Capítulo 19 - Abbadon
Clary não tinha certeza do que ela esperava – exclamações de deleite, talvez um pouco de aplausos. Ao contrário disso houve silêncio, quebrado apenas quando Jace disse:
— De algum modo, eu pensei que fosse maior.
Clary olhou para o Cálice em sua mão. Tinha o tamanho, talvez, de uma taça comum de vinho, apenas mais pesada. Poder vibrava através dela, como o sangue vivo através das veias.
— É um tamanho perfeitamente legal — ela disse indignada.
— Oh não, é grande o suficiente, mas eu estava esperando alguma coisa... você sabe.
Ele fez gestos com as mãos, indicando algo aproximadamente do tamanho de um gato.
— É o Cálice Mortal, Jace, e não o Vaso Sanitário Mortal — Isabelle disse — já terminamos agora? Podemos ir?
Dorothea tinha levantado a cabeça para um lado, os seus redondos olhos brilhantes e interessados.
— Mas está danificado! — ela exclamou. — Como isso aconteceu?
— Danificado?
Clary olhou para o Cálice em confusão. Parecia perfeito para ela.
— Aqui — disse a bruxa — me deixe te mostrar.
E deu um passo em direção a Clary, mantendo suas mãos – com unhas pintadas de vermelho - estendidas para o Cálice.
Clary, sem saber por que, recuou. De repente Jace estava entre eles, a mão dele flutuando perto da espada em sua cintura.
— Sem ofensa — ele disse calmamente — mas ninguém toca no Cálice Mortal, exceto nós.
Dorothea olhou para ele por um momento, e a mesma estranha monotonia regressou aos olhos dela.
— Agora — ela disse — não vamos ser apressados. Valentim ficaria irritado se algo acontecesse com o Cálice.
Com um suave arranhar, a espada na cintura de Jace ficou livre. A ponta pairou logo abaixo do queixo de Dorothea. O olhar de Jace estava fixo.
— Eu não sei o que isso tem a ver. Mas nós estamos indo.
Os olhos da velha mulher cintilaram.
— Claro, Caçador de Sombras — ela disse, se apoiando no cortinado da parede. — Gostaria de usar o Portal?
A ponta da espada de Jace oscilou enquanto ele pareceu momentaneamente em confusão. Em seguida, Clary viu a sua mandíbula apertar.
— Não toque nisso...
Dorothea deu uma risada, e rápida como um raio, ela puxou as cortinas penduradas ao longo da parede. Elas caíram com um som macio de queda. O Portal atrás deles estava aberto.
Clary ouviu Alec, atrás dela, sugar sua respiração.
— O que é isso?
Clary havia capturado apenas um vislumbre do que era visível através da porta – turvas nuvens vermelhas se atiravam através dela com relâmpagos negros, e numa terrível escuridão, uma forma correndo trôpega em direção a eles, quando Jace gritou para que eles se abaixassem. Ele se jogou no chão, puxando Clary para baixo junto com ele. Deitada de barriga no tapete, ela levantou a cabeça na hora de ver a coisa veloz escura acertar Madame Dorothea, que gritava, empurrando seus braços para cima. Ao invés de jogá-la no chão, a coisa escura envolveu-a como uma mortalha, a sua escuridão pareceu se infiltrar dentro dela como tinta em papel. Suas costas dobravam-se monstruosamente, toda a sua forma alongando enquanto ela crescia e crescia para o ar, o seu volume se esticando e reformando. Um acentuado chacoalhar de objetos batendo no chão fez Clary olhar para baixo: eram as pulseiras de Dorothea, retorcidas e quebradas, dispersas entre as joias que eram o que parecia ser pequenas pedras brancas. Clary demorou um pouco para perceber que eram dentes.
A seu lado Jace sussurrou algo. Parecia uma exclamação de incredulidade. Próximo a ele, Alec em uma voz chocada disse:
— Mas você disse que não havia muita atividade demoníaca – você disse que o nível estava baixo!
— Ele estava baixo — Jace grunhiu.
— Sua versão de baixo deve ser diferente da minha! — Alec gritou, enquanto a coisa que tinha sido Dorothea uivava e girava.
Ela parecia estar se dilatando, dobrando e girando grotescamente deformada...
Os olhos de Clary lacrimejavam enquanto Jace se punha em pé, puxando-a depois dele. Isabelle e Alec tropeçaram nos seus pés, apertando suas armas. A mão segurando o chicote de Isabelle estava ligeiramente tremendo.
— Mexam-se!
Jace empurrou Clary em direção a porta do apartamento. Quando tentou olhar sobre seu ombro, viu apenas um espesso redemoinho cinzento, como nuvens, uma forma escura em seu centro...
Os quatro irromperam dentro do saguão, com Isabelle na liderança. Ela correu em direção à porta da frente, forçou-a, e se virou com um rosto chocado.
— Está presa. Deve ser um feitiço...
Jace xingou e tateou sua jaqueta.
— Onde diabos está minha estela?
— Está comigo — Clary respondeu, lembrando.
Enquanto alcançava seu bolso, um ruído de trovão explodiu através do quarto. O piso tremeu sob seus pés. Ela tropeçou e quase caiu, segurando o corrimão para se apoiar. Quando olhou para cima, viu um novo buraco escancarado na parede que separava o saguão do apartamento de Dorothea, todo ladeado por grosseiras bordas de madeira e escombros de gesso, através da qual algo estava escalando – quase se revelando...
— Alec!
Era Jace, gritando: Alec estava em pé na frente do buraco, o rosto branco e parecendo horrorizado. Xingando, Jace correu e o agarrou, arrastando-o de volta, justo quando a coisa que se revelava ficou livre da parede e pulou no saguão.
Clary ouviu sua respiração se prender. A carne da criatura era arroxeada e parecendo em carne viva. Através da pele se infiltravam ossos projetados. Não ossos brancos e novos, mas ossos que pareciam ter estado na terra por mil anos, pretos, rachados e imundos. Seus dedos eram descarnados e esqueléticos, os finos e descarnados braços marcados com purulentas feridas pretas através das quais mais ossos amarelando eram visíveis. Seu rosto era um crânio, o nariz e os olhos encovados nos buracos. As garras nos dedos arranhavam o chão. Emaranhadas em torno de seus punhos e ombros estavam as brilhantes bandagens de pano: tudo o que restou de Madame Dorothea eram os lenços de seda e o turbante. Tinha, pelo menos, a nove metros de altura.
O monstro olhou abaixo para os quatro adolescentes com os vazios buracos nos olhos.
— Me dê — aquilo disse, em uma voz como o vento soprando lixo em todo pavimento vazio — o Cálice Mortal. Me dê, e eu vou deixá-los viver.
Em pânico, Clary olhou para os outros. Isabelle parecia como se a visão da coisa tivesse atingido-a com um murro no estômago. Alec estava imóvel. Foi Jace, como sempre, quem falou.
— O que você é? — Perguntou, a voz firme, mas ele parecia mais agitado do que Clary tinha visto ele antes.
A coisa inclinou sua cabeça.
— Eu sou Abbadon. Sou o demônio do abismo. Meus são os lugares vazios entre os mundos. Meus são o vento e as trevas vociverantes. Sou o contrário daquelas coisas choramingantes que vocês chamam de demônios, como uma águia é o contrário de uma mosca. Vocês não podem ter esperança em me derrotar. Me dê o Cálice ou morram.
O chicote de Isabelle tremeu.
— É um Grande Demônio — ela disse — Jace, se nós...
— E Dorothea? — A voz de Clary veio aguda para fora de sua boca, antes que ela pudesse parar. — O que aconteceu com ela?
Os olhos vazios do demônio moveram-se para encontrá-la.
— Ela foi apenas um veículo. Ela abriu o Portal e eu tomei posse dela. Sua morte foi rápida — o seu olhar mudou-se para o Cálice em sua mão — a sua não será.
Ele começou a se mover em direção a ela. Jace bloqueou o seu caminho, a brilhante espada em uma mão, uma lâmina serafim aparecendo na outra. Alec estava observando-o, a sua expressão doente com o horror.
— Pelo Anjo — Jace disse, olhando o demônio de cima abaixo — eu sabia que os Grandes Demônios eram destinados a ser feios, mas ninguém nunca me alertou sobre o cheiro.
Abbadon abriu sua boca e sibilou. Dentro de sua boca haviam duas fileiras irregulares, em forma de dentes afiados.
— Não tenho tanta certeza sobre esse negócio de vento e trevas vociferantes — Jace foi levantou-se nas pontas dos pés — cheira mais como depósito de lixo para mim. Você tem certeza que não é do Distrito de Richmond?
O demônio saltou nele. Jace movimentou suas lâminas para cima e para fora com uma velocidade quase assustadora; ambas afundaram na parte carnuda do demônio, no seu abdômen. Aquilo rugiu e golpeou-o, acertando Jace de lado o afastando, da forma como um gato poderia bater em um gatinho. Jace rolou e ficou de pé, mas Clary pôde ver pela maneira como estava segurando seu braço que ele tinha sido machucado.
Isso foi o suficiente para Isabelle. Lançando-se a frente, ela enlaçou o demônio com seu chicote. Ele atingiu a pele cinza do demônio, e um vergão vermelho apareceu, escavando sangue. Abbadon ignorou-a, se movendo em direção a Jace.
Com sua mão boa, Jace puxou a segunda lâmina serafim. Ele sussurrou para ela e ela saltou livre, brilhante e reluzente. Jace a levantou enquanto o demônio se aproximava perante ele, parecendo possivelmente pequeno na frente daquilo, uma criança diante de um monstro. E ele estava sorrindo, mesmo quando o demônio o alcançou. Isabelle estava gritando, fustigando aquilo, enviando sangue em um espesso salpicar através do chão...
O demônio o agarrou, a mão em garra acertando Jace. Jace oscilou para trás, ileso. Algo tinha se atirado entre ele e o demônio, uma esguia sombra preta com uma reluzente lâmina em sua mão. Alec. O demônio gritou – o bastão de Alec tinha perfurado a sua pele. Com um rosnar, ele golpeou novamente, garras com ossos capturaram Alec, um violento golpe que levantou-o de seus pés e o arremessaram contra a parede. Ele a atingiu com um ruído doentio e deslizou até o chão.
Isabelle gritou o nome do seu irmão. Ele não se moveu. Baixando o chicote, ela começou a correr para ele. O demônio, girando, acertou-a com as costas de suas mãos e a enviou girando pelo chão. Tossindo sangue, Isabelle começou a ficar de pé. Abbadon jogou-a no chão novamente, e desta vez ela permaneceu deitada.
O demônio se moveu em direção a Clary.
Jace ficou congelado, olhando para o corpo amassado de Alec como alguém capturado em um sonho. Clary gritou enquanto Abbadon se aproximava dela. Ela começou a voltar pelas escadas, tropeçando nos degraus quebrados. A estela queimava contra a sua pele. Se ela apenas tivesse uma arma, qualquer coisa...
Isabelle arrastou-se em uma posição sentada. Empurrando seu cabelo ensanguentado para trás, ela gritou para Jace. Clary ouviu seu próprio nome nos gritos de Isabelle e viu Jace, piscando como se tivesse acordado, virando em direção a ela. Ele começou a correr. O demônio estava perto o suficiente, agora Clary podia ver as feridas pretas em sua pele, podia ver que haviam coisas espalhando-se dentro delas. Ele estava alcançando-a...
Mas ali estava Jace, atirando a mão de Abbadon de lado. Ele arremessou a lâmina serafim no demônio, que ficou presa no peito da criatura, próxima às duas lâminas que já estavam ali. O demônio rosnou como se as lâminas não fossem mais do que um aborrecimento.
— Caçador de Sombras — ele rugiu — vou ter o prazer de te matar, em ouvir os seus ossos esmagados como eu fiz com seu amigo...
Se impulsionando no corrimão, Jace se lançou em Abbadon. A força do salto jogou o demônio para trás; que cambaleou. Jace agarrou em suas costas e arrancou uma lâmina serafim para fora do seu peito, enviando um esguicho de fluído, e trouxe a lâmina para baixo, repetidas vezes, nas costas do demônio, de seus ombros escorrendo com o fluido preto.
Rosnando, Abbadon foi de costas em direção à parede. Jace tinha que se soltar ou seria esmagado. Ele caiu ao chão, aterrissando levemente, e levantou a lâmina novamente.
Abbadon, porém, era rápido demais para ele, suas mãos o atacaram, jogando Jace na escada. Jace caiu, um círculo de garras em sua garganta.
— Diga a ela que me dê o Cálice — Abbadon rugiu, as garras pairando um pouco acima da pele de Jace — diga a ela para me dar e eu vou deixá-los vivos.
Jace engoliu.
— Clary...
Mas Clary nunca soube o que ele teria dito, porque nesse momento, a porta da frente voou aberta. Por um momento, tudo que ela viu estava brilhando. Então, piscando e afastando o esplendor da imagem refletida, ela viu Simon de pé na soleira da porta aberta.
Simon. Ela tinha se esquecido de que ele estava lá fora, tinha quase esquecido que ele existia.
Ele a viu, encolhida nas escadas, e seu olhar se moveu dela para Abbadon e em Jace. Suas mãos procuraram algo em seu ombro. Ele estava segurando o arco de Alec, ela percebeu, a aljava presa nas costas. Ele puxou uma seta vinda dela, ajusto-a ela na mira e levantou o arco habilmente, como se houvesse feito a mesma coisa uma centena de vezes antes.
A seta foi disparada. Fez um som quente vibrante, como uma enorme abelha, enquanto acertava acima da cabeça do Abbadon, mergulhando em direção ao teto...
E quebrando a claraboia. O sujo vidro preto caiu como chuva, e através da vidraça jorrou a luz do sol, uma grande quantidade de luz solar, grande barras douradas agudamente em direção ao chão e inundando o saguão com a luz.
Abbadon gritou e cambaleou para trás, cobrindo a sua cabeça deformada com as mãos. Jace colocou uma mão em sua garganta ilesa, olhando em descrença enquanto o demônio amassava-se, uivando, para o chão. Clary meio que esperou que ele explodisse em chamas, mas em vez disso, a coisa começou a se dobrar sobre si mesmo.
Suas pernas desabaram voltadas para seu tronco, o crânio enrugando como papel queimando, e dentro do espaço de um minuto, tinha desaparecido completamente, deixando para trás apenas marcas chamuscadas.
Simon baixou o arco. Ele estava piscando atrás de seus óculos, a boca ligeiramente aberta. Ele parecia tão espantado quanto Clary.
Jace estava deitado sobre as escadas onde o demônio o havia atirado. Ele estava lutando para se sentar enquanto Clary deslizava descendo as escadas para se ajoelhar ao lado dele.
— Jace...
— Eu estou bem — ele se sentou, limpando o sangue da boca. Ele tossiu e cuspiu vermelho. — Alec...
— Sua estela — ela interrompeu, alcançando o seu bolso — do que você precisa para se curar?
Ele olhou para ela. A luz do sol se derramando através da claraboia iluminava o rosto dele. Ele parecia como se estivesse se segurando a si mesmo para trás de algo, com um terrível esforço.
— Eu estou bem — Jace repetiu e a empurrou de lado, não muito gentil.
Ele ficou de pé, cambaleando, e quase caiu, a primeira coisa não graciosa que ela o viu fazer.
— Alec?
Clary observou enquanto ele mancava através do saguão para o seu amigo inconsciente. Então guardou o Cálice Mortal no bolso do seu agasalho e ficou de pé. Isabelle tinha se arrastado até seu irmão e estava deitando sua cabeça em seu colo, acariciando seu cabelo. Seu peito subia e descia lentamente, ele estava respirando. Simon, inclinado contra a parede, estava olhando para eles, parecia totalmente exaurido. Clary apertou a mão dele enquanto passava.
— Obrigada — ela sussurrou — aquilo foi incrível.
— Não me agradeça, agradeça ao programa de arco e flecha do acampamento B'nai B'rith.
— Simon, eu não...
— Clary! — Era Jace, chamando-a. — Traga a minha estela.
Simon soltou-a com relutância. Ela se ajoelhou ao lado do Caçador de sombras, o Cálice Mortal batendo fortemente contra seu quadril. O rosto de Alec estava branco, sardento com as gotas de sangue, os olhos dele de um azul não natural. Ele apertava o pulso esquerdo manchado de sangue de Jace.
— Será que eu... — ele começou, então pareceu ao ver de Clary, como se fosse pela primeira vez. Havia algo em seu olhar que ela não tinha esperado. Triunfo. — Eu o matei?
O rosto de Jace torceu dolorosamente.
— Você...
— Sim — disse Clary — ele está morto.
Alec olhou para ela e riu. Sangue borbulhou em sua boca. Jace puxou seu pulso livre, tocando seus dedos em cada lado do rosto de Alec.
— Não — ele disse. — Fique imóvel, apenas fique imóvel.
Alec fechou os olhos.
— Faça o que você precisa — ele sussurrou.
Isabelle segurou sua estela para Jace.
— Pegue-a.
Ele acenou e colocou a ponta da estela na frente da camisa de Alec. O tecido cortou como se fosse uma faca. Isabelle o olhava freneticamente enquanto ele puxava a camisa aberta, deixando o peito de Alec nu. Sua pele era muito branca, marcada aqui e ali com antigas cicatrizes. Havia outras lesões ali também: umas marcas escurecendo de garras, cada buraco vermelho despontando. Jace traçou a estela na pele de Alec, movendo-a para frente e para trás com a facilidade da longa prática. Mas havia algo de errado. Mesmo quando ele desenhou as marcas de cura, elas pareciam desaparecer, como se estivesse escrevendo sobre a água.
Jace jogou a estela de lado.
— Maldição.
A voz de Isabelle era estridente.
— O que houve?
— Ele o arranhou com as sua garras — Jace disse — há veneno de demônio nele. As Runas não podem trabalhar.
Ele tocou o rosto de Alec outra vez, suavemente.
— Alec — ele chamou — você pode me ouvir?
Alec não se moveu. As sombras abaixo de seus olhos azuis pareciam tão escuras quanto contusões. Se não fosse pela sua respiração, Clary pensaria que ele já estava morto.
Isabelle inclinou sua cabeça, o cabelo cobrindo o rosto de Alec. Seus braços estavam ao seu redor.
— Talvez — ela sussurrou — nós pudéssemos...
— Levem-no para o hospital — era Simon, de pé sobre eles, o arco pendendo na sua mão — eu vou ajudar a carregá-lo para a van. Há o Metodista abaixo na Sétima Avenida.
— Sem hospitais — disse Isabelle. — Temos que levá-lo para o Instituto.
— Mas...
— Eles não saberiam como trata-lo em um hospital — Jace interrompeu — ele foi cortado por um Grande Demônio. Nenhum médico mundano saberia como curar essas feridas.
Simon concordou.
— Tudo bem. Vamos levá-lo para o carro.
Em um golpe de sorte, a van não tinha sido rebocada. Isabelle esticou um cobertor sujo em todo o assento traseiro e eles deitaram Alec lá, sua cabeça no colo de Isabelle. Jace se encurvou no chão ao lado de seu amigo. Sua camisa estava com manchas escuras em todo o peito e mangas, com sangue do demônio e de humano.
Quando ele olhou para Simon, Clary viu que todo o dourado parecia ter sido lavado para fora de seus olhos por algo que ela nunca tinha visto antes nos mesmos. Pânico.
— Dirija rápido, mundano. Dirija como se o inferno estivesse seguindo você.
E Simon dirigiu.
Eles se direcionaram abaixo da Avenida Flatbush e para a ponte, mantendo o ritmo com o trem Q enquanto ele rugia sobre a água azul. O sol estava dolorosamente brilhante nos olhos de Clary, lampejando quentes faíscas sobre o rio. Ela se agarrou em seu assento enquanto Simon pegava a rampa elevada ao largo da ponte a oitenta quilômetros por hora.
Ela pensou sobre as coisas horríveis que tinha dito a Alec, a maneira como ele próprio tinha se atirado em Abbadon, o olhar de triunfo sobre seu rosto. Quando ela virou a cabeça agora, viu Jace ajoelhado próximo ao seu amigo enquanto o sangue infiltrava através do cobertor. Ela pensou no menino com o falcão morto. Amar é destruir.
Clary girou de volta, um pedaço duro alojado na parte em sua garganta. Isabelle estava visível no espelho retrovisor mal angulado, envolvendo o cobertor em torno da garganta de Alec. Ela olhou para cima e encontrou os olhos de Clary.
— Quão distantes estamos?
— Talvez dez minutos. Simon está dirigindo o mais rápido que pode.
— Eu sei. Simon, o que você fez, aquilo foi incrível. Você agiu tão rápido. Eu não teria pensado que um mundano poderia ter pensado em algo como aquilo.
Simon não pareceu intimidado por um inesperado elogio, os olhos dele estavam na estrada.
— Você quer dizer, o tiro na claraboia? Aquilo me veio depois que vocês foram para dentro. Eu estava pensando sobre a claraboia e como você disse que os demônios não suportavam luz direta do sol. Então, na verdade, eu demorei um tempo para agir sobre isso. Não se sinta mal — ele acrescentou — você não poderia ver a claraboia a menos que soubesse que estava ali.
Eu sabia que ela estava lá, Clary pensou. Eu deveria ter feito algo sobre isso. Mesmo se eu não tivesse um arco e flecha como Simon, eu poderia ter jogado algo ou ter dito a Jace sobre ela. Ela se sentiu estúpida, inútil e grosseira, como se a cabeça estivesse cheia de algodão. A verdade era que ela tinha ficado assustada. Demasiadamente assustada para pensar direito. Ela sentiu uma brilhante onda de vergonha que arrebentou atrás das pálpebras dela como um pequeno sol.
Jace falou então.
— Foi bem feito.
Os olhos de Simon rolaram.
— Então, se você não se importa em me dizer – aquela coisa, o demônio – de onde ele veio?
— Era Madame Dorothea — Clary respondeu — quero dizer, era tipo ela.
— Ela nunca foi exatamente atraente, mas não me lembro dela parecendo assim tão má.
— Eu acho que ela estava possuída — Clary disse lentamente, tentando colocar as peças juntas em sua própria mente — ela queria que eu lhe desse o Cálice. Então ela abriu o Portal...
— Aquilo foi inteligente — Jace observou — o demônio a possuiu, então escondeu a maior parte da sua forma etérea fora do Portal, onde o sensor não podia registrá-lo. Então nós fomos esperando por luta com alguns Esquecidos... Em vez disso, encontramos confrontados com um Grande Demônio. Abbadon – um dos antigos. O Senhor dos Caídos.
— Bem, parece que os Caídos terão apenas que aprender a se virar sem ele a partir de agora — Simon disse, virando para a rua.
— Ele não está morto — Isabelle lembrou — dificilmente alguém mata um Grande Demônio. Você tem que matá-los em seu físico e na forma etérea antes de eles morrerem. Nós apenas o assustamos.
— Ah — Simon pareceu desapontado — e Madame Dorothea? Ela vai estar bem agora que...
Ele se interrompeu, porque Alec tinha começado a sufocar, sua respiração agitando em seu peito. Jace xingou sob sua respiração com precisão violenta.
— Por que não estamos lá ainda?
— Nós estamos aqui. Eu só não quero bater dentro de uma parede.
Enquanto Simon virava cuidadosamente a esquina, Clary viu que a porta do Instituto estava aberta, Hodge em pé na moldura do arco. A van sacudiu até frear e Jace saltou para fora, voltando-se para suspender Alec como se ele não pesasse mais que uma criança.
Isabelle o seguiu pela calçada, segurando o bastão ensanguentado do irmão. A porta do Instituto se fechou atrás deles.
O cansaço percorreu ao longo dela, Clary olhou para Simon.
— Sinto muito. Não sei como você vai explicar todo esse sangue para Eric.
— Eric vai surtar — ele disse com convicção. — Você está bem?
— Nem um arranhão. Todo mundo se machucou, menos eu.
— É o trabalho deles, Clary — ele falou suavemente — lutar contra demônios, é o que eles fazem. Não é o que você faz.
— O que devo fazer, Simon? — ela perguntou, procurando em seu rosto por uma resposta. — O que eu faço?
— Bem, você tem o Cálice. Não tem?
Ela concordou, e tateou o seu bolso.
— Sim.
Ele pareceu aliviado.
— Eu quase não quis perguntar. Isso é bom, certo?
— É — ela disse. Ela pensou em sua mãe, e a sua mão apertou sobre o Cálice. — Eu sei que é.
***
Church encontrou-a no topo da escadaria, miando como uma buzina, e a levou para a enfermaria. As portas duplas estavam abertas, e através delas que ela pôde ver a figura de Alec imóvel, sem se mexer em uma das camas brancas. Hodge estava encurvado sobre ele; Isabelle, ao lado do homem mais velho, segurava uma bandeja de prata em suas mãos.
Jace não estava com eles. Estava de pé do lado de fora da enfermaria, inclinado contra a parede, suas vazias e ensanguentadas mãos curvadas ao seu lado. Quando Clary parou em frente a ele, suas pálpebras se alargaram, e ela viu que as pupilas dos seus olhos estavam dilatadas, todo o ouro tragado em preto.
— Como ele está? — ela perguntou, tão gentilmente quanto podia.
— Ele perdeu muito sangue. Venenos de demônio são comuns, mas uma vez que era de um Grande Demônio, Hodge não está certo se os antídotos que ele geralmente emprega serão viáveis.
Ela o alcançou para tocar o braço dele.
— Jace...
Ele se afastou.
— Não.
Ela sugou sua respiração.
— Eu nunca quis que nada acontecesse com Alec. Eu realmente sinto muito.
Ele olhou para ela como se estivesse vendo-a lá pela primeira vez.
— Não é sua culpa — ele disse — é minha.
— Sua? Jace, não, isso não é...
— Ah, mas é — ele respondeu, sua voz tão frágil quanto uma lasca de gelo — mea culpa, mea maxima culpa.
— O que significa isso?
— Minha culpa, minha própria culpa, minha mais grave culpa. É latim — ele tirou distraidamente um cacho de seu cabelo que caía sobre a testa, inconsciente do que estava fazendo— parte da liturgia.
— Eu pensei que você não acreditasse em religião.
— Eu posso não acreditar em pecado, mas eu sinto culpa. Nós, Caçadores de Sombras, vivemos por um código, e este código não é flexível. Honra, culpa, penitência, isso são reais para nós, e eles não têm nada a ver com religião, e tudo a ver com quem nós somos. Esse é quem eu sou, Clary — ele disse desesperadamente. — Eu sou um da Clave. Está no meu sangue e ossos. Então me diga, se você está tão certa de que isso não foi minha culpa, porque é que o primeiro pensamento que passou em minha mente quando vi Abbadon não foi para meus companheiros guerreiros, mas para você?
Sua outra mão surgiu, ele estava segurando seu rosto, cativo entre as suas palmas.
— Eu sei... eu sabia... que Alec não estava agindo como ele mesmo. Eu sabia que algo estava errado. Mas tudo que eu podia pensar era em você...
Ele inclinou sua cabeça para frente, então suas testas se tocaram. Ela podia sentir a respiração dele mover seus cílios. Ela fechou seus olhos, deixando a proximidade dele mover sobre ela como uma maré.
— Se ele morrer, será como se eu o tivesse matado — ele continuou — eu deixei o meu pai morrer, e agora matei o único irmão que nunca tive.
— Isso não é verdade — ela sussurrou.
— Sim, é.
Eles estavam perto o suficiente para se beijarem. E ele ainda a segurava fortemente, como se nada pudesse assegurar a ele de que ela era real.
— Clary, o que está acontecendo comigo?
Ela procurou em sua mente por uma resposta clara até que ouviu alguém limpando a garganta. Clary abriu os olhos. Hodge estava na porta da enfermaria, o seu elegante terno manchado com manchas de ferrugem.
— Eu fiz tudo o que pude. Ele está sedado, sem dor, mas... — ele balançou a cabeça. — Devo entrar em contato com os Irmãos do Silêncio. Isso está além das minhas habilidades.
Jace se afastou lentamente de Clary.
— Quanto tempo vai demorar para eles chegarem aqui?
— Eu não sei — Hodge começou a descer pelo corredor, agitando a cabeça — vou enviar Hugo imediatamente, mas os Irmãos virão a seus próprios critérios.
— Mas sendo assim... — mesmo Jace lutava para acompanhar os largos passos de Hodge.
Clary descia desesperadamente atrás dos dois, e ela teve que se esforçar para ouvir o que ele estava dizendo.
— ... ele pode morrer.
— Ele pode — foi tudo que Hodge disse em resposta.
A biblioteca estava escura e cheirava a chuva: uma das janelas tinha sido deixada aberta, e uma poça de água havia se formado sob as cortinas. Hugo gorjeou e saltou em seu poleiro enquanto Hodge caminhava na direção dele, parando apenas para acender a luz na sua mesa.
— É uma pena — Hodge disse, alcançando papel e uma caneta — que vocês não recuperaram o Cálice. Poderia, eu acho, trazer algum conforto para Alec e certamente para o seu...
— Mas eu recuperei o Cálice — disse Clary, espantada — você não disse a ele, Jace?
Jace estava pestanejando, embora se era por causa da surpresa ou da súbita lembrança, Clary não pôde dizer.
— Não houve tempo, eu estava trazendo Alec para cima...
Hodge ainda permanecia parado, a caneta sem movimento entre seus dedos.
— Você tem o Cálice?
— Sim.
Clary trouxe o Cálice para fora de seu bolso: ainda estava frio, como se o contato com o seu corpo não pudesse aquecer o metal. Os rubis piscaram como olhos vermelhos.
— Eu o tenho aqui.
A caneta de Hodge escorregou inteiramente de sua mão e atingiu o chão a seus pés. A luz da lâmpada, lançada para cima, iluminou cada parte do rosto de Hodge: mostrou cada agravada linha de aspereza, preocupação e desespero.
— Este é o Cálice do Anjo?
— O próprio — disse Jace. — Ele estava...
— Isso não importa agora — Hodge interrompeu. Ele largou o papel sobre a mesa e se moveu em direção a Jace, segurando seu estudante pelos ombros — Jace Wayland, sabe o que você fez?
Jace olhou para Hodge, surpreso. Clary notou o contraste: o rosto devastado do homem mais velho e o sem rugas do menino, os pálidos cachos de cabelo caindo nos olhos de Jace fazendo-o parecer ainda mais jovem.
— Não tenho certeza do que quer dizer — disse Jace.
Hodge soltou o ar sibilando através de seus dentes.
— Você parece tanto com ele.
— Com quem? — Jace perguntou em espanto, ele claramente nunca tinha ouvido Hodge falar daquela maneira antes.
— Com o seu pai — respondeu Hodge, e levantou os olhos para onde Hugo, as asas pretas agitando o ar úmido, pairava sobre a cabeça.
Hodge estreitou seus olhos.
— Hugin — ele falou, e com um sublime crocitar, o pássaro mergulhou direto para o rosto de Clary, garras estendidas.
Clary ouviu Jace gritar, e então o mundo estava girando com penas, bico e garras.
Uma agonizante dor cresceu ao longo de sua bochecha e ela gritou, instintivamente levantando as mãos para cobrir seu rosto.
Ela sentiu o Cálice Mortal ser arrancada de seu aperto.
— Não! — ela chorou, agarrando-se a ele.
Uma angustiante dor subiu pelo seu braço. Suas pernas pareceram sair debaixo dela. Ela escorregou e caiu, atingindo seus joelhos dolorosamente contra o chão duro. Garras atacavam sua testa.
— Isso é o suficiente, Hugin — Hodge disse em sua voz calma.
Obedientemente, o pássaro virou e se afastou de Clary. Com esforço, ela piscou sangue para fora de seus olhos. Sentiu-o machucado.
Hodge não tinha se movido; ele ficou onde estava, segurando o Cálice Mortal. Hugo estava circulando-o largamente, rondas agitadas, grasnando suavemente. E Jace – Jace estava deitado no chão aos pés de Hodge, muito imóvel, como se ele tivesse caído, de repente, dormindo.
Todos os outros pensamentos foram expulsos de sua mente.
— Jace!
Falar machucou – a dor em sua bochecha era surpreendente e ela pôde sentir o gosto de sangue na sua boca. Jace não se moveu.
— Ele não está machucado — Hodge falou.
Clary começou a ficar em pé, tentando se lançar para ele, então cambaleou de volta quando atingiu algo invisível, mas tão duro e forte quanto vidro. Furiosa, ela golpeou contra o ar com o seu punho.
— Hodge! — ela gritou.
Ela chutou, quase contundindo seus pés na mesma parede invisível.
— Não seja estúpido. Quando a Clave descobrir o que você fez...
— Eu vou estar muito longe então — ele disse, ajoelhando sobre Jace.
— Mas — um choque correu através dela, uma sacudida elétrica de percepção — você nunca enviou uma mensagem para a Clave, não é? É por isso que você estava tão estranho quando eu lhe perguntei sobre isso. Você queria o Cálice para si.
— Não para mim.
A garganta de Clary estava seca como poeira.
— Você trabalha para Valentim — ela sussurrou.
— Eu não trabalho para Valentim — Hodge disse.
Ele levantou a mão de Jace e puxou algo dela. Era o anel gravado que Jace sempre usava. Hodge escorregou-o em seu próprio dedo.
— Mas eu sou homem de Valentim, é verdade.
Com um rápido movimento, ele torceu o anel em torno do seu dedo três vezes. Por um momento nada aconteceu; em seguida Clary ouviu o som de uma porta se abrindo e virou instintivamente para ver quem estava chegando na biblioteca.
Quando virou para trás, viu que o ar ao lado de Hodge estava tremulando, como a superfície de um lago visto a distância. A parede de ar ondulante se dividiu como uma cortina de prata e, em seguida, um homem alto estava em pé ao lado Hodge, como se ele tivesse juntado fora do ar úmido.
— Starkweather — ele disse — você tem o Cálice?
Hodge levantou o Cálice em suas mãos, mas não disse nada. Ele pareceu paralisado, quer com medo ou espanto, era impossível de dizer. Ele tinha sempre parecido alto para Clary, mas agora parecia arqueado e pequeno.
— Meu senhor Valentim — ele disse, finalmente — eu não esperava que você viesse tão rapidamente.
Valentim. Entediado, pouco se assemelhava com o menino bonito na foto, porém os olhos ainda eram negros. Seu rosto não era nada o que ela tinha esperado: era um rosto contido, fechado, o rosto de um sacerdote, com olhos tristes. Deslizando fora por baixo do punho de seu terno preto estavam as cicatrizes brancas.
— Eu te disse que viria até você através de um portal — Valentim falou. Sua voz era ressonante, e estranhamente familiar. — Você não acredita em mim?
— Sim. Eu apenas... eu pensei que você enviaria Pangborn ou Blackwell, não viria você mesmo.
— Você acha que eu mandaria eles para recolher o Cálice? Eu não sou um tolo. Conheço esta atração — Valentim soltou a mão dele, e Clary viu, reluzindo no dedo dele, um anel que era igual ao de Jace. — Me dê.
Mas Hodge segurou o Cálice rápido.
— Quero que você me prometa primeiro.
— Primeiro? Você não confia em mim, Starkweather? — Valentim sorriu, um sorriso sem humor. — Vou fazer o que você pediu. Um acordo é um acordo. Embora devo dizer que fiquei espantado ao receber sua mensagem. Eu não tinha pensado que você se importava com uma vida oculta de contemplação, por assim dizer. Você nunca foi muito de campo de batalha.
— Você não sabe como é — disse Hodge, deixando a sua respiração sair com um sibilante suspiro — estar com medo o tempo todo...
— Isso é verdade. Eu não sei.
A voz de Valentim era tão triste quanto os olhos, como se ele tivesse pena de Hodge. Mas havia antipatia nos olhos dele também, um traço de desprezo.
— Se você não tinha a intenção de dar o Cálice para mim — ele disse — você não deveria ter me chamado aqui.
O rosto de Hodge trabalhou.
— Não é fácil trair o que você acredita – aqueles que confiam em você.
— Você quer dizer os Lightwood, ou seus filhos?
— Ambos — Hodge disse.
— Ah, os Lightwood — Valentim se afastou, e com uma mão acariciou o globo de bronze que ficava sobre a mesa, os seus longos dedos traçando os contornos dos continentes e mares — mas o que é que devemos a eles, realmente? Seu é o castigo que deveria ter sido deles. Se eles não tivessem tão altas conexões na Clave, teriam sido amaldiçoados junto com você. Sendo assim, eles estão livres para ir e vir, para andar na luz do sol como homens normais. Eles estão livres para ir para casa.
Sua voz tremeu quando ele disse “casa”, com todo o significado da palavra. Seu dedo tinha parado de mover o globo; Clary tinha certeza que estava tocando no local onde seria Idris.
Os olhos de Hodge afastaram-se para longe.
— Eles fizeram o que qualquer um faria.
— Você não teria feito isso. Eu não teria feito isso. Deixar um amigo sofrer no meu lugar? E certamente o que deve gerar alguma amargura em você, Starkweather, por saber que eles tão facilmente deixaram esta sorte para você...
Os ombros de Hodge tremeram.
— Mas não é culpa das crianças. Elas não fizeram nada...
— Eu nunca soube que você era tão afeiçoado a crianças, Starkweather — Valentim disse, como se a ideia o divertisse.
A respiração ficou difícil no peito de Hodge.
— Jace...
— Você não vai falar de Jace — pela primeira vez, Valentim soou irritado. Ele olhou para a figura ainda no chão. — Ele está sangrando — ele observou — por quê?
Hodge segurou o Cálice contra o seu coração. Seus nós dos dedos estavam, brancos.
— Não é sangue dele. Ele está inconsciente, mas não ferido.
Valentim levantou a cabeça com um sorriso agradável.
— Me pergunto — ele disse — o que ele vai pensar de você quando acordar. Traição nunca é bonito, mas trair uma criança é uma dupla traição, não acha?
— Você não vai machucá-lo — sussurrou Hodge — você jurou que não iria machucá-lo.
— Eu nunca fiz isso — Valentim discordou — vamos, agora.
Ele se afastou da mesa em direção a Hodge, que vacilou para longe como um pequeno animal preso. Clary podia ver sua tristeza.
— E o que você faria se eu dissesse que tinha planos para machucá-lo? Será que você lutaria comigo? Manteria o Cálice longe de mim? Mesmo se você pudesse me matar, a Clave jamais retiraria sua maldição. Você se esconderia aqui até que morrer, aterrorizado até para abrir uma janela. O que você não trocaria, para não ter mais medo? O que você não daria, para ir para casa outra vez?
Clary mudou seus olhos para longe. Ela já não podia suportar o olhar no rosto de Hodge. Em uma voz sufocada, ele falou:
— Diga-me você não vai machucá-lo, e eu o darei para você.
— Não — Valentim respondeu, ainda mais suavemente — você o dará a mim de qualquer jeito.
E ele aproximou-se de sua mão.
Hodge fechou os olhos. Por um instante, seu rosto era o rosto de um dos anjos mármore sob a mesa, triste e grave e esmagado sob um terrível peso. Então ele xingou, pateticamente, sob a sua respiração, e segurou o Cálice Mortal para Valentim pegar, apesar de sua mão tremer como uma folha em um forte vento.
— Obrigado — disse Valentim. Ele pegou o Cálice e o olhou pensativamente — creio que você denteou a borda.
Hodge ficou calado. Seu rosto estava cinza. Valentim se curvou para baixo e se reuniu a Jace. Enquanto o levantava levemente, Clary viu o impecável casaco apertar sobre seus braços e costas, e ela percebeu que ele era um homem enganosamente forte, com o corpo parecido o tronco de um carvalho. Jace, mole em seus braços, parecia ser uma criança em comparação.
— Ele vai estar com seu pai em breve — Valentim disse, olhando abaixo para o rosto branco de Jace — onde ele pertence.
Hodge vacilou. Valentim se afastou dele e caminhou para trás em direção da ondulante cortina de ar de onde tinha vindo. Ele deve ter deixado o Portal aberto atrás dele, Clary percebeu. Olhar para ele era como olhar para a luz do sol na superfície de um espelho.
Hodge ergueu uma mão implorando.
— Espere! — Ele chorou. — E a sua promessa a mim? Você jurou acabar com a minha maldição.
— É verdade.
Ele pausou e olhou duro para Hodge, que arfou e andou para trás, a mão voando para o seu peito como se algo o tivesse atingido no coração. Fluído preto saiu em torno de seus dedos estendidos e escorria para o chão. Hodge levantou sua cicatriz facial para Valentim.
— Foi feito? — ele perguntou desordenadamente. — A maldição, acabou?
— Sim — disse Valentim — e pode sua liberdade comprada, trazer alegria?
E com aquilo ele andou através da cortina de ar incandescente. Por um momento, ele pareceu tremular, como se ficasse submerso. Então desapareceu, levando Jace com ele.
E com aquilo ele andou através da cortina de ar incandescente. Por um momento, ele pareceu tremular, como se ficasse submerso. Então desapareceu, levando Jace com ele.
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