendo eles associados dignos de confiança, que saboreiam um licor após o jantar..." Isso me lembra, continuava a carta, que eu também gostaria de tomar um licor. Por favor, me dêem licença um momento. Obrigado. Como estava dizendo, se eu fosse contar a vocês que a minha tia me fez prometer só entregar este pacote à minha sobrinha ou ao meu sobrinho — só que eu não tenho sobrinha nem sobrinho, e não acho que algum dia terei, considerando as erupções cutâneas do meu irmão —, não esperaria que vocês acreditassem, portanto não lhes oferecerei absolutamente nenhum tipo de introdução a esta autobiografia, a não ser por estas três afirmações:
1. Este livro não aparenta ser uma falsificação, o que não quer dizer que a história seja verdadeira — somente que é contada com rigor.
2. Que este livro procede do Sr. Snicket é fato inquestionável, o que não quer dizer que não seja questionado por algumas pessoas.
3. O livro é mais ou menos dividido em treze partes, cada qual com uma pergunta como título. Não se sabe ao certo se foi dividido pelo próprio Sr. Snicket ou por algum outro membro do grupo, embora o Sr. Snicket raramente freqüente grupos. As treze perguntas são as seguintes:


Nota do Editor:
Os treze capítulos de Lemony Snicket: Autobiografia Não Autorizada podem ser lidos em qualquer ordem.

Outra nota do Editor:
Algumas fotografias deste livro foram tiradas por Julie Blattberg.




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