Capítulo 30
Celaena encarava o corpo.
Um corpo vazio, habilidosamente mutilado, tão retalhado que a cama estava quase preta de sangue.
As pessoas tinham corrido para dentro do quarto atrás dela, e Celaena sentiu o cheiro pungente quando alguém vomitou.
Mas ela apenas ficou ali, deixando que os demais se agitassem ao seu redor ao correrem para verificar os três corpos que esfriavam no quarto. Aquele tambor antigo, infinito — as batidas de seu coração — pulsava em seus ouvidos, abafando qualquer som.
Nehemia se fora. Aquela alma vibrante, destemida e carinhosa; a princesa que fora chamada de a Luz de Eyllwe; a mulher que tinha sido um farol de esperança — do nada, como se não passasse de um fiapo de luz de vela, Nehemia se fora.
Quando mais importou, Celaena não estava lá.
Nehemia se fora.
***
Alguém murmurou o nome dela, mas não a tocou.
Um brilho de olhos cor de safira diante da assassina bloqueou a visão da cama e do corpo desmembrado. Dorian. O príncipe Dorian. Lágrimas escorriam pelo rosto dele.
Celaena estendeu a mão para tocá-las.
Estavam estranhamente quentes contra os dedos gélidos e distantes dela. As unhas de Celaena estavam sujas, ensanguentadas, quebradas — tão repulsivas contra a bochecha macia e alva do príncipe.
E então aquela voz por trás dela disse seu nome mais uma vez.
— Celaena.
Eles haviam feito aquilo. Os dedos ensanguentados deslizaram do rosto para o pescoço de Dorian. O príncipe apenas a encarou, repentinamente imóvel.
— Celaena — disse aquela voz familiar.
Um aviso.
Eles fizeram aquilo. Eles a haviam traído. Traído Nehemia. Tinham levado a princesa. As unhas da assassina roçaram a garganta exposta de Dorian.
— Celaena — disse a voz.
Ela se virou devagar.
Chaol a encarava, uma das mãos na espada. A espada que ela havia levado para o armazém — a espada que deixara lá. Archer dissera que Chaol sabia que iriam fazer aquilo.
Ele sabia.
Ela se partiu em pedaços e investiu o corpo contra ele.
***
Chaol só teve tempo de soltar a espada quando ela atacou, golpeando o rosto dele com a mão.
Celaena o atirou na parede, e uma dor lancinante irrompeu das quatro linhas que a assassina abriu na bochecha do capitão com as unhas.
Ela levou a mão à adaga, mas Chaol segurou seu pulso. Sangue escorria da bochecha pelo pescoço. Os guardas de Chaol gritaram, aproximando-se, mas ele prendeu um dos pés atrás de Celaena, torcendo-o ao empurrá-la, e atirou a assassina ao chão.
— Fiquem para trás — ordenou o capitão, mas aquilo lhe custou. Presa embaixo dele, Celaena acertou um soco em seu maxilar, com tanta força que os dentes do capitão tiniram.
E então ela estava grunhindo, grunhindo como algum tipo de animal selvagem ao avançar no pescoço de Chaol. Ele recuou, atirando a assassina contra o piso de mármore de novo.
— Pare.
Mas a Celaena que Chaol conhecia se fora. A garota que imaginara que seria sua esposa, a garota com a qual compartilhara a cama na última semana, havia desaparecido completamente. As roupas e as mãos dela estavam ensopadas com o sangue dos homens no armazém. Celaena levantou o joelho e o acertou com tanta força entre as pernas de Chaol que ele a soltou, e então a assassina estava em cima dele, a adaga em punho descendo sobre o peito do capitão...
Ele segurou o pulso dela de novo, esmagando-o na mão conforme a lâmina pairava sobre seu coração. O corpo inteiro de Celaena tremia pelo esforço, tentando descer a adaga os centímetros restantes. Ela levou a mão até outra adaga, mas Chaol segurou aquele pulso também.
— Pare. — Ele arquejou, sem fôlego por causa do golpe que a assassina lhe dera com o joelho, tentando pensar apesar da dor ofuscante. — Celaena, pare.
— Capitão — arriscou um dos homens de Chaol.
— Fique longe — rosnou o capitão de novo.
Celaena jogou o peso do corpo na adaga que segurava no alto e se aproximou mais 2 centímetros. Os braços do capitão estavam exaustos. Ela o mataria. Ela realmente o mataria.
Chaol se obrigou a encará-la, a olhar para aquele rosto tão contorcido pelo ódio que o capitão não conseguia encontrar Celaena.
— Celaena — disse ele, apertando os pulsos dela com tanta força que esperava que a dor fosse sentida em algum lugar, aonde quer que ela tivesse ido. Mas, ainda assim, a assassina não soltou a adaga. — Celaena, sou seu amigo.
A jovem o encarou, ofegando entre dentes, a respiração ficando cada vez mais rápida antes de rugir, um som que preencheu o recinto, o sangue de Chaol, o mundo dele:
— Você jamais será meu amigo. Você sempre será meu inimigo.
Celaena gritou a última palavra com um ódio tão profundo, vindo da alma, que Chaol sentiu como se levasse um soco no estômago. Ela avançou de novo, e o capitão soltou o pulso que segurava a adaga. A lâmina desceu.
E parou. Houve um frio repentino no quarto, e a mão simplesmente parou, como se tivesse sido congelada no ar. Os olhos dela deixaram o rosto do capitão, mas Chaol não conseguia ver para quem a assassina exibia os dentes. Por uma fração de segundo, parecia que ela se debatia contra uma força invisível, mas então Ress estava atrás dela, e a assassina estava ocupada demais se debatendo para reparar quando o guarda a golpeou na cabeça com o punho da espada.
Quando ela caiu sobre o capitão, parte de Chaol caiu junto.
Que merda! Lá se foi o meu casal!
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