Capítulo 13 - Lembranças Brancas

 Minha mãe fez isso comigo?  Clary exigiu, mas sua surpresa indignação não soavam convincente, nem mesmo para os seus próprios ouvidos.
Olhando em volta, ela viu pena nos olhos de Jace, e mesmo Alec parecia lamentar por ela.
— Por quê?
— Eu não sei — Magnus esticou suas longas e brancas mãos. — Não é o meu trabalho fazer perguntas. Eu faço o que sou pago para fazer.
— Dentro dos limites do Pacto — Jace lembrou a ele, sua voz suave como pelo de gato.
Magnus inclinou sua cabeça.
— Dentro dos limites do Pacto, é claro.
— Então o Pacto está em concordância com isso – esta violação mental? — Clary perguntou amargamente.
Quando ninguém respondeu, ela afundou na ponta da cama de Magnus.
— Foi só uma vez? Havia algo específico que ela queria que eu esquecesse? Você sabe o que era?
Magnus andou inquietamente até a janela.
— Eu não acho que você entenda. A primeira vez que te vi, você devia ter cerca de dois anos. Eu estava olhando dessa janela. — Ele bateu no vidro, libertando uma ducha de poeira e restos de tinta. — Vi uma mulher apressada pela rua, segurando algo embrulhado em um cobertor. Fiquei surpreso quando ela parou na minha porta. Ela parecia tão normal, tão jovem.
A luz da lua iluminou seu perfil falconizado de prata.
— Ela desenrolou o cobertor quando chegou a minha porta. Você estava lá dentro. Ela te sentou no chão e você começou a circular por aí, pegando coisas, puxando o rabo do meu gato – você gritou como um espírito quando o gato arranhou você, então eu perguntei a sua mãe se você era parte espírito.
Ela não riu. Ele pausou. Todos o estavam olhando intensamente agora, mesmo Alec.
— Ela me disse que era uma Caçadora de Sombras. Que não havia nenhum interesse em mentir sobre isso; as Marcas do Pacto apareciam, mesmo quando se desbotam com o tempo, como cicatrizes prateadas, apagadas contra a pele. Elas piscaram quando ela se moveu — ele esfregou a maquiagem de glitter ao redor de seus olhos. — Ela me disse que esperava que você tivesse nascido com o olho cego para o Círculo – alguns Caçadores de Sombras tem que ser ensinados a ver o Mundo das Sombras. Mas ela te pegou naquela tarde provocando uma fada presa em uma cerca. Ela sabia que você podia ver. Então me perguntou se era possível ocultar você da Visão.
Clary fez um pequeno barulho, uma dolorosa exalação de ar, mas Magnus continuou sem remorso.
— Eu disse a ela que incapacitar aquela parte de sua mente poderia deixar você danificada, possivelmente louca. Ela não chorou. Ela não era o tipo de mulher que chora com facilidade, sua mãe. Me perguntou se não havia outro jeito, e respondi que você poderia esquecer aquelas partes do Mundo das Sombras que você podia ver, mesmo que as visse novamente. A única ressalva era que ela teria que vir a mim a cada dois anos, quando os resultados do feitiço começariam a desaparecer.
—  E ela veio? — Clary perguntou.
Magnus acenou.
— Eu vi você a cada dois anos desde a primeira vez... vi você crescer. Você foi a única criança que eu vi crescer desse jeito, você sabe. Em meu negócio, geralmente não é bem-vindo estar em torno de crianças humanas.
— Então você reconheceu Clary quando nós entramos — Jace disse. — Você deve ter reconhecido.
— Claro que reconheci — Magnus soou exasperado — e foi um choque, também. Mas o que eu poderia fazer? Ela não me reconheceu. E era suposto que não me reconhecesse. Só o fato de ela estar aqui significava que o feitiço tinha começado a desaparecer – e de fato, nós tínhamos um contrato para outra visita um mês atrás. Eu mesmo passei na sua casa quando voltei da Tanzânia, mas Jocelyn disse que vocês duas tiveram uma briga e você saiu. Ela disse que ia ligar quando você voltasse, mas... — em um elegante encolher de ombros — mas ela nunca ligou.
Um frio de uma lembrança formigou a pele de Clary. Ela lembrava de estar em pé no saguão próxima a Simon, se esforçando para lembrar de algo que dançava a apenas um canto de sua visão...
Eu pensei ter visto o gato de Dorothea, mas acho que foi só um truque de luz. Mas Dorothea não tinha um gato.
— Era você lá, naquele dia! — Clary exclamou. — Vi você saindo do apartamento de Dorothea. Eu lembro dos seus olhos.
Magnus pareceu como se ele pudesse ronronar.
— Eu sou memorável, é verdade — ele exultou. Então balançou a cabeça — você não deveria se lembrar de mim. Eu lancei um feitiço tão forte quanto uma parede, logo que vi você. Você deveria estar indo direto para ele, primeiro de cara – psiquicamente falando.
Se você topar com uma parede psíquica na cara novamente, você se livrará das contusões psíquicas?, Clary pensou.
— Se você tirar o feitiço de mim, eu serei capaz de me lembrar de todas as coisas que eu esqueci? Todas as memórias que você roubou?
— Eu não posso tirar isso de você — Magnus parecia desconfortável.
— O quê? — Jace soou furioso. — Por que não? A Clave exige que você...
Magnus olhou para ele friamente.
— Eu não gosto de quando dizem o que devo fazer, pequeno Caçador de Sombras.
Clary podia ver o quanto Jace não gostava de ser referido como “pequeno”, mas antes que ele pudesse lançar uma resposta, Alec falou. Sua voz era suave, pensativa.
— Você não sabe como reverter? — ele perguntou. — O feitiço, eu quero dizer.
Magnus suspirou.
— Anular um feitiço é muito mais difícil do que criá-lo, em primeiro lugar. A complexidade desse, o cuidado que tomei tecendo-o – se eu fizesse mesmo um pequeno erro em desembaraçar isso, sua mente poderia ser danificada para sempre. Além disso — ele adicionou — já começou a sumir. Os efeitos serão varridos com o tempo por conta própria.
Clary olhou para ele severamente.
— Vou receber todas as minhas memórias de volta, então? Sejam quais foram levadas para fora da minha cabeça?
— Eu não sei. Elas podem voltar tudo de uma só vez ou em etapas. Ou talvez você nunca se lembre do que tenha esquecido, ao longo dos anos. O que a sua mãe me pediu para fazer foi único em minha experiência. Eu não tenho nenhuma ideia do que vai acontecer.
— Mas eu não quero esperar — Clary fechou firmemente suas mãos em seu colo, seus dedos apertados tão juntos que as pontas ficaram brancas — toda a minha vida eu senti que havia algo errado comigo. Algo faltando ou danificado. Agora eu sei...
— Eu não vou te prejudicar — era a vez de Magnus de interromper, seus lábios enrolaram para trás raivosamente para mostrar nítidos dentes brancos. — Todo adolescente no mundo se sente assim, quebrado ou fora de lugar, de alguma maneira diferente, a realeza nascida por engano em uma família de camponeses. A diferença no seu caso é que é verdade. Você é diferente. Talvez não melhor, mas diferente. E não é nem um pouco divertido ser diferente. Você quer saber como é quando seus pais são do bom povo religioso e você aparece e nasce com a marca do diabo? — ele apontou para os seus olhos, dedos estirados. — Quando seu pai recua com a sua visão e sua mãe se esconde no celeiro, ficando louca por aquilo que ela tinha feito? Quando eu tinha dez anos, meu pai tentou me afogar no riacho. Eu bati nele com tudo o que tinha, incendiando-o onde ele estava. Fui aos padres da igreja, eventualmente, para o santuário. Eles me esconderam. Disseram que a piedade era uma coisa amarga, mas era melhor do que o ódio. Quando descobri o que eu era realmente, apenas um meio humano, eu me odiei. Qualquer coisa é melhor do que aquilo.
Houve um silêncio quando Magnus terminou de falar. Para surpresa de Clary, foi Alec quem o quebrou.
— Não foi culpa sua — ele disse. — Você não pode fazer nada por ser como você nasceu.
A expressão de Magnus estava fechada.
— Eu estou acima disso. Eu acho que queria dar meu ponto de vista. Diferente não é melhor, Clarissa. Sua mãe estava tentando te proteger. Não jogue isso na sua cara.
As mãos de Clary relaxaram de seu aperto.
— Eu não me importo se sou diferente — ela replicou. — Eu só queria saber quem eu realmente sou.
Magnus pragujou numa língua que ela não conhecia. Soava como chamas estalando.
— Tudo bem. Escute. Não posso desfazer o que eu fiz, mas posso lhe dar algo mais. Um pedaço do que teria sido seu futuro se você tivesse sido erguida como uma verdadeira criança de Nephilim.
Ele andou largamente através do quarto para a estante de livros e arrastou para baixo um pesado volume encapado em um veludo verde apodrecido. Ele se lançou através das páginas, derramando poeira e pedaços de panos. As páginas eram finas, quase um translúcido pergaminho como casca de ovo, cada uma marcada com uma gritante Runa preta. A sobrancelha de Jace subiu.
— Essa é uma cópia do Livro Cinza?
Magnus, febrilmente passando as páginas, não disse nada.
— Hodge tem um — Alec observou. — Ele mostrou para mim uma vez.
— Ele não é cinza — Clary sentiu compelida a apontar isso. — É verde.
— Se houve semelhante coisa quanto expressão literal, você morreria na infância — disse Jace, limpando a poeira ao longo do umbral da janela e olhando como se considerando se ela estava limpa o suficiente para se sentar. — Gray – cinza em inglês – é a abreviatura para “Gramarye.” Que significa “mágico, sabedoria escondida”. Em que é copiada cada Runa que o Anjo Raziel escreveu no livro original do Pacto. Não há muitos exemplares, pois cada um tem de ser feito especialmente. Algumas das Runas são tão poderosas que elas queimam através das páginas regulares.
Alec parecia impressionado.
— Eu não sabia disso tudo.
Jace saltou para o assento na janela e juntou suas pernas.
— Nem todos nós dormimos durante as lições de história.
— Eu não...
— Ah, sim você dorme, e além disso, baba em cima da mesa.
— Calem a boca — Magnus ordenou, mas ele disse bem suavemente.
Ele enganchou seus dedos entre duas páginas do livro e veio para cima de Clary, fixando-o com cuidado em seu colo.
— Agora, quando eu abrir o livro, eu quero que você estude a página. Olhe para ela até que sinta alguma coisa mudar dentro da sua mente.
— Vai doer? — Clary perguntou nervosamente.
— Todo conhecimento machuca — Magnus replicou, e ficou parado, deixando o livro cair aberto em seu colo.
Clary olhou abaixo para a página branca com uma marca de Runa preta derramada sobre ela. Ela parecia alguma coisa como um espiral alado, até que ela inclinou sua cabeça, e então pareceu como um grupo de curvas ao redor com uma videira. Os mutáveis cantos do padrão fizeram cócegas em sua mente como penas roçando contra a pele sensível. Ela sentiu o tiritante cintilar da reação, fazendo-a querer fechar seus olhos, mas ela segurou-os abertos até eles picarem e desfocarem. Ela estava prestes a piscar quando sentiu aquilo: um clique dentro de sua cabeça, como uma chave girando em uma fechadura.
A Runa na página parecia saltar dentro em um acentuado foco, e ela pensou, involuntariamente, Recordar. Se a Runa era uma palavra, teria sido esta, mas não havia ali mais sentido do que qualquer palavra que ela pudesse imaginar.
Era uma primeira memória de criança, da luz caindo através das barras do berço, a lembrança do cheiro da chuva e das ruas da cidade, a dor da perda não esquecida, a dor aguda da humilhação relembrada e dos cruéis esquecimentos dos velhos, quando a mais antiga das memórias aparece com agonizante e clara precisão, e a aproximação de incidentes perdidos além das lembranças.
Com um pequeno suspiro, ela virou a próxima página, e a outra, deixando as imagens e as sensações fluírem sobre ela. Tristeza. Pensamento. Força. Proteção. Graça – e então ela lamentou em surpresa repreensão quando Magnus arrebatou o livro do seu colo.
— Já chega — ele disse, deslizando-o de volta a prateleira.
Ele limpou a poeira de suas mãos sobre suas calças coloridas, deixando estrias de cinza.
— Se você ler todas as Runas de uma só vez, vai ter dor de cabeça.
— Mas...
— A maioria das crianças Caçadoras de Sombras cresce aprendendo uma Runa ao final de um tempo, a cada período de anos — Jace disse — o Livro Cinza contém Runas que mesmo eu não conheço.
— Imagine só isso — Magnus comentou.
Jace ignorou-o.
— Magnus mostrou a você a Runa do entendimento e da recordação. Ela abrirá sua mente para ler e reconhecer o resto das Marcas.
— Também pode servir como um gatilho para ativar as memórias latentes — Magnus explicou — elas podem retornar a você mais rapidamente do que seria de outra forma. Isso é o melhor que eu posso fazer.
Clary olhou para o seu colo.
— Eu ainda não me lembro nada sobre o Cálice Mortal.
— Então é sobre isso? — Magnus soou realmente atônito. — Vocês estão atrás do Cálice do Anjo? Olhe, eu já olhei através de suas memórias. Lá não há nada nelas sobre os Instrumentos Mortais.
— Instrumentos Mortais? — Clary repetiu, confusa. — Eu pensei...
— O Anjo deu três itens para o primeiro dos Caçadores de Sombras. Um cálice, uma espada e um espelho. Os Irmãos do Silêncio têm a espada, o cálice e o espelho estavam em Idris, pelo menos até Valentim aparecer.
— Ninguém sabe onde o espelho está — Alec disse. — Ninguém sabe há anos.
— É o Cálice que nos preocupa — Jace respondeu — Valentim está procurando por ele.
— E vocês querem chegar ao Cálice antes que ele o faça? — Magnus perguntou, suas sobrancelhas levantando.
— Você não tinha dito que não sabia quem era Valentim? — Clary apontou.
— Eu menti — Magnus admitiu candidamente — eu não sou bobo, você sabe. Não sou obrigado a ser sincero. E só um idiota iria ficar entre Valentim e sua vingança.
— É disso que você acha que ele está atrás? Vingança? — Jace indagou.
— Eu acho que sim. Ele sofreu uma séria derrota e ele dificilmente parecia... parece... o tipo de homem que sofre uma derrota graciosamente.
Alec olhou duramente para Magnus.
— Você estava na Revolta?
Os olhos de Magnus se prenderam aos de Alec.
— Eu estava. Eu matei um grande número de seu povo.
— Membros do Circulo — Jace disse rapidamente. — Não nossos...
— Se você insiste em negar aquilo que é, ser horrível sobre o que faz — Magnus disse, olhando ainda para Alec — você nunca vai aprender com os seus erros.
Alec, puxando a coberta com uma mão, enrubesceu em um vermelho infeliz.
— Você não parece surpreso ao ouvir falar que Valentim está vivo — ele disse, evitando o olhar de Magnus.
Magnus esticou suas mãos.
— E você?
Jace abriu sua boca, e então a fechou novamente. Ele parecia realmente confundido. Eventualmente ele disse:
— Então você não vai nos ajudar a achar o Cálice Mortal?
— Eu iria, se pudesse — Magnus disse — o que, a propósito, eu não posso. Eu não tenho ideia de onde ela está, e não quero saber. Apenas um tolo, como eu disse.
Alec sentou-se ereto.
— Mas sem o Cálice, nós não podemos...
— Fazer mais de vocês. Eu sei — Magnus interrompeu — talvez nem todo mundo considere como catástrofe aquilo que você faz. Veja bem — ele acrescentou — se eu tivesse que escolher entre a Clave e Valentim, eu iria escolher a Clave. Pelo menos não estão realmente jurados de extinguir a minha espécie. Mas nada que a Clave fez ganhou minha inabalável lealdade. Então não, eu vou sentar do lado de fora. Agora, se nós terminamos aqui, eu gostaria de voltar para a minha festa antes que qualquer um dos convidados comam um ao outro.
Jace, que estava abrindo e fechando suas mãos, parecia estar prestes a dizer algo furioso, mas Alec, ficando de pé, colocou uma mão sobre seu ombro. Clary não poderia realmente dizer pela falta de luz, mas parecia que Alec estava apertando bastante.
— E isso é provável? — Alec perguntou.
Magnus estava olhando para ele com algum divertimento.
— Isso aconteceu antes.
Jace murmurou algo para Alec, que se foi. Desligando-se de si mesmo, ele veio para perto de Clary.
— Você está bem? — perguntou em uma voz baixa.
— Eu acho que sim. Eu não sinto nada diferente...
Magnus, de pé junto a porta, bateu seus dedos impacientemente.
— Mexam-se, adolescentes. A única pessoa que pode ter afagos em meu quarto é meu magnífico eu.
— Afago? — repetiu Clary, nunca tendo ouvido essa palavra antes.
— Magnífico? — repetiu Jace, que estava apenas sendo desagradável.
Magnus rosnou. O rosnar soou como um “Saiam”.
Eles saíram, Magnus trilhando atrás deles enquanto pausava para fechar a porta de seu quarto. A festa pareceu sutilmente diferente para Clary. Talvez fosse apenas sua ligeiramente visão alterada: Tudo parecia mais claro, bordas cristalinas acentuadamente definidas. Ela olhou um grupo de músicos tomarem o pequeno palco no centro da sala. Eles usavam roupas fluidas em profundas cores de ouro, roxo e verde e suas vozes eram acentuadamente altas e etéreas.
— Eu odeio bandas de fadas — Magnus murmurou enquanto os músicos seguiam em outra música espiritual, a melodia tão delicada e translúcida quanto pedras de cristal. — Tudo o que tocam são baladas deprimentes.
Jace, olhou ao redor da sala, rindo.
— Onde está Isabelle?
Uma torrente de culpa acertou Clary. Ela se esqueceu de Simon. Girou ao redor procurando os familiares ombros magros e a massa de cabelos escuros.
— Eu não vejo ele. Eles, quero dizer.
— Lá está ela — Alec avistou sua irmã e acenou acima dele, parecendo aliviado — aqui. E cuidado com o phouka.
— Cuidado com o phouka? — Jace repetiu, olhando na direção de um magro homem com pele castanha usando um colete verde estampado que olhou para Isabelle pensativamente enquanto caminhava.
— Ele me deu um beliscão quando passei por ele mais cedo — Alec disse duramente — em uma área grandemente pessoal.
— Eu odeio te cortar, mas se ele estava interessado em sua área grandemente pessoal, provavelmente não estará interessado na da sua irmã.
— Não necessariamente — Magnus respondeu — o povo das fadas não é específico.
Jace curvou seu lábio desdenhosamente na direção do bruxo.
— Você ainda está aqui?
Antes que Magnus pudesse responder, Isabelle estava em cima deles, aparecendo com o rosto rosado e manchado, cheirando fortemente a álcool.
— Jace! Alec! Onde vocês estavam? Eu estava procurando por todo...
— Onde está Simon? — Clary interrompeu.
Isabelle cambaleou.
— Ele é um rato — ela disse sombriamente.
— Ele fez alguma coisa com você? — Alec estava cheio de preocupação fraternal. — Ele te tocou? Se ele tentou alguma coisa...
— Não, Alec — Isabelle respondeu com irritação — não desse jeito. Ele é um rato.
— Ela está bêbada — Jace observou, começando a se virar para longe com desgosto.
— Eu não estou — Isabelle disse indignada — bem, talvez um pouco, mas esse não é o ponto. O ponto é, Simon bebeu um daqueles drinks azuis... eu disse para ele não beber, mas ele não me escutou... e ele virou um rato.
— Um rato? — Clary repetiu incredulamente. — Você não quer dizer...
— Eu quero dizer um rato — Isabelle repetiu — pequeno, marrom, cauda escamosa.
— A Clave não vai gostar disso — Alec disse incerto — tenho certeza que mundanos transformarem-se em ratos é contra a Lei.
— Tecnicamente, não foi culpa dela Simon ser transformado em rato — Jace apontou — a pior coisa de que poderia ser acusada seria por negligência.
— Quem se importa com a estúpida Lei? — Clary gritou, segurando os pulsos de Isabelle. — Meu melhor amigo é um rato!
— Aiii! — Isabelle tentou puxar seus pulsos de volta. — Me solte!
— Não até que você me diga onde ele está — Clary nunca desejou bater tanto em alguém como queria acertar Isabelle naquele exato momento — eu não acredito que você o largou – ele provavelmente está aterrorizado...
— Se não foi pisoteado — Jace apontou inutilmente.
— Eu não o larguei. Ele correu para debaixo do bar — Isabelle protestou, apontando — vamos lá! Você está amassando a minha pulseira.
— Cadela — Clary replicou selvagemente, lançando a mão de Isabelle de volta a ela.
Clary não esperou por uma reação; foi correndo em direção ao bar. Dobrando seus joelhos, perscrutou o espaço escuro embaixo dele. No cheiro bolorento na escuridão, ela pensou ter detectado um par de reluzentes olhos redondos.
— Simon? — ela chamou, sua voz chocada. — É você?
Simon o rato, andou a frente ligeiramente, seus bigodes tremendo. Ela podia ver a forma de suas pequenas orelhas arredondadas, planas contra sua cabeça, e o ponto afinado de seu nariz. Lutou com o sentimento de repugnância – ela nunca gostou de ratos, com seus dentes quadrados amarelados, todos prontos para morder. Desejou que ele tivesse se tornado um hamster.
— Sou eu, Clary — ela disse lentamente — você está bem?
Jace e os outros chegaram atrás dela, Isabelle parecendo mais irritada agora do que chorosa.
— Ele está aí embaixo? — Jace perguntou curiosamente.
Clary, ainda apoiada nas mãos e joelhos, concordou.
— Shh. Vocês vão assustá-lo — ela empurrou os dedos delicadamente sob a borda do balcão, e maneou-os — por favor, saia, Simon. Nós vamos pedir para Magnus reverter o feitiço. Vai ficar tudo bem.
Ela ouviu um guincho, e o rato botou o nariz cor-de-rosa para fora do balcão. Com uma exclamação de alívio, Clary apanhou o rato em suas mãos.
— Simon! Você me entendeu!
O rato se aconchegou na concavidade das palmas das mãos, guinchando carrancudo. Encantada, ela o abraçou em seu peito.
— Oh, pobre querido — ela murmurou sentimentalmente, quase como se ele fosse um animal de estimação — pobre Simon, vai ficar tudo bem, eu prometo...
— Eu não lamento muito por ele — Jace disse — esse provavelmente é o mais próximo que ele chegou da segunda base.
— Cala a boca! — Clary olhou para Jace furiosamente, mas ela afrouxou seu aperto sobre o rato.
Os bigodes dele estavam tremendo, se por raiva, agitação ou simples terror, ela não podia dizer.
— Me leve ao Magnus — ela disse rispidamente — nós temos que transformá-lo de volta.
— Não vamos ser precipitados.
Jace estava realmente sorrindo, o bastardo. Ele se aproximou em direção a Simon como se fosse um animalzinho de estimação.
— Ele é bonitinho desse jeito. Olha esse seu narizinho rosa.
Simon revelou seus longos dentes amarelos para Jace e fez um movimento de dentada. Jace puxou sua mão de volta.
— Izzy, vá buscar nosso magnífico anfitrião.
— Por que eu? — Isabelle pareceu petulante.
— Por que é sua culpa o mundano ser um rato, idiota — Jace respondeu, e Clary ficou perplexa em perceber quão raramente nenhum deles, exceto Isabelle, dizia alguma vez o real nome de Simon — e nós não podemos deixar ele aqui.
— Você ficaria feliz em deixá-lo se não fosse por ela — Isabelle replicou, fazendo o possível para injetar em cada sílaba da palavra veneno suficiente para envenenar um elefante. Ela andou com arrogância, a saia sacudindo em torno de seu quadril.
— Eu não posso acreditar que ela deixou você beber aquele drink azul — Clary disse a Simon, o rato — agora você viu o que consegue sendo tão superficial.
Simon guinchou irritado. Clary ouviu alguém rir e olhou para cima para ver Magnus se inclinando sobre ela. Isabelle, parada atrás dele, tinha uma expressão furiosa.
 Rattus norvegicus — Magnus disse, olhando para Simon — um rato comum marrom, nada de exótico.
— Eu não me importo com que tipo de rato ele é — Clary respondeu rabugenta — eu quero ele de volta.
Magnus coçou sua cabeça pensativamente, derramando glitter.
— Não precisa.
— Foi isso o que eu disse — Jace pareceu satisfeito.
— NÃO PRECISA? — Clary gritou, tão alto que Simon escondeu sua cabeça debaixo de seu polegar. — COMO VOCÊ PODE DIZER QUE NÃO PRECISA?
— Por que ele se transformará de volta em umas poucas horas — Magnus disse — o efeito do coquetel é temporário. Não preciso trabalhar em um feitiço de transformação; isso vai apenas traumatizá-lo. Muita mágica é difícil para os mundanos, seus sistemas não estão acostumados a isso.
— Duvido que seu sistema está acostumado a ser um rato, também — Clary salientou — você é um bruxo, não pode simplesmente reverter o feitiço?
Magnus considerou.
— Não.
— Você quer dizer que não quer.
— Não de graça, querida, e você não pode me pagar.
— Eu não posso levar para casa um rato pelo metrô também — Clary respondeu melancolicamente — eu posso derrubá-lo, ou algum guarda pode me prender por transportar animais nocivos no sistema de trânsito.
Simon esganiçou seu aborrecimento.
— Não que você seja uma peste, é claro.
Uma garota que estava chamando pela porta, estava agora unida a seis ou sete outros. O som de vozes iradas subiu acima do zumbido da festa e da pressão da música. Magnus rolou seus olhos.
— Desculpem-me — ele disse, voltando para dentro da multidão, que se fechou atrás dele instantaneamente.
Isabelle, oscilando em suas sandálias, expulsou um suspiro tempestuoso.
— Tanto por sua ajuda.
— Você sabe — Alec comentou — você pode sempre colocar o rato na mochila.
Clary olhou duramente para ele, mas não achou nada de errado com a ideia.
Não era como se ela tivesse um bolso e pudesse envolvê-lo lá. As roupas de Isabelle não tinham bolsos; elas eram muito apertadas. Clary estava espantada de elas pertencerem a Isabelle.
Recolhendo sua mochila, ela encontrou um lugar escondido para um pequeno rato marrom que era Simon, aninhado entre seu suéter enrolado e seu caderno de esboços. Ele se enrolou em cima da carteira, parecendo cheio de acusação.
— Me desculpe — ela disse miseravelmente.
— Não se incomode. — Jace falou. — Por que os mundanos sempre insistem em assumir a responsabilidade de coisas que não são sua culpa é um mistério para mim. Você não forçou aquele coquetel abaixo de sua garganta idiota.
— Se não fosse por mim, ele não teria vindo aqui — Clary falou baixinho.
— Não se lisonjeie. Ele veio por causa de Isabelle.
Enraivecida, Clary fechou o zíper e se levantou.
— Vamos sair daqui. Eu estou cansada desse lugar.
O apertado nó de pessoas gritando na porta era em sua maioria vampiros, facilmente reconhecíveis pela palidez da pele e do negrume morto de seus cabelos. Devem ser pintados, Clary pensou, eles não podiam ser todos naturalmente de cabelos escuros, e além disso, alguns deles tinham sobrancelhas loiras. Eles estavam se queixando de suas motos vandalizadas e com o fato de alguns dos seus amigos estarem faltando e desaparecidos.
— Eles provavelmente estão bêbados e desmaiados em algum lugar — Magnus disse, acenando longos dedos brancos de uma forma entediada — vocês sabe que muitos tendem a se transformar em morcegos e montes de poeira, quando vão um pouco demais com os Bloody Marys.
— Eles misturam sua vodka com sangue de verdade — Jace disse no ouvido do Clary.
A pressão de sua respiração fez Clary tremer.
— Sim, eu saquei isso, obrigada.
— Nós não podemos sair por aí varrendo cada pilha de poeira do lugar pro caso de ela se transformar em Gregor pela manhã — uma garota de sobrancelhas pintadas disse com irritação.
— Gregor vai ficar bem. Eu raramente faço limpeza — Magnus acalmou-a — vou ficar feliz em enviar qualquer dos extraviados de volta ao hotel amanhã – em um carro de janelas escuras, é claro.
— Mas e sobre nossas motos? — perguntou um garoto magro de raízes loiras que mostravam o péssimo trabalho da tintura. Um brinco dourado em forma de uma estaca estava em sua orelha esquerda. — Vai levar horas para consertá-las.
— Você tem até o amanhecer — Magnus replicou, o temperamento visivelmente se desgastando — eu sugiro que você comece. — Ele levantou sua voz. — Tudo bem, é isso! A festa acabou! Todos pra fora!
Ele balançou seus braços, derramando glitter.
A banda parou de tocar. Um zumbido mais alto de queixa cresceu entre os frequentadores da festa, mas eles se moveram obedientemente em direção a entrada. Nenhum deles parou para agradecer a Magnus pela festa.
— Vamos — Jace empurrou Clary em direção a saída.
A multidão era densa. Ela segurou sua mochila na frente, as mãos protetoramente em volta dela. Alguém bateu em seu ombro, forte, e ela gritou e se moveu para o lado, afastando-se de Jace. Uma mão tocou sua mochila. Ela olhou para cima e viu o vampiro com a estaca na orelha sorrindo para ela.
— Hey, coisinha linda. O que tem na mochila?
— Água benta — Jace respondeu, reaparecendo ao seu lado como se tivesse sido evocado como um gênio. Um gênio loiro sarcástico com uma má atitude.
— Oooh, um Caçador de Sombras — disse o vampiro. — Assustador.
Com um piscar, ele se misturou de volta na multidão.
— Os vampiros são tão prima donas — Magnus suspirou da entrada. — Honestamente, não sei por que dou essas festas.
— Por causa do seu gato — Clary lembrou-o.
Magnus se empertigou.
— É verdade. Presidente Miau merece cada esforço meu.
Ele olhou para ela e se comprimiu junto dos Caçadores de Sombras, bem atrás dela.
— Vocês já vão sair?
Jace concordou.
— Não queremos demorar em nossa hospitalidade.
— Que hospitalidade? — Magnus perguntou. — Eu diria que foi um prazer conhecer vocês, mas não foi. Não que vocês todos sejam bastante encantadores, e quanto a você... — Ele deixou cair um piscar cheio de brilho para Alec, que pareceu atônito. — Me liga?
Alec enrubesceu e gaguejou, provavelmente teria fica ali a noite toda se Jace não tivesse segurado seu cotovelo e rebocado ele em direção a porta, Isabelle em seus calcanhares. Clary estava prestes a segui-los quando sentiu um leve toque em seu braço, era Magnus.
— Tenho uma mensagem para você. Vem de sua mãe.
Clary estava tão surpresa que quase deixou cair a mochila.
— Da minha mãe? Você quer dizer, ela pediu para você me dizer alguma coisa?
— Não exatamente — seus olhos felinos, a única fenda vertical na pupila como fissura em uma parede verde-dourada, estavam sérios dessa vez — mas eu a conhecia de uma forma que você não conheceu. Ela fez o que fez para mantê-la fora de um mundo que ela odiava. De toda sua existência, o funcionamento, os esconderijos – as mentiras, como ela chamava – para mantê-la segura. Não desperdice o sacrifício dela arriscando sua vida. Ela não iria querer isso.
— Ela não iria querer que eu a salvasse?
— Não se significasse você colocar a si mesma em perigo.
— Mas eu sou a única pessoa que se importa com o que acontecer com ela...
— Não — Magnus discordou. — Você não é.
Clary piscou.
— Eu não entendo. Existe... Magnus, se você sabe alguma coisa...
Ele a cortou com brutal precisão.
— E uma última coisa — seus olhos lançaram-se em direção a porta, através da qual Jace, Alec e Isabelle tinham desaparecido — tenha em mente que, quando sua mãe fugiu do Mundo das Sombras, não era dos monstros que ela estava escondendo. Nem dos bruxos, dos lobisomens, do povo das fadas, nem mesmo dos próprios demônios. Era deles. Era dos Caçadores de Sombras.
Eles estavam esperando por ela do lado de fora do estabelecimento. Jace, mãos nos bolsos, estava inclinado contra a escada gradeada, observando enquanto os vampiros espalhavam-se em torno de suas motocicletas quebradas, amaldiçoando e blasfemando. Ele tinha um ligeiro sorriso em seu rosto. Alec e Isabelle estavam um pouco afastados. Isabelle estava limpando os olhos, e Clary sentiu uma onda de fúria irracional – Isabelle mal conhecia Simon. Esta não era a sua desgraça. Clary era a única que tinha o direito de se importar, não a garota Caçadora de Sombras.
Jace se desprendeu das grades quando Clary apareceu. Ele andou ao lado dela, sem falar. Parecia perdido em pensamentos. Isabelle e Alec, apressando-se adiante, soavam como se estivessem discutindo um com o outro. Clary apressou um pouco mais o passo, levantando seu pescoço para ouvi-los melhor.
— Não é sua culpa — Alec estava dizendo.
Ele soou cansado, como se tivesse passado através deste tipo de coisa com sua irmã antes. Clary quis saber quantos namorados ela tinha transformado em ratos por acidente.
— Mas isso deveria te ensinar a não ir a tantas festas de seres do Submundo — ele acrescentou — elas arranjam sempre mais problemas do que valem a pena.
Isabelle fungou ruidosamente.
— Se alguma coisa tivesse acontecido com ele, eu... eu não sei o que teria feito.
— Provavelmente qualquer coisa que você já fez antes — Alec disse em uma voz entediada — não é como você conhecesse ele tão bem.
— Isso não significa que eu não...
— O quê? Ama ele? — Alec zombou, aumentando sua voz. — Você precisa conhecer alguém para amar.
— Mas isso não é tudo — Isabelle pareceu quase triste — você não teve nenhuma diversão na festa, Alec?
— Não.
— Eu achei que você iria gostar de Magnus. Ele é legal, não é?
— Legal? — Alec olhou como se ela estivesse louca. — Gatos são legais. Bruxos são... — ele hesitou. — Não — ele terminou, sem jeito.
— Eu achei que você concordasse — os olhos maquiados de Isabelle estavam tão brilhantes quanto lágrimas quando ela olhou para seu irmão — fazer amigos.
— Eu tenho amigos — Alec disse, e olhou acima do ombro para Jace.
Mas Jace, sua cabeça dourada abaixada, perdido em pensamentos, não notou. Em um impulso, Clary chegou a abrir a mochila e franziu a sobrancelha. A mochila estava aberta. Ela rememorou a festa – ela tinha levantado a bolsa, fechado o zíper. Tinha certeza disso. Ela sacudiu a mochila aberta, o seu coração batendo.
Ela se lembrou da vez que teve sua carteira roubada no metrô. Se lembrou que abrindo sua bolsa, não tinha nada lá, sua boca seca em surpresa – eu deixei ela cair? Eu a perdi? E percebendo: ela se foi. Isto foi como aquilo, apenas um milhão de vezes pior. A boca seca como osso, Clary apalpou através da mochila, empurrando de lado as roupas e o caderno de esboços, suas unhas juntando os grãozinhos. Nada.
Ela parou de andar. Jace estava pairando a frente dela, parecendo impaciente, Alec e Isabelle já estavam um quarteirão na frente.
— O que há de errado? — Jace perguntou, e ela poderia dizer que ele estava prestes a acrescentar algo sarcástico. Ele deve ter visto o olhar em seu rosto, porque desistiu. — Clary?
— Ele se foi — ela sussurrou — Simon... ele estava em minha mochila.
— Será que ele saiu?
Aquilo não era uma questão não razoável, mas Clary, exausta e afetada pelo pânico, reagiu exageradamente.
 Claro que não iria sair! — ela gritou. — O quê, você acha que ele iria querer ser esmagado debaixo do carro de alguém, morto por um gato...
— Clary...
— Cala a boca! — ela gritou, sacudindo a mochila para ele. — Você é o único que disse não se incomodar em transformá-lo de volta...
Agilmente, Jace apanhou a mochila quando Clary balançou-a. Tirando-a de sua mão, ele examinou.
— O zíper foi rasgado — ele percebeu — pelo lado de fora. Alguém rasgou o tecido para abrir.
Balançando sua cabeça em torpor, Clary podia só sussurrar:
— Eu não...
— Eu sei — sua voz era suave. Ele pôs as mãos em concha em torno da boca. — Alec! Isabelle! Vão em frente! Nós alcançamos vocês.
As duas figuras, já muito à frente, pausaram. Alec hesitou, mas sua irmã pegou seu braço e o empurrou firmemente em direção à entrada do metrô.
Algo pressionou Clary contra suas costas: era a mão de Jace, girando-a suavemente. Ela deixou-o conduzi-la para frente, ao longo das rachaduras na calçada, até que estavam na entrada do edifício de Magnus. O cheiro de álcool insípido e doce, um sinistro cheiro que Clary tinha associado às criaturas do Submundo enchiam o pequeno espaço.
Puxando a mão de volta, Jace pressionou a campainha acima do nome de Magnus.
— Jace.
Ele olhou abaixo para ela.
— O quê?
Ela procurou as palavras.
— Você acha que ele está bem?
— Simon? — Ele então hesitou, e ela lembrou se das palavras de Isabelle: Não lhe faça uma pergunta a menos que possa aguentar ouvir a resposta. Ao invés de responder alguma coisa, ele pressionou a campainha novamente, mais forte dessa vez.
Dessa vez Magnus respondeu, sua voz se expandindo através da pequena entrada:
— QUEM OUSA PERTURBAR MEU DESCANSO?
Jace pareceu quase nervoso.
— Jace Wayland. Se lembra? Eu sou da Clave.
— Ah, sim — Magnus pareceu recuperar-se — você é aquele de olhos azuis?
— Ele quer dizer o Alec — Clary percebeu.
— Não, os meus olhos são geralmente descritos como dourados — Jace disse pelo interfone — e luminosos.
— Ah, você é aquele — Magnus soou desapontado. Se Clary não estivesse tão chateada, ela poderia ter rido. — Eu suponho que você queira entrar.
O bruxo apareceu em sua porta usando um quimono de seda pintado com dragões, um turbante dourado e uma expressão aberta de aborrecimento.
— Eu estava dormindo — ele disse grandiosamente.
Jace olhou como se estivesse prestes a dizer algo rude, possivelmente sobre o turbante, então Clary interrompeu.
— Desculpe incomodá-lo...
Algo pequeno e branco surgiu em torno dos tornozelos do bruxo. Ele tinha listras cinza em ziguezague e orelhas com tufos rosa que o faziam parecer mais com um grande rato do que com um pequeno gato.
— Presidente Miau? — Clary adivinhou.
Magnus concordou.
— Ele voltou.
Jace observou o pequeno gatinho com algum desprezo.
— Não é um gato — ele observou — é do tamanho de um hamster.
— Eu vou gentilmente esquecer que você disse isso — Magnus comentou, usando o pé para cutucar Presidente Miau para trás dele — agora, exatamente o que você veio fazer aqui?
Clary segurou sua mochila rasgada.
— É Simon. Ele está sumido.
— Ah — disse Magnus, delicadamente — sumido como, exatamente?
— Sumido — Jace repetiu — ele se foi, é notável a falta de sua presença, desapareceu.
— Talvez ele tenha se escondido debaixo de alguma coisa — Magnus sugeriu — pode não ser fácil se acostumar a ser um rato, principalmente para alguém tão estúpido, em primeiro lugar.
— Simon não é estúpido — Clary protestou com raiva.
— É verdade — Jace concordou. — Ele parece estúpido. Realmente sua inteligência é bastante média — seu tom era leve, mas seus ombros estavam tensos quando ele se virou para Magnus — quando estávamos saindo, um de seus convidados esbarrou em Clary. Acho que ele rasgou a bolsa e pegou o rato. Simon, quero dizer.
Magnus olhou para ele.
— E?
— E eu preciso descobrir quem foi — Jace disse progressivamente — desconfio que você saiba. Você é o Alto Bruxo do Brooklyn. Eu estou imaginando que não há muito coisa que aconteça em seu próprio apartamento que você não saiba.
Magnus inspecionou uma unha brilhante.
— Você não está errado.
— Por favor, nos diga — Clary pediu.
Jace apertou a mão em seu pulso. Sabia que ele queria que ficasse calma, mas era impossível.
— Por favor.
Magnus desceu a mão com um suspiro.
— Tudo bem. Eu vi um dos garotos vampiros de moto vindo do covil na cidade sair com um rato marrom em suas mãos. Sinceramente, eu pensei que era um dos seus. Crianças da Noite às vezes se transformam em ratos ou morcegos quando estão bêbados.
As mãos de Clary estavam tremendo.
— Mas agora você acha que era Simon?
— É só um palpite, mas parece provável.
— Há mais uma coisa — Jace falou calmo o suficiente, mas ele não estava alerta agora, da mesma forma como tinha estado antes no apartamento quando eles encontraram o Esquecido. — Onde é o covil deles?
— Deles quem?
— O covil dos vampiros. Esse é o lugar para onde eles foram, não é?
— Eu imagino que sim — Magnus pareceu como se preferisse estar em outro lugar.
— Você precisa me dizer onde é.
Magnus sacudiu sua cabeça com turbante.
— Não estou certo sobre o lado ruim das Crianças da Noite para um mundano, eu nunca vou saber.
— Espera — Clary interrompeu — o que eles querem com Simon? Eu pensei que não estavam autorizados a machucar as pessoas...
— Meu palpite? — disse Magnus, não cruelmente. — Eles presumiram que fosse um rato doméstico e pensaram que seria divertido matar um animal de estimação dos Caçadores de Sombras. Eles não gostam muito que vocês, seja lá o que o Pacto diga – e não há nada no Pacto sobre não matar animais.
— Eles vão matá-lo? — Clary perguntou, fitando-o.
— Não necessariamente — Magnus disse rapidamente — eles podem pensar que ele é um dos seus.
— Neste caso, o que vai acontecer com ele? — Clary perguntou.
— Bem, quando ele se tornar de volta em um humano, eles ainda vão matá-lo. Mas você pode ter algumas horas a mais.
— Então você tem que nos ajudar — Clary disse ao bruxo — caso contrário, Simon irá morrer.
Magnus olhou para ela de cima a baixo com um tipo de compaixão cínica.
— Todos eles morrem querida. Você precisa se acostumar a isso.
Ele começou a fechar a porta. Jace colocou seu pé, mantendo-a aberta. Magnus suspirou.
— O que é agora?
— Você ainda não nos disse onde é o covil.
— E eu não vou dizer. Eu te disse...
Foi Clary quem o cortou, colocando-se em frente a Jace.
— Você bagunçou com meu cérebro. Tirou minhas memórias. Você não pode fazer só isso por mim?
Magnus rolou seus olhos brilhantes de gato. Em algum lugar à distância, Presidente Miau estava chorando. Lentamente o bruxo baixou sua cabeça e a bateu uma vez, não muito suavemente, contra a parede.
— O velho Hotel Dumort. Na parte alta da cidade.
— Eu sei onde é — Jace parecia satisfeito.
— Precisamos chegar logo. Você tem um Portal? — Clary exigiu, abordando Magnus.
— Não — ele pareceu irritado — portais são bastante difíceis de se construir e representam um pequeno risco para os seus proprietários. Coisas horrorosas podem vir através deles se não forem guardados corretamente. Os únicos que eu conheço em Nova York estão em Dorothea e em Renwick, mas ambos são muito longe para valer o incômodo de se tentar chegar lá, mesmo se você tiver certeza de que seus proprietários deixariam vocês usá-lo, o que provavelmente não iriam. Sacaram essa? Agora, vão embora.
Magnus encarou mordazmente o pé de Jace, que continuava a bloquear a porta. Jace não se moveu.
— Mais uma coisa. Existe um lugar sagrado por aqui?
— Boa ideia. Se vocês estão indo para um covil de vampiros sozinhos, é bom fazer orações em primeiro lugar.
— Precisamos de armas — Jace lembrou — mais do que as que temos com a gente.
Magnus apontou.
— Tem uma igreja católica, na Rua Diamond. Essa serve?
Jace concordou, dando um passo para trás.
— Essa é...
A porta bateu em suas caras. Clary, respirando como se estivesse correndo, encarou a porta até que Jace tomou seu braço e dirigiu seus passos para a rua e para a noite.

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