Capítulo 13

Meu voo estava programado para as sete e meia. Eu saí da reunião de funcionários mais cedo para poder fazer minha mala, e depois tentei não deixar que pensamentos sobre Trenton se esgueirassem para a minha mente enquanto eu dirigia meu Smurf em direção ao aeroporto. Olhei para a minha mão esquerda, que estava apoiada no volante. Nas juntas dos meus dedos lia-se DOLL. T.J. não iria aprovar minha tatuagem e eu pedia a Deus para que ele não perguntasse por que eu tinha escolhido essa palavra.
Do estacionamento peguei um transporte, para levar-me até o local do check-in, que demorou uma eternidade para chegar. Eu odiava fazer tudo correndo, mas T.J. tinha me conseguido uma reserva no último voo que saia, e não importa o que, eu iria entrar naquele avião. Eu precisava saber se não estava apenas deixando de amar TJ por causa da distância.
Eu estava na longa fila do check-in quando ouvi meu nome sendo chamado do outro lado da sala. Virei-me para ver Trenton correndo a toda velocidade em minha direção. Um agente da TSA deu um passo, mas quando Trenton parou ao meu lado, ele relaxou.
 ― Que diabos você está fazendo? ― Ele me perguntou, com o peito arfando e colocando suas mãos nos quadris. Ele estava vestindo shorts de basquete vermelho, uma camiseta branca e um boné vermelho desgastado de baseboll da Sig Tau.
Meu estômago se agitou ao vê-lo, mais porque eu me senti sendo pega do que lisonjeada.
 ― Que diabos você está fazendo? ― Eu disse, olhando em volta para todas as pessoas olhando para nós.
 ― Você disse que nos veríamos amanhã, e agora você está embarcando na porra de um avião?
Uma mulher na fila mais à frente me olhou e cobriu as orelhas de sua jovem filha.
 ― Desculpe, ― disse Trenton.
A fila se moveu para frente, me movi com ela e Trenton se moveu também.
 ― Foi meio que de última hora. ―
 ― Você vai para a Califórnia, não é? ― Ele perguntou, parecendo ferido.
Eu não respondi.
Demos alguns passos.
 ― Por que eu a beijei? ― ele me perguntou, desta vez com voz mais alta.
 ― Ele reservou o bilhete, Trent. Eu deveria ter dito que não iria?
 ― Sim, você devia ter dito que não! Ele não se preocupou em vê-la em mais de três meses, e, de repente, ele reserva um bilhete? Vamos lá! ― Disse ele, deixando sua mão cair sobre a coxa.
 ― Trent, ― eu disse calmamente: ― vá para casa. Isso é constrangedor. ― A fila avançou novamente, e eu dei mais alguns passos.
Trenton avançou até que ele estivesse ao meu lado.
 ― Não entre naquele avião. ― Ele disse estas palavras sem emoção, mas seus olhos estavam me implorando.
Eu ri disto, tentando de alguma forma deixar esta situação mais leve.
 ― Eu vou estar de volta em poucos dias. Você age como se nunca mais fosse me ver de novo.
 ― Vai ser diferente quando você voltar. Você sabe que vai.
 ― Por favor, pare, ― eu implorei, olhando ao redor. A fila se moveu novamente.
Trenton estendeu as mãos.
 ― Apenas... dê a isso alguns dias.
 ― Dê a que alguns dias?
Ele tirou o boné e coçou o topo de sua cabeça, enquanto ele pensava. A expressão desesperada em seu rosto me fez engolir um soluço. Eu queria abraçá-lo e dizer-lhe que estava tudo bem, mas como eu poderia consolá-lo, quando eu era o motivo pelo qual ele estava sofrendo?
Trenton devolveu o boné para sua cabeça, puxando-o para baixo sobre seus olhos em frustração. Ele suspirou.
 ― Jesus Cristo, Cami, por favor. Eu não posso fazer isso. Eu não posso estar aqui, pensando em você lá com ele.
A fila avançou novamente. Eu era a próxima.
 ― Por favor? ― ele pediu, com um sorriso nervoso desta vez. ― Eu estou apaixonado por você.
 ― Próximo, ― disse o agente do TSA, fazendo sinal para que eu me aproximasse do guichê.
Após uma longa pausa, eu me encolhi com as palavras que estava prestes a dizer.
 ― Se você soubesse o que eu sei... você não estaria.
Ele balançou a cabeça.
 ― Eu não quero saber. Eu só quero você.
 ― Nós somos apenas amigos, Trent.
O rosto e os ombros de Trent desabaram.
 ― Próximo! ― Disse o agente novamente. Ele tinha ficado nos observando conversar, e não estava em um estado de espírito paciente.
 ― Eu tenho que ir. Vejo você quando eu voltar, ok?
Os olhos de Trent caíram por terra, e ele concordou.
 ― Sim. ― Ele começou a se afastar, mas se virou. ― Nós já não somos apenas amigos há algum tempo e você sabe disso. ― Ele virou as costas para mim e se foi. Entreguei o meu bilhete e documento de identidade para o agente.
 ― Você está bem? ― Perguntou o agente enquanto escrevia.
 ― Não, ― eu disse. Minha respiração estava ofegante e olhei para cima com meus olhos cheios de lágrimas. ― Eu sou uma grande idiota.
O agente assentiu e fez um sinal para eu seguir em frente.
 ― Próximo, ― ele falou para a pessoa atrás de mim.

***

Eu não queria me mover, apenas no caso de que isso fosse um sonho. Quando era criança fui percebendo, ao longo das diversas visitas que fiz à casa de meus amigos, que os outros pais não eram como os meus e que muitas famílias eram muito mais felizes do que a minha. Quando me dei conta disto, comecei a sonhar em me mudar e viver por minha conta, se por nada mais, apenas para ter um pouco de paz. Mas, mesmo na fase adulta minha vida mais parecia com uma fonte de desapontamentos constantes do que com uma aventura, por isso só para ter certeza de que este momento de felicidade não era alguma sacanagem, eu continuei ali parada.
Esta impecável e minimalista casa na cidade era exatamente onde eu queria estar: vestindo nada além de um sorriso satisfeito e emaranhada em lençóis de algodão egípcio brancos, no meio da cama king-size de T.J. Ele estaria deitado ao meu lado, respirando suave e profundamente pelo nariz. Ele teria que acordar em poucos minutos para ficar pronto para o trabalho, e eu teria uma boa vista de seu traseiro firme quando ele se arrastasse para fora da cama. Isso, obviamente, não era o problema. As seguintes oito horas, sozinha com meus próprios pensamentos transformaram esta sensação de nirvana em puro estresse.
Uma infinidade de dúvidas havia tomado minha mente durante o voo, fazendo-me perguntar se esta vez seria a última. Meses de nervosismo continuaram se acumulando até o momento em que eu o vi na esteira de bagagens, e então eu vi seu sorriso. O mesmo sorriso que me fez deitar ali com ele e sentir que parecia o tipo certo de errado.
Talvez, se eu pudesse servir o café na cama para celebrar nossas primeiras doze horas juntos em meses? Talvez não. Aquilo era eu tentando muito duro de novo, e eu estava farta de ser aquela garota. Eu nunca mais seria aquela garota novamente. Raegan havia dito exatamente isso enquanto eu furiosamente fazia as malas na noite anterior: O que aconteceu com você, Cam? Você costumava irradiar confiança. Agora você está como um filhote de cachorro chicoteado. Se T.J. não é confiante, você não pode controlar isso, então, de qualquer maneira, você também pode muito bem parar de se preocupar com isso.
Eu não sabia o que aconteceu entre aquela menina incrivelmente confiante que eu era com a de agora. Na verdade, sim, eu sabia. T.J. entrou na minha vida, e eu passei os últimos seis meses tentando merecê-lo. Bem, metade desse tempo de qualquer maneira. A outra metade passei fazendo o oposto.
T.J. virou a cabeça e beijou minha testa.
 ― Bom dia.
Que tal eu correr até a esquina e pegar o café da manhã? ― ele disse.
 ― Isso soa incrível, na verdade, ― eu disse, beijando seu peito nu.
T.J. suavemente puxou seu braço de debaixo de mim e se sentou se espreguiçando por alguns momentos, antes de se levantar e me dar à visão que andei fantasiando por mais de três meses.
Ele colocou os jeans que estavam dobrados sobre a cadeira e pegou uma camiseta do armário.
 ― Qualquer coisa mais que bagel e cream cheese?
 ― Suco de laranja, por favor.
Ele colocou seus tênis e pegou suas chaves.
 ― Sim, senhora. Já volto, ― ele gritou, antes de fechar a porta atrás dele.
Obviamente, eu não me sentia indigna dele porque T.J. era um idiota. Era o oposto. Quando alguém incrível como ele entra em seu bar e pede seu número, antes mesmo de obter uma única bebida, você trabalha muito para mantê-lo perto de você.
Em algum momento ao longo do caminho, eu havia me esquecido de como eu havia conseguido prende-lo em primeiro lugar e, depois, me esqueci dele completamente.
Mas, no momento em que T.J. passou os braços em volta de mim na esteira de bagagem, eu imediatamente comparei a maneira como ele me abraçou com a forma como Trenton havia me abraçado. Quando T.J. colocou seus lábios sobre os meus, sua boca era tão incrível quanto eu me lembrava, mas eu não senti que ele necessitava de mim do jeito que Trenton necessitava. Eu estava ciente de que eu estava flagrantemente fazendo comparações injustas e desnecessárias, e eu tentei não fazê-las até o momento que isso aconteceu, mas eu falhei – todas as vezes e em todos os níveis. Sendo justo ou não, Trenton era quem eu conhecia e T.J. tinha se tornado um desconhecido.
Dez minutos mais tarde, T.J. estava de volta, colocou o bagel no meu colo, e o suco de laranja na mesa de cabeceira e me beijou rapidamente.
 ― Eles te chamaram?
 ― Sim, reunião mais cedo. Eu não tenho certeza do que está acontecendo, então não tenho certeza de quando estarei voltando para casa.
Dei de ombros.
 ― Está tudo bem. Vejo você quando voltar.
Ele me beijou novamente e rapidamente se despiu, vestiu uma camisa branca e um terno cinza escuro, e colocou seus sapatos antes de correr para fora da porta com uma gravata na mão.
A porta bateu.
 ― Tchau, ― eu disse, sentada ali sozinha.
Deitei-me, olhando para o teto e roendo minhas unhas. Sua casa na cidade era tranquila. Nenhum colega de quarto, nenhum animal de estimação. Nem mesmo um peixinho.
Eu pensei sobre o fato de que Trenton provavelmente estaria sentado ao meu lado na namoradeira em casa, assistindo qualquer coisa comigo enquanto eu tagarelava sobre o trabalho, ou escola, ou ambos. Quão bom era apenas ter alguém que queria ficar perto de mim, de qualquer jeito. Em vez disso, eu estava olhando para um teto branco, notando o quão bem ele ficava contra as paredes de argila bege.
Bege era muito T.J. Ele estava seguro. Ele era estável. Mas qualquer coisa poderia parecer boa com uns poucos milhares de quilômetros de distância. Nós nunca brigamos, mas você não tem nada para brigar se você nunca está por perto um do outro. T.J. sabia de que tipo de bagel eu gostava, mas ele sabia que eu odeio comerciais, ou que estação de rádio costumo escutar, ou que a primeira coisa que faço quando chego em casa do trabalho é tirar meu sutiã? Ele sabia que o meu pai é um babaca perfeito, ou que meus irmãos eram cativantes e intoleráveis? Ele sabia que eu nunca arrumo minha cama? Porque Trenton sabia.
Ele sabia de tudo isso e me queria mesmo assim. Estendi a mão e verifiquei meu telefone. Um e-mail de Single in Your Area Now, mas era só isso. Trenton me odiava, e ele estava certo, porque ele me pediu para escolher, e eu não o escolhi. Agora eu estava deitada nua na cama de outro homem, pensando em Trenton.
Eu cobri meu rosto e xinguei as lágrimas quentes que estavam correndo através de minhas têmporas e pelos meus ouvidos. Eu queria estar aqui. Mas eu queria estar lá. Raegan me perguntou se eu alguma vez estive apaixonada por dois homens.
Eu não sabia naquele momento que eu já estava. Dois homens que não poderiam ser mais diferentes, e ainda assim eram tão parecidos. Ambos amáveis, e insuportáveis, mas por razões completamente diferentes.
Arrastando o lençol junto comigo, saí da cama e caminhei em torno da casa arrumada de T.J. Parecia encenado, como se ninguém realmente vivesse lá. Acho que na maior parte, ninguém morava mesmo. Alguns porta-retratos prateados estavam em cima de uma mesa estreita que estava contra a parede da sala de estar. Elas continham fotos em preto e branco de T.J. quando criança, com seus irmãos, seus pais, e uma dele e eu no cais durante a minha primeira visita.
A televisão era preta e o controle remoto estava perfeitamente em linha reta na extremidade. Eu me perguntei se ele tinha TV a cabo. Ele raramente tinha tempo livre o suficiente para ver TV. As revistas Men’s Health e Rolling Stone estavam em cima de mesa de centro de vidro espalhadas como um punhado de cartas. Eu peguei uma, folheei e, de repente, senti-me inquieta e entediada. Por que eu vim para cá? Para provar a mim mesma que eu amava T.J.? Ou que não o amava?
O sofá mal cedeu quando eu me sentei. Era cinza claro, de tweed, com debrum de couro marrom. O tecido fez minhas costas coçarem. Este espaço estava me causando uma sensação completamente diferente em relação a última vez que estive aqui. O cheiro almiscarado de limpeza já não era tão atraente. A vista das janelas amplas, com visão da baía, não era tão mágica; A marca de perfeição de TJ já não era tão hipnotizante. Apenas algumas semanas com Trenton tinham mudado tudo isso. De repente, estava tudo bem querer confusão, falhas, incerteza, tudo que tanto representava Trenton... tudo o que eu via em mim mesma e que eu pensava não gostar. Porque mesmo que estivéssemos lutando, nós tínhamos objetivos. Não importava que não estivéssemos lá ainda. O que importava é que ambos tínhamos experimentado reveses e fracassos propriamente ditos, mas nos levantamos, tomamos coragem, e continuamos lutando – e estávamos fazendo o melhor que podíamos. Trenton não fazia apenas as coisas se tornarem melhores; ele fazia com que o caminho para consegui-las fosse divertido. Ao invés de sentir vergonha de onde não estávamos, nós podíamos ficar orgulhos de onde estávamos indo e do que teríamos que superar para chegar lá.
Levantei-me e caminhei até as longas janelas, olhando para a rua lá embaixo. Trenton tinha descoberto o que eu estava fazendo, correu para o aeroporto, e me pediu para ficar. Se fosse eu do outro lado das cordas de segurança, será que eu o perdoaria? Pensar nele se sentindo rejeitado e sozinho em sua volta de carro para casa fez as lágrimas dos meus olhos arderem.
Enquanto eu estava na casa perfeita, do homem perfeito, deixei-me envolver nos lençóis em torno do meu corpo e deixei as lágrimas caírem, desejando estar com o artista tatuado magoado que eu tinha deixado para trás. Eu tinha passado toda minha infância sonhando com meu primeiro dia de liberdade. Passei a maior parte dos meus 18 anos sonhando com o dia de amanhã. Mas, pela primeira vez na minha vida, eu desejei que pudesse voltar no tempo.

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