Capítulo 10

Celaena jamais tinha beijado alguém. Quando os lábios tocaram os de Sam e ele a envolveu pela cintura com os braços, puxando-a para perto, a assassina sinceramente não fazia ideia de por que havia esperado tanto tempo. A boca do companheiro era quente e macia, o corpo era maravilhosamente sólido contra o dela, os cabelos sedosos entre os dedos de Celaena. Mesmo assim, permitiu que Sam a guiasse, obrigou-se a se lembrar de respirar conforme o rapaz abria suavemente os lábios dela com os próprios.
Quando sentiu o toque da língua de Sam contra a sua, foi tão eletrizante que ela achou que poderia morrer de adrenalina. Celaena queria mais. Queria Sam inteiro.
Não conseguia segurá-lo forte o bastante, beijá-lo rápido o suficiente. Um gemido soou no fundo da garganta dele, tão cheio de desejo que Celaena o sentia no centro do corpo. Na verdade, mais abaixo.
Ela o empurrou contra a parede, e as mãos de Sam deslizaram pelas costas, pela lateral do corpo, pelos quadris de Celaena. Ela queria se deliciar com aquela sensação — queria arrancar a própria roupa para sentir as mãos calejadas do rapaz contra a pele nua. A intensidade daquele desejo a tomou como um sobressalto.
Ela não dava a mínima para os esgotos. Ou para Doneval, ou Philip, ou Arobynn.
Os lábios de Sam deixaram a boca de Celaena para percorrerem o pescoço. Eles roçaram um ponto sob a orelha, e Celaena perdeu o fôlego.
Não, ela não dava a mínima para nada naquele momento.

***

Era noite quando os dois deixaram os esgotos, os cabelos embaraçados e as bocas inchadas. Sam não a soltou durante a longa caminhada de volta à Fortaleza, e ao chegarem, Celaena ordenou que os criados mandassem o jantar de ambos para o quarto dela. Embora tivessem ficado acordados noite adentro, conversando ao mínimo, as roupas permaneceram no lugar. Coisas demais haviam acontecido naquele dia que mudavam a vida dela, e Celaena não queria mais uma grande mudança.
Mas o que acontecera no esgoto...
A assassina ficou acordada naquela noite, muito depois de Sam ter saído do quarto, encarando o nada.
Ele a amava. Havia anos. E tinha aturado tanto por ela.
De jeito nenhum, Celaena não conseguia entender o motivo. Só fora ruim com o rapaz e agradecera qualquer gentileza da parte dele com escárnio. E o modo como se sentia em relação a Sam...
Não estava apaixonada por ele havia anos. Até baía da Caveira, Celaena não teria se importado de matá-lo.
Mas agora... Não, não podia pensar naquilo agora. Nem no dia seguinte. Porque no dia seguinte os dois se infiltrariam na casa de Doneval. Ainda era arriscado, mas o pagamento... Ela não podia recusar o dinheiro, não agora que se sustentaria. E não deixaria que o desgraçado do Doneval saísse impune com o acordo de comércio de escravos, ou com a chantagem contra aqueles que ousavam se colocar contra ele.
Celaena apenas rezou para que Sam não se ferisse.
No silêncio do quarto, fez um juramento ao luar de que se ele fosse ferido, nenhuma força no mundo a impediria de massacrar todos os responsáveis.

***

Depois do almoço na tarde seguinte, Celaena esperou nas sombras ao lado da porta do esgoto que dava para o porão. Um pouco adiante no túnel, Sam também aguardava, com o traje preto tornando-o quase invisível na escuridão.
O almoço terminaria em breve e seria a melhor chance de Celaena entrar sorrateiramente na casa. Esperava já havia uma hora, cada ruído intensificava a ansiedade que sentia desde o alvorecer. Precisaria ser rápida e silenciosa e cruel. Um erro, um grito — ou mesmo um empregado desaparecido — poderia arruinar tudo.
Um criado tinha de descer para jogar o lixo em algum momento próximo. Ela tirou um relógio de bolso do traje. Com cuidado, acendeu um fósforo para enxergar a face do objeto. Eram 14 horas. Tinha cinco horas até precisar entrar de fininho no escritório de Doneval e esperar a reunião de 19h30. E ela estava disposta a apostar que o comerciante não entraria no escritório antes disso; um homem como aquele iria querer cumprimentar o convidado à porta, ver o olhar no rosto do comparsa enquanto o levava pelos corredores opulentos. De repente, ouviu a primeira porta interna que dava para os esgotos ranger, então passos e resmungos ecoaram. O ouvido treinado distinguiu o ruído de uma criada. Ela apagou o fósforo.
Celaena colou o corpo à parede quando a fechadura da porta externa estalou e se abriu; a porta pesada deslizou contra o chão. Não conseguia ouvir outros passos que não os da mulher que puxara uma bacia de lixo até a elevação. A empregada estava sozinha. O porão acima também estava vazio.
A mulher, preocupada demais em virar o balde metálico de lixo, não pensou em olhar para as sombras ao lado da porta. Nem mesmo parou quando Celaena passou de fininho por ela. A assassina atravessou as duas portas, subiu as escadas e entrou no porão antes de sequer ouvir o ruído do lixo caindo e se esparramando na água.
Ao correr na direção do canto mais escuro do porão amplo e mal iluminado, ela observou tantos detalhes quanto conseguiu. Inúmeros barris de vinho e prateleiras entulhadas de comida e mercadorias de toda Erilea. Uma escada que dava para cima. Não dava para ouvir criado algum, exceto em algum lugar acima. Na cozinha, provavelmente.
A porta externa bateu, a tranca soou. Mas Celaena já estava agachada atrás de um enorme barril de vinho. A porta interior também se fechou e foi trancada. A jovem colocou a máscara preta lisa que havia levado, jogando o capuz do manto sobre os cabelos. Ouviu-se o som de passos, e a luz oscilou, então a criada reapareceu no alto da escadaria do esgoto, com o balde de lixo vazio rangendo ao pender de uma das mãos. Ela passou direto, murmurando consigo mesma ao subir as escadas em direção à cozinha.
Celaena expirou quando os passos da mulher se dissiparam, depois sorriu consigo mesma. Se Philip fosse inteligente, teria cortado o pescoço dela naquela noite no esgoto. Talvez, ao matá-lo, Celaena o informasse exatamente como havia entrado na casa.
Quando estava totalmente segura de que a criada não voltaria com um segundo balde de lixo, Celaena correu em direção aos pequenos degraus que davam para o esgoto. Silenciosa como um coelho do deserto Vermelho, destrancou a primeira porta, se esgueirou por ela, então destrancou a segunda. Sam não entraria até logo antes da reunião — ou alguém poderia descer e achá-lo preparando o porão para o incêndio que serviria como distração. E, se alguém encontrasse as duas portas abertas antes disso, poderia simplesmente colocar a culpa na criada que havia jogado o lixo fora.
Celaena cuidadosamente fechou as portas, certificando-se de que as trancas permaneciam abertas, depois retornou para seu lugar às sombras da vasta coleção de vinho do porão.
Então ela esperou.

***

Às 19 horas, Celaena deixou o porão antes que Sam pudesse chegar com as tochas e o óleo. A quantidade obscena de álcool armazenado ali dentro faria o resto. A assassina apenas esperava que Sam conseguisse sair antes de o incêndio deixar o porão em ruínas.
Ela precisava estar no andar de cima e escondida antes que isso acontecesse... e antes da troca ser feita. Depois que o incêndio começasse, alguns minutos depois das 19h30, alguns dos guardas seriam chamados para o andar inferior imediatamente, deixando Doneval e o parceiro com muito menos homens para protegê-los.
Os criados estavam fazendo a refeição da noite, e, pelas risadas dentro da cozinha, que ficava em um nível inferior, ninguém parecia ciente do negócio que iria ocorrer três andares acima. Celaena passou de fininho pela porta da cozinha. Com o traje, o manto e a máscara, era apenas uma sombra sobre as pálidas paredes de pedras. Ela prendeu o fôlego ao subir a escadaria estreita e espiralada dos criados.
Com o novo traje, era muito mais fácil saber onde estavam as armas, e ela deslizou uma adaga longa para fora da aba oculta na bota. Celaena olhou pelo corredor do segundo andar.
As portas de madeira estavam todas fechadas. Nenhum guarda, nenhum criado, nenhum funcionário da casa de Doneval. Ela colocou o pé com cuidado sobre as tábuas do piso. Onde possivelmente estavam os guardas?
Com a destreza e o silêncio de um gato, Celaena estava diante da porta do escritório de Doneval. Nenhuma luz se projetava por baixo da porta. Ela não via sombras ou pés, e não ouvia som algum.
A porta estava trancada. Um pequeno inconveniente. A jovem embainhou a adaga e pegou dois pedaços finos de metal, inclinando-os e enfiando-os na fechadura, até que... clique.
Em seguida, estava do lado de dentro, com a porta trancada novamente, e encarava o interior negro como nanquim. Franzindo a testa, Celaena buscou o relógio de bolso no traje. Ela acendeu um fósforo.
Ainda tinha tempo o suficiente para averiguar.
A jovem apagou o fósforo e correu até as cortinas, fechando-as bem contra a noite do lado de fora. Chuva ainda caía de leve contra o vidro das janelas. Celaena foi até a enorme mesa de carvalho no centro do quarto e acendeu a lamparina sobre ela, reduzindo a iluminação até que uma leve chama azul emitisse apenas uma luz bruxuleante. A assassina revirou os papéis sobre a mesa.
Jornais, cartas corriqueiras, recibos, despesas da casa... Abriu cada gaveta na mesa. Mais do mesmo. Onde estavam aqueles documentos?
Engolindo um xingamento violento, Celaena levou o punho à boca. Virou-se onde estava. Uma poltrona, um armário, uma cristaleira... Ela verificou a cristaleira e o armário, mas não achou nada. Apenas papéis em branco e tinta. Os ouvidos estavam atentos a qualquer sinal de guardas se aproximando.
Ela avaliou os livros na estante, passando os dedos pelas lombadas, tentando ouvir se algum era oco, tentando ouvir se...
Uma tábua rangeu sob os pés. Celaena se ajoelhou em um segundo, batendo na madeira escura e encerada. Bateu por toda a área até encontrar um ruído oco.
Com cuidado, o coração acelerado, ela enfiou a adaga entre as tábuas do piso e empurrou para cima. Papéis surgiram diante dela.
Celaena os pegou, recolocou a tábua no chão e estava de volta à mesa um momento depois, espalhando os papéis diante de si. Olharia rapidamente, apenas para ter certeza de que eram os documentos certos...
As mãos tremiam conforme a assassina folheava, uma página após a outra. Mapas com marcas vermelhas em lugares aleatórios, tabelas com números e nomes — lista após lista de nomes e lugares. Cidades, vilarejos, florestas, montanhas, tudo em Melisande.
Aquilo não continha apenas os opositores à escravidão em Melisande; aquelas eram localizações de esconderijos planejados para o contrabando de escravos à liberdade. Aquilo era informação o suficiente para fazer com que todas aquelas pessoas fossem executadas ou, elas mesmas, escravizadas.
E Doneval, aquele canalha desgraçado, usaria as informações para obrigar aquelas pessoas a sustentarem o comércio de escravos... ou seriam entregues ao rei.
Celaena reuniu os documentos. Jamais deixaria que Doneval saísse impune com aquilo. Jamais.
A assassina deu um passo na direção da tábua falsa. Então ouviu as vozes.

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