Capítulo 3

Celaena corria pela escuridão da passagem secreta com a respiração ofegante. Olhou por cima dos ombros e viu Cain rindo, os olhos como carvão em brasa. Não importava o quão rápido ela corresse, o ritmo de perseguição dele o mantinha facilmente em seu encalço. Atrás de Cain, fluía um rastro das marcas de Wyrd verdes e brilhantes, com suas formas e símbolos estranhos iluminando os antigos blocos de pedra. E logo em seguida, com as longas unhas raspando o chão, estava o ridderak.
Celaena tropeçou, mas continuou de pé. A cada passo era como se estivesse correndo em lama. Não poderia escapar de Cain. Ele a alcançaria por fim. E depois que o ridderak a pegasse... Celaena não ousou olhar mais uma vez para aquelas presas enormes que se projetavam da boca do animal nem para aqueles olhos vazios, brilhando com o desejo de devorá-la pedaço por pedaço.
Cain gargalhou, o som irritantemente ecoando nas paredes de pedra. Estava próximo agora. O suficiente para raspar os dedos na curva do pescoço de Celaena. Cain sussurrou o nome dela, o nome verdadeiro, e a assassina gritou quando ele...

***

Celaena acordou, arquejando, agarrada ao Olho de Elena. Verificou o quarto em busca de sombras mais densas, de marcas de Wyrd brilhando, de sinais de que a porta secreta estava aberta atrás da tapeçaria que a escondia.
Mas havia apenas o estalar do fogo, que se apagava. Ela afundou de volta no travesseiro. Fora apenas um pesadelo. Cain e o ridderak haviam morrido, e Elena não a incomodaria de novo. Tinha acabado. Ligeirinha, dormindo sob muitas camadas de cobertores, apoiou a cabeça na barriga de Celaena, que se aninhou mais para baixo, abraçando a cadela ao fechar os olhos.
Tinha acabado.

***

Nas brumas frias do início da manhã, Celaena atirou um graveto pelo campo extenso do parque de caça. Ligeirinha disparou pela grama pálida como um raio dourado, tão rápida que Celaena soltou um assobio baixo de aprovação. Ao lado dela, Nehemia estalava a língua, os olhos na ágil cadela.
Com Nehemia tão ocupada conquistando a rainha Georgina e reunindo informações sobre os planos do rei para Eyllwe, o alvorecer costumava ser o único momento em que as duas conseguiam se encontrar. Será que o rei sabia que a princesa estava entre os espiões que ele havia mencionado? Não poderia saber, ou jamais confiaria em Celaena para ser sua campeã, não quando a amizade entre as duas era algo de conhecimento geral.
— Por que Archer Finn? — indagou Nehemia, em eyllwe, mantendo a voz baixa.
Celaena tinha explicado a ela a missão mais recente, resumindo os detalhes. Ligeirinha alcançou o graveto e voltou trotando até elas, a longa cauda se agitando. Embora ainda não fosse adulta, a cadela já era anormalmente grande. Dorian jamais dissera exatamente a raça com a qual suspeitava que a mãe de Ligeirinha tivesse cruzado.
Considerando o tamanho da cadelinha, poderia ter sido um wolfhound. Ou um lobo de verdade. Celaena deu de ombros diante da pergunta de Nehemia, enfiando as mãos nos bolsos forrados com pele do manto.
— O rei acha... acha que Archer faz parte de um movimento secreto contra ele. Um movimento aqui, em Forte da Fenda, para destroná-lo.
— Certamente ninguém seria tão ousado assim. Os rebeldes se escondem nas montanhas e nas florestas e em lugares em que a população local pode encobri-los e lhes dar apoio, não aqui. Forte da Fenda seria uma armadilha mortal.
Celaena deu de ombros de novo no momento em que Ligeirinha retornou, exigindo que o graveto fosse jogado mais uma vez.
— Aparentemente não. E, aparentemente, o rei tem uma lista de pessoas que acha que são cruciais nesse movimento contra ele.
— E você... deve matar todas? — O rosto marrom-claro de Nehemia ficou levemente pálido.
— Um a um — respondeu Celaena, atirando o graveto o mais longe possível no campo coberto de névoa. Ligeirinha disparou; a grama seca e os resíduos de uma tempestade de neve estalavam sob as enormes patas. — Ele só vai revelar um nome por vez. Um pouco dramático, se quer saber. Mas parece que estão interferindo com os planos dele.
— Que planos? — perguntou Nehemia, em tom afiado.
Celaena franziu a testa.
— Esperava que você soubesse.
— Não sei. — Houve uma pausa tensa. — Se você souber de alguma coisa... — começou Nehemia.
— Verei o que posso fazer — mentiu Celaena. Ela nem mesmo tinha certeza se queria saber o que o rei estava planejando... muito menos compartilhar essa informação com outra pessoa. Era egoísmo, e burrice talvez, mas Celaena não conseguia se esquecer do aviso que o rei lhe dera no dia em que a coroou campeã: se ela saísse da linha, se o traísse, ele mataria Chaol. Em seguida Nehemia, e depois a família da princesa.
E tudo isso — cada morte que ela forjava, cada mentira que contava — os colocava em perigo. Nehemia balançou a cabeça, mas não respondeu. Sempre que a princesa ou Chaol ou mesmo Dorian a olhava assim, era quase demais para suportar. Mas eles também precisavam acreditar nas mentiras. Pela própria segurança.
A princesa começou a torcer as mãos, e os olhos ficaram distantes. Celaena tinha visto aquela expressão muitas vezes no último mês.
— Se está preocupada por mim...
— Não estou — respondeu Nehemia. — Você pode cuidar de si mesma.
— Então o que é? — O estômago de Celaena se revirou.
Se Nehemia falasse mais sobre os rebeldes, a assassina não tinha certeza de que poderia suportar. Sim, queria estar livre do rei, tanto como campeã dele quanto como filha de uma nação conquistada, mas não queria ter nada a ver com quaisquer tramas que estivessem se desenvolvendo em Forte da Fenda e com qualquer esperança desesperada que os rebeldes ainda tivessem. Enfrentar diretamente o rei não seria nada além de estupidez. Todos seriam destruídos.
Mas Nehemia falou:
— Os números no campo de trabalhos forçados de Calaculla estão aumentando. Todo dia, mais e mais rebeldes de Eyllwe chegam. A maioria considera um milagre o fato de estar viva. Depois que os soldados massacraram aqueles quinhentos rebeldes... Meu povo está com medo. — Ligeirinha voltou novamente, e foi Nehemia quempegou o graveto da boca da cadela e o lançou para o alvorecer cinzento. — Mas as condições em Calaculla...
Ela fez uma pausa, provavelmente se lembrando das três cicatrizes que corriam pelas costas de Celaena. Um lembrete permanente da crueldade das Minas de Sal de Endovier — e um lembrete de que, embora Celaena estivesse livre, milhares de pessoas ainda trabalhavam e morriam lá. Pelo que ele se dizia, Calaculla, o campo irmão de Endovier, era ainda pior.
— O rei não quer se reunir comigo — falou Nehemia, agora brincando com uma de suas tranças lindas e finas. — Pedi três vezes a ele que discutíssemos as condições de Calaculla, e em todas ele alegou estar ocupado.
Aparentemente, está ocupado demais encontrando pessoas para você matar. Celaena corou diante do tom ríspido de Nehemia. Ligeirinha voltou de novo, mas desta vez Nehemia pegou o graveto e o manteve nas mãos.
— Preciso fazer algo, Elentiya — afirmou a princesa, usando o nome que dera a Celaena na noite em que ela admitiu que era uma assassina. — Preciso encontrar um modo de ajudar meu povo. Quando a busca por informações se torna um impasse? Em que momento agimos?
Celaena engoliu em seco. Aquela palavra — “agir” — a assustava mais do que gostaria de admitir. Mais do que a palavra “planos”. Ligeirinha se sentou aos pés das duas, agitando a cauda enquanto esperava que o graveto fosse lançado.
Mas quando Celaena não disse nada, quando não prometeu nada, exatamente como sempre fazia ao ouvir Nehemia falar sobre aquelas coisas, a princesa soltou o graveto no chão e, silenciosamente, voltou para o castelo.
Celaena esperou até que os passos cessassem e emitiu um longo suspiro. Deveria encontrar Chaol para a corrida matinal em alguns minutos, mas depois... depois, iria para Forte da Fenda. Que Archer esperasse até a tarde. Afinal de contas, o rei lhe dera um mês, e apesar das próprias perguntas para Archer, Celaena queria sair da propriedade do castelo durante um tempo. Tinha dinheiro sujo para gastar.

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