Capítulo 1 - Pandemônio
— Você deve estar brincando comigo — disse o porteiro, cruzando os braços na frente de seu enorme peito.
Ele olhou para o garoto numa jaqueta vermelha de zíper e esfregou sua cabeça raspada.
— Você não pode trazer isso para cá.
Os cinquenta ou mais adolescentes na fila do lado de fora do Clube Pandemônio se inclinaram para escutar. Era uma longa espera para entrar no clube de todas as idades, especialmente em um domingo, e geralmente não acontecia muito numa fila. Os porteiros eram ferozes e iam instantaneamente para cima de qualquer um que parecesse que iria começar uma encrenca.
Clary Fray, de quinze anos, estava de pé na fila com o seu melhor amigo, Simon, inclinado em direção aos seguranças como todo mundo, esperando por alguma coisa excitante.
— Ah, vamos lá. — O garoto elevou a coisa acima de sua cabeça. Era parecido com cabo de madeira, com uma ponta no fim. — Isso é parte da minha fantasia.
O porteiro levantou uma sobrancelha.
— E qual é?
O garoto sorriu. Ele parecia suficientemente normal, Clary pensou, para o Pandemônio. Ele tinha cabelo pintado num azul elétrico, preso ao redor de sua cabeça como os tentáculos saindo de um polvo, sem nenhuma tatuagem facial elaborada ou grandes barras de metal atravessando suas orelhas ou lábios.
— Eu sou um caçador de vampiros — ele empurrou para baixo sua coisa de madeira. Aquilo flexionou tão facilmente quanto uma haste de grama curvando nos lados. — É falso. Espuma de borracha. Tá vendo?
Os enormes olhos do menino eram de um verde muito brilhante. Clary notou uma cor de grama de primavera. Lentes de contato coloridas, provavelmente. O porteiro encolheu os ombros, abruptamente entediado.
— Tanto faz, entre.
O menino deslizou passando por ele, tão rápido quanto uma enguia. Clary gostou do ritmo dos seus ombros, o jeito como ele arremessou seus cabelos enquanto entrava. Havia uma palavra para ele que sua mãe teria usado – negligente.
— Você pensou que ele era uma graça — Simon comentou, soando resignado. — Não pensou?
Clary deu uma cotovelada nas costelas dele, mas não respondeu.
***
Lá dentro, o clube estava cheio de fumaça de gelo seco. Luzes coloridas refletiam na pista de dança, tornando-a um multicolorido reino folclórico com azuis e verdes frios, rosas e dourados quentes.
O garoto de jaqueta vermelha movimentou a longa espada afiada como uma lâmina em suas mãos, um despreocupado sorriso brincando em seus lábios. Aquilo havia sido tão fácil – algumas Runas na sua lâmina para torná-la inofensiva. Outra Runa em seus olhos, e no momento que o porteiro olhou direto para ele, ele estava dentro. É claro, ele podia provavelmente ter entrado sem todo aquele problema, mas essa era a parte engraçada – enganar os mundanos, fazendo tudo em aberto bem na frente deles.
Não que os humanos não tivessem seus costumes. O garoto de olhos verdes escaneou a pista de dança, onde fracos membros cobertos por pedaços de seda e couro preto apareciam e desapareciam dentro das revolventes colunas de fumaça onde os mundanos dançavam. Garotas jogavam seus cabelos, rapazes balançavam seus quadris cobertos por couro e a pele desnuda brilhando com o suor. Vitalidade se derramava deles, ondas de energia daquilo o preenchiam como um bêbado entorpecido. Seus lábios se curvaram.
Eles não sabiam o quanto tinham sorte. Não sabiam que aquilo era como suprir vida em um mundo morto, onde o sol pairava sem energia no céu como uma brasa queimada. Suas vidas se consumiam brilhantemente como velas em chamas – e eram tão fáceis de extinguir.
Sua mão apertou a lâmina que carregava, e ele começou a andar para dentro da pista de dança quando uma garota barrou seu caminho na massa de dançarinos e começou a andar em direção a ele. Ele a encarou.
Era bonita, uma humana de cabelo comprido tingido de preto, olhos delineados com lápis. Usava um longo vestido branco, do tipo que as mulheres costumavam usar quando este mundo era jovem. Mangas rendadas envolviam seus braços esbeltos. Ao redor do seu pescoço estava uma grossa corrente de prata, que segurava um pingente vermelho escuro do tamanho de um punho de um bebê.
A boca dele começou a se encher de água quando ela se aproximou. Energia vital pulsava dela como sangue numa ferida aberta. Ela sorriu, emanando energia, acenando com seus olhos.
Ele se virou para segui-la, sentindo o chiar do fantasma da morte dela em seus lábios.
Aquilo era sempre fácil. Ele já podia sentir o poder da vida correndo através de suas veias como fogo. Humanos eram tão estúpidos. Eles tinham algo tão precioso e nem o protegiam. Jogavam fora suas vidas por dinheiro, por pacotes de pó, por um estranho com um sorriso encantador.
A garota era um fantasma pálido recuando através da fumaça colorida. Ela atingiu a parede e se virou, juntando sua saia em suas mãos, levantando-a enquanto sorria para ele. Debaixo da saia, ela estava usando botas de cano longo.
Ele se juntou a ela, a pele dela se arrepiou com sua proximidade. De perto ela não era tão perfeita: podia ver o rímel sobre os olhos, o suor grudando seu cabelo na nuca. Ele podia sentir o cheiro da mortalidade dela, o doce da corrupção.
Te peguei, ele pensou.
Um sorriso frio curvou seus lábios. Ela se moveu para o lado, e ele podia ver que ela estava se inclinando contra uma porta fechada, NÃO ENTRE – DEPÓSITO estava escrito em tinta vermelha. A garota alcançou a maçaneta, virando-a, escorregando para dentro.
Ele pegou um vislumbre de caixas empilhadas, a fiação emaranhada. Um depósito. Ele olhou para trás, ninguém estava olhando.
Era muito melhor se ela queria privacidade.
Ele escorregou para a sala depois dela, desconhecendo que estava sendo seguido.
***
— Então — Simon disse — música muito boa, hein?
Clary não respondeu. Eles estavam dançando, ou tentando fazer isso: um monte de remexidas para frente e para trás com ocasionais balanços em direção ao chão, como se um deles tivesse derrubado uma lente de contato entre um grupo de garotos adolescentes em espartilhos metálicos, e um jovem casal asiático que estava se agarrando cheios de paixão, seus extensos cabelos coloridos emaranhados juntos como uma trepadeira.
Um garoto com um piercing no lábio e uma mochila de Teddy, o urso, estava segurando livremente tabletes de ecstasy, suas calças de paraquedista se agitando na brisa vinda da máquina de vento.
Clary não estava prestando muita atenção no ambiente – seus olhos estavam no garoto de cabelo azul que tinha discutido com o segurança na entrada do clube. Ele estava analisando a multidão como se estivesse procurando por alguma coisa.
Tinha algo sobre o jeito como ele se movia que a lembrava de algo...
— Eu, por outro lado — Simon começou — estou aproveitando imensamente.
Isso parecia improvável. Simon, como sempre, ficava estranho no clube como uma ferida no polegar, em seus jeans e na velha camiseta onde se dizia Feita no Brooklin em toda a frente. Seus cabelos recentemente lavados eram castanhos escuros e não verde ou rosa, e seus óculos tortos ficavam empoleirados no fim de seu nariz. Ele parecia menos como se estivesse contemplando os poderes das trevas e mais como se tivesse a caminho do clube de xadrez.
— Mmmm-hmmm.
Clary sabia perfeitamente bem que ele vinha para o Pandemônio só porque ela gostava, e que ele achava que era chato. Ela não tinha certeza do porquê aquilo era o que gostava – as roupas, a música, faziam aquilo como um sonho, a vida de outra pessoa, não sua vida real e chata.
Mas ela era sempre tão tímida para falar com alguém além de Simon.
O garoto de cabelo azul estava fazendo seu caminho para fora da pista de dança. Ele parecia um pouco perdido, como se não tivesse encontrado quem estava procurando. Clary se perguntou o que poderia acontecer se ela aparecesse e se apresentasse oferecendo mostrar o lugar. Talvez ele apenas a encarasse. Ou talvez ele fosse tímido também. Talvez ele se sentisse grato e contente, e tentasse não demonstrar, do jeito como os garotos faziam – mas ela saberia. Talvez...
O garoto de cabelo azul se endireitou de repente, mudando sua atenção como um cão de caça ao encontrar o alvo. Clary seguiu a linha do seu olhar, e viu a garota de vestido branco.
Oh, bem, Clary pensou, tentando não se sentir como um balão de festa murchando, acho que é isso.
A garota era linda, o tipo de garota que gostaria de ser – alta e esbelta – com um longo cabelo preto e liso. Mesmo daquela distância, Clary podia ver o pingente vermelho ao redor do pescoço dela. Aquilo pulsava embaixo das luzes da pista de dança como um coração separado, fora do corpo.
— Eu acho — Simon continuou — que nesta noite o DJ Bat está fazendo um trabalho singularmente excepcional. Você não concorda?
Clary rolou os olhos e não respondeu, Simon odiava música trance. Sua atenção estava na garota no vestido branco. Através da escuridão, fumaça, e neblina artificial, seu pálido vestido brilhava como um farol. Não era à toa que o garoto de cabelo azul estivesse a seguindo como se sob um feitiço, tão distraído que não notava nada ao redor dele. Até mesmo as duas rígidas formas escuras em seus calcanhares, avançando depois dele através da multidão.
Clary diminuiu sua dança e olhou. Ela podia apenas ver que aquelas duas formas eram garotos altos vestindo roupas pretas. Ela não podia dizer como sabia que eles estavam seguindo o outro garoto, mas ela sabia. Podia ver o caminho que eles traçavam atrás dele, sua cuidadosa vigilância, a furtiva graça de seus movimentos.
Uma pequena flor de apreensão começou a se abrir dentro do seu peito.
— Entretanto — Simon acrescentou — eu queria te dizer que ultimamente tenho me travestindo. Também, eu estou dormindo com sua mãe. Eu achei que você deveria saber.
A garota tinha chegado na parede, e estava abrindo a porta escrita NÃO ENTRE. Ela acenou para o rapaz de cabelo azul atrás dela, e eles deslizaram pela porta. Isso não era nada que Clary já não tenha visto antes, um casal escapando para os cantos escuros do clube para transar – mas o que tornava aquilo estranho era que eles estavam sendo seguidos.
Clary se levantou nas pontas dos pés, tentando ver através da multidão. Os dois caras tinham parado na porta e pareciam estar deliberando um com o outro. Um deles era loiro, o outro tinha cabelo escuro. O loiro encontrou alguma coisa em sua jaqueta e puxou a coisa longa e afiada que reluziu embaixo das fortes luzes. Uma faca.
— Simon! — Clary gritou, e prendeu seu braço.
— O quê? — Simon olhou alarmado. — Eu realmente não estou dormindo com sua mãe, você sabe. Eu estava apenas tentando chamar sua atenção. Não que a sua mãe não seja uma mulher muito atraente, para a idade dela.
— Você está vendo aqueles caras? — Ela apontou selvagemente, quase acertando uma garota negra que estava dançando por perto.
A garota a encarou com um olhar maldoso.
— Desculpe, desculpe! — Clary virou-se de volta a Simon. — Você não está vendo aqueles dois caras, lá? Na porta?
Simon deu uma olhada, então balançou os ombros.
— Eu não estou vendo nada.
— Há dois deles. Eles estavam seguindo o cara com o cabelo azul...
— Aquele que você achou que era fofo?
— Sim, mas esse não é o ponto. O loiro puxou uma faca.
— Você tem certeza? — Simon olhou mais apurado, balançando sua cabeça. — Eu ainda não vejo ninguém.
— Eu tenho certeza.
De repente todo negócios, Simon endireitou seus ombros.
— Eu vou chamar um dos seguranças. Você fica aqui.
Ele avançou, abrindo caminho através da multidão.
Clary se voltou no momento em que viu o garoto loiro entrar pela porta de NÃO ENTRE, seu amigo em seus calcanhares. Ela olhou ao redor; Simon ainda estava tentando empurrar seu caminho através da pista de dança, mas ele não estava fazendo muito progresso. Mesmo se ela gritasse agora, ninguém iria ouvi-la, e até que Simon voltasse, algo terrível poderia já ter acontecido. Mordendo forte seu lábio inferior, Clary começou a se movimentar através das pessoas.
***
— Qual é o seu nome?
Ela se virou e sorriu. Uma suave luz se derramava na sala através das altas janelas manchadas com sujeira. Haviam pilhas de cabos elétricos, partes de bolas de discoteca quebradas e latas de tinta descartadas em desordem no chão.
— Isabelle.
— Esse é um nome legal.
Ele andou em sua direção, passando cuidadosamente entre os fios, no caso de algum deles estar ligado. Na tênue luz ela pareceu meio transparente, envolvida em branco como um anjo. Seria um prazer fazê-la cair...
— Eu não te vi por aqui antes.
— Você está me perguntando se eu venho aqui com frequência — ele percebeu.
Ela sorriu, cobrindo seu sorriso com a mão. Havia uma espécie de pulseira em torno de seu pulso, logo abaixo da manga do seu vestido, então, quando ele se aproximou, viu que não era uma pulseira, mas um padrão de pintura na pele, uma matriz de linhas espiraladas.
Ele congelou.
— Você...
Ele não terminou. Ela se moveu com uma rapidez de relâmpago, atingindo-o com sua mão aberta, um golpe em seu peito que o teria levado ao chão arfando, se ele fosse um humano. Ele cambaleou para trás, e agora a garota tinha alguma coisa em sua mão, um chicote enrolado que brilhava com uma luz dourada.
Ela jogou-o para baixo, curvando sobre seus tornozelos, vibrando em seus pés. Ele acertou o chão, encurvado, o odioso metal mordendo profundo dentro de sua pele. A garota ria, parada acima dele, e ele tontamente pensou que deveria ter adivinhado. Nenhuma garota humana usaria um vestido como aquele que Isabelle usava. Ela o usaria para cobrir sua pele – toda a sua pele.
Isabelle sacudiu com força o seu chicote, segurando-o. Seu sorriso brilhava como água envenenada.
— Ele é todo de vocês, garotos.
Uma risada baixa soou atrás dela, e agora suas mãos estavam nele, levantando-o e o arremessando contra os pilares de concreto. Ele podia sentir a pedra úmida contra suas costas. Suas mãos foram puxadas para trás dele, seus pulsos presos com fio. Quando ele lutou, alguém andou em volta do pilar para dentro de seu campo de visão: um garoto, tão jovem quanto Isabelle e também muito bonito. Seus olhos ocre brilhavam como fichas de âmbar.
— Então — o garoto disse — existe mais alguma coisa com você.
O garoto de cabelo azul podia sentir o sangue brotando debaixo do apertado metálico, fazendo seus pulsos escorregadios.
— Que coisa?
— Agora vamos lá.
O garoto de olhos cobre segurou suas mãos, e suas mangas escuras escorregaram, mostrando as Runas pintadas sob seus pulsos, as costas das suas mãos, suas palmas.
— Você sabe o que eu sou.
Lá no fundo dentro de sua mente, a mandíbula do garoto algemado começou a ranger.
— Caçador de sombras — ele assobiou.
O outro rapaz abriu um grande sorriso.
— Te peguei — ele disse.
***
Clary empurrou a porta do depósito e andou para dentro. Por um momento, pensou que estava deserto. As únicas janelas ficavam no alto e trancadas; um ruído indistinto vinha através delas, o som de buzinas de carros e freios guinchando. A sala cheirava como tinta velha, e uma pesada camada de poeira cobria o chão, marcado por pegadas de sapatos.
Não tem ninguém aqui, ela percebeu, olhando desnorteada ao redor. Estava frio naquela sala, apesar do calor de agosto lá fora. Suas costas estavam geladas com o suor. Ela deu um passo para frente, emaranhando seus pés nos cabos elétricos. Se curvou para baixo para libertar seu tênis dos cabos e ouviu vozes. Uma risada de garota, um rapaz respondendo aguçadamente. Então ela levantou-se rapidamente, e os viu.
Era como se eles tivessem aparecido em um piscar de olhos. Ali estava a garota com seu longo vestido branco, seus cabelos pretos caindo nas costas como algas marinhas. Dois garotos estavam com ela – um alto com cabelo preto como o dela, e um menor, belo, cujo cabelo lampejava como metal na luz fraca que vinha das janelas acima.
O garoto bonito estava parado com suas mãos em seus bolsos, enfrentando o garoto punk, que estava amarrado ao pilar com um fio, as mãos esticadas atrás dele, as pernas presas na altura dos tornozelos. Seu rosto estava repuxado com dor e medo.
Com o coração martelando no peito, Clary se escondeu atrás do pilar de concreto mais próximo e espiou em torno dele. Ela assistiu o rapaz loiro andando para frente e para trás, seus braços agora cruzados sobre o seu peito.
— Então — ele disse. — Você ainda não me disse se aqui tem outro de sua espécie com você.
Sua espécie?
Clary se perguntou do que ele estava falando. Talvez ela tenha tropeçado dentro de algum tipo de guerra de gangues.
— Eu não sei do que você está falando.
O tom do garoto de cabelo azul era doloroso, mas mal-humorado.
— Ele quer dizer outros demônios — o garoto de cabelo escuro explicou, falando pela primeira vez. — Você sabe o que é um demônio, não sabe?
O garoto amarrado no pilar virou seu rosto para longe, sua boca tremendo.
— Demônios — desenhou o rapaz loiro, traçando a palavra no ar com seu dedo. — Religiosamente definidos como habitantes do inferno, os servos de Satanás, mas entendido aqui, para os propósitos da Clave, por ser qualquer espírito malévolo cuja origem está fora de nossa própria dimensão...
— Já chega, Jace — a garota interrompeu.
— Isabelle está certa — concordou o garoto mais alto. — Ninguém aqui precisa de uma lição de semântica ou de demonologia.
Eles são loucos, Clary pensou. Realmente loucos.
Jace levantou a cabeça e sorriu. Havia alguma coisa de selvagem sobre aquele gesto, algo que lembrava Clary dos documentários que ela havia assistido sobre leões no Discovery Channel, o modo como aqueles grandes gatos levantavam suas cabeças e cheiravam o ar pela presa.
— Isabelle e Alec pensam que eu falo muito — ele comentou confidentemente. — Você acha que eu falo muito também?
O garoto de cabelo azul não respondeu. Sua boca ainda estava tremendo.
— Eu posso dar a você uma informação — ele disse — eu sei onde Valentim está.
Jace olhou de volta para Alec, que encolheu os ombros.
— Valentim está enterrado — Jace respondeu. — Esta coisa está apenas brincando conosco.
Isabelle jogou seu cabelo.
— Mate ele, Jace. Isso não vai nos dizer nada.
Jace levantou sua mão, e Clary viu uma clara luz brilhar da faca que ele estava segurando. Aquilo era estranhamente translúcido, a lâmina clara como cristal, afiada como caco de vidro, o cabo fixado com pedras vermelhas.
O garoto preso ofegou.
— Valentim está de volta! — ele protestou arrastando os laços que prendiam suas mãos atrás de suas costas. — Todo o Mundo Infernal sabe disso – eu sei disso – eu posso dizer a vocês onde ele está...
Raiva subitamente flutuou nos olhos gelados de Jace.
— Pelo Anjo, cada vez que nós capturamos um de vocês bastardos, vocês alegam saber onde Valentim está. Bem, nós todos sabemos onde ele está também. Ele está no inferno. E você... — Jace virou a faca em sua mão, a ponta brilhando como uma linha de fogo. — Você pode se juntar a ele lá.
Clary não pôde mais se segurar. Ela andou para fora do pilar.
— Pare! — ela chorou. — Você não pode fazer isso.
Jace girou, tão assustado que a faca voou de sua mão caindo contra o piso de concreto. Isabelle e Alec juntamente se viraram como ele, usando idênticas expressões de espanto. O garoto de cabelo azul segurou em suas amarras, estupefato e boquiaberto.
Foi Alec que falou primeiro.
— O que é isso? — ele demandou, olhando de Clary para seus companheiros, como se eles não soubessem o que ela estava fazendo ali.
— É uma garota — Jace respondeu, recobrando sua compostura. — Certamente você já viu uma garota antes, Alec. Sua irmã Isabelle é uma.
Ele deu um passo próximo a Clary, piscando como se não pudesse acreditar no que estava vendo.
— Uma garota mundana — ele comentou, meio que para si mesmo. — E ela pode nos ver.
— É claro que eu posso ver você — Clary disse. — Eu não sou cega, sabia.
— Ah, mas vocês são — Jace replicou, flexionando para pegar sua faca. — Você apenas não sabia disso. — Ele se endireitou. — É melhor você sair daqui, se sabe o que é bom.
— Eu não vou para lugar nenhum — Clary respondeu. — Se eu for, vocês vão matar ele.
Ela apontou para o garoto com o cabelo azul.
— Isso é verdade — Jace admitiu, girando sua faca entre os dedos. — O que te importa se eu matar ele ou não?
— Por-porque... — Clary gaguejou — você não pode sair simplesmente por ai matando pessoas.
— Você está certa. Nós não podemos sair por ai matando pessoas.
Ele apontou para o garoto com cabelo azul, cujos olhos estavam estreitos. Clary imaginou se ele iria desmaiar.
— Aquilo não é uma pessoa, garotinha. Isso pode parecer como uma pessoa e falar como uma pessoa e talvez sangrar como uma pessoa. Mas ele é um monstro.
— Jace — Isabelle interrompeu — já chega.
— Vocês estão loucos — Clary disse, se afastando dele. — Eu já chamei a policia, você sabe. Eles estarão aqui a qualquer segundo.
— Ela está mentindo — Alec falou, mas havia dúvida em seu rosto — Jace, você...
Ele não terminou a sua frase. Naquele momento o garoto de cabelo azul, com um alto uivo de choro, ficou livre do obstáculo que o prendia ao pilar e se arremessou em Jace.
Eles caíram no chão e rolaram juntos, o garoto de cabelo azul rasgando Jace com as mãos que brilhavam como se virassem metal. Clary deu um passo para trás, querendo correr, mas os pés dela se prenderam em um trecho de fiação e ela caiu, tirando o ar de seu peito. Ela podia ouvir Isabelle gritando. Rolando para cima, Clary viu o garoto de cabelo azul sentado no peito de Jace. Sangue cintilava da ponta da sua lâmina como garras.
Isabelle e Alec correram em direção a ele. Isabelle brandindo um chicote em sua mão. O garoto de cabelo azul cortava Jace com garras estendidas. Jace levantou o braço para se proteger e as garras os cortaram, espalhando sangue. O rapaz de cabelo azul deu um bote novamente – o chicote de Isabelle veio abaixo atravessando as suas costas. Ele deu um grito agudo e caiu para o lado.
Veloz como uma chibatada do chicote de Isabelle, Jace rolou. Havia uma lâmina reluzindo em sua mão. Ele afundou a faca dentro do peito do garoto de cabelo azul. Um líquido enegrecido explodiu em torno do cabo. O garoto arqueou no piso, gorgolejando e retorcendo.
Com uma careta, Jace se levantou. Sua camisa preta ficou negra agora em alguns lugares, molhada com sangue. Ele olhou para baixo para aquela forma se contraindo a seus pés e puxou a faca. O cabo estava lustroso com o fluído preto.
O garoto de cabelo azul piscou os olhos abertos. Seus olhos, fixados em Jace, pareciam queimar. Entre seus dentes, ele assobiou:
— Que assim seja. O desamparado terá todos vocês.
Jace pareceu rosnar. Os olhos do garoto reviraram. Seu corpo começou a estremecer e contorcer enquanto ele se enrugava, dobrando-se sobre si mesmo, decrescendo menor e menor até que desapareceu por completo.
Clary lutou com seus pés, ficando livre do cabo elétrico. Ela começou a andar para longe. Nenhum deles estava prestando atenção nela. Alec tinha se aproximado de Jace e estava segurando seu braço, puxando a manga, provavelmente tentando dar uma boa olhada no ferimento.
Clary se virou para correr e encontrou seu caminho bloqueado por Isabelle, o chicote dourado em sua mão. O comprimento daquilo estava manchado com líquido preto. Ela chicoteou aquilo em direção a Clary, e o fio enrolou-se em torno de seu pulso e o contraiu, apertando.
— Estúpida mundaninha — Isabelle disse entre os dentes — você poderia ter feito Jace ser morto.
— Ele é louco — Clary disse, tentando puxar seu pulso. O chicote estava picando mais fundo sua pele. — Vocês todos são loucos. O que vocês pensam que são, assassinos vigilantes? A polícia...
— A polícia não está habitualmente interessada, a menos que você produza um corpo — Jace disse.
Embalando o seu braço, ele escolheu seu caminho através dos cabos, andando em direção a Clary. Alec seguiu atrás dele, seu rosto preso em uma carranca.
Clary olhou para o local em que o menino tinha desaparecido, e não disse nada. Não havia sequer um traço de sangue, pois nada mostrava que o garoto sequer havia existido.
— Eles retornam para suas dimensões quando morrem — Jace falou — no caso de você estar pensando.
— Jace — Alec assobiou. — Tenha cuidado.
Jace balançou seu braço. Um macabro traço de sangue marcava seu rosto. Ele ainda lembrava-lhe um leão, com seu extenso passo, olhos cor de âmbar e aquele cabelo dourado queimado.
— Ela pode nos ver, Alec — ele disse. — Ela já sabe demais.
— Então, o que é que você quer que eu faça com ela? — Isabelle demandou.
— Liberte-a — Jace respondeu.
Isabelle olhou-o com surpresa, quase um olhar de raiva, mas não discutiu. O chicote deslizou para longe, libertando o braço de Clary. Ela friccionou seu pulso dolorido e imaginou que diabos faria para sair de lá.
— Talvez nós devêssemos trazê-la junto com a gente — Alec observou. — Eu aposto que Hodge gostaria de falar com ela.
— De jeito nenhum nós a levaremos para o Instituto — Isabelle respondeu. — Ela é uma mundana.
— Será? — Jace perguntou suavemente. Seu tom calmo era pior do que a rispidez de Isabelle ou a raiva de Alec. — Você já teve relações com os demônios, garotinha? Andou com bruxos, conversou com Crianças da Noite? Você tem...
— Meu nome não é “garotinha” — Clary interrompeu — eu não tenho ideia do que você está falando.
Não tem? uma voz falou no fundo de sua cabeça. Você viu aquele garoto sumir no ar. Jace não é louco – você apenas quer que ele seja.
— Eu não acredito em demônios, ou tanto faz o que você...
— Clary? — era a voz de Simon.
Ela girou ao redor. Ele estava parado na porta da sala do depósito. Um dos musculosos porteiros da porta da frente estava próximo dele.
— Você está bem? — ele espiou-a através da escuridão. — Por que você está aqui sozinha? O que aconteceu com os caras, você sabe, aqueles com as facas?
Clary olhou para ele, então olhou para trás dela, onde Jace, Isabelle e Alec estavam, Jace ainda em sua camiseta ensanguentada com a faca em sua mão. Ele sorriu para ela e soltando um meio-desculpando, meio-zombeteiro dar de ombros. Claramente, ele não estava surpreso que nem Simon, nem o porteiro, podiam vê-los.
De algum modo, nem Clary.
Lentamente, ela se virou de volta para Simon, sabendo o que ele via: Clary em pé e sozinha em um quarto poeirento de armazenamento, os pés dela emaranhados no plástico brilhante dos cabos de fiação.
— Pensei que eles tivessem vindo para cá — ela falou esfarrapadamente. — Mas acho que não. Me desculpem.
Ela olhou para Simon, cuja expressão tinha mudado de preocupado para embaraçado, e para o porteiro, que parecia chateado.
— Isso foi um engano.
Atrás dela, Isabelle riu.
***
— Eu não acredito nisso — Simon disse teimosamente enquanto Clary, parada no meio fio, tentava desesperadamente chamar um táxi.
Garis tinham passado pela viela enquanto eles estavam dentro do clube, e a rua estava brilhando com água oleosa.
— Eu sei — ela concordou. — Pensei que aqui teria taxis. Onde alguém iria à meia-noite em um domingo? — Ela deu as costas para ele, balançando a cabeça. — Você acha que teríamos mais sorte em Houston?
— Não o táxi — Simon disse — você... Eu não acredito em você. Eu não acredito que aqueles caras com facas simplesmente desapareceram.
Clary suspirou.
— Talvez não tivesse nenhum cara com facas, Simon. Talvez eu tenha imaginado a coisa toda.
— Sai fora — Simon levantou sua mão acima de sua cabeça, mas o próximo táxi passou zumbindo, espirrando água suja. — Eu vi a sua cara quando entrei no depósito. Você parecia seriamente fora de si, como se tivesse visto um fantasma.
Clary pensou em Jace com seus olhos de leão. Ela olhou para seu pulso, marcado por uma fina linha vermelha onde o chicote de Isabelle tinha se enroscado.
Não, não um fantasma, ela pensou. Alguma coisa mais estranha que isso.
— Foi apenas um engano — ela disse secamente.
Ela se perguntou por que não estava dizendo a verdade a ele. Exceto, é claro, que ele iria pensar que era maluca. E aquilo era algo que tinha acontecido – alguma coisa sobre o sangue negro borbulhando ao redor da faca de Jace, alguma coisa naquela sua voz quando perguntou “conversou com as Crianças da Noite?” aquilo ela precisava manter para si mesma.
— Bom, aquilo foi um inferno de um embaraçoso engano — Simon disse.
Ele olhou de volta para o clube, onde uma fila ainda serpenteava na porta até metade da quadra.
— Eu duvido que eles irão deixar a gente entrar novamente no Pandemônio.
— Por que você se importa? Você odeia o Pandemônio.
Clary levantou sua mão de novo para uma forma amarela veloz através do nevoeiro. Dessa vez, entretanto, o táxi freou, o motorista descansando em seu volante como se precisasse ganhar sua atenção.
— Finalmente tivemos sorte — Simon abriu porta do táxi e deslizou para os bancos cobertos de plástico.
Clary o seguiu, inalando o familiar cheiro de táxi de Nova York, de fumaça de cigarro, couro e spray de cabelo.
— Estamos indo para o Brooklyn — Simon comunicou ao taxista, e então ele se virou para Clary. — Olha, você sabe que pode me contar qualquer coisa, certo?
Clary hesitou por um momento, então concordou.
— Claro, Simon. Eu sei que posso.
Ela bateu a porta do táxi e o carro arrancou dentro da noite.
Ela bateu a porta do táxi e o carro arrancou dentro da noite.
Muito bom!! Bem parecido com a série
ResponderExcluirum bom início :)
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