Capítulo 11
O treinamento com os assassinos devia ter valido
a pena, pois Archer estava do outro lado da carruagem empunhando uma adaga oculta
entre os dois antes que Celaena conseguisse piscar.
— Por favor — sussurrou ele, o peito inflando e
esvaziando em intervalos irregulares. — Por favor, Laena. — Celaena abriu a boca,
pronta para explicar tudo, mas Archer arquejava, os olhos arregalados. — Posso pagar.
Uma pequena e miserável parte de Celaena estava
levemente orgulhosa diante da visão do cortesão se acovardando. Mas ela ergueu
as mãos, mostrando que não estava armada — ao menos até onde Archer podia ver.
— O rei acha que você faz parte de um movimento
rebelde que está atrapalhando os planos dele.
Uma gargalhada áspera e curta — tão crua que nada
do homem suave e gracioso era reconhecível sob aquele som.
— Não faço parte de movimento nenhum! Que Wyrd me
desgrace, posso me prostituir, mas não sou um traidor! — Celaena manteve as mãos onde Archer pudesse ver, e abriu a boca
para dizer a ele que se calasse, se sentasse e ouvisse. Mas Archer continuou: —
Não sei nada sobre um movimento desses, nem mesmo ouvi falar de alguém que ousaria
tentar se colocar no caminho do rei. Mas... mas... — O fôlego dele se
equilibrou. — Se me poupar, posso lhe dar informações sobre um grupo que sei que está começando a reunir
poder em Forte da Fenda.
— O rei está atrás das pessoas erradas?
— Não sei — falou Archer rapidamente —, mas tem
um grupo... sobre o qual ele deve querer mais informações. Parece que
recentemente descobriram que o rei talvez esteja planejando algum novo horror
para todos nós... e querem tentar impedi-lo.
Se Celaena fosse uma pessoa legal e decente, diria
a Archer para tomar tempo, se acalmar e organizar a mente. Mas ela não era uma
pessoa legal e decente, e o pânico do cortesão fazia com que a língua dele se
soltasse, então ela o deixou continuar.
— Só ouvi clientes sussurrando a respeito de vez
em quando. Mas tem um grupo formado bem aqui em Forte da Fenda, e querem colocar
Aelin Galathynius de volta no trono de Terrasen.
O coração de Celaena parou de bater. Aelin
Galathynius, a herdeira perdida de Terrasen.
— Aelin Galathynius está morta — sussurrou Celaena.
Archer fez que não com a cabeça.
— Eles acham que não. Dizem que está viva e
levantando um exército contra o rei. Está procurando restabelecer a corte,
encontrar o que sobrou do círculo íntimo do rei Orlon.
Celaena apenas o encarou, desejando que seus
dedos se abrissem, desejando que ar entrasse em seu pulmão. Se fosse verdade...
Não, não era verdade. Se aquelas pessoas realmente alegavam ter encontrado a
herdeira ao trono, essa herdeira tinha
que ser uma impostora.
Seria mera coincidência que Nehemia houvesse
mencionado a corte de Terrasen naquela manhã? Que Terrasen fosse a única força
capaz de enfrentar o rei — se o reino pudesse se reerguer, com ou sem a
verdadeira herdeira? Mas Nehemia jurara nunca mentir para Celaena; se soubesse
de alguma coisa, teria dito.
A assassina fechou os olhos, embora estivesse ciente
de cada movimento de Archer. Na escuridão, ela se recompôs, afastou aquela
esperança desesperada e tola até que nada além de um medo eterno a cobrisse de novo.
Celaena abriu os olhos. Archer a olhava boquiaberto,
o rosto branco como a morte.
— Não tenho intenção de matar você, Archer —
disse ela. O cortesão afundou o corpo contra o banco, afrouxando a mão sobre a
adaga. — Vou lhe dar uma escolha. Pode fingir a própria morte agora mesmo e fugir
da cidade antes do alvorecer. Ou
posso lhe dar até o fim do mês, quatro semanas. Quatro
semanas para discretamente colocar seus negócios em ordem; presumo que tenha dinheiro
preso em Forte da Fenda. Mas o tempo vem com um custo: manterei você vivo
apenas se puder me dar informações sobre o que quer que seja esse movimento rebelde
de Terrasen e o que quer que saibam sobre os planos do rei. Ao fim do mês, você
fingirá a própria morte e deixará esta cidade, irá para algum lugar longínquo e nunca mais usará o nome
Archer Finn de novo.
O cortesão a encarou atenta e cautelosamente.
— Precisarei do resto do mês para recolher meu
dinheiro. — Ele exalou, então esfregou o rosto com as mãos. Depois de um longo
instante, Archer falou: — Talvez isto seja uma bênção disfarçada. Poderei ficar
livre de Clarisse e começar a vida do zero em outro lugar. — Embora Archer
tivesse dado um sorriso hesitante para Celaena, os olhos ainda pareciam
assombrados. — Por que o rei sequer suspeitou de mim?
A assassina se odiava por sentir tanta pena de
Archer.
— Não sei. Ele só me entregou um pedaço de papel
com seu nome e disse que você era parte de algum movimento para atrapalhar os
planos dele, quaisquer que sejam esses planos.
Archer riu com escárnio.
— Gostaria que pudesse ser esse tipo de homem.
Celaena o avaliou: o maxilar bem marcado, a
estrutura corporal larga, tudo sugeria força. Mas o que acabara de ver...
aquilo não era força. Chaol soubera imediatamente que tipo de homem Archer era.
Chaol enxergara através da ilusão da força, e ela não. A vergonha esquentou
suas bochechas, mas Celaena se obrigou a falar de novo:
— Você realmente acha que pode descobrir
informações sobre esse... esse movimento de Terrasen? — Embora a herdeira deles
só pudesse ser uma impostora, valia a pena investigar o movimento em si. Elena pedira
que Celaena procurasse por pistas; ela poderia encontrar algumas ali.
Archer assentiu.
— Haverá um baile amanhã à noite na casa de um
cliente; ouvi ele e os amigos murmurando sobre o movimento. Se eu colocar você
dentro da festa, talvez tenha chance de investigar o escritório da casa. Talvez
até encontre traidores de
verdade na festa, não apenas suspeitos. E algumas ideias
sobre o que rei poderia estar tramando.
Ah, aquela informação poderia ser muito útil.
— Mande os detalhes para o castelo amanhã de
manhã, aos cuidados de Lillian Gordaina — disse Celaena. — Mas se essafesta se
revelar um monte de besteira, vou reconsiderar minha oferta. Não me faça de tola,
Archer.
— Você é protegida de Arobynn — declarou ele,
baixinho, abrindo a porta da carruagem e mantendo o máximo de distância que
podia ao sair. — Eu não ousaria.
— Que bom — falou Celaena. — E, Archer? — O
cortesão parou, a mão na porta da carruagem. Ela inclinou o corpo para a frente,
deixando um pouco daquela obscuridade maliciosa brilhar nos olhos. — Se eu descobrir
que não está sendo discreto, se chamar atenção demais para si ou tentar
fugir... vou acabar com
você. Está claro?
Archer deu um aceno curto.
— Sou seu eterno servo, milady. — E então ele
lançou um leve sorriso que fez com que ela questionasse se por acaso se
arrependeria da decisão de deixá-lo viver.
Recostada no banco da carruagem, Celaena bateu no
teto e o cocheiro seguiu para o castelo. Embora estivesse exausta, tinha uma
última coisa a fazer antes de dormir.
***
Celaena bateu uma vez, então abriu a porta do
quarto de Chaol apenas o bastante para olhar para dentro. Ele estava
imobilizado diante da lareira, como se há pouco estivesse andando de um lado
para o outro.
— Achei que estaria dormindo — falou Celaena,
entrando. — Passa da meia-noite.
Ele cruzou os braços, o uniforme de capitão amassado
e desabotoado no colarinho.
— Então por que se incomodou em passar aqui? De
qualquer modo, achei que não fosse voltar para casa esta noite.
Celaena fechou mais a capa ao redor do corpo, os
dedos enterrando-se na pele macia, e ergueu o queixo.
— Parece que Archer não era tão irresistível quanto
eu me lembrava. Engraçado como um ano em Endovier pode mudar o modo como vemos
as pessoas.
Os lábios de Chaol se repuxaram para cima, mas o
rosto permaneceu solene.
— Conseguiu a informação que queria?
— Sim, e mais um pouco — disse ela.
Celaena explicou o que Archer lhe contara (fingindo
que ele acidentalmente passara a informação, é claro). Explicou os rumores
acerca da herdeira perdida de Terrasen, mas deixou de fora as partes a respeito
de Aelin Galathynius procurar restabelecer sua corte e montar um exército. E
sobre Archer não fazer parte do movimento de verdade. Ah, e sobre querer descobrir
os verdadeiros planos do rei.
Quando terminou de contar a Chaol a respeito do
baile que aconteceria, ele caminhou até a lareira e apoiou as mãos na moldura, encarando
a tapeçaria pendurada na parede acima. Embora estivesse desbotada e surrada,
Celaena imediatamente reconheceu a antiga cidade aninhada na lateral de uma montanha
acima de um lago prateado: Anielle, o lar de Chaol.
— Quando vai contar ao rei? — perguntou ele,
virando a cabeça para olhar para Celaena.
— Só quando souber se isso é mesmo real, ou só
depois de usar Archer para conseguir o máximo de informação possível antes de
matá-lo.
Chaol assentiu, afastando o corpo da lareira.
— Apenas tome cuidado.
— Você vive dizendo isto.
— Tem algo errado em dizer isto?
— Sim, tem! Não sou uma tola idiota que não pode
se proteger ou usar a cabeça!
— Alguma vez insinuei isto?
— Não, mas fica dizendo “tome cuidado” e me
dizendo o quanto se preocupa, insistindo em me ajudar com as coisas e...
— Porque eu me preocupo!
— Bem, não deveria! Sou tão capaz de tomar conta
de mim quanto você!
Chaol deu um passo na direção dela, mas Celaena
se manteve onde estava.
— Acredite em mim, Celaena — disparou ele, os
olhos irritados. — Sei que pode tomar conta de si mesma. Mas me preocupo porque
me importo. Que os deuses me ajudem, sei que não deveria, mas me importo. Então sempre direi para você tomar cuidado, porque
sempre me importarei com o que acontecer.
Ela piscou.
— Ah. — Foi tudo o que conseguiu dizer.
Chaol beliscou o osso do nariz e fechou os olhos
bem apertados, então tomou um fôlego longo e profundo.
Celaena deu um sorriso tímido para ele.
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